Falcão Dú Mon escrita por Gjoo


Capítulo 11
Capítulo 11 Fred




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O fim de semana foi exaustivo para Elisa. No sábado de manhã sua mãe a acordou tão cedo que parecia que ia ao colégio. Seus pais coloram seus filhos para trabalhar na casa. Haviam muitas caixas para serem abertas, usaram a garagem para transportar algumas que não eram úteis e outras que os objetos de dentro foram retirados.

Sua mãe lavava a cozinha. Ser pai estava organizando a cozinha. Jazer limpava o quarto enquanto Charlie roubava suas coisas secretamente. Elisa tinha de limpar seu quarto e lavar o banheiro.

— Por quê Jazer faz somente uma coisa enquanto eu faço mais? — perguntou Elisa à mãe.

— Porque mandei, e agora faça!

À tarde todos descansaram após o almoço e depois voltaram trabalhar duro. Júnior limpou o sótão e achou algumas lanternas lá. Elisa limpou a sala com Jazer. Charlie brincava no lado de fora da casa e sujou a sala quando voltou. Depois de ter tomado banho Charlie queria voltar a brincar na terra, mas sua mãe não o deixara. Seus irmãos limparam a sala novamente. Seu pai estava terminando de limpar o carro e voltou para a sala assistir o futebol. Não tinha time oficial, só torcia por aqueles que o fizeram ganhar dinheiro em apostas passadas e observava como jogavam para prever o próximo jogo, quando fosse apostar.

Dú Mon não apareceu naquele dia. No outro a manhã surgiu ventando e com nuvens cinzas permanecendo metade do dia. Para Elisa estava virando outono em Denver, e muito cedo. Os dias ensolarados não retornaram no domingo, mesmo que o sol tenha aparecido, porém sem o calor que trouxera nos primeiros dias do verão. O vizinho ouvia rádio bem alto nas notícias. Pelo que Elisa tinha ouvido, o Rock crescia e o Jazz também, no Iraque o presidente foi substituído, havia revoluções no Oriente Médio, os super heróis dominavam as cidades dos EUA, o crime aumentara nas cidades do norte do país e mortes misteriosas aconteciam constantemente no mundo.

Elisa não tinha certeza se aquilo tudo poderia ter relação com o Louco, mas sabia que mortes misteriosas tinha.

Na manhã seguinte foi para a escola, encontrou seus amigos e conversaram por muito tempo. Shanna estava de olho nela como Irma.

— O que foi? — perguntou Elisa quando a observação delas se tornava clara demais.

— Nada, é só que você está sendo invejada — disse Mark.

— Como assim? Vocês têm inveja de mim? — disse quase rindo.

— Não somos nós — respondeu Irma — é a Rita.

— Quem é Rita?

— Uma garota que acha que você está gostando do Henry — respondeu Shanna.

— Ela e a Marta são doidas por ele — disse Mark imitando as garotas com uma cara engraçada fazendo-os rir.

— Mas é sério, tenha cuidado com elas. Elas são meio que... hum... "populares" — disse Irma.

— Descoladas — disse Mark.

— Não, populares é melhor — disse Shanna.

— Eu não ligo pra popularidade, aposto que nem vou durar um mês aqui — e fechou a boca rapidamente.

— Como? Você já vai embora? — perguntou Bernardo.

— Não... É que... talvez meu pai possa ser transferido no trabalho.

— Seu pai trabalha em quê? — perguntou Mark. Elisa quis responder que não sabia, mas era provável que ririam dela.

— Ele... vende coisas numa empresa, mas não é uma loja. É como... é diferente. É difícil de explicar.

— Pelo menos você sabe que trabalha. Meu pai fica desempregado a cada mês — disse Mark.

— O meu vive no trabalho dele — disse Bernardo.

E assim conversaram sobre os pais, menos Elisa que simplesmente ouvia o que falavam. Sentia aliviada por não ter de entrar em detalhes. Bruno e Salim haviam chegado com sanduíches na mão.

— Viramos ricos — disse Salim.

— De sanduíche? — perguntou Mark.

— Sim, ganhamos numa promoção fajuta. Era pra ser em dinheiro, mas de alguma forma ganhamos sanduíches. Eu não entendi nada — falou Bruno.

— Nossa! Como fizeram isso? — perguntou Valleska que mascava chiclete.

— Simples! Juntamos umas pessoas que compraram os sanduíches promocionais e concordamos em dividir o prêmio — disse Bruno — eu só tinha achado o Salim e meus irmãos. Pelo menos dividimos, porque ganhamos muitos sanduíches.

— Me dá até ânsia em falar de sanduíche — disse Salim, imitando uma sensação de vômito e fingiu que vomitara em Shanna. Todos riram e ela lhe deu um tapa nas costas.

— Alguém viu o Henry? — perguntou Salim, massageando as costas enquanto o grupo tomava fôlego depois de rir.

— Eu não, e você? — perguntou Mark.

— Não, só soube da Rita — disse Irma.

— Ririririta! — falou Bruno, imitando sotaque mexicano — aquela garota com garras de tigre que vive atrás do Henry? Eu deveria perguntar a ela onde ele está, ela sempre perseguiu ele. Ou era a Marta?

— As duas — disse Valleska virando o rosto e cuspindo o chiclete no lixo. Acertara no cabelo de um menino que começou a tatear a cabeça. Valleska esbugalhou os olhos — vamos embora.

Saíram rindo, e depois entraram nas salas.

As aulas não foram exaustivas para Elisa, e sim as provas surpresas que os professores passavam. Não teve tempo de estudar no fim de semana, somente à noite. Felizmente para ela não estavam tão difíceis como imaginara que seria, mas mesmo assim sentia dificuldade. O tempo foi passando e se cansava cada vez mais. Na última aula tinha dormido.

Foi acordada pela Shanna e percebeu que a aula tinha terminado.

— Ah, será que a professora ficou brava comigo?

— Não... Ninguém ficou realmente acordado na aula dela.

Saíram para o pátio e viram de novo o Falcão voando. Encontrou seus amigos e iam em direção à saída, mas foram interrompidos por Henry.

— Elisa, o diretor está te chamando, agora!

Ficou sem palavras, uma das razões era a aparição de Henry e a outra era o que ele tinha lhe dito.

— Está bem — disse confusa — mas aonde fica?

— É lá no segundo andar, ao lado desse corredor — disse Shanna.

— Eu te levo até lá, mas se apresse, ele já vai embora.

— Até mais, a gente se vê quando sair, ou amanhã se meu pai chegar cedo — disse Irma.

— Tchau — se despediram e Henry a levou pelo largo corredor da entrada e subiram as escadas.

Viraram para trás e caminharam no corredor de cima. Henry olhou para o pátio embaixo e depois para os lados. Elisa viu a placa da sala do diretor, imaginando o que a levou até lá. O doutor poderia ter lhe dito o que aconteceu a ela. Ou algum aluno denunciasse ela de algo. Ou descobrissem que seu pai não era uma pessoa honesta, poderia nem ter pago algo do colégio.

— Está trancado e o diretor já saiu faz muito tempo — disse Henry quando a viu se aproximar da porta.

— O quê? Mas você me disse...

— Eu precisava fazer você se afastar do pessoal. É importante e acho que já está preparada para o que vou dizer — Elisa ficou nervosa. O falcão ainda planava no ar atrás dele, girando e fazendo círculos com a graciosidade que nenhuma ave poderia ter.

— É você? A pessoa que... — não teve certeza se deveria falar. Seria burrice se ele não fosse a pessoa dos poderes em que o falcão também vigiava.

— Quem? Ele te disse sobre mim? O falcão? — Henry estava a olhando de forma estranha, um pouco ambicioso. Estava assustando-a. Percebeu que ele não tinha mais o olho roxo.

— Dú Mon — simplesmente disse isso. Caso ele soubesse do que estava falando, contaria tudo; caso não, teria de parecer menos entusiasmada.

— Sim! Ele te contou!

Elisa teve um sentimento de esperança naquele momento. Não era tudo falso. Realmente haviam outros.

— Mas o que você queria me dizer? — perguntou ela, mais animada por não parecer ridículo tudo aquilo.

Por um momento pareceu que Henry responderia, mas fechou a boca em seguida. Não teve muita certeza do que iria dizer e pareceu indeciso. Olhou novamente para os lados e disse:

— Você sabe o que você é?

— Sim — disse ela, um pouco insultada — uma Falcão Dú Mon.

— Mas você sabe o que é isso?

— Sei... Um pouco... não muito.

— Tudo bem, eu vou te mostrar o que é, e ainda vou mostrar o que você não conhece. Mas preciso que esteja pronta, e não se abale com as coisas que encontrará.

— Tudo bem — tudo aquilo lhe pareceu estranho. Não tinha a menor ideia do que poderia acontecer — mas você vai mostrar aqui?

— Claro que não — olhou para trás e viu o falcão — preciso que venha comigo. Para o Muro.

— Para onde?

— Te explicarei depois, mas tem que vir comigo. Hoje te mostrarei só um pouco. Se sentiria assustada com o que verá.

— Mas meu pai está me esperando lá fora... Não vou ter tempo.

— Elisa! Preciso que você venha. Não sabe como isso é urgente, mas tem que confiar em mim — estendeu a mão. Ela ficou nervosa. A escola estava quase vazia, os professores já tinham ido embora, os alunos esperavam por seus pais do lado de fora. Não soube de imediato como falar para o seu pai que tinha saído sem ele. Poderia inventar uma desculpa depois, se o que Henry dissera for realmente urgente.

— Sim — disse por fim, apertando sua mão.

— Bom... agora siga-me.

Desceram as escadas e andaram para a parte de trás da escola. Tinha algumas latas de lixo e bancos de madeira. Uma grade estava dividindo o território da escola com o lado de fora, não era alto, podia-se subir escalando e chegar no outro lado sem danos. E assim fizeram, subindo e descendo para o lado de fora.

— Eu falo depois com seu pai o que aconteceu.

— Não precisa — disse Elisa — eu falo com ele.

— Tem certeza? O que dirá a ele?

— Que eu estava fugindo com um garoto para ser super heroína.

Os dois riram e continuaram. A rua seguinte levava para um ponto de ônibus. Esperaram lá um ônibus e Henry conversava sobre outras coisas para descontrair Elisa.

— Como vai na escola?

Elisa achou a pergunta estranha para o momento. Não queria saber da vida que estava tendo e sim a que iria seguir. Tudo poderia ter mudado em sua mente, mas havia algo que lhe lembrava que não era um sonho.

— Vai... bem. Se não contar com as provas.

— Hum... Tem um colégio... "colégio" em Capsilypson que ensina alguns estudos avançados demais pra você. Mas é claro que não precisa se preocupar com isso.

— Está me levando para um outro colégio?

— Não, isso planejo amanhã — Elisa ergueu a sobrancelha — hoje só quero que tenha uma ideia do que vai acontecer. Não sei como explicar se não te mostrar o que é. Eu também não entenderia se fosse comigo, mas eu praticamente vivi lá. Eu pessoalmente prefiro a Terra. Não sei... gosto daqui.

— Vamos sair do planeta?

— Vou te explicar depois. Não é bom te dizer antes.

— Acha que voltarei para casa caso eu veja um foguete? — disse Elisa, rindo.

— Talvez — riu Henry também.

O ônibus chegara e os levaram por ruas que Elisa não conhecia.

— É muito longe?

— Não muito, só a pé gastaria muito tempo. E tempo é muito precioso.

Elisa ficava cada vez mais curiosa com aquilo, pensava em várias coisas que poderão acontecer. Seu pai ficaria furioso, mas aquilo era como ir para um sonho. Mas teve medo de ser decepcionante. Se fosse diferente do que imaginava. Ou se fosse pior. Talvez seria melhor não ficar tão excitada com isso, porém era misterioso demais para ela. Henry não queria mais falar sobre o assunto, simplesmente lhe fazia perguntas sobre sua vida ou como se sentia. Tinha cuidado para não falar demais e dizer sobre sua família, como realmente era. Tudo estaria perdido se alguém soubesse o que seus pais eram, e seus irmãos também.

— Você tem irmãos?

— Sim.

— Quantos? — insistia Henry.

— Bem... É bem grande a minha família. Eu sou a mais nova como garota, e não tenho uma ideia correta de quantos tenho, não conheço nem metade de minha família.

— Hum... Parece comigo. Eu... não tenho certeza... mas acho que alguns nem são meus irmãos. Sou do meio e o mais velho, acho que é meu irmão Viktor, ou a Selly que está na Austrália.

— São muitos? — perguntou Elisa.

— São, alguns sei que são adotados. Minha mãe adora crianças, e vive adotando um a cada ano. Mas todos são do mesmo jeito... como todos da família — olhou para o chão e pensou em silêncio. Por alguns instantes não falou nada e Elisa pensou que estava triste — Ah! estamos chegando.

Elisa observou por onde estavam e notou que não era muito movimentado. Desceram do ônibus e notara como era a rua. Era larga com calçadas limpas. Havia alguns prédios em volta e casas pequenas.

— Por ali — apontara para uma ruela tão curta que um carro estaria entalado, mas caberia.

Andaram alguns metros e chegaram na ruela que se alongava para a frente e para a esquerda. Entraram na da esquerda, entre dois prédios e um muro de tijolos mostrando que não havia saída. Ali estava movimentado, pessoas andando de um lado para o outro, revirando sacolas pretas e as caçambas de lixo. Eram mendigos, que bebiam, fumavam e dormiam.

— Minha nossa! — exclamou Henry — estão aumentando. Mas o que aconteceu?

Alguns dos mendigos olhavam para eles e ignoravam, enquanto outros permaneciam olhando. Esses assustavam Elisa.

— Vamos! — disse Henry, seguindo em frente. Passaram no meio dos mendigos que olhavam e comentavam. O cheiro estava horrível, tinha lixo espalhado e líquidos marrons que não se sabia o que era. Chegaram enfim no muro — Esse é o Muro, da qual falei. Mas... tem alguma coisa errada.

O Muro estava ali, mas havia uma caçamba verde na frente.

— O que é isso? — Henry se perguntou. Foi até a caçamba e tentou puxar para fora do caminho.

— Ei, ei, ei! O que pensa que está fazendo? — disse uma voz de trás deles.

— Quem é o maluco que quer... — saiu um mendigo de dentro da caçamba em que Henry puxara. Tinha casca de banana na cabeça, em cima do gorro que usava, de cores verde e marrom com protetores de orelha, segurava uma garrafa de vidro vazia e trajava jaleco verde escuro e camiseta marrom claro. A roupa toda estava suja como sua pele, mas rasgada em alguns pontos — O que pensa que está fazendo? Vai arranjar sua casa.

Tinha barba malfeita e nariz avermelhado como se tivesse gripe. Os olhos eram preguiçosos,o rosto longo, o cabelo preto e suas luvas marrons eram furadas em alguns dedos.

— Me desculpe, mas esse lugar não pode... Precisamos passar por aqui — disse Henry.

— Ah — disse o mendigo esfregando os olhos — cara... mas aqui é minha casa.

— Poderia deixá-la ali do lado? — perguntou Henry.

— Bem... Se vocês fazerem um favor pra mim até posso.

— O que quer?

— Quero ir para Capsilypson também.

Henry se espantou com o pedido. Elisa não entendeu o que era Capsilypson. O mendigo era o único que não pareceu surpreso. Parecia que já sabia quem eram eles.

— Ahn... bem... você até pode entrar, mas não sei se vai sair com a gente. Não que não queiramos...

— Vocês não querem que eu vá junto. Tudo bem, não vou segui-los, só quero entrar. Não me importo como vou sair, arranjo um jeito.

— Ok... Primeiramente preciso do seu nome.

— Pode me chamar de Fred.

— Fred, sou Henry...

— Sei quem é. E sei quem é ela também.

Elisa se surpreendeu. Não soube o que fazer, nunca vira alguém parecido com o Fred em toda sua vida.

— Me desculpe, mas não me lembro de ter te visto antes.

— E não viu. Eu sei pelo Joaquim. Ele sabe de tudo. Sabia que iriam vir aqui, e vieram mesmo. Mas não se importem com quem seja. Ele não fala de vocês sempre. Acho que essa foi a única vez, ele guarda segredos de todos. Tudo bem, só quero entrar lá.

— Não pode levar ninguém, desculpa.

— Não vou, eles precisam ficar para vigiar o portal — apontou para os outros mendigos que vagavam e nem prestavam neles.

— O que vai fazer lá? — perguntou Elisa.

— Só me registrar. Preciso disso pra entrar e sair de portais.

— Então vamos — disse Henry. Os dois puxaram a caçamba e a deixaram num canto.

Elisa não entendeu nada naquele momento. Henry pegara uma espécie de tinta de dentro dos bolsos. Tocou alguns tijolos em cada canto do muro e pronunciou:

— Xis O Capsilypson!

Deu alguns passos para trás e observou o que aconteceria. Não foi de imediato, alguns instantes depois o muro tremia e se desmontava aos poucos. Do centro saíam tijolos para os lados e uma luz azul saía dos buracos que formavam. Pequenos raios elétricos surgiam a volta deles. Elisa se assustara com aquilo. Seu coração começou a bater mais forte, seu desespero falava mais alto. Olhou em volta e percebeu que os mendigos prestavam atenção para o que estava acontecendo. Tentou desviar dos raios que quase a atingiam.

— Venha! — disse Henry.

— O quê? — não se atrevia a passar por aquilo. Tudo aquilo era muito estranho. Não poderia ser real. Teve medo de acontecer algo errado.

— Venha! É seguro!

— Ela está com medo disso? — zombou Fred. Sentia frio na barriga ao olhar novamente para a luz azul, mas percebeu que havia algo do outro lado do véu ondulante no meio do muro. Ele tomou um gole de sua garrafa e percebeu que estava vazia, jogou para o lixo — calma é só um portal.

Portal ou não, Elisa não sentia confiança alguma em entrar lá. Henry se virou para ela.

— Não se preocupe, não machuca — disse sorrindo.

Os três andaram e pela primeira vez Elisa se sentiu sonhando acordada e ao mesmo tempo viva. Sentiu um impulso, uma vontade, de entrar no portal e ver, sentir e viver no outro lado. Estava próxima à luz e seus olhos estavam semifechados. Fechou-os por um instante, enquanto sentia o vento no seu rosto e o deslizar de pequenas gotículas de água por sobre a pele. No momento em que estava no meio do portal, sentiu um puxão, como se algo a arrastasse para algum lado, ou o que entrava ou o que acabar de sair. Sua escolha foi ficar no outro lado, e o instante passou.

Estava em um barranco com uma cidade à sua frente. Não uma cidade comum, mas sim uma cidade futurística, como em livros e filmes de ficção. Percebeu também um planeta como Saturno alaranjado no céu. Ouviu o zunido que o portal produzia, olhou para trás e observando ele se fechar com os tijolos voltando aos seus lugares. Os raios pararam de surgir e a luz azul cessara. Só havia um extenso paredão de tijolos que não terminavam nem à direita e nem à esquerda. Entendera o motivo de se chamar "O Muro" ao invés de "um muro qualquer".

— O que achou? — perguntou Henry — incrível, né?

— Eu achei muito, mas já estou acostumado com isso — disse o mendigo — bem, parece que tenho muitas coisas a fazer agora. Obrigado por me deixar entrar. Estou te devendo, hein. Até mais.

— Até... — disse Henry, não entendendo o mendigo, porém sorriu.

Elisa estava sem palavras, como se o portal sugara tudo que poderia ter falado. Tinha sido a sensação mais bizarra na sua vida. Atravessara uma parede e parara em um lugar muito fora do comum.

— Ainda surpresa? Você nem viu nada, literalmente.

O mendigo caminhava pela calçada e atravessou a rua assobiando. Perderam-no de vista quando virou a esquina. Elisa piscara e esfregou seus olhos bem. Estava vivendo aquilo. Arranjou forças para falar e disse:

— Uau!

— É, uau!

— Você... quer dizer... isso... — não parava de olhar para o céu azul com o planeta alaranjado. Os prédios estranhos longínquos perfuravam o céu com suas pontas e casas diferentes estavam mais próximas deles de variados tipos.

— Parece muita coisa? É um pouco estranho, sim. Mas você se acostumará com essa visão quando começar a frequentar mais.

— Como assim frequentar mais? — sua voz saiu um pouco rouca e notou que o coração estava acelerado instantes atrás e agora voltava ao normal. Foi como se viajasse sem mover os pés numa velocidade muito rápida.

— Explicarei depois. Primeiro quero que você conheça esse lugar vou-lhe mostrar parte da cidade e amanhã tentarei ser mais objetivo. Não se preocupe, voltará para casa hoje. Aliás, amanhã tem aula.

Aquilo a fez sentir o gosto amargo da realidade, ou aquela que conhecia. Tinha de voltar. Não queria, sentiu relutante àquilo. Tudo teria sido como um sonho, e a pior parte seria se não voltasse e esquecesse.

— Sim, claro.

— Bem... — Henry olhou para o horizonte, de um lado a outro — por aqui é bom... aqui também... Podemos ir por ali e começar a ver a cidade, assim vamos passar na vila e achará muitas coisas lá antes do dia terminar, enquanto te explico algumas coisas. Está bom?

— Bom... não conheço nada por aqui, a escolha é sua.

Henry sorriu. Caminharam pelo barranco abaixo e foram pela calçada até um semáforo azul de seis luzes: vermelho, amarelo, verde, azul, roxo e branco. A calçada era amarela e parecia espuma solidificada e planificada, havia pequenos buracos que nem cabia uma moeda. As plantas pareciam comuns ao ver de Elisa, mas algumas tinham formatos diferentes de qualquer planta que já vira. As casas eram de cores muito variadas, a maioria tinha uma chaminé e os telhados um pouco arredondados. Outras eram quadriculadas em todos os aspectos. E outras mais eram de formatos tão estranhos aos olhos de Elisa que não pareceriam casas na Terra, e sim alguma obra artística de museu.

— Aquele planeta lá é o Zelta. Não é difícil de se notar, está sempre ali. E também deve ter percebido que aqui temos dois sóis. Ele têm vários nomes, alguns chamam de Allunata e Amos. Outros preferem Lovar e Eltar. Depende da língua que você falar ou daonde você veio que chamará os nomes diferentes desses que ouviu. É uma história muito longa para se contar sobre isso, mas não vou entrar em detalhes.

Elisa não tinha percebido os dois sóis, mas notara que um não acompanhava o outro, estavam a uma distância que pareciam um só sol, mas havia um trecho que os separavam. E como num ritmo lento, o outro sol "caminhava" devagar.

— O que é aquilo? — apontara para uma parte do céu em que uma coisa gigante voava por perto das nuvens baixas.

— Ah, sim. É uma nave. Tem muitas aqui, você verá.

Aquilo foi impressionante. Estava na sua frente uma nave que flutuasse numa cidade, como nos filmes de ficção de futuros da humanidade. Aquilo parecia ser o futuro da Terra. A nave passava rapidamente e desapareceu atrás de um prédio ou montanha, não soube definir.

Atravessaram a rua em direção à cidade. A calçada estava azul acinzentada. Parecia que cada parte da cidade tinha uma calçada de cores diferentes. Elisa olhava para todas as direções encontrando coisas diferentes e bizarras, era tudo muito impressionante. Não viu uma pessoa a não ser Fred e alguns moradores. Suas roupas não eram estranhas nem bizarras, mal notavam eles andando. Em seguida desceram uma rua e subiram algumas escadas ao lado de uma casa amarela de janelas multicoloridas. Quando encontraram uma outra rua, Elisa viu um carro passar, mas não tinha pneus tocando o chão, flutuava no ar com a leveza de um pássaro planando.

— Oh.

— O que foi... Ah. Esqueci de falar. Os carros voam aqui. Não tão alto, mas voam. São como as naves, só que eles têm um limite pra voarem e depois tem de trocar o Forfuifo, uma substância que na Terra chamaria de ácido etanoico com flúor e oxigênio, com sangue de castor. Mas não matamos castores pra obter isso. Criamos a substância através da radiação de átomos e neutralizamos para fazer funcionarem a nosso favor.

Até ter terminado a explicação o carro já tinha ido embora. Elisa ainda não entendera aquilo.

— Você pode simplesmente ver que é só uma "gasolina para voar", e também tem de usar combustíveis para o carro funcionar. Isso tudo é aprendido em Castrum Nubila, que é um dos colégios mais ricos em conhecimento de todas as áreas. Mas acho que estudos da Terra seja atrasado, os magos ainda pensam que o mundo ainda é dividido em dois.

— Magos? Isso existe?

— Ah, sim. Existem, e muitos — caminhavam agora por uma rua um pouco mais movimentada — Magos não são raros aqui. Existem muitas coisas que se escondem dos terráqueos.

— Por quê? Poderíamos conviver como vocês.

— Ah, não. Isso aqui é totalmente diferente. O erro aconteceu aqui como aconteceria na Terra. Existem muitas criaturas mágicas, não mágicas, poderosas e inofensivas. Na mão de humanos se transforma nisso — fez um gesto com as mãos como se tocasse na frente deles um quadro com paisagens, alisando do centro até as bordas da pintura de prédios e estátuas de pessoas que Elisa não conhecia — Verá que o ser humano pode ser ambicioso, mas nem todos. Os terráqueos são um tipo de ambiciosos diferentes dos daqui. Não sei se vai me entender. Tem a ver com cultura e a forma como convivem. As condições aqui fizeram com que os humanos se sobrepusessem as outras criaturas. Elas não são raras, mas também não são tão amigáveis como pensa.

Ao ouvir isso, Elisa esteve pensativa. Não precisou pensar muito para perceber que era uma situação delicada e polêmica naquele mundo.

— Que estranho — disse ela.

— Sim. Mas ao mesmo tempo tão normal.

— Como assim?

— Isso é o dia-a-dia desse planeta. Nunca deixou de ser estranho, e você vive isso todo dia e acaba acostumando... Acho que é isso que torna tudo normal por aqui.

— Hum — Elisa se perguntou se teria de enfrentar situações embaraçosas como essa.

O carro que tinha visto era azul marinho, com retrovisores em formato de trapézios e placa prateada de letras verdes. Havia símbolos estranhos além de números e letras. Os outros carros eram de modelos estranhos, alguns eram bonitos ao seu ver, porém outros não tinham nada que lhe chamasse atenção. Andavam e via mais carros passando, pessoas também. Viu a primeira criatura estranha. Uma mulher de vestido florido e capa preta, com chapéu preto de flores vermelhas, estava segurando uma espécie de cachorro por uma coleira. Quando Elisa observou, notara que não era cachorro algum, e sim um animal peludo da cabeça aos pés e com focinho rosa. Só soube onde era a frente do animal quando olhou um sorriso por baixo dos pelos marrons. Saíram duas antenas negras de dentro da cabeça e depois o animal arfava e lambia a boca. Teve dúvida se era um cachorro diferente, mas as antenas não eram nada comuns.

— Aquilo ali é um Obeliet. É como um cachorro, mas ele não te defenderá nunca. Somente te lamberá no rosto e comerá todos os insetos que achar.

— Que lindo!

— É, até que é bonitinho.

Elisa também viu ônibus flutuarem e outros não. Alguns carros tinham pneus e quanto mais perto do centro da cidade andavam, mais diferente as pessoas ficavam. Viu homens de pele verde e criaturas do tamanho de anões andando de um lado a outro, sempre rindo. Viu um vampiro que usava capa preta e dentes absurdamente brancos. Havia cavalos alados em carroças, seres peludos de três metros, naves pequenas, pessoas que pareciam homens de um lado e mulheres de outro, pássaros exóticos e muitas outras criaturas que não pode acreditar que existiam.

Quando virou o quarteirão, as criaturas se multiplicavam mais ainda, e duvidou por um instante da soberania de humanos sobre as criaturas. Tinham tantas que lotavam as ruas.

— O nome da cidade é Capsilypson. Que também é o nome do planeta e da dimensão.

— Caps... o quê?

— Capsilypson.

Elisa tentou pronunciar aquilo umas cinco vezes, até que acertou, mas mesmo assim não deixou de ser estranho.

— Capsilypson é cheio de criaturas como vê, mas essas são a minoria natural daqui. A maioria vem de outros lugares como nós. Eu nasci na Terra como você, e meu pai também, mas minha mãe nasceu aqui. Capsilypson é conhecida como a Cidade dos Portais. Se um dia ficar perdida e sem ajuda, é simplesmente tentar achar qualquer portal que aparecer por aí. Mas não é bom fazer isso, pode parar em outro lugar muito diferente a esse.

— Nossa! Como uma cidade pode ter o mesmo nome que um planeta e a dimensão inteira?

Henry encolheu os ombros.

— Não sou eu quem fez isso. Simplesmente é.

— Não entendi esse negócio de portais. Existem isso espalhados por aí em todo lugar?

— Não. Existem lugares específicos para terem portais. Normalmente são sempre escondidos em lugares em que ninguém vai ou que ninguém veja. Alguns têm guardiões, o que seria um protetor para permitir ou não a entrada de alguém em um portal.

— Sempre existiram? Tipo... Sempre estiveram naqueles locais como o Muro?

— Alguns não se sabem ao certo quando foram criados. Outros são criados por pessoas e ficam ali até o governo não permitir.

— Governo?

— Sim. É controlado por uma área exclusiva no governo, possuindo as marcações de portais criadas por qualquer um. Portais ilegais são raros, mas existem.

— Como se criam?

— Eu não sei. Nunca vi alguém fazer.

A rua estava muito movimentada. Elisa quis ficar o mais perto de Henry para não se perder. Já não sabia mais onde estava o Muro que deixaram para trás. Os prédios os envolviam e pôde perceber que alguns eram de vidro, tortuosos e artísticos. Viu, também, prédios de concreto, quadriculados e pontudos no alto como se perfurassem com uma espada as nuvens; e outros de material estranho com formatos de cilindros. Não havia uma uniformidade para aquilo, porém não era uma bagunça. Viu Slogans e cartazes aparecerem. Imagens moviam-se e chamavam a atenção de Elisa. Brilhantes e chamativas, com cores vivas e notáveis desenhos animados.

— Estamos chegando — disse Henry.

— Aliás, aonde estamos indo?

E a mesma resposta no futuro foi respondida. "Verá". Pareceu a Elisa que tinha muita coisa à sua frente. Um futuro enevoado e sem cor, praticamente impossível de se ver. Um mundo novo estava a sua volta. Caminhos diferentes para um vida no passado em mudança e visões sem valor. Esses eram os sentimentos de Elisa.

— Chegamos!

A vila que entraram tinha um arco de ferro negro na entrada com uma placa de madeira escrita em língua desconhecida. Criaturas e pessoas se misturavam numa mesma rua. A vila só era vila na entrada, o resto da rua eram prédios, edifícios longos e bonitos, estátuas e fogos de artifícios no final. Era tão longa que os fogos eram a coisa mais perto de fim que poderiam ter visto. Elisa nunca ficara tão encantada e impressionada na vida. As criaturas eram diversas e havia dragões, homens leões, gigantes, estátuas móveis, fogos vivos, robôs, monstros horripilantes, fantasmas, objetos voadores, seres vestidos de astronautas, animais falantes e misturados em corpos de outros animais, tiranossauros em miniaturas e um em tamanho real, cobras voadoras, uma mão andante, mágicos e seus truques chamando atenção de muitos, pessoas comprando em lojas, crianças felizes com sacos de doces transbordando, montanha-russa sem trilhos, máscaras falantes e muito mais.

Enquanto isso, num lugar muito distante... Em Nova York estava Zulu com seu companheiro Ambror entrando numa loja de roupas. Zulu olha para os lados e vê ninguém que chamasse sua atenção. Estava procurando uma pessoa que soubesse, que sabia o que ocorreria se o encontrasse. Olhou vários americanos nos olhos. Não eram nenhum. Ambror carregava os objetos necessários para abastecê-los em um mês. Logo precisariam de mais, mas antes usariam roupas que não chamassem muito a atenção dos outros. Alguns olhavam-nos de forma estranha, pelo fato de não usarem camisas, somente calças e cintos com objetos.

Zulu caminhou pela loja observando os olhos de cada um, nunca se esquecia de um olhar, mesmo esse que veio de sua infância, que o fez perder o olhar mais querido que já teve.

— Esse aqui está bom? — disse uma mulher abrindo o provador. Usava uma camisa azul larga e grande, calças pretas que estavam justas demais, quase a rasgar.

— Esse está ótimo — disse a atendente da loja.

— Não está um pouco apertado?

— Imagina! — a mulher do provador voltou a se trocar — Se sua carteira for maior que seu peso então está tudo ótimo — disse a atendente, quase inaudível para quem estava perto.

Porém Zulu ouviu. Não gostou daquilo. Do aproveitamento da atendente e suas maneiras. Pegou sua espada e caminhou pelo seu lado. Não precisou fazer força para a espada transpassar a perna dela e fazê-la sangrar e cair com a mulher gritando. Caminhou até Ambror.

— Vamos, eles não têm nada a oferecer para a gente hoje.


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