As Cores do Inferno escrita por Ruby


Capítulo 2
Capítulo 2 – Chocolate


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente *-*

Voltei com um novo capítulo! Espero que vocês gostem!



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– Pelotão!

Vozes gritavam no pátio. Do terceiro andar, com vidros e portas fechadas e o barulho infernal do ar condicionado, eu ainda escutava o treinamento dos soldados.

Os passos eram perfeitamente ritmados. Quando percebi, estava batendo a ponta do lápis na mesa, no mesmo ritmo dos passos lá em baixo. Eram apenas 9h da manhã e minha cabeça já latejava. Virei minha cadeira, de modo que eu ficasse de costas para minha mesa e de frente para a janela. O céu hoje era cor de chocolate. Marrom escuro, denso, quase negro. Apesar disso, não era nada doce.

Não havia informações. Nenhuma realmente importante. As únicas informações que recebia eram de novos bombardeios. O Iraque estava se tornando mais forte e os Estados Unidos estavam acompanhando. A raiva deles era imensa e chegava amedrontar. Desde o governo de George W. Bush, o Iraque guardava mágoas dos EUA e essa fora a oportunidade certa para devolver as gentilezas. Associado à falta de água em vários países do mundo, a força com que os inimigos atacavam era surpreendente e nós precisávamos estar preparados.

Ouvi batidas na porta e uma voz já conhecida chamou por mim.

– Major? – o som soou abafado por causa da madeira – Posso falar com o Senhor?

– Entre, Cabo McCarty – respondi, mantendo a formalidade por causa do número de oficiais parados no corredor. Emmett abriu a porta e a fechou rapidamente, arfante.

– Há um prisioneiro.

– Como é? – me levantei, me sentindo triunfante de repente. Trabalhávamos juntos há dois meses e essa era a primeira coisa importante que ele me contava.

– Uma prisioneira, na verdade. Temos razões para desconfiar de traição, e as ordens são para interrogá-la.

Suspirei pesadamente, tentando não pensar nos caminhos que esse interrogatório poderia tomar. Esse é seu trabalho, me forcei a pensar. É sua obrigação. Não foi suficiente para impedir o desconforto que crescia pela tarefa que me esperava.

– Tem certeza disso, Emm? Não gosto de agir injustamente.

– Gosto disso tanto quanto você, e é exatamente por isso que trouxe o caso para que você analisasse, o que, acredite, não foi nada fácil. O Tenente Brandon queria torturá-la.

Senti o costumeiro suor nas mãos e o frio na barriga que se seguiam à palavra "tortura".

– Você tinha razão quando disse que isso parecia mais uma representação das antigas guerras... – eu disse, fazendo-o sorrir. – Bom, preciso falar com ela. Ela é minha responsabilidade agora.

Saímos do meu gabinete e passamos pelo corredor apinhado de gente, onde ficavam as salas dos oficiais.

– Quem lhe trouxe a informação? – perguntei, enquanto seguia Emmett.

– Sargento Hale. – ele disse com certa amargura. Eu me lembrava dele como o homem de cabelos loiros e sorriso desafiador. Tentei imaginar o que causara aquele tom na voz de Emmett.

Descemos as escadas correndo e entramos no pátio, que também estava lotado de soldados. Pelo que percebi, todos discutiam o fato de termos capturado um espião.

– Onde ela está agora?

– Na sala de interrogatórios. Ela está com o Sargento e com o Coronel.

– Cullen?

– Exatamente.

Emm praticamente corria até outro prédio, que ficava um pouco afastado de onde nós estávamos. Se ele não estivesse acompanhado de um Major, que também estava correndo para alcançar suas passadas longas, seu comportamento seria repreendido. Assim que entramos no prédio, o homem loiro veio nos cumprimentar. Ele não sorria mais de modo desafiador.

– Major Masen – ele se aproximou, batendo continência e apertando minha mão em seguida – Ainda não tive a chance de trabalhar diretamente com você. Sou o Sargento Hale.

– Prazer, Sargento.

Emmett se postou ao meu lado, como se fosse meu guarda-costas.

– E então, onde está a mulher? – perguntei, já procurando por ela sobre os ombros do Sargento.

– Está conversando com o Coronel Cullen na sala – ele respondeu, apontando uma porta no fim do corredor. Contornei o homem e segui na direção que ele havia me mostrado.

Assim que me aproximei, Carlisle saiu da sala e se dirigiu a mim em tom baixo.

– Totalmente muda, Edward. Insiste em não dizer nada.

– Darei um jeito nisso. Não vou deixar que a torturem por causa de uma informação não dada. Não sou o tipo que mata inocentes, até porque...

– Ela não é inocente – ele me interrompeu.

Demorei alguns segundos para entender porque a informação repentina havia me supreendido. No fundo eu esperava que aquela mulher fosse inocente.

– McCarty me disse que era apenas suposição, que não tinham certeza dos...

– Duvido muito. - ele me interrompeu - Nossa repartição não faz prisioneiros por suposição.

– Claro, você está certo. – concordei – Posso tentar falar com ela, então?

– Ela é sua – ele respondeu, me indicando a porta.

– McCarty – chamei Emmett e ele seguiu em minha direção prontamente – Pegue a ficha com as informações da prisioneira e me acompanhe. Preciso que alguém anote as respostas dela. – Abri a porta e entrei, deixando-a aberta para que Emmett entrasse depois.

Havia uma mulher pequena, em pé e virada para a parede, de costas para nós. Parecia estar ignorando totalmente a mesa e a cadeira ao seu lado. Eu não conseguia ver seu rosto, mas seus cabelos negros e embaraçados caíam-lhe pelas costas. Seus braços estavam cobertos de arranhões e hematomas e suas roupas manchadas de terra e sangue, mas mesmo assim sua postura era ereta, orgulhosa e decidida.

Sentei-me em uma das cadeiras ao mesmo tempo em que Emmett entrava pela porta. Assim que a fechou, ele me entregou um bloco de anotações em branco, para que eu pudesse fazer minhas observações. Rabisquei meu nome no topo da folha e coloquei a data, esperando que a mulher se virasse ao ouvir aproximação. Ela não se mexeu um centímetro.

– Ei, você – falei em tom alto – Pode me olhar, por favor?

Ela não respondeu. Lancei um olhar a Emmett, que tinha a mesma cara de dúvida que eu. Decidi continuar mesmo assim.

– Qual seu nome?

Silêncio.

– McCarty?

– Isabella, Senhor – ele me respondeu, pegando a informação da folha que tinha em mãos. – Isabella Swan.

– Onde nasceu, Isabelle? – a chamei outra vez, errando seu nome propositalmente.

Silêncio novamente.

Respirei fundo, enquanto passava as mãos pelos cabelos – ato que fazia sempre que estava nervoso – e Emm não me esperou pedir novamente.

– Arizona, Estados Unidos. Nascida em Phoenix, mas atualmente mora em Paradise Valley.

– Em que trabalhava, Isabelle? – perguntei, estendendo a mão a Emmett, com a palma virada pra ele, sinal de que queria ouvir a resposta da própria mulher.

Para minha não surpresa, outra vez silêncio.

– Se não quiser falar comigo, tudo bem – falei, desistindo de esperar por uma resposta. – Mas pode pelo menos se sentar? É estranho falar com as suas costas.

Eu e minhas piadinhas infames, pensei. Mas pareceu ter funcionado. Não sei se por dó da parte dela, ou pela minha brilhante capacidade na psicologia, Isabella se mexeu, fazendo menção de se virar. Ela hesitou por um momento, enquanto suas mãos agarravam o encosto da cadeira, talvez pensando se era certo se render a mim. E então, de repente, ela se virou, sentando-se e me encarando. Depois disso tudo ficou escuro, e a única coisa que eu podia enxergar era ela.

Seus olhos eram de um castanho escuro, cor de chocolate – como o céu naquele dia, só que bem mais doce. Seu rosto era branco e macio como seda, apesar dos hematomas e machucados. Seus lábios, com cortes profundos e marcas de batidas, eram cheios e perfeitamente alinhados com o resto do rosto. Os cabelos negros caíam em mexas na testa e minhas mãos se moveram milímetros, como se tentassem chegar até eles. Mas apesar de todos seus outros atributos, seus olhos eram o que mais me prendiam.

Grandes, porém inchados e roxos. Havia alguns cortes perto do olho direito e imaginei como ela havia se machucado tanto. Meu coração doeu – fisicamente – ao imaginar que ela já fora torturada. Apesar de amedrontados, seus olhos ainda fitavam os meus profundamente, prendendo-os nos seus e fazendo minha respiração vacilar. Não sei dizer por quanto tempo ficamos assim, e nem se ela sentiu a mesma pressão nas veias que eu sentira naquele momento. Só sei que, cedo demais, a voz de Emmett me tirou dos meus devaneios e do poder dos olhos de Isabella.

–... 2025, ao lado do presidente, Senhor.

– Err... Eu... – gaguejei, ainda sem conseguir desviar meus olhos dos dela – Desculpe, Cabo. Pode repetir?

– Claro – ele disse numa voz levemente arrastada e pude perceber que, se estivéssemos sozinhos, ele teria bufado e revirado os olhos – Ela trabalhou no Departamento de Defesa dos Estados Unidos até 2025, ao lado do Presidente.

– Certo – pigarreei, tentando voltar a ser o Major Masen e empurrando Edward para o fundo de minha mente – Quantos anos tem, Isabelle?

– Isabella. – ela corrigiu, e senti meu coração perder uma batida.

Sua voz era tão doce quanto seus cabelos de chocolate, e quase tão hipnotizante quanto seus olhos. O som de sinos embaralhou minha mente, e a única coisa em que eu podia pensar era no motivo de eu ainda não tê-la tirado dali e implorado para que fugisse.

O que é uma loucura, me lembrei. Eu não a conhecia. Eu mal fazia ideia de quem era. Por que ela tinha esse poder sobre mim? O que diabos estava acontecendo comigo?

Emmett pigarreou e eu me lembrei que estava esperando por uma resposta dela. Por quanto tempo eu havia ficado em silêncio?

– Eu fiz uma pergunta. - falei, tentando disfarçar minha respiração arfante.

Ela hesitou alguns segundos e eu esperei pacientemente, como o Major Masen faria - ignorando a ansiedade do Edward dentro de mim que esperava ouvir sua voz novamente.

– 23. Tenho 23 anos.

– E já trabalhou ao lado do Presidente? – perguntei, fingindo incredulidade. Aos 23 anos eu trabalhava no Serviço Secreto.

– Ela é formada pela Força Aérea, Senhor, mas precisou abandonar o cargo – Emmett respondeu minha dúvida outra vez.

– E por que, Cabo?

– Invalidez – Isabella respondeu, lançando um olhar mal-humorado a Emmett. – Sofri um acidente há alguns meses.

– E posso saber o que uma ex-funcionária da Força Aérea faz sentada nessa mesa?

– Acusada de traição. – ela respondeu. Surpreendentemente, ela sorriu.

– Está ciente disso?

– Estou.

– E concorda?

– Plenamente – ela respondeu, o sorriso irônico ainda brincando em seus lábios. O coração do Edward doeu outra vez ao pensar nas conseqüências que ela sofreria.

– Sabe o que isso significa, não sabe, Isabelle?

– Isabella – ela me corrigiu de novo.

– Morte – eu a ignorei – Morte por fuzilamento.

– Rá! – Ela riu, jogando seu corpo para trás e socando de leve a mesa. – Que ridículo.

Eu reconheceria essa postura de longe. Ela estava a beira de um ataque de pânico.

– É mais rápido, mais barato, mais seguro e mais eficiente, pode acreditar nisso.

– Ridículo... – ela comentou baixo, dando um risinho de incredulidade.

Eu resolvi provocá-la.

– Você trai o país e agora teme a morte?

– Vocês traem um país inteiro e agora temem traidores? – ela devolveu, indignada, se curvando sobre a mesa.

Eu fiquei sem reação. Não pude contradizê-la porque concordava com ela. E ela se aproveitou do meu momento de hesitação.

– Você sabe o que é ouvir sua família chorar à noite, sabendo que vai morrer? Você sabe como é sair de casa todos os dias sem saber se vai encontrar todos vivos quando voltar? Você sabe o que é morrer de sede?

Eu continuei em silêncio.

– Você tem irmãos, Sargento?

– Major – eu a corrigi. – Major Masen.

– Eu fiz uma pergunta.

Engoli em seco.

– Não. Sou filho único.

– Eu tenho duas. – ela falou baixo, seu tom de voz beirando o sussurro. Aquilo me atingiu mais do que se ela tivesse gritado. – Alice e Rose. Ambas mais novas. Todos os dias eu as escutava à noite, chorando de sede, consolando uma a outra com promessas mentirosas. E sabe o que eu fazia, Major? Eu fingia dormir, porque não conseguia encará-las e dizer que não tínhamos chances de sobreviver! – ela agora chorava. Lágrimas silenciosas rolavam por seu rosto.

– Isso não é motivo suficiente para...

– Para você, nunca vai ser – ela me interrompeu, sorrindo tristemente em meio às lágrimas – Você não conhece a responsabilidade de cuidar de uma família sozinha. Alice era a mais esperta, a única que realmente entendia que não se podia confiar em mais ninguém. Rose ainda era uma sonhadora... Acredita que seu sonho era entrar pra Força Aérea, como a irmã? – seus soluços agora estavam mais fortes. – Ele ainda queria proteger o país...

– Por que fala delas no passado? – perguntei.

– Ambas estão mortas. Por culpa sua e dessa bandeira que carrega tão orgulhosamente no peito.

Respirei fundo, tentando controlar os instintos que gritavam para que eu a abraçasse e a consolasse. Eu não podia me deixar ser abalado por isso - não fazia parte do meu trabalho sentir pena ou defender prisioneiros de guerra. Pela última vez, empurrei Edward para o fundo de minha mente, onde ele não podia mostrar o que realmente sentia. Eu precisava continuar.

– Onde conseguiu informações sobre as estratégias do Exército?

– Isso não interessa.

– Por que fez contato com inimigos?

– Isso é óbvio - ela riu. - Trocas úteis.

– Você confirma as acusações de traição?

– Sim.

– Obrigado pelas respostas, Isabelle.

Levantei-me da cadeira subitamente, derrubando-a no chão. Não podia mais continuar naquela sala, encarando aqueles olhos marejados de lágrimas. Eu estava nervoso, e não era por raiva - eu sentia medo. Medo do que podia acontecer àquela estranha que havia mexido tanto comigo.

Mas era meu dever entregá-la. Ela havia confessado a traição. Não havia nada que eu pudesse fazer.

Sem dizer mais nenhuma palavra, saí pela porta e fiz sinal para que Emmett me acompanhasse. Carlisle me esperava do lado de fora, o rosto ansioso.

– E então? – ele perguntou – Ela disse alguma coisa?

Sem olhar para ele e sem parar de andar, baixei a cabeça, franzindo as sobrancelhas involuntariamente.

– Não. Totalmente muda. - respondi, e lhe entreguei o bloco de anotações em branco, a não ser por meu nome e pela data rabiscada no topo.


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Notas finais do capítulo

E então?

Por favorzinho, deixem um comentário sobre o que vocês acharam, ok? A opinião de vocês é importantíssima pra mim!

Vejo vocês no próximo capítulo!

Ruby ;*