Vê-Lo Outra Vez escrita por Kis Vasco


Capítulo 1
Decido Tomar um Café Mais Forte




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Ruim. O meu café estava ruim. Na verdade, qualquer apreciador de café o teria cuspido bem ali, na minha pequena mesa, mas eu fui mais controlada e o despejei educadamente na pia. Fraco e pouco açucarado. Na época, eu errava frequentemente as medidas do café, talvez por estresse. Talvez porque não houvesse com quem compartilhá-lo, no fim das contas.

Me lembrei da cafeteria na qual meu amigo havia me levado uns três meses antes: lá sim sabiam fazer café, era até admirável como o gosto podia ser tão bom quanto o cheiro ali, então decidi que tomaria um café lá e voltaria quando desse vontade: não haveria alguém me esperando para jantar ou ver um filme de sexta-feira. Não, eu já perdera essa oportunidade havia muito.

O dia estava nublado, mas não com vontade de chover, apenas branco e silencioso, como uma tela. Não estava frio nem calor e a cidade não estava vazia, tampouco agitada como se espera das tardes do início de fim de semana. Fui à pé e a caminhada só me deixou mais cansada e precisada de um café. Cheguei à Tosse do Gigante, o que eu acho um nome horrível para uma cafeteria, por sinal, e pedi uma bebida simples. Não havia ali sequer um rosto feliz, pude observar enquanto esperava o rapaz de avental vermelho trazer meu copo. Todos pareciam, assim como eu, buscar algum refúgio em beber café olhando o céu apagar. Não, neste momento o céu ainda não estava se apagando, era cedo.

Peguei o copo de plástico e saí, cansada dos olhares vagos alheios que refletiam a mim mesma, para o parque próximo. Não era muito grande, mas confortável e provavelmente haveria ali pessoas sorridentes tomando sorvete, ao invés de café. Café. Café irrita. Me sentei em um banco sob uma árvore meio desfolhada e tomei um gole do que já começava a não mais queimar. Estava prestes a dar o segundo gole quando fui abordada por uma criança: o garoto devia ter uns cinco anos, pelo tamanho:

– Você quer sorvete? - ele disse, sentado na pequena bicicleta.

– Ah, não, eu não sou boa com sorvete na rua. Muito obrigada. - Tentei responder cordialmente, como os adultos às vezes falam com as crianças, mas acho que não funcionou.

– O meu é de baunilha, o da minha irmã é de morango, o da minha mãe é de kiwi e o do meu pai é de chocolate com melancia, você sabia que existe?

– Uau! Quanta diversidade. - respondi, tentando projetar um semblante curioso no meu rosto de adulto chato que toma café. - Eu estou bebendo café, se você quer saber.

– Na verdade eu perguntei se você sabia. - Ele insistiu.

– Ah, não, não sabia, existe mesmo?

– Sim, vem ver!

– Não, eu acredito em você. De verdade.

– Não, você tem que ver, porque melancia e chocolate não combina. - O garotinho argumentou e me fitou nos olhos. Os olhos eram reconhecíveis demais. Decidi segui-lo até a família sentada sob uma árvore quase distante. Me senti horrível, indo atrapalhar a harmonia de uma cena tão bonita com minhas olheiras e meu café pra perguntar: "é verdade mesmo que existe sorvete de melancia com chocolate?". Guiada pela pequena mão do garoto, cheguei até os outros três.

– Pai, essa moça não acredita que existe seu sorvete! - Falou alto, animado com a minha recém-descoberta.

– Ah, sério? Mas existe sim, hein? - O pai do garoto se virou para mim e eu soube de onde conhecia os olhos. Os mesmos olhos, mas agora com uma esposa e dois filhos. Melancia e chocolate, ao invés de cafeína e um sorriso muito mais verdadeiro que o meu.


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