Falcão Dú Mon escrita por Gjoo


Capítulo 12
Capítulo 12 Zulu




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Henry e Elisa vislumbravam a vila cheia de pessoas e criaturas. A vila era muito maior do que viam. Andaram pela rua olhando para todos os lados impressionados. Era o Festival das Rosas que acontecia uma vez ao ano, em comemoração à amizade dos Beanur e Felicis, os antigos escritores e revolucionários que retrataram os mundos diferentes de Capsilypson. O nome "Rosas" veio da primeira flor que nasceu nos jardins do antigos rei Karz II, que autorizou a entrada de seres de fora no novo planeta. A Rosa ainda existia, mantida por proteção mágica.

Caminhavam por entre pessoas e ouviam línguas diferentes.

— Isso é muito lindo! — disse Elisa.

— É. Bastante — Henry observava as lojas lotadas de pessoas.

A loja de brinquedos tinha bonecos que andavam e falavam na entrada. A de roupas tinha uma coleção de roupas floridas com cores e tons diferentes. A de objetos mágicos era velha e empoeirada, mas dava para se notar que o dono a enfeitara para o dia.

— Tem uma praça no centro da vila. Podemos ir lá e comer alguma coisa e depois visitamos as lojas. Está bem?

Elisa ainda estava distraída com tudo, Henry notara. Viu seu olhar nas coisas que a rodeavam. Era claro que nunca tinha visto tanta coisa linda ou algo parecido na Terra.

— Elisa?

— Sim? Oh, desculpa. O... O... — ainda se distraía — O que... me desculpe, o que você disse?

Henry sorriu, estava se divertindo com o modo surpreso que ela sempre mostrava.

— Disse que podíamos ir na praça lanchar. É logo ali. Quer ir?

— Claro, sim.

Foi difícil caminhar no meio da multidão. Tinha pessoas paradas observando aos círculos alguma coisa em vitrines, outras riam com palhaços malabaristas nas ruas e flores cantantes que dançavam sem mover as raízes. A loja de sorvetes tinha um homem de neve que fugia das crianças, deixando rastros de neve no caminho. Estátuas de leões rugiam ou ironizavam o modo de falar das pessoas. Um mágico desaparecia dentro da sua cartola que era grande demais para ele.

Acharam uma praça com mesas grandes e verdes. As cadeiras eram largas e verde escuras, havia um guarda-sol verde claro no meio das mesas. O piso era de mosaico sem imagens definitivas. Vasos enfeitavam a praça, com seus arbustos de cores vivas. A praça se estendia, aproximadamente, por quinhentos metros deles e continuava a rua depois disso. Havia, também, duas ruas nos dois lados da praça. Procuraram por uma mesa vazia, o que foi difícil. Tinha mesas que aparentavam estar vazias, mas sempre tinha alguém pequeno ou semi-invisível por ali.

— Ali tem uma! — disse Elisa, na quarta tentativa.

A conversa enchia o local. Sentaram-se e em menos de cinco segundos apareceu um homem calvo com bigodes caindo por sobre seu bico de pato, vestia terno fazendo-o parecer um pinguim, visto de longe. Elisa se assustara com sua aparição sem avisos. Henry também se assustara.

— Ini ve ro?

— Como? — perguntou Henry.

— Ah, me desculpe. Pensei que falassem Allat. O que desejam?

— O que você tem hoje?

— Hoje temos rosas de sol, nascos com rosa, frango com rosas, hienas de verde, besouros tostados, lulas gigantes com rosas, roxados, alados e bajus com rosas, elétricos e sal de ostras com rosas.

— O que é tudo isso? — comentou Elisa.

— São pratos — sussurrou Henry para ela.

— Acho que só sei o que é frango de rosas. Hienas verdes são hienas de verdade?

O garçom olhou-a de relance e controlou um riso abafado, seu bico ficava estranho quando sorriu. Depois a observou de novo.

— Não. É só um nome, por causa do riso que a comida faz.

— É irritante, para mim — disse Henry.

— Ninguém acha graça nelas. Não até elas serem acertadas por um garfo.

Os dois riram, mas pareceu que Elisa não entendeu.

— Você come carne? — perguntou Henry à Elisa.

— Sim.

— Então vamos querer frangos com rosas e bajus com rosas. O que tem pra beber?

— Somente suco e água.

— Tem suco de laranja? Você quer suco? — virou-se para Elisa.

— Pode ser. Se as laranjas não rirem — os dois riram de novo. Elisa fez menção a um riso obviamente falso.

— Dois sucos, obrigado.

Pareceu que um sorriso surgiu no bico do garçom, pois o canto de sua bochecha moveu-se. No instante seguinte ele caiu no chão e desapareceu, ficaram olhando o local em que sumira por um tempo.

— Deve achar isso tudo muito fora do normal — disse Henry, virando-se para olhá-la.

— Bem, não vejo nada disso todo dia.

— Que triste. Eu gosto muito disso. Mas a Terra também tem suas qualidades.

— Por quê fala assim? Como se fosse um alienígena. "A Terra".

— Aqui é outra dimensão, ou seja, fora da Terra.

— Então... Estamos muito longe no espaço?

— Sim. Ainda estamos na mesma galáxia, mas em um outro planeta. É pra isso que servem os portais. Você pode viajar por eles sem demora. Apesar de alguns terem túneis de portal, que é uma espécie de portal mais prolongado.

O garçom reapareceu na mesa deles com algo quadrado na mão. Logo em seguida os pratos que pediram surgiam na mesa sem que alguém trouxesse. Elisa se impressionou, como se perguntasse se era mágica. E realmente era.

— Aqui está a tabela dos preços dos pratos que pediram. Lembrando que os preços diminuíram por hoje — disse o garçom.

— Diminuíram? Por quê? — perguntou Elisa.

— É dia das Rosas — responderam garçom e Henry juntos.

— Te explico depois.

— Como sempre — disse Elisa.

— Se desejarem mais alguma coisa é só apertar em "vo", que virei — apontara para o objeto quadrado que deixara na mesa.

— O que é isso? — perguntou Elisa, depois que o garçom desapareceu de novo.

— É um tablet. No futuro, a Terra vai usar isso — Elisa pareceu não compreender o que era — Veja, toque na tela.

Elisa colocou sua mão na tela do tablet.

— Deslize e verá o restante da conta, caso for muito grande.

Ela deslizou e surpreendeu com o que viu.

— Que legal! Mas saiba que não tenho o dinheiro daqui pra pagar.

— Tudo bem, eu pago. Não é caro.

O cheiro da comida passou pelo seu nariz. Cheirava bem. Pegou as talheres e comeu o frango de rosas com os bajus por cima.

— Bajus seriam essas coisas azuis? — Elisa apontou com o garfo de sete dentes para os pequenos pedaços em forma de mãos.

— Sim. Tem gosto de cereja com limão e boi, pelo menos para mim — Henry respondeu. Elisa provou um pedaço, bem devagar — gostou? — perguntou assim que engoliu.

— É bom, mas não tem gosto algum de limão.

Obeliets corriam por entre as cadeiras, arrastando seus pelos no chão. O ar estava fresco e o dia ensolarado. Via-se fumaças numa das ruas, emitidas por dragões de fogos de artifícios. Pessoas riam e conversavam na praça e além dela. Elisa pareceu que gostava de tudo por ali. Henry sentiu pena dela por ter que voltar para a Terra depois de tudo aquilo. Ela ainda não vira nada.

— Hum... O que... "pera" — engoliu o frango — o que seria o dia das flores? — perguntou Elisa.

Henry contou a história toda, desde a criação das leis que impunham a soberania de homens e elfos, passando a criaturas diversas. Contou do antigo rei, Karz II, que gostava das criaturas e permitiu que os amigos, Beanur e Felicis, tratassem da paz em Capsilypson.

Enquanto estavam em Capsilypson conversando, o doutor que guardou o segredo de Elisa estava arrumando sua pasta para sair. Olhou para trás e havia uma sombra atrás da porta. Era a enfermeira Joyce. Estava conversando e se despediu entrando pela porta.

— Com licença, doutor. Posso conversar com o senhor um momento?

— É claro, mas tem que ser rápido. Já estou saindo — notara que ela ainda usava a roupa de enfermeira.

— Vai ser. É sobre o caso daquela menina, Elisa.

— O que tem ela?

— Bom, quis saber o que era aquilo que ela sentira — o olhar dela era estranho. Desconfiava do que aquilo poderia significar.

— Me desculpe, Joyce, mas não posso detalhar sobre isso. Ela estava com febre alta e não tinha tomado café, pelo que soube e diagnostiquei.

— Sim — disse ela, de forma tímida — mas havia algo a mais nela, não?

— Não notei isso. É claro que achei estranho como ela se debatia, e não foi algo que poderíamos ver todo dia. Mas um caso raro não pode ser resolvido por simples julgamento de doutor e enfermeira. Tenho que analisar sobre isso — pegou alguns papéis que estavam sobre a mesa e dentro da gaveta, pondo-os na maleta. Guardou um envelope dentro da bolsa. Pegou uma caneta e escreveu por cima do envelope.

A enfermeira fechou a porta gentilmente. Trancou-a logo em seguida.

— O que está fazendo? — perguntou o doutor.

— O que tem no envelope? — perguntou sem gentileza.

— Dados de alguns alunos. Aquele garoto, Tom, esteve muito doente esses dias. Presumo que não seja algo natural — virou-se para ela — o que quer, realmente, aqui?

— Está escondendo algo. Não pode negar — sua face estava mudando e se desfazendo. Seus olhos se tronaram maiores, os cabelos caíam depressa e surgiu algo como um tentáculo no lugar da trança. Estava ficando verde e uma risada descomunal e assustadora surgiu nos seus lábios de sorriso gigantesco.

— Quem é você — perguntou assustado, mas não sem forças para atacar, quem quer que fosse — O que quer aqui?

— É Elisa, não é? Você viu ela e a "marca"! — sua voz mudara. Parecia a de um homem esganiçado.

— Diga quem é!

— Eu? Eu sou Louco.

Henry e Elisa estavam rindo do mágico que se atrapalhara com os pombos que defecaram sua cartola. Atrás dele tinha um robô de mágicas que apontava para ele e ria também, com uma risada repetitiva e em sequência. "Ha, ha ha, Ha, ha ha". Depois visitaram os cantos dos fogos de artifícios em que dragões de plástico soltavam faíscas para o céu, e em seguida se transformavam em labaredas vivas, com luzes brilhantes que piscavam quando morriam.

Andaram por um longo caminho numa das ruas. Elisa se surpreendia com grande parte das coisas que via. Macacos pretos com asas brancas voavam para comer os pombos que tentavam comer as migalhas de pães que pessoas deixavam cair. Um elefante de bronze soltou um urro e os leões de pedra fofocavam uns com os outros, em frente de uma loja. Um aquário mostrava peixes e pequenas sereias que surgiam por entre os enfeites. Magos andavam de um lado a outro com capuzes e alguns usavam chifres num chapéu de couro. Outros usavam seda de várias cores que não combinavam com nada que usavam. Alguns guardas apareciam nas ruas monitorando. Usavam capacetes com penas no meio, no estilo de soldados romanos, de cores azuis escuras e, algumas, verdes azuladas; seus coletes eram de tom azul marinho e tinham detalhes brancos como faixas espalhadas pelo corpo, plaquetas ilustravam com outras cores e botões pretos se alinhavam no meio da roupa; uma capa vermelha viva estava em cada um deles, indo dos ombros aos pés; as calças eram vermelhas, mas não do mesmo tom da capa; as botas eram de couro preto e com fivelas cromadas.

Henry olhou para os guardas preocupado. Algo estranho estava em seu olhar, percebeu Elisa, pois olhava para todos os lados com cautela. Não parecia que estava fugindo deles e sim observando algo que os guardas procuravam também. Elisa não quis perguntar o que era.

Fantasmas cinzentos e brancos surgiam de algumas casas e andavam pelas ruas normalmente. Alguns reclamavam quando esbarravam em algumas pessoas como se tivessem empurrando-os. Elisa chegou perto de um e teve uma súbita sensação de frio subindo pelas espinhas e afastou-se deles o mais longe possível. Notara também as armas que os guardas usavam, e de relance viu que não eram comuns.

De repente, quando Elisa observava os magos à sua volta, sua visão se tornou mais nítida que o normal e sentiu que era capaz de ver através das coisas. Sentiu os olhos muito abertos e, no momento, viu as casas e prédios passarem para trás, as pessoas pareciam paradas e sua visão estava indo além delas, atravessou um prédio, viu seu interior com cômodos e uma velha senhora que passou muito rápido, e logo após viu pássaros passarem para trás. Era como se estivesse correndo muito rápido para uma só direção. Viu trem, carros flutuantes, mais casas e mais prédios, um lago, barcos, a outra margem e enfim parou num castelo que ainda estava longe de seu alcance.

— Elisa? — ouviu Henry.

A visão voltou a ré mais depressa que antes. Sentiu um súbito medo de cair de costas e quando piscou, estava ao lado de Henry, na vila com o festival à sua volta. Não houve impacto algum, mas seu coração acelerara.

— Meu Deus! — disse ofegante, mas não se sentia cansada. Nem ao menos pareceu cansada.

— Você está bem? — disse ele, segurando seu braço quando se desequilibrou.

— Eu... Eu, vi. Eu vi um castelo e muitas coisas.

— Você viu um castelo? Onde? — olhou à sua volta para verificar.

— Longe, eu acho. Não sei como, mas acho... acho que vi muito longe. Não sei. Vi muitas coisas passando rapidamente — esfregou os olhos — parece que está longe, e era estranho. Não era um castelo comum, entende?

— Entendo. Deve ter tido uma das visões que os Falcões normalmente têm. Devor, o que veio antes de você, tinha isso. Nunca entendi tão bem, mas acho que você vai, com o tempo.

— Você conhece esse castelo? — perguntou Elisa. Não pareceu que muita gente se importou com o que aconteceu ali com ela. Estavam voltando a caminhar e chamar atenção das pessoas que passavam.

— Eu mais que conheço. Deve ter visto Castrum Nubila. É um castelo que fica nas nuvens. Quero dizer, "castelo", pois é maior que todos os castelos e fortalezas que você já deve ter olvido falar. É um colégio agora. Antigamente usavam para se defender dos inimigos — olhou para a direção que supôs ser a do castelo — não dá pra ver daqui tão bem. Tem uma base que se nota a uma certa distância. Queria levá-la amanhã para lá. Você provavelmente goste, a menos que tenha medo de altura. — olhou para ela.

— Não tenho medo de altura. Tenho medo de cair de lugares altos.

Henry riu.

— Não se preocupe. O castelo nunca cai. Ou pelo menos nunca caiu. Quando elfos criaram com os homens aquele castelo, os magos enfeitiçaram a base da coluna que o suspende, para nunca quebra ou se destruir por outras forças. Os homens não confiavam em magia e por isso fortaleceram com a própria tecnologia que possuíam na época. Os elfos somente fizeram com que a magia e a tecnologia se firmassem num só efeito.

— Quem consegue subir aquilo? — perguntou Elisa, incrédula. Na sua visão repentina, soube que era tão alto que passava as nuvens.

— Hoje tem um elevador. Antigamente tinham portais. Mas mesmo assim é horrível olhar para baixo quando se está no alto.

Henry olhou para os lados, procurando algo. Elisa acompanhava seu olhar para saber o que se passava. Os guardas andavam pela rua, vendo atentos a tudo que acontecia. Henry a chamou e levou-a para longe deles. Estava nervoso e sóbrio.

— Tenho que te levar para casa agora! — disse Henry.

— O quê? Mas... — estavam andando mais rápidos agora, e Henry mantinha um ritmo veloz nos pés — ainda nem entardeceu... E por quê?

— Você está sendo seguida — respondeu ele.

— Seguida? Por quem? Os guardas? — tinha sussurrado quando falou.

— Os guardas só procuram aquilo que está atrás de você. Se eles estão pertos, é porque o seguidor está mais próximo. Acho que ele não a quer machucar, e sim observar.

— Mas por quê? O que eu fiz? — perguntou Elisa.

— Não é o que você fez... e sim o que é agora — parou na rua que dava em direção à cidade. Observou por um momento e seguiu em frente — esse seria um dos riscos teria quando se tornou Falcão Dú Mon.

Desceram uma ladeira e subiram escadas de uma ruela muito estreita entre duas casas. Saíram por um bairro de casas em frente de prédios de cores diferentes e acinzentadas. Andaram menos depressa e seguiram um caminho mais largo que o anterior. A calçada era verde clara, indo em direção a uma mansão no final da rua. Atravessaram-na e desceram uma parte inclinada do caminho, seguindo para uma estrada com uma ponte acima. Na calçada ao lado do viaduto, haviam duas árvores de tons diferentes. Uma era azul e a outra branca. Quando chegaram nela, Henry tirou de seu bolso um pedaço de giz. Jogou no meio entre as árvores e depois os galhos de uma se chocaram com as da outra. Fogo surgia do giz e se tornou água vermelha transparente, que se solidificou, formando um plano como uma porta sem fechadura e nem maçaneta.

— Espere aqui — disse Henry.

Entrou no portal e voltou.

— Está bem, pode vir.

Elisa entrou, desesperada com o que estaria por vir. Passou por um calafrio quando atravessou. Henry se adiantara um pouco, estava logo a frente dela caminhando mais apressado. Estavam num parque pequeno e cheio de grama que tocava o tornozelo. Saíram dali e andaram pela calçada amarela, a que tinham usado quando chegaram. Acharam o Muro e procuraram as rochas que demarcavam o local do portal.

— Aqui — disse Henry, quando achou.

Pegou um pó que estava num bolso e esfregou na parede como um sinal, pronunciando:

— Xis O Capsilypson! — e o portal se abriu como antes.

Atravessaram-no e andaram pelo caminho estreito entre os dois prédios. Não havia mais tantos mendigos ali, e o dia já estava terminando com a luz laranja predominando o céu. O sol estava se pondo.

— Agora vamos para o ônibus, vou te acompanhar pra chegar em segurança. Não quero problemas muito cedo. — assim Henry não disse mais nada.

Elisa também não sentiu vontade de falar. O tempo inteiro que esperavam por um ônibus foi em silêncio. Henry observava cada canto da rua em que estavam. Quando chegou, entraram e partiram assim para a casa dela, sem dizer uma palavra. Aquilo estava assustando Elisa e Henry se preocupava com o que acontecia no mundo fora do ônibus, sem prestar atenção se ela se importava com o que estava acontecendo ou não.

Quando Elisa viu o ponto mais próximo de casa, perguntou:

— Você não vai chegar tarde em casa?

— Não, comigo vai estar tudo bem — Henry não iria voltar para casa — mas quero que você me prometa que não vai entrar em confusões. Ainda é só um começo, tudo isso. Promete?

— Sim — disse Elisa — Então, até mais.

— Até — e Henry continuou no ônibus, observando a rua.

Elisa se sentiu confusa com o que aconteceu. Não foi como esperado. Sentiu que perdeu muitas coisas na vida e aquilo a fez mais melancólica. Voltar pra casa foi a tristeza que sentia, percebendo que o pai iria brigar com ela. Porém quando chegou lá, ninguém a notara. O pai não estava.

Zulu andava escondido por entre as casas de madeira com Ambror seguindo-o. Conseguiram chegar em Memphis, através do caminhão que acharam e por um dia inteiro andaram sem abrirem o compartimento da qual estavam escondidos. Achava que estava mais próximo dos antigos exploradores em Nova York. Acabou descobrindo que eles sabiam quem os seguiam depois da morte de Leon. Estavam fugindo dele, por todo os Estados Unidos. Mas sabia que os achariam, mais cedo ou mais tarde. Tinham uma dívida a pagar.

— Ainda tem as maçãs da feira? — perguntou a Ambror.

— Sim, sim. Estão bem fresquinhas nessa bolsa que achei — era uma bolsa térmica que encontraram na loja após a loja de roupas. Os seguranças não conseguiram segui-los, percorriam por todos os lados. Quando os avistaram já estavam longe, entrando num ônibus que os levaram para o posto — Qual deles está mais próximo?

— Pelo que eu sinto, acho que Grakner — respondeu Zulu.

— Acho que eles estão planejando algo para nós. Agora que sabem que chegamos — disse Ambror.

— É provável, mas não acho que todos saibam. E estão muito espalhados para se comunicarem.

— O que faremos pra conseguir chegar mais rápido? Se andarmos a pé morreremos. Se fomos de carro, seríamos perseguidos pelos policiais. E a situação não melhora depois daquela mulher da loja — Ambror pareceu indignado após Zulu cortar a perna da mulher — foi um ato sem pensar.

— Não coube a ninguém julgar se o que fiz foi inteligente, mas sim se foi justo — disse Zulu.

— Achei que não acreditasse na justiça.

— E não acredito. Somente na minha, a única que existe para mim.

— Falando assim parece seu irmão — disse Ambror.

O irmão de Zulu estava enfermo e escondido na Nigéria. Pareceu malária no começo, mas a dor que sentia provou ser de algo muito pior. Antes disso ele era um guerreiro, nascido forte e saudável. Tinha habilidade na espada e era sagaz como o pai. Era tão parecido com ele que poderiam ter o mesmo fim. O título, Etsu, o Implacável, não era mais ouvido na sua vila. Os exploradores tiraram tudo que restavam de honra.

— Ele falava melhor. Falava como Etsu — disse Zulu, se lembrando dos tempos de criança. Agora não era mais uma criança. Teve de fazer coisas que nenhuma poderia ter feito. Cresceu e estava mais perto de ser um adulto completo.

Andaram pelas casas sem serem notados, mas agora se expuseram à rua. Não se vestiam como americanos, pois Zulu não usava camisa e sempre estivera com a calça militar, e Ambror com camisas havaianas, carregando uma grande mochila nas costas. Pareceriam deslocados ali, mas tentaram fingir que não olhavam as pessoas. Queriam saber se a polícia ainda estava atrás deles.

A tarde ficava mais alaranjada à medida que o sol baixava. Não viam mais o sol, podendo estar escondido atrás das casas e prédios além. A rua estava deserta, havendo só duas crianças num quintal e um homem consertando um carro no outro lado. As outras pessoas estavam em casa, algumas fazendo coisas úteis, outras olhando-os da janela.

Caminharam até uma estrada em que um guaxinim roubava um saco preto jogado no chão. A luz mudava para vermelho e então a escuridão chegava lentamente. Andaram até uma lanchonete e pegaram o lixo atrás do estabelecimento, procurando comida jogada fora.

— Sabe que comida de lixo não serve pra provisões, não é? — comentou Ambror.

— É o que temos, Ambror. Se tentarmos roubar da lanchonete, é provável que soltem alarmes e a polícia nos pegue mais cedo — disse Zulu, que pegara um hambúrguer pela metade — Como eles jogam fora tudo isso?

— Eles têm tudo. Quando não querem, jogam fora — disse Ambror.

Comeram o que podiam, até perceberem que um funcionário vinha na direção deles, então fugiram na noite para a estrada. Beberam o que restava de suco nos odres e continuaram, sem descansar, apesar de estarem cansados. Zulu pegou a mochila de Ambror e carregou-a o resto da noite.

Um bar estava aberto e cheio de pessoas. Motos em sequência se postavam em frente, cada uma de estilo diferente. Sons de música e conversa vinha de dentro. Risadas saíam também, como os homens bêbados saíam vomitando do bar. Usavam jaquetas pretas e óculos escuros, alguns usavam bandanas nas cabeças. Luzes neons piscavam de rosa e verde, escrito "Bar Mos".

— Vamos pedir uma bebida. Água, aqui, parece ser de graça — disse Zulu.

Ambror concordou, e entraram pela porta que rangia ao quando empurrada. Muitos notaram-nos. Um homem usava um tapa-olho, o olho bom o seguia enquanto ele bebia uma cerveja. Chegaram na mesa do homem do bar e pediram água. Todos os homens riram.

— Se quer água, é só ir beber do vaso — disse um homem atrás deles, fazendo todos rirem.

Zulu ignorou-o. Estava com sede.

— Vocês não querem um uísque ou no mínimo uma cerveja? — disse o barman.

— Não. Queremos só água — disse Ambror, sério. Mesmo assim os homens atrás riram.

— Ei, olhem só! Temos um soldadinho samurai aqui! — disse o homem, tocando com o pé a bainha da espada de Zulu.

— Você veio da China? Porque não pode ser, você é negro! — disse um velho.

— Acho que ele é de uma clube de teatro. É muito novo pra usar isso, sabia? É de quê? Madeira? Plástico?

— Aço — disse Zulu, sem olhar para eles. O Barman trouxe duas garrafas d'água. Os homens atrás riram mais ainda.

— Garoto, ninguém gosta de um mentiroso. Se isso for roubado, vamos ter que contar pra sua mamãe — disse um homem.

Beberam a água, saciando a sede que sentiam. Ignoravam os comentários que faziam sobre eles.

— E essas roupas? Vocês não são daqui são? — disse uma mulher.

— Não — disse Ambror e Zulu juntos.

— São irmãos? — continuou a mulher.

— Não — disse Ambror — eu conheço ele há muito tempo, somos amigos.

— Ooooh! Que bonitinho! — disse um dos homens fazendo coro com os outros.

— O que fazem aqui? — perguntou a mulher, curiosa.

— Vingança — respondeu Zulu. A única resposta que teve vontade de falar.

— Ui! O garoto é mau — riram os outros, a mulher repreendeu-os, mas mesmo assim continuaram — sabe, vocês são muito esquisitos. Mas não acho que vingança por um vizinho que não quer entregar a bola vai ajudá-los.

— O "vizinho" matou meu pai — disse Zulu. Todos se silenciaram — e meu avô.

— Quem matou? — perguntou o velho junto com a moça.

— Não foi um. Foram cinco. Um já foi. O nome dele era Rick. Matei-o com a espada de "plástico". Os outros são: Leon, Grakner, Rolf e Louco.

Alguns homens riram, outros ficaram sérios, não achando a menor graça. Um homem se levantou.

— Você sabe o sobrenome desse Leon?

— Acho que era Loyar... ou Loyer... alguma coisa assim — disse Zulu.

— Leon Toyer! É esse meu nome, Zulu, não?

Zulu olhou nos olhos dele. Pareceu familiar, mas não era como antes.

— Eu matei seu pai — pegou uma arma de seu bolso — e posso matar você! Seus desgraçados! Me faliram.

Todos se afastaram. Um homem ia avançar sobre Leon, mas este atirou antes. Sangue foi derramado, e a paciência de Zulu tinha acabado. Pegou sua espada tão rápido que se ouviu o corte no ar por um segundo. Quando Leon se virava para Zulu, este cortou seu braço com a arma. Rasgou sua camisa e cortou seu pescoço.

Quando terminou, todos o olharam. Havia sangue no chão e nas pessoas. A mulher que gritava só foi notada depois do espanto das pessoas. Pedaços do Leon estavam espalhados. O barman sentiu ânsia e correu para o banheiro. Os homens já não riam, não haveria riso naquela noite a não ser de Ambror e Zulu.

— Meu Deus! Isso não é aço. É pior que isso — disse o velho.

Zulu embainhou a espada. Todos ainda estavam sem fôlego, mesmo que nem tenham corrido metros. Ambror pegou as garrafas de água e guardou-as com outras que tinham ali. Tirou da mochila um saco e guardou a cabeça de Leon. Zulu passou a mão no sangue e foi até a parede, escrevendo um "dois" enorme.


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Notas finais do capítulo

Allat - língua moderna de Capsilypson, não sendo a língua oficial.
Algumas línguas de Capsilypson são derivadas do latim da Terra.



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