Selfless and Brave. escrita por comfortablynumb


Capítulo 15
The Catalyst




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God bless us every one,
We're a broken people living under loaded gun,
And it can't be outfought,
It can't be outdone,
It can't be outmatched,
It can't be outrun.

Na manhã seguinte, acordo e apenas uma palavra vem à mente: divergência. Todas as minhas lembranças parecem estar distantes, pois o poder que esta palavra tem me devasta. Um sentimento ruim, mas ainda curioso.

Sonhei que a iniciação estava chegando ao fim e que todos a minha volta pareciam ocupados demais. Neste mesmo sonho, visualizei George Wu e eu no abismo. Desta vez, eu estava sendo empurrado, e no momento em que a escuridão preencheu o local, despertei do sonho. Olho ao meu redor e percebo que todos já estão arrumados. Dou um pulo da cama, visto as roupas e sigo o aglomerado de pessoas.

Somos conduzidos à sala de treinamento, que agora está repleta de alvos e, ao lado da porta, uma mesa metálica repleta de facas. No centro do salão, vejo Kira e Amah. Os dreads do instrutor estão amarrados e seu corpo está suado, como se ele estivesse ali há várias horas. Ignoro-o quando ouço Kira falar.

– Hoje é o penúltimo dia do primeiro estágio, como devem ter reparado. A fim de alternar as atividades do primeiro estágio, vocês não irão lutar hoje. Irão aprender a mirar. Peguem três facas e façam uma fila. Amah irá os ensinar como manuseá-las.

Obedecemos a ordem de Kira. Enquanto caminhamos em direção às facas, Eric lança-me um sorriso. Só então percebo que há um piercing perfurando sua gengiva superior. Desvio o olhar e concentro-me nas facas e nos movimentos de Amah. Ele está sério e sua respiração aparenta estar sob controle. Apesar da perfeição dos arremessos, o instrutor é lento. Percebo que o quesito necessário para acertar o alvo é a calma. Movimentos impulsivos, embora rápidos, são perigosos e geralmente ineficazes.

– Agora que já tiveram uma amostra grátis do que devem fazer, comecem.

Nos separamos e cada iniciando se posiciona à frente de cada alvo. Ao meu lado, se encontram Eric e Joseph. Dou de ombros e foco apenas no objeto em mãos e no alvo.

Tento reproduzir os mesmos movimentos de Amah. Respiro fundo e miro no centro do alvo. Levo o meu braço para trás, a fim de ganhar impulso e arremesso.

A arma cai no chão, intacta.

Fecho os meus olhos e mantenho a pressão sob os meus braços. Quando os abro, ouço a risada de Eric. Desta vez, ele está olhando para Joseph.

– É a única coisa que pode fazer, Joseph? - Eric questiona.

– Talvez. - ele responde, e sem tirar os olhos do alvo, arremessa sua pequena faca. Ela paira sob o ar e numa fração de segundos a arma atravessa o centro do alvo.

Desvio os olhos do garoto e novamente preparo-me para arremessar o utensílio. Em vez de manter a tensão apenas em meus braços, tento usar todo o meu corpo.

Quando estou prestes a arremessar a faca, observo uma atravessar em minha direção. Num reflexo, desvio e a arma atinge o braço de Eric. Franzo cenho e percebo que a faca fora arremessada por Joseph.

– Desculpe-me, Eric. Acho que estou sentindo falta dos meus óculos.

Eric o encara. Sem pronunciar qualquer palavra, ele repete o mesmo que Joseph. Desvio mais uma vez e a arma continua em direção ao garoto. Entretanto, antes mesmo de atingi-lo, a faca cai no chão.

– Mas que merda é essa? - ouço a voz de Kira atrás de mim. - Vocês estão pensando que estão num parque de diversões? - a voz estridente da mulher preenche o local, e agora os olhos de todos os iniciandos estão voltados à instrutora.

– Seria algum tipo de parque de diversão para maníacos, certo? Afinal, para que teríamos facas num parque de diversões? - responde Joseph. Eric lança-o um olhar incrédulo e começa a rir. Kira se aproxima ainda mais de Joseph e fita-o.

Neste momento, todos os meus músculos estão contraídos devido a tensão e tudo que consigo ouvir é a respiração ofegante de Joseph, que se torna ainda mais irregular quando a instrutora ruiva se aproxima.

– Você é engraçado. - diz ela. - É uma pena que não estejamos procurando palhaços em nossa facção. - Kira está a milímetros de distância do garoto. - Amah, me ajude aqui, por favor. - ela se distancia. - Vocês dois, vão para seus respectivos alvos. Amah e eu iremos nos divertir. Como num parque de diversões.

Vejo os dois garotos caminhando e percebo a diferença entre eles. Ambos são da mesma idade e possuem o mesmo porte físico, mas enquanto Joseph mantém uma expressão insegura, Eric possui um sorriso malicioso.

– Não é a primeira vez que isso acontece e nem será a última. As regras são claras: esquivem-se e perderão pontos. Desistam e perderão ainda mais pontos.

Ambos assentem, e Kira e Amah corre até a metálica mesa onde se encontram as facas. Voltando, Kira se posiciona no alvo onde Joseph está, e Amah no alvo de Eric. Os iniciandos se amontoam do lado da porta.

– Antes de começar, acho justo lhe informar que em minha iniciação eu era péssima com facas. - Kira ri com escárnio.

– Primeiro as damas. - Amah diz, arrancando mais um sorriso da instrutora.

– Com muito prazer. - retruca, já arremessando a arma no alvo. A faca atingira a parte superior do alvo, alguns milímetros acima da cabeça de Joseph. Ele arregala os olhos, mas logo volta ao normal.

Amah fecha os olhos antes de arremessar a faca. Também respira fundo e mira no alvo. Concentro-me em seus movimentos, a fim de repetir o que ele faz. Ao arremessar, a faca perfura o alvo. Eric solta um longo suspiro e semicerra os olhos. A arma não o atingira, mas, numa curta distância, teria cortado sua garganta. Observo-o e pergunto-me se estaria feliz se isso realmente acontecesse. A imagem de um Eric coberto de sangue preenche a minha mente e sinto um arrepio na espinha. Ignoro tal pensamento mórbido, pois é a vez de Kira arremessar sua faca.

Seus arremessos são precisos e rápidos, tornando o ato agonizante. Seu último arremesso fora entre o começo das pernas de Joseph.

– Eu só não entendo qual é a necessidade de tudo isso. - diz uma garota de cabelos cacheados e pele morena.

– Fazer com que esses dois bostinhas aprendam que não há tempo de flertar na Audácia. - responde Zeke.

– Flertar? - a garota ri. - Com facas?

– Metáforas, Diana, metáforas. - Clary retruca, revirando os olhos.

Os arremessos que se seguem dos dois instrutores são rápidos e brutais. Eles parecem estar em perfeita sincronia, como se estivessem em dupla. Por fim, quando ambos estavam com somente duas facas, Kira fez uma pausa, olhando para Amah.

– Vamos acabar logo com isso. Nós dois jogaremos essas duas facas ao mesmo tempo. - diz ela.

– Agora! - sinaliza Amah.

As quatro facas são arremessadas exatamente no mesmo local. Joseph permanece com o semblante inexpressivo, e Eric está de olhos fechados, sua mandíbula tensa.

– Grand finale! - pronuncia Diana.

Eric e Joseph se distanciam do alvo e caminham em direção ao aglomerado de iniciandos. Nenhum dos dois apresenta ferimentos. Joseph se posiciona ao meu lado ao de Clary. Seus dedos se entrelaçam.

– Que isso sirva de lição para os demais iniciandos. Não estão aqui para brincar de arremessar facas. Estão aqui para serem treinados. Estão aqui porque se submeteram a proteger Chicago. Não toleramos qualquer tipo de brincadeira ou piada durante o tempo de iniciação. Caso quisessem isso, poderiam escolher a Amizade. - diz Kira, de modo ríspido.

– Voltaremos aqui após o almoço. - diz Amah e todos os iniciandos seguem em direção ao refeitório.

Ao passar pelos alvos onde os dois garotos permaneceram, percebo que as facas contornaram seus corpos. Uma espécie de desenho com as armas. Clary repara o mesmo.

– Quase uma obra de arte! - ela sorri.

– Kira é uma babaca. - Joseph reclama. - Até na Erudição havia pessoas com senso de humor melhor que o dela.

– Que seja. - Clary diz.

Antes de sairmos, seguro uma das facas e corro em direção ao alvo de Eric.

– O que está fazendo? - indaga Joseph.

Não respondo. Fecho os meus olhos e arremesso.

Abrindo-os, vejo que a faca atingira o centro do alvo.

– Treinando. - digo. - Estou treinando.

+++

Ao fim do almoço, estávamos voltando ao centro de treinamento. Meu corpo estava relaxado, mas minha mente era um turbilhão de pensamentos. Dentre eles, a conversa de Tori era a mais evidente.

– Quatro - ouço uma voz distante. Viro-me e coincidentemente vejo a tatuadora me alcançando.

– O que você quer? Se está aqui para relembrar a minha insignificância dentro desta facção, sugiro que saia, pois já estou ciente disso.

Tori me lança um olhar triste.

– Me desculpe. Não gostaria de ter dito tudo que disse. Na verdade, estou aqui para lhe instruir. Não quero que termine como meu irmão terminara.

– Palavras podem ser mais perigosas que qualquer arma, Tori. Lembre-se disso.

– Após o fim da iniciação, me visite no Edifício Hancock. Nonagésimo oitavo andar. Precisará de instrução caso queira continuar vivo. - ela diz e se vira.

Minha mente, que antes era um turbilhão de pensamentos, agora só é preenchida pela frase de Tori. Precisarei de instrução caso queira continuar vivo.

O resto do dia fora dedicado a mais lançamento de facas. Meu resultado, segundo Amah, fora impressionante, visto que nunca arremessei uma faca antes. Entretanto, minha mente estava em outro lugar. O encontro com Tori perdurava em minha mente, e a única coisa que eu queria fazer era ir de encontro a ela.

Quando finalmente estávamos livres de todas as atividades, lavei meu corpo, a fim de retirar todas as impurezas do dia exaustivo e segui em direção aos trilhos.

O crepúsculo ainda tomava conta do céu, e enquanto aguardava o trem, observava-o. Lembro-me da visão do meu quarto e das raras vezes em que subia ao telhado a fim de admirar a vista de cima. Tudo isso, desta vez, não me machuca, mas traz à tona um sentimento bom, pois nesses raros momentos senti-me bem.

Após vários minutos aguardando, ouço o barulho do trem de longe, e observo-o. Quando ele já está próximo o suficiente, pulo. O trem desacelera à medida em que pulo, e então consigo entrar.

Ao adentrar, percebo que não sou o único passageiro da Audácia dali. Clary e Joseph, juntos, acomodam-se, sentando no chão. Ambos parecem estar próximo demais, e estão de mãos dadas. Eles se entreolham por alguns segundos e logo depois se beijam. Não percebem a minha presença, já que estou no final do automóvel.

Dou de ombros, pois em alguns minutos, estarei pulando novamente. Desta vez, não pularei do trem somente para mostrar que sou um guerreiro audaz.

Pularei a fim de descobrir a minha verdade.

+++

Após pularmos, Clary e Joseph percebem a minha presença. Sorrio para eles, e pergunto-me para onde estão indo.

– Oi! - Clary exclama, o sorriso fraco.

– Cara... você estava no trem o tempo todo? - Joseph balbucia.

– Sim. - assinto com a cabeça, sorrindo. - Não se preocupem, o segredo de vocês estará a salvo comigo.

– Mas não é um segre... - Joseph diz, sendo interrompido por Clary.

– Obrigada, Quatro! Você sabe, não quero que me vejam com ele. Poderia manchar a minha reputação.

– Por que mancharia? - pergunto. Joseph a encara, arqueando as sobrancelhas.

– Eu não saio com maricas.

– Você já saiu com o Zeke! - Joseph diz, indignado. - E acho que nenhum marica faria o que eu fiz contigo durante o caça-bandeira. - ele conclui, dando um sorriso com sarcasmo.

Ela revira os olhos e dá de ombros.

– Enfim, Quatro, para onde está indo?

– Ao Edifício Hancock.

Os dois parecem estar surpresos agora. Encaro-os, sem entender o porquê.

– Nós também.

– Ah, à tirolesa, certo? Boa sorte com isso.

– C-claro. À tirolesa. - finaliza Joseph.

– Estamos a poucos minutos do Edifício Hancock. - Clary faz uma pausa. - Por que não corremos até lá?

– Por que correríamos? - indaga Joseph. - Acho que estamos muito bem assim.

– Não seja um marica! Perder o fôlego correndo é bom, às vezes. E ainda queimamos as calorias. - ela sorri e corre. Fazemos o mesmo.

O vento, em contato ao meu rosto, faz-me sentir bem. As mangas da minha camisa, agora pretas, voam contra o vento e meus cabelos também. Lembro-me do meu teste de aptidão, o qual ao final dele, corri em direção à minha casa. Daquela vez, corri a fim de tentar me libertar da angústia. Agora corro, mas já me sinto liberto. Acordo do devaneio quando finalmente alcançamos o prédio. Ao adentrarmos, percebemos que a entrada continua escura, embora ainda haja luz nas escadas.

– Vamos de elevador. - Joseph sugere. - Não quero subir mais de noventa andares de novo.

– Mas ele está funcionando?

– Não, não. Sugeri irmos de elevador só de brincadeira. - ele responde com ironia. - Você realmente acha que eu não verifiquei isso antes?

– Acho. Do jeito que é idiota, você pode não ter se assegurado de que a eletricidade daqui ainda funciona. - ela revira os olhos.

– Não se esqueça da minha facção de origem, querida Clary. Erudição. Somos bem mais inteligentes que qualquer um nascido na Audácia.

– Agora você é da Audácia, querido Joseph. Não se esqueça disso.

Ignoro a discussão e aperto o botão do elevador. Em alguns segundos, ele está no térreo.

– Eu não sei se vocês continuarão nessa lenga-lenga incessante, mas o elevador está aqui e ele subirá com ou sem vocês. - retruco.

Ambos bufam e andam até o elevador. Observo o painel numérico e aperto o nonagésimo oitavo andar. Eles não apertam o botão do centésimo andar, apenas se entreolham.

– Vocês não estavam indo à tirolesa? - indago.

– Não exatamente. Temos um encontro. - Clary responde.

Antes mesmo de eu poder questionar, o elevador sobe e nos leva ao nonagésimo oitavo andar. Nos deparamos com um corredor escuro, iluminado apenas pelas luzes de emergência em cada extremidade. Observo uma garota pequena no final do corredor e percebo que é Tori.

– Clary. Joseph. Quatro. - ela diz. - Me acompanhem.

Obedecemos sua ordem, e adentramos numa grande porta que nos leva a um dos abandonados quartos do Edifício. A nossa frente, há uma enorme mesa de metal com quatro cadeiras em cada lado. Sento-me em frente à Tori e observo a grande parede de vidro ao meu lado, que nos mostra a vista de Chicago logo de cima. A sala não é iluminada por qualquer luz artificial, apenas pela luz da lua.

– Vocês estão aqui por um único motivo. - diz Tori, sua voz mais forte que o habitual. - E esse motivo os leva a um único final: à morte. Se querem sobreviver, precisam confiar em mim.


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Notas finais do capítulo

Pra visualizar o Edifício Hancock melhor: http://pbs.twimg.com/media/BUcw2qGCEAMMrLN.jpg:large
:D



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