Utopia escrita por Renata Salles


Capítulo 3
Primeiro Beijo


Notas iniciais do capítulo

O céu da cidade parece estar escuro esta noite, estamos de costas com nossas cabeças abaixadas. Basta olhar para mim, me dê mais esta noite, apenas me dê mais do seu amor agora.

Vamos atear fogo à noite solitária, você é lindo quando me olha. Vamos dar outra vida ao amor porque você estará a salvo nos meus braços, chame meu nome na beira da noite e eu vou correr até você.

Eu correrei até você, se você quiser que eu o faça, só me dê algum tipo de razão. Eu tiraria a dor, levaria tudo embora, me dê algum tipo de sentido. Vamos nos libertar e nos dar um começo, você sabe que estou sentindo o mesmo, vamos nos libertar dos nossos corações partidos...

Porque mesmo se isso me machucar amor, eu farei meu caminho até você. De qualquer jeito isso vai me levar, amor. Eu corro até você.

Lea Michele, Run to You



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3. Primeiro beijo



Primavera de 2012

Eram cinco horas da manhã e eu ainda não havia conseguido dormir. Passei a noite inteira admirando a lua, contando estrelas, analisando os detalhes da moldura em gesso do teto do quarto, contando carneirinhos… Mas nada me fazia esquecer.

Ouvi um barulho vindo do corredor e praticamente corri até lá.

Seth lutava para abrir a porta de seu quarto enquanto equilibrava uma bandeja de prata enorme no braço.

Ele parou ao me ver.

— Bom dia tampinha. O que faz acordada tão cedo? — sussurrou.

— Não dormi. — Ele me encarou com um vinco na testa. — Eu te ajudo — disse já pegando a bandeja de suas mãos.

Seth arrumou as frutas e frios, deixando-os perfeitamente alinhados.

— O que é isso? — perguntei gesticulando para a bandeja.

— Comida.

— Oh, jura? Qual o motivo?

— Não tem motivo. Mimo nunca é demais quando se tem uma esposa como a minha. Sabe como é… cuidar bem para cuidar sempre.

Sorri.

Seth pegava a bandeja das minhas mãos quando a porta se abriu.

— Eu adoro café da manhã na cama! — afirmou Sophia com um sorriso brilhante.

Seth suspirou derrotado abaixando a cabeça.

— Ai amor… Estraguei a surpresa de novo? — disse carinhosamente arrumando o cabelo desgrenhado do marido. Ela me encarou e piscou com um sorriso, abrindo caminho para que ele entrasse no quarto. — Venha Nessie, tome café conosco.

Recuei um passo balançando a cabeça de um lado para o outro.

— Não seja boba! — Sophia me segurou pelo braço e me arrastou até uma das poltronas próximas a varanda. — Sente-se, temos muito que conversar.

Eu realmente não queria ter aquela conversa, ainda mais com Seth presente! Ainda que provavelmente ele já soubesse.

— Não precisa dizer nada, eu já entendi e está tudo bem, sério — comecei. — Eu sabia que havia riscos e decidi corrê-los, é normal e estou bem! Só espero que ele pare de me evitar — terminei com um sorriso forçado.

— Jacob jamais te evitaria Nessie — começou Seth. — Ele anda ocupado e precisa de um tempo para esfriar a cabeça, é só isso.

— Mas ele precisava mesmo esfriar a cabeça sozinho em Seattle com a Leah?

— Ele foi tentar convencê-la a voltar — disse Seth como se estivesse explicando algo a uma criança pela quinta vez. — De novo.

— A ordem dos fatores não altera o produto — teimei.

Seth e Sophia se encararam.

— Jacob é muito cabeça-dura, Nessie. Um cabeça-dura irritante que ignorou tudo o que eu disse — resmungou Sophia.

— Em geral não é uma coisa fácil de acreditar… — explicou Seth defendendo o amigo e alfa, como sempre. — Não tão cedo.

Antes que eu pudesse me concentrar no significado daquele “não tão cedo”, as palavras de Sophia ecoaram em minha mente. Meus olhos se arregalaram em choque.

— Você contou a ele? — O casal se entreolhou novamente. — Ai não! — lamentei abaixando a cabeça e apoiando-a nas mãos. — Isso explica porque ele sumiu.

— Ele não sumiu — começou Seth.

— Sei, sei — interrompi-o. — O que exatamente disseram a ele?

— Nada. Apenas sugeri que ele a chamasse para sair… De preferência para um lugar onde seu pai entrometido não ficasse bisbilhotando.

— Mas Sophi, eu… e… — suspirei. Jacob é meu melhor amigo, e eu corro o risco de estragar nossa amizade por uma coisa que eu nem sei o que é! — E se estiver errada?

— Eu sei o que sente quando está perto dele, lembra? E, além disso, tenho mais uma série de motivos para ter certeza.

Gemi baixinho.

.

Dois dias antes

— Posso ajudá-las? — perguntou a atendente.

— Hmm… — Sophia analisava o cardápio. — Um Capuchino?

— Não. Estou bem, obrigada — respondi.

— Nessie… — Advertiu. Sophia e meu avô resolveram me obrigar a comer comida humana. Suspirei revirando os olhos. Ela se virou para a atendente. — Um Mocha Branco e um Capuchino, ambos pequenos, por favor.

— Mais alguma coisa? — perguntou a humana.

— Não obrigada.

A atendente perguntou nossos nomes e os escreveu nos copos. Fomos para a outra extremidade do balcão.

— Então — começou Sophia —, eu estava pensando em usar um vestido de seda no coquetel, ou talvez uma daquelas saias indianas, sabe? Com o tecido bem estampado… O que você acha?

Eu sabia que ela estava falando comigo, mas sua voz era um eco distante.

— Você sabe se Jacob tem namorada? — perguntei como quem não quer nada.

Ela me encarou franzindo o cenho.

— Não, não sei. Por que?

— Por nada. Só acho estranho nunca tê-lo visto com ninguém.

O barista nos entregou os cafés. Saímos da loja.

— Por que seria estranho?

— Não sei. Ele é tão…

— Tão…?

Entramos no carro.

Lindo.

— Amável. Digo… — hesitei. — Jake é carinhoso e alegre, me espanta que não tenha uma namorada. — Encarei a paisagem. — Você sabe se… ele fica com alguém?

Sophia me encarou com um olhar malicioso.

— Por que não pergunta para ele?

— Ah, nós nunca… falamos sobre isso.

— Sobre o quê, exatamente?

Encarei-a.

— Você está me deixando confusa!

Um sorriso presunçoso brincou em seus lábios.

— Você está apaixonada por ele!

— Não, não estou — respondi automaticamente.

Seus olhos brilharam e seu sorriso aumentou.

— Está sim, olhe para você! Seus olhos brilham quando fala dele e seu tom torna-se completamente meloso!

— Isso é loucura, ele é meu melhor amigo!

Ela deu de ombros.

— Seth também é meu melhor amigo.

Mas que comparação!

— Não é a mesma coisa.

— Porque não?

— Vocês são casados!

— E antes de nos casarmos nós éramos…?

Encarei-a cética.

— Noivos.

Ela riu.

— Nessie, aceite! Ah… Isso é tão fofo!

— Isso não está certo.

Ela pegou o celular e começou a discar.

— Para quem está ligando?

— Alô, Jake?

Meus olhos arregalaram e o sangue deixou meu rosto.

— Sophi? — o ouvi dizer, parecia confuso. — Seth está…

— Não, não — interrompeu-o. — É com você mesmo que quero falar.

— Algum problema?

— O que fará hoje à noite?

Meu coração estava em dúvida se acelerava ou se simplesmente parava de bater.

— Eu? Acho que vou para a casa dos Cullen. Apesar de que Edward anda tão estranho… Ele sempre me tratou como se eu fosse da família, e de repente começou a me olhar torto e dizer que está de olho em mim. Não sei o que deu nele!

— Ah, eu sei!

— Hein?

Se não estivesse paralisada e concentrada em ouvir a conversa, eu simplesmente pularia no pescoço dela e jogaria o celular pela janela.

— Venha jantar conosco esta noite.

Um nó gigante pareceu obstruir minha garganta, enquanto eu lutava para tirá-lo dali.

Nãaaaao! — gesticulei.

Ela sorriu.

— Não sei, eu queria ver a Nessie… — disse ele.

Sorri satisfeita.

— Ah, vocês aguentam um dia! Aposto que não vai se arrepender.

— Er… tudo bem então.

— Certo, te esperarei em casa. Avise Seth, por favor.

— Claro, claro.

Eles desligaram.

— O que você está aprontando? — questionei.

Sophia sorriu maliciosa.

— Nada.

Afoguei a cabeça nas palmas das mãos.

.

Dois dias depois

— Por que você não o chama para sair? — perguntou Seth, me tirando dos meus devaneios.

— Hein?

— Eu conheço um lugar ótimo… — começou Sophia me encarando significativamente — Você poderia convidá-lo.

Hesitei.

Por mais que Seth e Sophia dissessem que isso não tem nada a ver — e Seth é uma fonte confiável por ser o melhor amigo dele —, eu temia o que seria da nossa amizade depois disso.

Por fim, acabei cedendo assim que o vi.

.

Jacob e eu íamos a um bar em Olympia. Nosso primeiro encontro. Isso era um encontro, certo?

Nesse momento, meu maior problema eram meus pais surtando.

Alice havia brincado comigo o dia inteiro, me fazendo de boneca. Finalmente ela escolheu um vestido branco curto demais na minha opinião, e sapatos pretos de salto alto.

Eu estava envergonhada, mas minha tia nunca me deixaria trocar de roupa, então peguei um casaco preto estilo Lolita no closet, convencida a não tirá-lo mesmo que derretesse.

— Uh, sexy… Assim você vai enfartar o cachorro! — declarou Emmett.

Ignorei-o, ao contrário de meus pais que rosnaram furiosamente.

— Argh… Ela só tem cinco anos! Vocês estão loucos? — começou Rosalie novamente.

— Tia, por favor…

Meus pais não precisavam de mais um incentivo para não me deixarem sair.

Ouvi um leve ronronar de motor e meu coração acelerou.

— Tudo bem, circulando crianças! — ordenou Esme.

Quando a campainha soou — não que Jacob tivesse o hábito de tocar a campainha —, estávamos apenas eu e meus pais na sala.

— Parada aí! Sente-se. — Minha mãe ordenou antes que eu pudesse dar um passo em direção à porta.

Deveria ter saído pela janela, pensei displicente. Meu pai me encarou com os olhos estreitos antes de abrir a porta.

Meu coração saltitou. Jacob estava lindo! E, no entanto, uma coisa amarrada a seu pulso me chamou a atenção: era uma pulseira torta e mal trançada, feita por mim quando tinha dois anos de vida, e a mentalidade e aparência de uma criança de aproximadamente oito anos.

Naquele dia Jacob estava muito quieto e pensativo fazendo mais uma pulseira Quileute para mim, pois a minha terceira já havia ficado pequena. Eu me sentei ao seu lado e pedi para que ele me ensinasse a fazer uma, apenas para que pudéssemos fazer algo juntos, e mesmo quando estivéssemos separados, ele tivesse alguma coisa minha.

Bem, a teoria era linda, mas a prática foi um verdadeiro desastre. Não que Jacob fosse um professor ruim, mas eu sinceramente não tenho paciência para qualquer trabalho manual. Eu sabia tocar piano e isso era quase um milagre.

Jacob se divertiu me vendo ficar irritada, então a experiência não foi em vão. De qualquer forma, assim que ele se transformou sua pulseira se partiu, e juro que eu nunca o havia visto tão irritado. A pulseira que ele me deu nesta época está guardada em meu quarto, junto com as outras, e a última segue em meu pulso. Sorri por ele ter concertado a dele.

— Olá Jake, boa noite. Entre, vamos conversar! — disse Edward simpaticamente.

Jacob franziu o cenho, reconhecendo a ordem que também poderia ser considerada uma ameaça. Ele entrou e se sentou no sofá ao meu lado, meus pais estavam em pé a nossa frente.

— Algumas coisas terão que mudar por aqui — começou Bella.

— Filha, seu toque de recolher agora é as oito em ponto — anunciou Edward.

— O que? — soltei indignada, eu não havia feito nada errado.

Ele suspirou.

— Tudo bem… Às nove, mas nem um minuto a mais, mocinha!

Bufei indignada.

— Visitas após as onze serão supervisionadas, e nem pensem em nos enganar, pois Edward estará de olho em vocês — disse minha mãe dirigindo-se a Jacob. Ele era muito bom em quebrar regras.

Meus pais me deixavam furiosa e terrivelmente constrangida, enquanto Jacob apenas assentia, ouvindo tudo com muita atenção e sem contestar absolutamente nada.

— Nós não temos quarto de hóspedes na Choupana Jake, então suas visitas estão restritas — continuou Edward.

— E não queremos mais que Nessie durma em sua casa. Nada pessoal — minha mãe completou.

— Eu não posso ir a La Push? — perguntei quase como uma acusação.

— Querida, você pode ir, contanto que respeite o toque de recolher e que se comporte quando estiver lá.

Meu queixo caiu.

— Por favor, controlem seus pensamentos. Agora e sempre! — pediu Edward.

— Mais alguma coisa? — perguntei sem fôlego.

— Na verdade sim — disse Bella —, mas conversaremos a sós com Jacob mais tarde.

Encarei meu lobinho que engoliu a seco.

— Mais alguma coisa? — disse entredentes.

Meu pai sorriu.

— Podem ir.

— Ótimo. — Levantei em um pulo. — Você não vem? — perguntei a Jacob que permanecia estarrecido.

— Claro — respondeu parecendo sair de seus devaneios.

Estávamos prestes a sair quando papai deu o ar de sua graça novamente:

— Ah, e Jacob… A mão não passa da cintura!

Corei com os olhos arregalados e ele assentiu constrangido. Peguei em sua mão e o arrastei para fora.

Passamos pela fila, indo diretamente a entrada. O segurança, um africano de dois metros, extremamente forte e com uma expressão ameaçadora abriu um sorriso brilhante.

— E aí, ruiva!

— Zola! — abracei-o.

— Como está sua tia? — perguntou se referindo a Rosalie.

Ele e Rose eram grandes amigos.

— Está ótima! E sua filha?

— Ah, você sabe… Atrevida e mimada, igual a mãe.

Sorri.

— Sempre.

Mostrei o cartão dourado a ele.

— E esse é…?

— Jacob — me virei para meu acompanhante confuso. — Jacob este é Zola.

Eles apertaram as mão.

— Dê um beijo em Núbia por mim — pedi.

— Claro. Divirtam-se, mas não muito.

— Pode deixar!

— Apareça mais vezes.

— Com toda certeza!

Jacob me encarou com uma careta de explique-se.

Na verdade gostávamos de fazer disso um segredo: quando as garotas Cullen se sentem entediadas, dizemos que vamos as compras e acabamos aqui. Sophia gostou tando do lugar que o comprou, e Rosalie o administrava.

Apenas ergui os ombros.

Emporium era um lugar realmente muito apropriado, com decoração rústica chic e música ao vivo. Jacob adoraria.

Fomos para o canto mais distante do salão, do lado oposto ao palco onde uma de minhas bandas preferidas começava a tocar — minha desculpa para convidá-lo.

Sobre a mesa havia uma placa negra com letras fluorescentes:

Reservada

para Sr. e Srª. Black

Jacob puxou a cadeira para que eu me sentasse e se acomodou a minha frente, então pegou a pequena placa nas mãos, analisando-a. Quando a colocou no lugar seu olhar voltou-se para mim.

Nos encaramos sem jeito por alguns minutos.

Desde que ficamos sozinhos não conseguimos estabelecer um diálogo, fazendo apenas perguntas curtas e recebendo respostas monossilábicas. Aquela situação era estranha e altamente errada. Eu odiava não saber o que dizer.

O vocalista anunciou a próxima música e os humanos aplaudiram, gritando fervorosamente.

— Eu adoro essa música! — disse levantando em um pulo e estendendo a mão para ele.

Guiei-o até o centro da pista. Jacob ainda me encarava curioso quando virei de frente para ele cantando empolgada.

A música era muito envolvente, a iluminação pulsante e colorida predominava o azul, vermelho e o branco, seguindo o ritmo da música perfeitamente. A sensação de me entregar a música era maravilhosa e única. Eu pulava, cantava e dançava ao mesmo tempo, junto com os humanos.

Naquele momento não poderia haver nada ali além de felicidade.

A cada momento, a cada movimento, Jacob se surpreendia ainda mais com Renesmee, sua pequena.

Ela cresceu rápido demais, e apesar de já vê-la e desejá-la como a mulher que se tornou, era difícil aceitar que Nessie não era mais uma garotinha — aceitar sem acreditar que estava corrompendo, roubando e consumindo sua curta infância.

Nas últimas semanas tudo estava mudando: Bella e Edward passaram a agir de forma estranha, Nessie assumia cada vez mais formas e jeito de mulher, fazendo com que Jacob tivesse que lutar cada vez mais para se controlar quando estava perto da garota. E tudo piorou quando Seth e Sophia disseram que ela estava pronta, que Renesmee o amava.

Aquilo foi demais para o Alfa.

Jacob nagava a si mesmo, pois ainda que ela realmente o quisesse, por respeito a sua infância, deveria esperar. Mas era verdade que ela estava diferente, que firmava opiniões articuladas sobre o mundo e estava mais madura.

Às vezes Renesmee falava baixinho sobre qualquer coisa, apenas para que ele se aproximasse. Jacob perdia o fôlego, e ela mordia o lábio com um sorriso displicente.

E agora isso.

Jacob tentava encontrar a voz da razão em sua cabeça, e convencer-se de que ela ainda era uma criança quando Renesmee ligou, convidando-o para sair. Ele se surpreendeu, se perguntando esperançosamente se seus amigos tinham razão, apesar de ela apenas ter pedido que ele a acompanhasse em um show.

Com tantas possibilidades é difícil conter a imaginação.

E afinal, ela estava tão distraída… tão linda que ele foi incapaz de se mover, apenas observando-a com uma expressão deslumbrada enquanto tentava não enlouquecer, pendendo entre as linhas do desejo, medo e responsabilidade, lutando contra si mesmo, pois nenhuma criança se moveria daquela forma, nenhuma criança seria tão envolvente e sedutora.

A música acabou e ela parou, aplaudindo. Jacob lamentou, poderia vê-la dançar e cantar para si mesma pelo resto da vida.

Renesmee o fitou sorrindo satisfeita e seu coração quase parou, mas voltou a disparar quando ela ficou na ponta dos pés para falar em seu ouvido.

— O que foi totó?

Ele demorou um tempo para encontrar sua voz, e só então notou que sorria abobalhado.

— Estava esperando que abraçasse alguns humanos e pulasse com eles. — Ela mostrou a língua em meio a uma careta e voltou a sorrir. Jacob tomou fôlego. — Sério… Se tentava ser discreta, fracassou vergonhosamente.

— Por quê?

Ele se aproximou, podia sentir o hálito dela em seu rosto.

— Você é linda.

Nessie estremeceu ao sentir o hálito quente em seu pescoço e seu coração disparou. Eles congelaram naquela posição, se encarando com os rostos quase se tocando, pois nenhum dos dois queria, ou era capaz de se mover.

Uma música mais lenta, profunda e romântica começou e a iluminação tornou-se mais branda. Casais assumiam a pista enquanto Nessie se afastava lentamente, e com a mesma lentidão pegou suas mãos.

— O que está fazendo?

— Dançando… — respondeu colocando as mãos do rapaz em sua cintura. — Com você — As pontas dos seus dedos percorreram os braços dele. Ela envolveu seu pescoço.

Eles começaram a se mover lentamente com seus corpos se tocando. Aos poucos, surgiram giros e sorrisos, e eles se tocavam livremente, como ímãs naturalmente atraídos um para o outro.

Somente quando a música acabou e a chuva de aplausos começou que eles se deram conta da proximidade. Jacob estava inclinado e tinha uma mão ao redor da cintura de Nessie, mantendo-a seguramente próxima enquanto a outra tocava seu rosto que estava a apenas a alguns centímetros do seu. Renesmee estava nas pontas dos pés, com uma mão sobre o abdômen e a outra em torno do pescoço do lobo.

Eles se encararam intensamente pelo que pareceu uma eternidade, ambos lutando para não se aproximar ainda mais.

Então Renesmee finalmente se afastou, apoiando-se nos calcanhares e ele a soltou imediatamente. Seu coração batia tão rápido e forte que ele temia enfartar, tão imerso em sua insegurança que não percebeu que o coração dela batia em sincronia.

— Eu… Preciso ir ao toalete — soltou rapidamente, tropeçando nas palavras e já se virando, saindo praticamente correndo, esbarrando nas pessoas.

Jacob permaneceu parado no meio da pista, estático, fitando a direção que ela seguira, odiando-se por tê-la pressionado.

Covarde. Burra. Covarde, burra e estúpida! Repeti milhões de vezes em minha mente. Sua covarde idiota, como pôde fugir daquela maneira?

Mas também, o que mais poderia fazer? Se Jacob quisesse me beijar o teria feito.

Eu parecia uma humana idiota ofegando e tremendo dentro do banheiro. Respirei fundo por alguns minutos, decidindo juntar a pouca coragem que tinha e voltar ao salão, para ver se ele não havia ido embora depois do que fiz.

Retornei ao corredor hesitando, parecia haver borboletas em meu estômago. Droga de metade humana!

Eu estava ansiosa, com plena consciência de que qualquer coisa, qualquer mau entendido, poderia acabar com nossa amizade para sempre.

O vi sentado em nossa mesa como se não houvesse mais ninguém no salão. Parei sem fala, minha mente deixando de funcionar.

Ele estava acompanhado, e não era alguém conhecido ou aparentemente adorável. Não… Ela era loura, com cerca de vinte e cinco anos e aparentemente 1,72 cm recheados com 63 kg de pura enganação e conversa fiada. Tinha um ar de cantora country e se tivesse mais curvas e fosse menos desengonçada, poderia até ser modelo de lingerie. Ela estava lá, sentada em meu lugar, oferecendo-se para o meu Jacob, sua mão indo alcançar a dele.

A fúria subiu com um rosnado que reprimi.

— Talvez ela tenha mesmo ido embora — insinuou a rapariga deslizando seus dedos pela mão de um Jacob totalmente distante, encarando aquela placa fixamente. Era como se ele mal notasse que ela ainda estava ali, e ainda assim, meus olhos arderam em chamas. — Não precisa se preocupar com sua amiguinha… — concluiu a humana.

A expressão dele mudou para algo como dor e então voltou ao vazio. Segurei um rugido, prendendo meus pés firmemente ao chão.

Analisei o lugar, calculando quantos humanos me veriam antes que eu separasse a cabeça dela do corpo. Jacob certamente me veria antes que eu pudesse afundar meus dentes no pescoço da loura, e me impediria de fazê-lo. Teria que ser de outra forma. Talvez se eu a arrastasse para o banheiro…

— A essa altura ela deve estar na casa dela tomando um chocolate quente, enquanto você está aqui… Ela o deixou sozinho — continuou a humana, se inclinando na direção dele. — Podemos ir para outro lugar… tenho certeza que será divertido.

Chega, ela ultrapassou todos os limites!

Estava decidido. Eu agarraria os louros, finos e ondulados cabelos daquela baranga e a arrastaria até o banheiro onde — Jacob não poderia entrar, seria indelicado — eu rasgaria sua clara, fina e delicada pele humana, arrancaria seus braços, para que ela nunca mais pudesse alisar alguém daquela forma, e seus olhos azuis, para que ela jamais voltasse a olhar para o que não lhe pertencia.

Fui silenciosamente em direção à mesa.

Meu coração estava acelerado e meu sangue pulsava, ela estava imperdoavelmente perto, e ainda se aproximando de um Jacob que parecia estar em outro planeta, imóvel encarando o raio daquela placa.

Senti meu sangue ardendo como fogo. Eu faria caquinhos dos ossos dela, quebrando um por um.

Jacob ergueu os olhos, como se tivesse finalmente percebido a existência da humana, ou sentido minha presença.

Tarde demais, ele já não poderia me deter.

Parei ao lado dele e a humana hesitou. Jacob me encarou hesitante.

Ele começava a dizer algo, ameaçando se levantar quando em um ato completamente displicente e impensado, eu o beijei.

Uma forte onda de calor inundou meu corpo por completo e o relaxou enquanto seus lábios macios se encaixavam aos meus. Ele envolveu minha cintura com suas mãos grandes, me segurando firmemente.

A loura nos trouxe de volta ao mundo derrubando seu drinque que escorreu pela mesa, me molhando. Provavelmente estava envergonhada e sem jeito com a cena a sua frente. Separei nossos lábios ofegante e ele encostou sua testa à minha.

A humana se desculpou e me entregou um guardanapo de pano. Vermelha como um tomate, apresentou-se como Ashley e, desculpando-se mais uma vez, foi embora, inventando uma desculpa qualquer.

Só então percebi Jacob rígido como uma pedra. Ele mal respirava.

Reparei então que eu estava sentada no colo dele.

Corei, me levantando enquanto me perguntava como eu havia chegado ali.

Ele continuou estático, me encarando mortalmente chocado. Não pude encará-lo novamente. Meu peito doía, e eu estava mortalmente envergonhada, com medo e dor pela rejeição que viria a seguir, angustiada pela amizade que acabara de perder.

Tomei consciência, como se três toneladas tivessem caído sobre minha cabeça, de que a rejeição de Jacob seria mais do que eu poderia suportar, e que não poderia simplesmente seguir aguardando-a.

Então atravessei o bar esbarrando em algumas pessoas e corri dentro dos padrões humanos até sair do local com Jacob em meu encalço.

Ignorando seus chamados, corri em direção à beira da floresta. Não sei bem o que estava fazendo, Jacob me alcançaria sem muito esforço mesmo que eu estivesse sem salto, então parei.

— Não fuja — disse com a voz rouca, segurando-me pelo braço.

Procurei minha voz, mas não encontrei nada, então tentei me soltar, minhas bochechas estavam em chamas.

— Me deixe ao menos te levar para casa!

Respirei fundo.

Meus olhos foram inundados por lágrimas, engoli seco. Jacob hesitou, uma sombra passou por seu rosto e deduzi que se preparava para me rejeitar.

Então fugi como a verdadeira covarde que sou.

.

Sentei de forma mais confortável no banco do passageiro do seu Audi, ainda evitando encará-lo. Não conseguia acreditar que ele havia literalmente me jogado em seu ombro e me trazido à força até aqui.

Ficamos assim por um tempo: parados, eu encarando a floresta e ele, o painel do veículo.

— Nessie eu…

— Desculpe — soltei.

Sorrimos sem jeito. Quebramos o silêncio exatamente ao mesmo tempo, em sincronia quase musical.

Ele hesitou.

— O que foi aquilo?

Minha mente gritava, exigindo autocontrole.

— Quem era a garota? — perguntei como uma acusação.

Corei. O que estava dizendo?

— Eu estava te esperando e… não sei, ela sentou na nossa mesa começou a falar.

Encarei-o.

— Você prestou atenção pelo menos no nome dela?

— Na verdade não.

Ri. Ele hesitou.

— O que? — perguntei.

— Nada.

— Diga — disse lhe cutucando o braço.

Ele coçou a cabeça.

— Pelo jeito que olhou para a garota — sorriu sem jeito — pensei por um segundo que estivesse…

— Com ciúmes? — soltei sem pensar.

Nós nos encaramos em silêncio. Nossos corações aceleraram, mas ele continuou sério, concentrado. Ao perceber a proximidade tive que me segurar firmemente ao banco e desviar o rosto, para que não o agarrasse novamente. Corei.

— Eu estava — confessei, recusando-me a olhá-lo.

Ele se ajeitou para ficar de frente para mim, e segurou minha mão. De repente o carro parecia estar muito quente.

Hesitamos.

— O que sente por mim? — soltamos em perfeita sincronia por debaixo do fôlego.

Sorrimos. Nossa sincronia nunca falha.

— Sua vez de responder — disse.

— Não posso.

Aproximei-me impulsivamente.

— Diga! — implorei com um sussurro.

Minha respiração falhou quando senti seu ar em meu rosto. Suspirei, fechando os olhos.

Selecionei minhas melhores lembranças dos nossos momentos juntos, e permiti que ele visse a si mesmo como eu o via. Apenas queria senti-lo da forma mais completa, queria que ele soubesse disso.

E queria que ele soubesse que podíamos fingir que nada aconteceu caso não sentisse o mesmo, mas perdi completamente a linha de raciocínio quando Jacob segurou meu pescoço e pressionou seus lábios contra os meus.

Senti-me aquecer por completo e me aproximei um pouco mais, aumentando a intensidade do beijo. Jacob era inebriante.

E nesse momento tive certeza de que Jacob me possuiria enquanto eu vivesse.

Ele se afastou encostando sua testa à minha e me encarou.

— Eu te amo — respondeu.

 

***

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Notas finais do capítulo

*Sophia não tem limite...

E aí? Me conte o que achou! Quero saber tudoooooo!



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