Quarta-feira. 19:45.

Sabe quando você sente que não pertence ao lugar onde você vive? Que deveria estar bem longe de lá? Então, estou me sentindo assim.

No momento o papai acaba de sair, o Dan está explodindo a casa do vizinho com sua coleção de rojões (e você se pergunta: QUEM NESSE MUNDO COLECIONA ROJÕES? Pois é, o Dan) e a Nellie levou o Saladin no veterinário, aquele gato é mais bem tratado que eu!

BOOM, mais uma explosão, o Dan conseguiu ferrar com o quintal do vizinho. Parabéns, mano!

EU NÃO POSSO SER A ÚNICA PESSOA NORMAL DESSA FAMÍLIA!

Mas a coisa que está me preocupando é o papai, ele anda saindo muito e sempre dá umas desculpas esfarrapadas, como "Ahn... er... eu vou... numa reunião de emergência do trabalho! Peçam pizza, amo vocês crianças!" e eu SEI que não é reunião coisíssima nenhuma, e é muito estranho o papai não falar, ele sempre conta tudo pra gente.

Então, diário, você deve ter percebido que eu não escrevi nada ontem, simplesmente porquê Terça-feira, passou totalmente em branco pra mim, não aconteceu nada que valha a pena relatar, mas hoje sim, hoje com certeza!

Bom, o papai recebeu uma ligação misteriosa hoje de manhã, o que fez eu e o Dan suspeitarmos MUITO, era de uma mulher e ele falou todo fofinho com ela, será a secretária? Por que ele trataria a secretária tão bem? Não sabemos. Nellie acha que ele arranjou uma namorada, mas isso é tipo... impossível! Ele nunca superou a mamãe!

Se bem que essa seria uma hipótese, mas remota, isso não vai acontecer.

Depois disso o papai ficou totalmente sem graça, o que ainda piorou minha desconfiança, mas deixei pra lá. Dessa vez o Dan tinha acordado cedo, quero dizer cedo pra ele, então tarde, e o Saladin não estragou minha roupa. Então fui com o cabelo solto, meu colar de jade que foi presente da vovó Grace, um moletom verde-musgo e calças jeans com meu converse preto, me achei normal como sempre.

Chegamos a tempo de pegar o ônibus e eu sentei ao lado da Si, que estava com um sobretudo preto perfeitamente ajustado ao corpo e calças jeans cinza-escuro, e nós falamos sobre conceitos matemáticos e a nova ordem mundial.

A parte legal de ser amiga da Si é que ela tem um cérebro.

Quando entramos na escola os irmãos Kabra estavam no portão, e Dan lançou um olhar mortal pra Natalie que foi devolvido com um mais mortal ainda. Eles são ainda piores que eu e o Ian!

– Kabra. - eu disse.

– Cahill. - ele respondeu, sorrindo bobamente, eu revirei os olhos. - Que colar bonito. É a ralé tentando ser rica?

Eu engoli um insulto pesado que se formava na ponta de minha língua e respirei fundo. Não era pobre, nós só não gastávamos dinheiro com coisas banais, como os Cobras.

– Não é isso, Kabra, ganhei esse colar de presente. - eu respondi. - Pelo menos eu não sou uma riquinha idiota que não sobreviveria um minuto sem o cartão de crédito do papai, como alguém... não sei... como você.

Joguei o cabelo pra trás e saí, olhando para Ian como se ele fosse um inseto e eu muito mais superior, Sinead bateu palmas de empolgação e lançou um olhar mal-educado para os Cobra, e Dan riu feito uma foca retardada.

– Arrasou, amiga. - Si murmurou, eu sorri animadamente e ela fez um sinal positivo.

As gêmeas Holt, que assistiam a cena um pouco longe, sorriram pra mim. Eu ainda não acredito que elas são tão mortais assim, parecem tão frágeis... mas não são.

Eu daria uma moeda pra ter gravado a cara do Ian naquela hora, foi incrível!

Depois dessa cena épica bateu o sinal, e a primeira aula era Álgebra, onde eu sentava com o Ian! Andei até ele e dei um sorriso malvado, ele riu.

– Então, Amélia, ainda está de TPM? - perguntou, sorrindo torto.

– Na verdade não, Kabra, mas você sabe muito bem como me irritar. - eu retruquei.

– Faço isso com prazer, é muito engraçado te ver brava. - ele piscou, e eu dei-lhe um cascudo.

– Classe - começou o professor Richards, pedindo nossa atenção. - A Direção quer comunicá-los que o jogo de basquete do nosso time Lions acontecerá nesta tarde, contamos com a presença de todos para apoiar nossa escola e alunos como Hamilton Holt, Ian Kabra e Ronald Lancaster.

Hamilton sorriu vitoriosamente, Ron se encolheu na cadeira e Ian deu seu sorriso brilhante e malicioso de sempre, e eu odeio muito esse sorriso.

O nosso time é forte, sempre ganhamos várias competições e eu vou na maioria, para deixar o Hammer feliz. Já me convidaram para ser líder de torcida, mas eu não gostaria nem um pouco de ser vista por uma platéia gigante e estar de mini-saia e blusinha colada, eu provavelmente me enterraria num buraco e nunca mais sairia dele! As gêmeas Holt entraram pro time de líderes de torcida, agora que elas tem idade o suficiente pra estar na nossa escola, e eu ouvi boatos que elas estão indo superbem (o que era meio óbvio, já que elas são Holt, aquela família é turbinada, está no sangue deles). O pai de Hammer é o treinador, o sr. Eisenhower Holt, e a mãe deles é quase tão musculosa quanto pai, dá até medo!

Hammer é como meu irmão mais velho, sempre ajuda e me defende quando preciso, eu não seria nada sem ele e a Si. Às vezes eu penso que ele tem uma queda pela Si, mas nunca toquei no assunto e ele provavelmente não confessaria, só sei que eu daria apoio total! Mas vou esperar um dos dois falar alguma coisa.

Sinceramente, eu acho que o Dan e a Natalie formariam um ótimo casal, mesmo eu sempre querendo ver ele com a Madison Holt, já que ela é linda!

Linda demais! Assim como a Reagan. Mas cuidado, elas podem torcer seu braço! Vamos só esperar pra ver se rola um clima entre a Nat e o Dan, ou entre a Mad e o Dan, só sei que eu odiaria ser da mesma família que o Ian Kabra, então não apoiaria taaanto assim o Dan com a Kabra, mas ele decide isso!

Então, continuando a falar sobre minha aula, o Ian não parava de falar, coisas como "Você não preencheu todas as questões, Amélia, está distraída?", ou "Sinceramente, Natalie morreria se tivesse que usar o mesmo converse que você", ou "Natalie contou que seu irmão é tão irritante como você, deve estar no sangue."

Então eu digo quantas vezes for necessário: "Cuide da sua vida patética, Kabra."

Se eu encontrasse uma lâmpada, a esfregasse e saísse um gênio me concedendo um desejo, seria mandar o Ian pra outro país, outro planeta, outro universo o mais longe possível daqui, estaríamos separados por muitos e muitos anos-luz de distância e eu viveria em uma completa paz.

Seria inacreditável!

Depois de longos noventa minutos de aula com um Cobra idiota me irritando, finalmente eu estava livre, GLÓRIA JEOVÁ!

Saí correndo para o refeitório da escola, já que hoje eu não trazia nada de casa e precisava de comida, peguei uma bandeja com um hambúrguer, um refrigerante diet e uma gelatina de morango, fiquei por um tempo decidindo onde sentar. Sinead não almoçava no colégio e passava o intervalo inteiro na biblioteca, Dan estava com os amigos retardados dele, as gêmeas Holt estavam com as outras líderes de torcida e Hammer com os colegas do time de futebol. Depois de alguns minutos passados enquanto eu estava parada com cara de idiota no meio do refeitório achei uma mesa vazia, me dirigi para lá e suspirei, querendo muito virar parte da mobília e sumir dali.

– Com licença, Amy Cahill, posso me sentar com você? - perguntou uma voz, a mesma do primeiro dia, que reconheci instantaneamente como Natalie Kabra. - Se não, tudo bem, talvez você goste de ficar sozinha e...

– Claro que pode, Natalie. - eu a cortei, sorrindo. Mesmo sendo irmã mais nova do meu arqui-inimigo, Natalie parecia apenas uma garota perdida que não sabia nada sobre o colégio, então resolvi ajudá-la. Ela sentou-se lentamente com as costas retas, como uma verdadeira dama, e começou a comer a salada que havia pego, só salada e suco de uva, estranho.

Comemos em silêncio por um tempo, até que ela se pronunciou:

– Olha, Amy, eu sinto muito pelo comportamento inapropriado do meu irmão, ele é um idiota - ela revirou os olhos, sorrindo. - Dan não gostou muito de mim, mas eu juro que não fiz nada, mesmo! Não suporto o jeito mesquinho do Ian, ele é absolutamente nojento! - e riu.

Eu não acreditava no que estava acontecendo, a irmã de Ian Kabra havia acabado de confessar que tinha os mesmos sentimentos, mesmo mais fracos, que eu sobre o próprio irmão? Deus, estou sonhando!

– Eu penso exatamente a mesma coisa - eu pisquei. - E desculpa pelo tonto do Dan, ele é um grilo falante!

Ela gargalhou, atraindo a atenção de algumas pessoas que estavam por perto, mas ninguém ia falar nada para a bonita e rica Natalie Kabra, irmã de uma das maiores lendas do nosso colégio, mesmo que pra mim ele só seja um macaco que se evoluiu um pouco demais e resolveu entrar pra escola. Natalie era tão linda quanto Ian, eu odiava admitir que ele era bonito, mas era, no começo seu sorriso fazia meu estômago girar, mas agora eu sei o quão irritante e metido a besta ele pode ser, e o odeio.

Descobri neste intervalo que Natalie era uma pessoa incrível e nos tornamos amigas, ela falou que a mãe dela também anda estranha, saindo sem motivo nenhum e recebendo mensagens suspeitas, mas acha que é só o trabalho, ou que ela está preparando uma surpresa. Também disse que a mãe sempre deixa o celular em casa, mas tem uma senha superdifícil que não conta pra ninguém, e não dá pra hackear, ela é paranoica com hackers. Eu já havia visto a mãe dela, Isabel Kabra, tão bonita quanto os filhos e com o mesmo sorriso de Ian, havia sido traída pelo marido e eram separados há cinco anos (Ian havia me contado quando ainda éramos amigos).

Ah, sim, uma coisa importante: Durante o sétimo e o oitavo ano eu e Ian fomos melhores amigos, nós éramos os confidentes um do outro e aparentemente inseparáveis, mas aí Ian ficou rico e começou a me ignorar, eu não liguei por um tempo e depois fui confrontá-lo, ele disse: "Não falo com ralé." e depois desse dia eu jurei odiar Ian Kabra para sempre, mesmo ele tentando se desculpar.

Depois do intervalo com Nat Kabra nós tivemos aula de Biologia Marinha, minha matéria favorita, sentei com Sinead e nós fizemos vários planos: iríamos ao jogo de basquete que aconteceria hoje e gritaríamos muito alto quando Hammer marcasse um ponto, também vaiaríamos Ian quando ele marcasse, seria muito divertido! A aula passou voando e já era Língua Espanhola e depois História da Arte, quase morri de tédio, mas finalmente acabou!

Já em casa eu tomei um pote inteirinho de sorvete de morango (amo morango!), me troquei (blusinha preta com escritos amarelos "The New Generation", calça jeans e um casaquinho de couro por cima, botas pretas) e esperei Si chegar. Ela já tinha feito dezesseis anos e podia dirigir, quando chegou estava perfeita como sempre, um vestido colado cor de creme, sapatinhos boneca e os cabelos soltos.

– Gêmea! - ela exclamou enquanto eu entrava no carro.

– Minha versão mais bonita! - eu exclamei.

– Ah, sem dramas Cahill, você é linda! - ela mostrou a língua, ligando o rádio e dirigindo, demoramos menos de dois minutos pra chegar no estádio onde seria o jogo, quase todos já estavam lá. Compramos refrigerante e pipoca e sentamos em um lugar onde dava pra ter uma visão ampla, ainda bem!

O jogo começou e Hammer, como sempre, se destacou mais que todos os outros e marcou várias cestas, eu e Si ficamos roucas de tanto gritar e vaiar Ian, que jogava beijos e piscava para nós (idiota!). As gêmeas Holt se saíam muito bem como líderes, tanto pelo fato de serem turbinadas quanto pelo de serem mais bonitas que, digamos, todo mundo.

Depois do jogo, voltei pra casa feliz da vida e sem voz, assisti TV com Dan e li um pouco de Guerra dos Tronos, no meio da tarde recebi uma mensagem:

Ian Kabra: Precisamos conversar.

Ignorei-a.

~'~'~'

Ainda Quarta-Feira. 21:30

Nellie e Saladin acabaram de voltar e eu aposto todos os meus livros que ele está totalmente desconfortável com aquela gravata azul-piscina. Sinceramente, tá ridículo! E a Nellie nem liga direito pro pobre gatinho, só tá se balançando no ritmo da música bizarra do iPod.

Eu não entendo a Nellie.

Ela é nossa au pair há uma semana, e nós aprendemos coisas sobre ela como: Idolatra o iPod. É viciada em sorvete (e já comeu o sorvete cereja e chocolate do Dan, ele surtou). Sabe pilotar aviões e é incrível em culinária, juntando tudo isso ao fato de ela não ligar a mínima para o que a gente faz, ela é a au pair perfeita! E o cabelo dela é muito maneiro, pintado de duas cores, e ela tem um pingente de cobra no nariz, BIZARRO!

– E aí, Amy! - ela disse, sorrindo e colocando o Saladin no chão. - Ele está uma graça, não? Não, ficou horrível! Mas eu não podia falar pra moça, né? Porque ela merecia um soco!

– Concordo! - disse Dan, aparecendo de sabe-se-lá-onde e se jogando no sofá.

– Pirralho, vaza daí! - Nellie puxou Dan pela orelha e se jogou onde ele estava, comendo um chocolate que havia comprado no caminho. - Querem? Tem lá na cozinha. - e ligou seu iPod.

Com a Nellie é facil assim, e muito melhor!

Por uns vinte minutos eu e o Dan ficamos sem fazer ab-so-lu-ta-men-te nada, só assistindo TV e tomando sorvete (um pote pra nós dois e outro pra Nellie), mas aí o papai chegou com a pior notícia da minha vida:

Ele estava namorando uma moça chamada Isabel.

Isabel Kabra.

Sim, exatamente o que você está pensando. A mãe de Ian e Natalie Kabra. Ou seja: Os Cobra seriam meus meio-irmãos. E nós teríamos uma reunião em família amanhã.

O QUE EU FIZ PRA MERECER ISSO?!