Broken Girl escrita por Iris


Capítulo 26
Capítulo vinte e seis: A última música no Jukebox


Notas iniciais do capítulo

Aleluiaaaa o/ Finalmente capítulo novo. Não sei nem por onde começar com as desculpas... Bem, me desculpem por demorar um século para postar, motivo: Não conseguia escrever o que tinha para escrever nesse calor infernal. Sério, não consigo fazer nada nesse calor. Outro motivo era que não conseguia escrever nada que preste. Mas Saiuuuu!!

Não tem muito o que dizer desse capítulo, a não ser que tem um pouquinho de tudo nele. Não vou contar muito ;) E tá bem grandão para compensar a demora haha.

Espero que gostem! Espero que não tenham me abandonado.

Enjoy ^^



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/476289/chapter/26



Havia encontrado Dean. Ele estava num dos cercados com mesas, jogando. Pôquer, ele estava jogando pôquer com um monte de coroas e garotos ricos. Dean...Tinha dois copos vazios ao seu lado e seu semblante era de divertimento. Estava ganhando. O assisti por um tempo.

A preocupação o deixando. Ele sorria ou dizia alguma coisa que fazia os outros rirem. E eu estava ficando paranoica. Havia olhado pelas janelas, não tinha nada lá fora além de sombras. Provavelmente eu virá algum animal, como um esquilo ou gambá. Mas foi o suficiente para me deixar tensa.

Saí de onde estava para um lugar mais quieto. Rodei o salão e não vi Sam em lugar nenhum. Até que fui parar em corredor longo e vazio, decorado com pinturas a óleo nas paredes. Algumas delas eu nunca conseguiria decifrar o que significava. Era uma junção de cores fortes, outros mais sombrias, mas oque eu me chamou a atenção fora um com uma imagem mais clara.

Era uma mulher, nua, ela tinha uma cobra enrolada no corpo, e dava para ver que o animal não era um perigo, ela segurava a cobra entrelaçada ao seu corpo. A cabeça pendia tranquilamente para o lado, seu cabelo loiro caindo-lhe até a cintura e a cabeça da cobra em seu ombro, olhos fechados em carinho ao seu bichinho de estimação. O fundo era verde, uma floresta ou pântano.

_É linda, não é? – estava tão distraída e cismada que me assustei a voz. Sebastian estava no meio do corredor. Ele se aproximou e parou ao meu lado. Não havia máscara, seu traje era negro como a noite, apenas o blazer tinha algum brilho aqui e ali. Não o respondi.

_Lilith de John Collier. – disse referindo-se ao quadro. É claro, não fazia ideia de quem era John Collier, mas conhecia Lilith. _Vocês tem muito em comum, sabia?

_Não tenho nada a ver com essa, esse... demônio. – disse na defensiva. Sebastian sorriu como se soubesse mais do que eu. Aquilo me incomodou.

_Está adorável. Isso sim é um vestido, não aquele trapo brilhante. – disse mudando o rumo do assunto. Começava a me sentir desconfortável naquele vestido. Não queria ficar dando voltas ou jogando conversa fora, então resolvi ir direto ao assunto.

_Por que estamos aqui Sebastian? – ele sorriu preguiçosamente e passou a observar o quadro.

_Achei que como sócia, seria educado convidá-la. E os seus garotos, bem, duvido que dê um passo a frente sem que eles estejam atrás com uma pistola de sal em mãos.

_Sei que está com o anel. – se sentiu alguma coisa ele não demostrou. Seus olhos continuaram no quadro.

_Tudo bem, e o que pretende fazer com essa informação? – agora olhava para mim. Abri a boca para responder e fechei de novo. O que poderia fazer ou dizer? Não tinha muitos trunfos na manga.

_O quê você quer? – aquela aliança estava começando a me custar caro.

_Vou te dar o anel, se acha tão importante, mas no momento certo. Quanto a isso não há com o que se preocupar. Mas... – ele firmou o olhar em mim. Aquela coisa que ele fazia, aquela sensação fria e vazia que trazia na cor negra de seus olhos de aparência humana, ainda me dava arrepios. Me mantive firme. _O quê você quer?

Não esperava aquela pergunta. Não tinha resposta. Isso por que com aquela questão trazia todos os desejos e vontades em forma de pensamento para respondê-lo. Eu queria tanta coisa, pedidos pessoais demais, íntimos até, que eu não compartilharia com um demônio. Mas era um tanto egoísta.

Me sentia pressionada como uma candidata a miss ficaria, com a resposta que estava pronta; A paz mundial. Mas bem no fundo queria a paz em mim.

Mas ele não esperou que eu respondesse, ao invés disso me lançou outra pergunta.

_Acredita em destino, Srta. Corand?

_Por que está me fazendo essas perguntas? – será que era algum tipo de teste?

_Devo repeti a pergunta? – retrucou ele no seu tom blasé.

_Eu devo? – já eu preferi seguia a linha impaciente.

_Só estou um tanto curioso. – ele olhou para além de mim. Tinha um ar divertido em seu semblante. Seu baile continuava a todo vapor, ouvíamos os ruídos emitidos por ela do corredor.

_Acredita que seu destino está entrelaçado à aquele rapaz? – olhei para onde ele olhava. Dean. Dirigi o olhar de volta para Sebastian tentando não transparecer minha inquietação. Queria Dean fora daquilo. _Vou tomar isso como um sim.

_Não foi destino, foi só... uma coincidência. – minhas palavras saíram fracas e fluídas. Nada convincentes.

_Não acredite nisso. – seu tom era de conversa, mas certo aviso era detectado. _Se tiver de ser será, se seu destino é ficar com aquele caçador, o tempo se encarregara disso. Se tem certeza de que ele é o amor de sua vida, vocês encontram o caminho...

_O quê... – tentei fazer sentido no que ele estava tentando me dizer. Mas ele continuou falando.

_..mas não deve encher a cabeça com essa besteira. – o tom informal evaporou. _"O homem planeja e Deus ri." – citou. _As vezes o destino, ou seja lá o que for, pode ser apenas cruel. Essa certeza de que sente no coração que pertence a esse rapaz, ou rapazes, é só o universo achando uma maneira de se diverti.

_Por que está me dizendo isso? – parecia que uma pedra afundava no meu estômago. Não queria ouvir o que ele tinha a dizer sobre mim e sobre Sam e Dean.

_Por que não quero que a fantasia de uma menina carente seja nossa ruína. Não existe amor, Isabel. É só a forma de justificar algum ato patético. É carência. Um ideal criado por vocês. Famintos por um pouco de atenção. É tudo muito superestimado. Se está sozinho não será completamente feliz, se juntar as escovas com alguém aí sim, está completo. – ele riu um pouco. _Que tolice. No fim das contas vão todos para a cova sozinhos.

_Não sente nada, não sabe o como é. – retruquei insolente. Ele riu mais. Tinha uma gargalhada sonora e grave e ao mesmo tempo agradável de se ouvir.

_De novo essa atitude preconceituosa contra demônios. Eu sou você daqui há alguns anos. Quem sabe quanto. O que acha que somos? A poeira do universo? O mal encarnado? Somos vocês. É isso que existe se escavar bem uma alma humana, é isso que sobra. É isso que é. Se você tirar uma por uma as pecinhas adicionais é o que vai encontrar. – ele fez uma pausa. Seus olhos agora passeavam pelas texturas da pintura novamente. _Sua bíblia diz que a mulher surgiu a partir de uma costela de Adão, imagino que não tenha sido agradável. E se não fosse pelo pecado de Eva você não existiria. Ou seja, todos nós viemos da dor e do pecado. É o que somos.

Fiquei muda. Sebastian tinha um olhar distante agora, como o de alguém que viveu muito tempo, que sentiu demais ou de menos. Alguém feito do pecado e da dor.

_Eu vi o céu, estive nele. É para lá que almas boas vão. Se fosse só escuridão, dor e pecado, por que ter um paraíso? – soava um pouco ingênua, mas não acreditava que tudo poderia ser tão cinza assim.

A vida era bonita. Pessoas poderia ser boas e fazerem o bem sem nenhuma segunda intenção ou pretensão. Tinha certeza que essas almas eram puras e brilhantes por mais que houvesse dor ou pecado no caminho, elas seriam capazes de se manterem limpas. Não só na dor e no pecado.

_A alma humana é tão brilhante para ofuscar o que tem de escuro no meio delas.

Não adiantaria discuti com Sebastian. Ele sabia que ganharia. Eu não tinha argumentos.

_Ah, pequeno Lázaro. – lamuriou. Só faltou um suspiro longo. _Você voltou dos mortos com algumas peças adicionais. Essa escuridão que sente dentro de si é só quem é de verdade. Aceite isso e tudo ficará mais fácil. Não tente resistir a você. Não precisa de Sam ou Dean. E não escolha ir por esse caminho, o amor só vai levá-la a ruína.

Cada frase e palavra foi encadeada no meu corpo com um calafrio. Estava frio ali. O frio estava em mim. Então ele fez algo que não esperava. Ele pegou minhas mãos. Fiquei tão surpresa que não reagi, só olhei para nossas mãos juntas chocada e com o peito explodindo em pequenas tempestades elétricas. Sebastian era tão... vibrante.

As luzes ali piscaram e como acontecia as linhas negras emergiram e a transformação em mim deixava tudo em volta pesado e ao mesmo tempo frágil. E foi quando tentei expandir mais e mais que ele soltou minhas mãos. Me devolvendo completamente desamparada a realidade.

Aquela parte de mim não iria assim tão fácil, ainda estava tão forte entre minhas veias que me sufocava. Tudo ia ficando mais fácil. Vinha até mim como alguém querendo sessar a cede. Estava preocupada e nervosa.

_Tem usado seus dons de maneira errada. Se usar luz demais queima, se usar do sangue do demônio isso a envenena. Tente buscar o equilíbrio. Não alterne entre um e outro. Entenda, esses poderes se completam. Ninguém é mal completamente e nem bom completamente. Não pode ser um anjo imaculado e nem simplesmente um Cavalheiro do inferno. – do jeito que ele falava parecia muito fácil. Não era. Eu via-me transformando, com uma parte querendo se sobrepor a outra. E onde eu ficava? _lembre-se disso quando for a guerra. Não sinta amor ou compaixão, sinta a si mesma. Bem e mal.

Sebastian abriu um sorriso mínimo.

_Bom, foi ótima a conversa. Estou realmente contente por você ter vindo.

_Não, não está. – dessa vez seu sorriso mudou, ficou mais amplo e entretido. Ele não se deu o trabalho de me desmentir. Sebastian passou por mim. Deixando um cheiro de perfume no ar, e os sapatos caros rangendo no piso polido.

Quando achei que já estivesse no salão ouvi sua voz distante dizer alegremente:

_Não fiquei aí no canto. Tente se diverti um pouco. A festa está esplêndida.

Me virei mas ele já tinha ido embora.

...

Era estranho com quanto internamente eu ansiei por aquele baile. Pelo simples fato que queria um pouco da minha normalidade de volta. Dancei, conversei, flertei, apenas por diversão. Tentei realmente me envolver com aquilo, mas quem eu estava enganando. Naquele momento o que mais queria fazer era sair dali.

O máximo que consegui foi a sacada num ponto mais afastado do salão. Respirava ar puro ali e a movimentação e o gás do baile ficava mais baixo. A quietude e a companhia das árvores no jardim perto foi o que acalmou meu coração e desacelerou a pulsação.

Eu me tronará tão vitimada que não conseguia pensar em fazer coisas normais, relaxar, me divertir ou até mesmo me embebedar. Por que me sentia cada vez mais de fora de tudo isso. Era difícil ser como o eu de antes.

Ouvi o trinco da janela se abri e levei um susto antes de distinguir a silhueta de Dean. Relaxei soltando o ar. Ele vinha sorrindo para mim, na direita um maço de notas. É claro, o pôquer.

_Vencer esses riquinhos é como tirar doce da boca de criança. – disse ele orgulhoso balançando as notas. Sorri com seu entusiasmo.

_Para quem era do contra, você parece bem a vontade aqui. – Dean afrouxou a gravata e veio se recostar no parapeito ao meu lado. Tirou do caminho minha máscara que deixei ali. Até ela parecia me sufocar.

_Podemos voltar lá como uma dupla, seria fácil para você depenar esses caras.

_Não cansa de tentar explorar meus dons? – perguntei em tom de brincadeira.

_Vale a tentativa. – respondeu ele da mesma forma. Formei lentamente um sorriso nos lábios.

_Bem, eu dispenso. – disse educadamente. Dean deu de ombros e guardou o dinheiro no blazer. E então olhou para mim, franziu o cenho.

_Tudo bem? Vi você vindo para cá, tem alguma coisa errada? – perguntou incisivo. Tudo está errado.

_Eu só queria um pouco de ar, lá dentro está ficando abafado. – me virei para ficar de frete para o jardim e apoiar os cotovelos no parapeito. Dean continuou a me olhar.

_Tem certeza? – olhei para ele e vi ali o motivo da preocupação de Sebastian. Eu seria fraca por ele. Desistiria por ele. E será que nosso destino estava mesmo traçado? Ou era uma piada cósmica? Os deuses estavam rindo da gente naquele exato momento, por nos fazer acreditar em algo que não era tão real? Era para ser ou já foi e agora acabou? Era a vez de outro?

_Dean, posso perguntar uma coisa? – Dean se empertigou ao meu lado e assentiu para eu continuar. Respirei fundo. Não ousei olhar para ele. Para o motivo de tantas coisas. _Não acha muita coincidência o modo como nos encontramos? Você poderia ter passado com o Impala um minuto antes ou depois, poderia ter ido a qualquer outro bar. Eu não, sei, não acredito muito nessas coisas de destino, mas o modo como nos... achamos, é muita coincidência.

Dean me olhou por longos segundos. Na verdade eu não sabia bem o que queria dizer ou perguntar. Ele se virou e ficou como eu estava, nossos cotovelos se tocando, e a pergunta: O que será de nós? pairando no ar.

_Não acho que foi destino, não acredito nisso, aprendi a lição e tenho provas de que isso tudo é uma bobagem. As coisas estão bem diferentes agora do que disseram que ia ser. – ele se inclinou um pouco mais para perto com um sorriso frouxo. Me perguntou o quanto ele tinha bebido. Se seu beijo teria gosto de champanhe. _Mas acho que encontraria você de qualquer jeito.

_Ah, é? E se eu não tivesse ido à aquele bar? Se resolvesse ficar em casa assistindo um filme ou qualquer outra coisa?

_Isabel, você é o tipo de garota que sempre se mete em problemas. Cedo ou tarde eu teria encontrado. – poucos pontos, centímetros, milímetros separava nós dois. E só aquilo parecia incendiar meu coração.

Gostava muito daquele Dean, aberto, simples e direto. Mostrando seu lado oculto. E gostava mais ainda de saber que aquilo era para mim.

E tudo se espatifou. Um som viajou como uma bala preenchendo aquela varando com o terror que se podia sentir nele. Eram gritos, e vinham do jardim. Dean e eu trocamos olhares. Não precisou de palavras ele me pegou pelo pulso e nós dois voltamos para a bifurcação da festa.

Eramos dois loucos correndo no meio do salão. Dean tentava olhar entre as cabeças para vê se achava Sam. E eu tentava não escorregar com aqueles sapatos. Era obvio que ninguém ali tinha ouvido o grito, por isso recebíamos olhares raivosos por trás das máscaras enquanto esbarrávamos nas pessoas tentando abrir passagem.

_Droga! Cadê você Sam? – murmurava Dean. Paramos no meio do salão. Dean segurou meus ombros para conseguir minha total atenção. Eu já sentia a agitação no meu estômago.

_Você fica aqui e procura o Sam e eu vou lá fora. – disse já se afastando.

_Dean, espera. – o peguei pelo cotovelo.

_E se Sam está lá fora? – como a sombra de uma pássaro vi a perturbação passar pelo seu rosto. _Como você vai me avisar se acha-lo? E tem outra coisa, não vou deixar você ir sozinho.

Antes que Dean falasse alguma coisa eu já estava me dirigindo a saída. Entre cotoveladas e pedidos de licença, conseguimos chegar as portas duplas. Ouve outro grito, dessa vez mais fraco e distante. Era feminino, disso tinha certeza. A fonte parecia vir depois do jardim do fundos.

Andamos num ritmo acelerado - eu pelo menos tentei acompanhar Dean, o salto daqueles estúpidos sapatos afundavam na grama úmida. O som da festa ia cada vez mais se perdendo entre o farfalhar que as folhas das árvores faziam com a brisa gélida. Um sinal de que não pertencíamos aquelas pessoas e aquele ambiente regado a champanhe. Nosso lugar era ali fora, caçando o que nem sabíamos o que era, mas sabíamos ser perigoso.

Passamos pelo arco de árvores e caímos numa espécie de clareira com um chafariz coroando o centro, mais a frente o terreno se estendia e lá no fundo via-se uma construção de madeira. Um celeiro grande e pintado de vermelho. O cheiro dos canteiros das flores faziam um rastro por onde passávamos. Ali a noite era linda e assustadora ao mesmo tempo. Tinha tulipas amarelas, lírios e rosas vermelhas. Tudo coberto pelos fachos da luz da lua que traspassava as brechas entre folhas, formando um teto acima da minha cabeça, como o desenho de uma renda.

A parte assustadora era que dava para sentir pelo calafrio na espinha que tinha alguma coisa errada. Era belo demais. Como um embrulho bonito antes de você abrir e se revelar uma bomba relógio. E como na forma das sombras o perigo rondava por ali.

Não percebi o quanto estava afastada de Dean, ele estava à uns bons metros à frente, concentrado demais, nervoso demais para notar minha ausência ao seu lado. Afinal não se via nem sinal de Sam ou a fonte do grito.

Apertei o passo, mas logo senti um puxão na barra do vestido. Olhei para baixo assustada, mas era só um galho. Soltei o tecido da planta e decide me apressar para encontrar Dean. Mas as coisas se desenrolaram de forma diferente, foi tão rápido que mal pude registrar. Olhei para a silhueta de Dean e vi algo correndo para ele, dois pontos vermelhos mergulhados na escuridão.

_Dean! – gritei. O som viajando alto no pátio silencioso. Imediatamente ele se virou alarmado, e percebi meu erro tarde demais. Só tive tempo de apontar para além dele enquanto algo o derrubava. O pânico cresceu no meu estômago. Ia começar a correr se não tivesse algo bloqueando minha passagem.

Seus olhos brilhavam vermelhos como pedras flutuantes em sombra negra. Eu conseguia vê-lo. Pelo menos apenas o suficiente. Um enorme cão negro com dentes afiados como navalhas, a pelagem falha eriçada enquanto ele me intimidava com seus rosnados. O cão se agachou, como um gato se prepara para saltar.

Recuei, ou melhor cambaleei para trás quando o salto do sapato ficou preso na terra úmida me desequilibrando e me fazendo cair. O cão soltou para cima de mim. Minhas costas bateram com força no chão, pude ouvir o barulho das folhas secas sendo esmagadas.

Rolei para o lado bem na hora em que o cão aterrissou a poucos centímetros de mim. Grama foi arrancada do solo quando suas garras deixaram estrias largas bem ao lado da minha cabeça. Um rosnado alto partiu da garganta do animal. Usei os cotovelos para tentar me erguer. Só tinha uma coisa soando alto como um alarme de incêndio na minha cabeça: Dean. Tinha que chegar á Dean.

Quando consegui ficar de joelhos fui puxada para trás, meu queixo bateu no chão fazendo meus dentes trincarem, já meu nariz se inundou do cheiro da grama. Olhei para trás e vi as camadas de tule do vestido perfuradas pelas garras do cão fincando-as no chão. Não ia a lugar nenhum. Mesmo assim tentei me levantar, conseguindo apenas ficar sentada. Nunca odiei tanto uma roupa.

O cão levantou seus olhos para mim e mostrou seus dentes feitos navalhas me ameaçando, e seu rosnado era como um sibilo de zombaria por que ele sabia que eu estava com medo, não por mim, sabia que seu colega poderia estar... Me recusava a pensar. E foi aí que lembrei do metal entre os meus dedos, a adaga. O cão do inferno parecia ter lido meus pensamentos, pois quando tentei posicionar a adaga da melhor forma nas mãos ele se lançou sobre mim.

E foi aí que o grito preso na minha garganta se liberou enchendo aquele espaço entre mim e as árvores com horror. Tentei rolar para o lado, mas suas patas estavam pousadas nos meus ombros, um peso me oprimindo, me comprimindo. Seu hálito quente e com cheiro de sangue no meu rosto fazia meu estômago revirar. Tinha a impressão que a fita do vestido na cintura ficava cada vez mais apertada.

Meu braço com a adaga estava preso entre mim e a criatura. Minhas costelas pareciam que iriam quebrar e mal conseguia respirar. Tentei me mexer em baixo dele e fazer com que a adaga pressionada na barriga se movesse. Tinha uma mão livre a qual usava para apertar a garganta do animal para impedir que seus dentes afiados rasgassem minha garganta.

Ficamos nessas por segundos, meu braço ia ficando mole e cada vez mais seu hálito rançoso era soprado no meu rosto. Minhas pernas também era difícil de mover por causa do peso, até que ouvi passos atrás de mim, depois o barulho de arma sendo carregada e... O cão foi arrancado de cima do meu corpo, por algo maior, bem maior que uma arma. O som abafado de suas patas gigantescas no chão foi o primeira coisa que ouvi, depois um rosnado soando como um trovão num dia de tempestade e vi quando aquela coisa gigante passou por cima de mim. Foi segundos de dentes afiados e grandes como os de um tubarão, num focinho de tamanho alarmante. A boca se abriu e parecia que iria engolir nós dois, mas os dentes de afundaram na carne do cão do inferno me oprimindo, um lamento veio da boca dele e tudo sumiu atrás das árvores.

Olhei para aquele lado, chocada, com medo e me perguntando o que foi aquilo? Foi rápido demais... Dean. Tentei me levantar mas já tinha alguém no chão comigo. Seu cabelo loiro solto do rabo de cavalo era uma bagunça na frente do rosto, ele olhou para mim depois para onde meu olhar foi, arrancou sem eu perceber a adaga da minha mão. Se levantou, ajeitou a arma, esticou o braço para trás para lançar...

_Não! – Steve lançou a adaga, um pequeno risco prateado cortando a noite do jardim. E eu vi enquanto ela viajava e se enterrava num ponto acima de Dean. Meu coração saltou de alívio. Steve comemorou o bom acerto.

_Você poderia ter... – acertado ele. Minha frase ficou no ar quando Sam praticamente se jogou no chão de frente para mim. Ele segurou meu rosto entre as mãos fazendo com que eu visse nos seus olhos desespero, alívio e preocupação, todas juntas e tentando uma acalmar a outra no olhar acelerado que lançava em cada pedaço do meu corpo a procura de ferimentos.

Tentei dizer que estava tudo bem, mas as palavras ficaram presas na garganta quando sua boca encontra a minha. Não exatamente um beijo. Era só os lábios colidindo um com o outro. Não durou o tempo de um beijo. Ele se afastou e olhou para mim como se estivesse assustado com a própria atitude impulsiva. Sam soltou meu rosto e olhou para trás. Segui seu olhar até encontrar Dean rolando o corpo do cão do inferno de cima do seu. Queria correr para ele.

Sam me lançou um último olhar antes de levantar e correr para o irmão. Foi Steve quem esticou a mão para mim. Estava ainda atordoada, o eco do medo e choque ainda vibravam no meu peito. Peguei a mão se Steve inconscientemente. Tentei me equilibrar nos saltos. Steve passou a mão no cabelo jogando-os para trás, o sorriso estava ali receptivo para mim.

_Uau, isso foi...

_Cala a boca. – o cortei. Mas ouvi uma voz por cima da minha.

_Foi lindo. Melhor do que a programação na minha tv. – me virei dando de cara com Crowley. _Olá, princesa.

_O que foi aquilo... aquela coisa? – perguntou apontando para o lugar onde a criatura havia sumido. Grunhidos e uivos de cães eram ouvidos, e muito barulhos de galhos e folhas sendo esmagados.

_Ah, é só meu filhote fazendo sua caminhada noturna. Nada com que se preocupar. – olhei dele para o ponto onde cão gigante se fora.

_Você pode controlar essas coisas ? – perguntei. Dean e Sam vinham em nossa direção. Tinha sangue na mão de Dean. Minha cabeça estava a mil, eu não sabia em que direção seguir, que pergunta fazer e o que fazer.

Ignorei Crowley e Steve para encontrar Dean e Sam no meio do caminho.

_Você está bem? – perguntamos ao mesmo tempo. Passei por cima da pergunta dele e peguei sua mão suja de sangue tentando ver a fonte. Parei quando vi na frente da camisa branca uma mancha escura. Sangue.

_Ah, meu Deus, está sangrando. – agora entendia a urgência de Sam quando me viu, aquele mix esquisito de emoções quando pegou meu rosto nas mãos. Abri o blazer de Dean para ver melhor, estava rasgada na frente, duas fendas no tecido encharcado de sangue. Dean pegou minha mão e a afastou quando tentei levantar sua camisa.

_Estou bem, foi superficial. – respondeu ele. Continuei olhando-o muito preocupada para relaxar por completo. _É, sério. Não foi nada. – assenti devagar ainda não completamente convencida.

Todos viramos a cabeça quando um barulho alto soou entre as árvores. Um uivo terrível e agonizante.

_O que diabos é isso? – perguntou Dean. Mal ele acabou a forma de dois cães saíram das sombras dos carvalhos. Eles eram quase fantasmagóricos sob a luz da lunar.

_Isso foi minha deixa. – disse Crowley. Dean se virou para ele como se só agora o tivesse notado. _Foi bom ver vocês. Saudades de quando tínhamos tempo para bater papo. – se virou para Steve. _Cuide do meu filhote. – e sumiu.

Olhei para Steve em busca de alguma orientação. Os cães se aproximavam sorrateiramente. E com um olhar sabíamos o que fazer. Correr, era obvio. Um dos cães rosnou para nós.

_Okay, pessoal, vamos todos correr para o celeiro no três. Sem pânico, são só dois... – começou Steve. Um terceiro cão apareceu. _Três!

Quando o primeiro soltou todos nós tivemos a reação em cadeia de disparar para o celeiro mais a frente. Nunca desejei tanto estar com meus coturnos. Eu podia sentir as pegadas bruscas dos cães atrás de nós, famintos e com raiva. Só mais alguns metros. Meu coração batia nos tímpanos e eu sabia que os saltos estavam me retardando. Estava ficando para trás quando alguém pegou meu pulso e me impulsionou para frente quase me fazendo cair de cara no chão. Fora Steve, por que estava bem ao seu lado.

A porta do celeiro estava bem a nossa frente e por um momento de puro pânico que quase me fez tropeçar pensei que estivesse trancada. Mas assim que jogamos nossos corpos contra a porta ela se escancarou nos jogando desajeitadamente no seu ambiente escuro e abafado.

Steve e Sam que estavam na ponta arrastaram as portas, um dos cães vinha a toda para cima deles, apenas pouco centímetros, o animal soltou e foi o exato momento em que as portas foram fechadas. O corpo do animal se chocou contra a madeira me fazendo recuar instintivamente. Steve e Sam seguram as portas com as costas. As portas sacolejavam com as batidas dos cães do lado de fora fazendo o corpo dos dois serem impulsionados para frente. Dean procurava entre os entulhos ali dentro algo para conter a porta.

_Dean... – apressou Sam pressionando todo seu peso contra a madeira para mantê-la. Olhei para o espaço onde estávamos. Estava um breu ali de modo que Dean era só uma silhueta indistinta com aquele smoking. Um balde vazio rolou até meus pés enquanto Dean continuava sua caçada. Olhei para os lados a procura de alguma coisa.

O que conseguia enxergar eram pilhas de ferramentas, cabos de pás, vassouras e máquinas de jardinagens, nada que era muito útil.

_Dean, me dá o seu cinto! – gritou Sam. As pancadas na porta eram incessante. A cada uma a porta se abriu em uma brecha e eu tinha vislumbres de dentes e olhos vermelhos. Dean olhou para baixo confuso. _Anda logo! – ele começou a tirar o cinto compreendendo.

Assim que Sam pegou o sinto de Dean este tomou o seu lugar na porta. Sam passou o cinto nos puxadores, deu algumas voltas e puxou para que ficasse bem preso.

_Segura um pouco. – pediu. Dean e Steve colocaram mais força na porta para fechá-la por completo. Assim que conseguiram Sam apertou um pouco mais o cinto e o prendeu na fivela velando os cães lá fora. Ele passou o trinco nas portas que aquela altura parecia ridículo de tão frágil.

Dean e Steve desgrudaram da porta ainda incertos. Sam começou a tirar o próprio cinto e repetiu o processo. As batidas continuavam, mas agora pareciam mais distantes. A porta ia aguentar, por enquanto.

_Ótimo, estamos presos aqui como ratos numa ratoeira. – exclamou Dean.

Ficamos parados no escuro esperando. Lá fora os cães arranhavam, o som das unhas lascando a madeira era enlouquecedor. Tudo para rasgar as finas tiras de couro que nos separavam e poder mastigar nossa carne.

Uma luz se acendeu fazendo todo mundo soltar e apertar os olhos. Era só uma lanterna. A luz piscou no rosto de Steve, que parecia pairar no ar como um fantasma, sua cabelo assumiu um tom quase platinado. Seus olhos geralmente dourados, assumiram um tom mais acinzentado.

_Calma galera, é só uma lanterna. – ele piscou para mim e depois seu rosto mudou, assumindo uma expressão séria. O facho da lanterna passou por mim. Sentia a pressão a minha volta mudar quando todos se viraram para olhar o que tinha à minhas costas. Devagar me virei com o coração palpitando. Um nó se formou no meu estômago.

O sangue brilhava como piche. Havia uma poça em volta do corpo de uma garota. O motivo era a garganta dilacerada. Dava para ver as fendas escuras marcadas brutalmente na pele. Não era uma faca, eram dentes.

_Dean... – meu sangue já se agitava nas veias.

_Eu sei. – era aquela, provavelmente, a fonte do grito. O facho da lanterna passeou pelo chão de terra iluminando pegadas sangrentas. Aquelas coisas ainda estavam ali, não coisas, cães do inferno. Seguimos a luz obediente. O rastro ia sumindo numa escada de madeira e desaparecendo no topo. Olhamos para cima, como se a coisa já estivesse ali prestes a nos atacar.

_Se tivéssemos sorte essa coisa não estará aqui. – disse Dean.

_Mas não temos. – completou Sam.

_É, não temos.

Uma pancada forte fez com que virássemos para a porta. Estava no lugar, mas tinha alguma coisa acontecendo do lado de fora. A estrutura do celeiro se abalou como se um trovão tivesse caído ali perto. Mas sabíamos o que era, ouvíamos os rosnados, ouvimos o som das patas maltratando o chão e os grasnados e uivos dos cães sendo estraçalhados.

Era como ouvir o próprio inferno. O som da lamúria e dor. Ainda me lembrava. Nunca iria esquecer. Um último uivo canino e o silêncio se abateu. Tão abrupto e repentino que o som da nossa respiração irregular era audível.

E quando tudo parecia paz o silêncio nos traiu de novo. Tinha alguma coisa no teto. Ouvimos um barulho mínimo e quando Steve levou a luz para cima vimos fios de poeiras caíam.

_Okay, nossas opções de voluntários aptos a enxergar esses pestinhas estão limitadas então eu vou. Só preciso de uma arma. – ele olhou para Dean. Contra a sua vontade ele estendeu a adaga dos anjos - que peguei do Steve por sinal. Ela pegou a arma, respirou fundo. _Desfaçam essas caras, não precisam se preocupar, eu vou ficar bem. – e se dirigiu escada acima.

Observávamos enquanto seu corpo ia para o andar de cima e desaparecia na escuridão. Vimos os flashes de luz vazando entre as fendas da madeira enquanto ele caminhava lá em cima, seus passos soando alto no ambiente estranhamente silencioso. Steve assoviou como se chamasse um cachorro. Não ouvimos latidos ou qualquer som canino, ouvimos um grito, tinha uma pessoa lá em cima.

_Isso foi... – começou Sam.

_Por favor, não me machuque.... – era uma pessoa, um garoto talvez julgando pela voz.

_Hã, eu não vou machucar... – tentava dizer Steve. Mas alguma coisa o fez parar. Ouvimos dois sons ao mesmo tempo; O de algum peso caindo sobre a madeira - o teto acima de nossas cabeças estremeceu - E um grito.

Não pensei direito, arranquei os sapatos dos pés e saí em disparada para a escada, ignorando totalmente o aviso de Sam para eu esperar. Subir as escadas foi fácil, o difícil foi entender oque estava acontecendo quando cheguei ao topo. Tinha uma janela aberta o que permitia a entrada da luz da noite. Facilitou para eu conseguir distinguir Steve no chão lutando contra um cão, a lanterna jogada ao lado com seu facho iluminando o nada e a adaga do outro. Steve tentava conseguir alguma vantagem chutando a lateral do cão enquanto este abria fendas em seu blazer e tentava alcançar seu rosto com os dentes.

Olhei em volta desesperada, e num canto encontrei um atiçador de lareira. O peguei e ataquei. Tentei encontrar algum movimento ou ponto vital no corpo do animal, mas fui conduzida por puro instinto e desespero. O ferro afundou na carcaça dura do cão e quase escapou da minha mão com o impacto. O cão do inferno automaticamente se virou para mim, a boca aberta e um rosnado raivoso. Ele ia me atacar. Ergui o atiçador e o desci com mais força, a ponta atingindo o focinho dessa vez, ele soltou um uivo de dor. Consegui ver um rasgo perto do olho vermelho esquerdo, o sangue negro como tinta pingando no chão.

Quando mostrou novamente os dentes para mim parecia mais assustador que nunca, dei um passo mínimo para trás. Mas quando ergui o atiçador novamente, preparada para o ataque dele, alguém puxou meu braço me tirando do caminho. Tropecei para trás tentando manter o equilíbrio, meus pés se arranhando na madeira áspera. Vi quando o brilho da lâmina de um machado desceu e se alojou no pescoço do cão arrancando a cabeça para longe. Sangue esguichou no meu vestido e pés.

_Acho que agora estamos quites. – disse Dean. Seu rosto estava todo sujo de sangue negro, ele passou as costas da mão impacientemente para limpar a boca, fez uma careta olhando com asco o sangue na pele. Steve, também sujo com o sangue, olhou para o machado; preso no chão a pouco centímetros de sua cabeça, depois olhou para Dean e assentiu com um sorriso trêmulo.

_Acho que isso quita sua dívida comigo Winchester. – Dean arrancou o machado do chão. Fios dourados voaram quando ele fez isso, ele tinha arrancado mechas de cabelo de Steve. O pensamento quase me fez rir.

Então se voltou para mim com uma pergunta nos olhos: Você está bem? Assenti afirmativa.

_Pessoal. – era Sam chamando. Ele estava com o garoto. Era um menino mesmo, pequeno e magro, fácil de se confundir nas sombras do celeiro. Ele não deveria ser alguns anos mais velho que Jamie. Isso fez meu coração doer. Ela olhava com os olhos arregalados para cada um de nós. Tinha marca de lágrimas nas sua bochechas. _Ei, está tudo bem, vamos tirar você daqui. – dizia Sam para tranquiliza-lo.

Steve já estava de pé ao meu lado. Eu ainda segurava o atiçador firmemente com as duas mãos. Ele apertou de leve meu cotovelo chamando minha atenção. Me virei para ele.

_Nunca achei que uma garota magrela segurando um atiçador poderia ser tão mortal. – estava cansada demais para o esforço de ignorá-lo ou simplesmente responder. Então só lhe ofereci um sorriso fraco.

Tinha tanto no que pensar.

... - ...

Tudo parecia diferente quando ela acordou. A primeira coisa que Lirá sentiu foi a sensação da temperatura. O gelo no ar que faziam sua pele se arrepiar, era uma sensação gostosa e peculiar. Ela estava deitada numa cama um pouco dura, não que se importasse, em um quarto simples. Era noite quando acordou. As cortinas estavam abertas e lá fora a noite se estabilizava lançando sombras nos montes de carros num terreno extenso.

E Castiel estava lá. Sentando numa cadeira no canto do quarto. Não percebeu quando ela acordou. O anjo estava com a cabeça baixa para algum tipo de aparelho, ou qualquer coisa que Lirá já viu humanos usarem com frequência. O brilho da tela deixava seu rosto branco pálido e seus olhos em um azul mais bonito e brilhante. Lirá gostava dos corpos humanos. Da beleza única de cada indivíduo. Eram traços, cores e jeitos tão diferentes...

_Como está se sentindo? – perguntou Castiel direto assim que a pegou olhando para ele.

_Eu... – ela se sentia bem. De repente mais fraca, não de forma ruim, mas ela sentia em si a essência amena, não tão pulsante como antes. Ela se sentia, talvez, mais humana. Gostava daquilo. E estava viva graças ao anjo que a encarava. Ela experimentou sentar-se na cama. _Estou bem, obrigada.

E tudo aquilo se tornou um território estranho. Ela tinha muitas perguntas - algumas tolas - e sabia que ele também tinha perguntas para ela. A batalha com Josias provavelmente seria uma delas. Lirá não sabia bem como conseguiu escapar. Num minuto estava caída no chão com Josias acima dela, ela conseguiu abrir uma vantagem, pequena e que levou seu último estímulo para luta. No segundo seguinte estava em outro lugar. Uma montanha. Já tinha visto o lugar do Alto. E aí ela rezou para o único anjo que talvez pudesse entendê-la.

_Eu... hã... estou tentando falar com Dean sobre a mensagem de Josias. – é claro, o plano doentio de Josias.

_Os números... – ela disse. Castiel assentiu, depois voltou os olhos para o aparelho. Ela também parecia um pouco confuso com aquele pedaço de coisa eletrônica nas mãos. E ela queria perguntar como funcionava, queria perguntar como tudo funcionava. O que ia ser agora, para onde iria, e principalmente se era mesmo para ela sentir aquela sensação fria no estômago... medo?

_Não consigo falar com Dean, vou tentar Sam. – disse ele enquanto, incerto, apertava coisas. Ela se levantou, não sentia dor, mas um pouco vertiginosa como nunca esteve antes, nem em voo. Lirá parou em pé e tentou equilibrar seu corpo num eixo certo, sabia fazer aquilo.

Estava vestida como se lembrava da última vez. Calça, camiseta, seu casaco havia sumido. Mas a camiseta rasgada e ensanguentada estava inteira e limpa. Não achava que Castiel a tenha trocado, ele provavelmente usou do seu poder.

Castiel de repente levou o aparelho à orelha ( tinha um nome, mas Lirá havia esquecido ) Ele começou a ditar os números de Josias para quem quer que estivesse do outro lado. Ela ouviria se estivesse com total poder, mas estava fraca demais.

Castiel acabou e tirou o aparelho do ouvido fazendo a luz que ele emitia sumir. O quarto caiu na escuridão. O noite lá fora era a única coisa que iluminava-os agora. Castiel voltou sua atenção para ela.

_Quem mandou você aqui? – ele sentia a boca seca e se perguntou se estava com sede.

_Nossa missão era encontrar a garota, e os irmãos Winchester e levá-los para o céu. – ela disse, a voz soando rouca e as palavras estranhas. Ela se lembrava vagamente das coisas que fez. Quando Castiel compreendeu o que ela estava dizendo a expressão em seu rosto mudou por um segundo.

_Vão levá-los a julgamento. Quem está no comando? – perguntou Castiel. Ela via a tensão nele. Seus olhos azuis brilhavam como estrelas para ela a distraindo.

O julgamento era algo terrível. Era o que os arcanjos e anciões diziam que Deus fizera com Lúcifer antes de lançá-lo para fora do céu. Ele fora julgado diante do Trono. Diante de Deus. Depois disso, depois de Gadreel, criou-se a "prisão". O anjo que deixou a cobra penetra no paraíso foi torturado e intimidado antes do julgamento, antes que determinassem sua sentença a exílio, como lúcifer, ou prisão.

Os acusados e corrompidos passavam sete noites em completo tormento, diziam até serem torturados, induzidos a se purificarem, a dizerem exatamente o que sentiam, revelar aos outros o que tinham por dentro. Se na luz houvesse sombra não havia salvação. Tudo ficou pior depois que Deus não foi mais vistos.

Lirá acreditava que com Isabel seria muito pior. Eles poderiam literalmente abri-la ao meio. Ela e todos não entendiam bem como tudo funcionava, talvez Miguel saberá. Mas ela não cairia, não seria exilada ao inferno. Seria humilhada, destruída até que qualquer fiapo demoníaco em seu corpo fosse arrancado a força e então a matariam. Dean e Sam seriam simplesmente descartados. Porém Sam era importante, a casca de Lúcifer, e o diabo não o deixaria simplesmente, já o mais velho não tinha mais utilidade se Miguel se fora. Lirá estava com medo.

_Rafael... Mas na verdade, acho que nem ele sabe bem oque fazer. Estão todos confusos e ficando inquietos. Estão com medo do que todas essas mudanças significam... estava tudo certo e planejado, mas... eu não sei, não sabemos o que fazer...

_O destino não é mais algo que possamos controlar. – disse Castiel paciente. _O que mais você sabe?

_Não muito... Não me disseram muita coisa. Josias era meu superior, eu só seguia as ordens. – tinha um pouco de constrangimento em sua voz. _O que devemos fazer?

Castiel abaixou os olhos e depois os ergueu para Lirá. E ela queria que ali tivessem esperança ou uma solução, que ele dissesse que tinha um plano. Que explicasse como as coisas funcionavam. Mas não foi isso que ela ouviu.

_Eu não sei. – disse Castiel. Ela tentou se manter firme, controlar as coisas novas dentro dela. _Não podemos ficar aqui.

_Para onde vamos?

_Temos que avisar Sam e Dean, e você tem que contar tudo o que sabe. Sam me passou um endereço, ele vai nos esperar lá. – ele esticou a mão para ela. Lirá ainda estava fraca demais para voar, não conseguiria ir dali para um lugar muito longe por isso pegou a mão de Castiel e deixou que seu irmão a guiasse.

Um novo caminho se abriu para ela, do qual não conhecia nada. As emoções dentro dela eram novas ainda, ela nem poderia explicar o quão assustador era aquela parte. Será que nunca mais retornaria ao céu? Se estivesse tomando uma decisão errada? O que seria de Lirá agora?

Mas pela primeira vez estava curiosa para ver como era ter amigos.


... - ...


O garoto estava seguro. Depois que Steve constatou que o "filhote" do Crowley havia limpado a área saímos e deixamos que o garoto retornasse para a casa da mãe que tinha um quarto de empregada nos fundos do terreno.

Dentro da mansão não havia nem sinal de alguma perturbação. A pergunta era: Quem comandou o ataque? Dean fazia um curativo com o kit que Sam buscou no carro, agora os dois conversavam num dos bancos do jardim.

Coloquei as mãos em conchas na água do fundo do fonte e lavei o rosto com ela. Estava congelando ali fora, mas queria tirar aquele cheiro rançoso do hálito e o sangue do cão do inferno do meu olfato. Me sentei na beira e coloquei os pés dentro do cercado da água lavando-os também. Meu corpo estremeceu no contato da pele com a água fria. Fiz um coque no cabelo e levei a água gelada a nuca. O corte na minha mão lentejava agora. Um lembrete de que ainda não consegui decifrar oque Lúcifer quis dizer. "Quando estiver lá, deixe-me entrar. Só precisa fazer isso. Me chame e eu irei até você. E aí seremos livres... " Onde? O que ele quis dizer com livre?

_Sei o que estava tentando fazer. – disse Steve se sentando ao meu no chafariz. Não fazia ideia do que ele estava falando.

_Ah, é? – perguntei balançando os pés na água.

_O quer que eu faça? – perguntou. Olhei para ele sem entender. Steve tinha prendido o cabelo novamente para trás, o rosto ainda estava manchado de sangue negro seco. E daí eu compreendi. Sim, queria algo dele. Toda aquela conversa no salão sobre não confiar nele tinha um propósito.

_Quero que vá ao inferno. – qualquer pessoa sã iria interpretar aquela frase como uma grosseria ou piada. Não Steve.

_Sabe que não posso fazer isso. – rebateu ele.

_Sei que você daria um jeito.

_O quê você quer com o inferno?

_Quero saber o que está acontecendo. Quero saber quantos tenho do meu lado. Você tinha razão, os anjos não gostam nada de mim, eles estão me caçando e estão perto. Quero o que Crowley me prometeu. Diga aos que estão comigo se juntarem a mim, quero que estejam preparados e quero que faça isso o mais rápido possível. – despejei.

_Espera, como? O que pretende fazer? – perguntou Steve confuso.

_Eu? Não muito. Sabemos que anjos e demônios não se misturam muito bem, isso é fato, o que pode acontecer se colocar esses dois grupos no mesmo lugar?

_Seria atear fogo num posto de gasolina.

_Exato. Não posso lutar com anjos sozinha e nem os meninos. – Steve assentiu compreendendo.

_Você quer que eles se matem enquanto você e seus garotos saem pela porta dos fundos? – assenti devagar. Não sabia o quanto poderia confiar em Steve. Não fazia ideia se aquilo iria dar certo. Não sabia o que me esperava. Só o quê tinha era um monte de perguntas sem respostas e hematomas. Estava farta de ser chutada pelos anjos. Tirei o pé da água e me virei ficando na mesma direção de Steve. _Uau, você e Crowley precisam sair para beber algum dia.

_Pode fazer isso?

_Posso tentar. Eu sou bom, mas não sou suicida. De quantos você precisa?

_Quantos puder. – Steve assentiu pensativo.

_Tudo bem, mas sabe por que vou fazer isso?

_Por que se não fizesse eu finalmente notaria que não preciso de você?

_Não... – ele parecia ofendido. _Vou fazer isso por que... por que amo você. – me virei automática e rapidamente para ele. Minha boca entre aberta numa pergunta silenciosa. O quê? Meu coração chegou a dar um salto e minha mente gritava dizendo que aquilo não poderia ser possível. Eu só podia ter ouvido errado.

Ele olhou para mim, sustentou o olhar por alguns segundos, brilhantes como chamas, intensos como os olhos de anjo rebelde. Depois vi seu rosto se transformar e seu lábios se abrirem numa gargalhada. É, claro, uma piada estúpida. Steve se curvou de tanto rir.

Num ímpeto de raiva o empurrei e ele caiu para trás, na água, ouvi sua gargalhada sendo afogada. Me levantei, peguei os sapatos no chão e saí para encontrar Sam e Dean. Ainda podia ouvi-lo gargalhar.

No meio do caminho. Sebastian apareceu. Olhou em volta. E depois para nós.

_Mas o quê...

_Não se preocupe. Estamos de saída. – Dean - com o rosto parcialmente limpo do sangue - colocou a mão na minha cintura me guiando para o caminho de volta. Passamos por um Sebastian irritado com o estado do seu jardim e confuso com o que aconteceu. Ele cheirava a champanhe e a gravata estava desalinhada. _Ah, tem um corpo no seu celeiro .

Quando chegamos ao Impala Dean abriu o porta malas e pegou de lá uma camisa limpa, tirou o blazer e começou a desabotoar a camisa suja com sangue. Me encostei na porta ao lado dele.

_Onde você estava afinal? – perguntou para Sam que tirava a gravata pela a cabeça.

_Eu? – perguntou Sam jogando a gravata no porta malas.

_Não, Morgan Freeman. – Sam olhou para irmão com irritação, mas respondeu.

_Cass, me ligou.

_Você? Por que ele não ligou para o meu celular? – Dean pegou o celular do bolso da calça e verificou.

_Ele ligou, você não atendeu. Sabe, ele também é meu amigo. – respondeu Sam aborrecido.

_Não fique com ciúmes, Sally. – Sam balançou a cabeça o ignorando. _O que ele queria?

_O que você acha? Ele conseguiu decifrar os tais símbolos. São, claro, enoquiano. Mas a língua dos anjos são simbologias diferentes do que nós estamos acostumados nas nossas línguas antigas, por isso foi difícil para compreender oque exatamente poderiam significar aqui, então...

_Tudo bem, garoto da faculdade, pule para a parte do que diabos aquilo significa.

_São números, mas especificamente coordenadas. – Dean jogou a camisa no carro e pegou uma outra, uma xadrez de flanela. Olhei para o curativo que ele fez, a gaze já estava um pouco suja de sangue. E logo acima, no meio do seu peito uma cicatriz avermelhada, quase em forma de estrela e do tamanho de uma moeda. Sabia que cicatriz era aquela, era a minha cicatriz, a que causei atravessando uma adaga em seu peito. A lembrança me deixava envergonhada. O que Dean sentia toda vez que olhava no espelho e ele estava lá, brilhando para ele? Ele me pegou olhando e eu desviei o olhar para a estrada. Sam ainda falava. _... então eu encontrei a biblioteca e um computador. As coordenadas correspondem a um vilarejo em Dakota do Sul, nos arredores de uma cidadezinha abandonada ou coisa assim.

_O que isso quer dizer? – perguntei tentando me concentrar no que Sam dizia.

_Uma armadilha. – disse Dean, abotoando a camisa xadrez.

Meu estômago estava gelado. Eu estava certa quando disse para Steve que os anjos estavam planejando alguma coisa. Era uma armadilha para mim.

_Pedi que o Cass levasse a, é, Lirá, para a antiga cabana do Bobby. Vamos para lá e... tentar pensar em alguma coisa.

Todos nós estávamos com expressões sérias e assombradas. O que viria a seguir?

_Só mais uma pergunta. Como nos encontrou? – perguntou Dean.

_Ah, eu não encontrei na verdade, Steve me encontrou. – até o jeito que Sam dizia o nome dele vinha carregado de mal gosto. _Ele disse que tinha alguma coisa acontecendo no jardim e que vocês dois tinham sumido, então nós fomos até o jardim e você sabe o resto. – Dean afirmou com a cabeça e começou a remexer nas suas coisas no porta malas. Olhei para Sam e ele já olhava para mim.

O breve beijo de Sam naquele cenário perturbador parecia uma fotografia antiga. A agonia em seus olhos, o jeito como colocou meu rosto em suas mãos, como precisou colocar nossos lábios em contato por que nada mais poderia demonstrar seu alívio depois pelo o que ele passou nos segundos em que pensou que algo poderia ter acontecido comigo...

Ouvimos um ruído vindo de dentro dos portões. Eram um casal, as gargalhadas, tropeçando um no outro, totalmente bêbados e cantarolando alguma música com a língua enrolada. Dean pegou sua jaqueta e fechou o porta luvas.

_Vamos dar um fora daqui.

Entramos no carro e seguimos para longe daquela mansão, longe de Steve, de Sebastian e toda aquela gente que não fazia ideia de como era o verdadeiro mundo e como ele estava preste a se destruir.

...

O anúncio em neon azul brilhava para nós dizendo "24 horas". Era um pequena cafeteria, um cubículo azul celeste com fachada de vidro espremido no meio de uma loja de pescas e outra de antiguidades, ambas fechadas, mas não aquela. Entramos em silêncio mútuo, um sininho acima tocou.

Aquela hora o cheiro de café fresco já não se encontrava presente, o interior era escuro, metade das luzes já não estavam mais acesas. No fundo ficava o balcão, dos dois lados cadeiras e mesas, escolhemos uma perto da entrada, como se o mero esforço de percorrer o corredor até o balcão nos custasse muito. Dean e Sam sentaram de frente para mim e de onde estava tinha visão da rua quieta do outro lado.

Uma garçonete veio até nós com passos sonolentos. Ela tinha tatuagens que subiam pelos braços e cabelos curtos com mechas aleatórias presas com presilhas coloridas, uma combinação inusitada, não pude deixar de reparar. Ela parou com a boca entre aberta, parecia que ia perguntar oque queríamos mais uma pequena reparada em nós a auto interrompeu.

Sabíamos de nossas condições. Tinha plena consciência do meu cabelo bagunçado, do rosto com algum hematoma. Sabia também do preto do sangue dos cães manchando partes da minha pele e dando uma estampa esquisita ao vestido do festa. Mas com ar de quem já tinha visto coisa pior ali - provavelmente tinha mesmo - ela se recuperou e pegou um caneta e bloquinho no bolso do avental e disse:

_Então, o que vão querer? – olhei para os meninos, eles nem se deram o trabalho de olhar para a menina, pareciam absortos nos próprios pensamentos.

_Um café, por favor. – pedi. Ela não se deu o trabalho de anotar.

_Dois. – disse Sam.

_Três. – completou Dean, e depois acrescentou parecendo despertar: _Você tem torta? – a garçonete olhou para o balcão no fundo da loja e depois se voltou para Dean.

_Não, acabou. – mas um derrota para Dean. _Mas temos panquecas, eu acabei de fazer.

_Tudo bem, pode trazer. – ela saiu rápido. Sam encostou a cabeça na parede ao lado e fechou os olhos. Com o cabelo desgrenhado, o rosto sujo e as bochechas ruborizadas pelo frio ele parecia um menino rebelde. Os jorros de luzes dos faróis de ocasionais carros iluminava nossa mesa como flashes de câmeras.

Já Dean olhava para o lado de modo que só via seu perfil dourado pelas luzes dos postes lá fora. Ele parecia distraído. Tinha uma mancha escura na bochecha e o que parecia o pedaço de uma folha presa no cabelo. Não tinha minha câmera, então guardei na memória aquela imagem. Talvez colocaria em preto e branco. Tinha profundidade ali.

Não seria desejo, admiração ou coisa do tipo, naquele momento eu sentia carinho. Um imensurável carinho por aqueles meninos. E no meu peito eu sabia que havia palavras para eles. Um monte delas que havia colhido uma por uma e amarrado bem para não ter palavras soltas saindo da minha boca antes da hora certa ou da certeza.

Uma vez perguntei minha mãe o que era amor. Eu tinha seis anos, então ela olhou para mim por um tempo, limpou as mãos molhadas da louça na saia e se colocou em um joelho para ficar a minha altura e disse com todo o cuidado:

_Amor é algo que não pode ser explicado, eu não posso explicar para você e ninguém pode. É algo mágico que acontece aqui dentro. – ela apontou para o coração. _E eu senti isso quando vi você pela primeira vez. Você era tão pequeninha, e quando agarrou meu dedo com sua mãozinha e olhou bem para mim, com esses olhinhos azuis como o céu, eu soube oque era amor. Você, meu amor, era aquela coisa mágica de que todos falam. – ela passou a mão pelo meu cabelo. _Nada e ninguém pode superar isso. – ela ia voltar para a tarefa, mas eu não estava satisfeita com minha resposta. Então puxei a saia dela para perguntar.

_É isso que você sente pelo papai? – naquela época eu não sabia, naquela época papai ainda não era presente em nossas vidas, mas agora eu entendia que aquilo que vi nos olhos dela, tão parecidos com os meus, era dor. Então ela voltou a posição inicial.

_Isso é um tipo de amor diferente. Eu amo seu pai, ele me deu você, meu anjinho. – seus olhos brilhavam, e eu senti que deveria prestar muita atenção no que ela dizia, de modo que até hoje nunca me esqueci:

_Mas... esse tipo de amor é o mais raro. – ela sorriu. _Você vai saber um dia como é e eu prometo que será maravilhoso, mágico. Mas tenha cuidado, pode doer, e pode doer muito.

Agora eu sabia que sim. Em mim eu tinha armazenada dores diferentes. Amores diferentes. E doía tanto, doía em dobro, e eu só queria que minha mãe tivesse me explicado aquela parte. O outro lado. A outra metade. Quando doía em um ferimento em forma de dúvida. Quando eu sabia que eu era quem continha um martelo parar quebrar um coração e sabia que o coice acertaria o meu também. Isso ninguém explicou para mim. Ela não teve tempo.

Mas foi maravilhoso, mágico. Eu diria cada fagulha de uma estrela, cada célula de uma rosa, cada segundo de um filme, cada nota de uma música. Cada momento eternizado por uma fotografia. Cada batida de um coração. Um evento inexplicável e lindo.

_Está chorando? – levantei os olhos assustada. Pega em um momento íntimo do qual se passava em minha cabeça e eu me esquecia que tinha outras pessoas além de mim. Dean tinha razão, minha bochechas estavam molhadas. Passei as mãos rapidamente por elas.

_Não, não estou chorando. – respondi tentando manter os olhos abertos o máximo de tempo para que as pálpebras não derramasse a lágrima. _Estou bem. – afirmei. Eram dois pares de olhos me fitando com perguntas no olhar. Ignorei os dois olhando para a rua atrás. E tive sorte por que naquela hora a garçonete apareceu com os cafés e as panquecas de Dean. Foi o momento que tive para concentrar-me no que acontecia no presente e empurrasse a força o choro. Dei um gole no café assim que ela o pousou na mesa a minha frente.

Estava bom, bem quente, mas sem açúcar. Ela olhou para mim como se eu fosse idiota e colocou o açucareiro na mesa depois saiu calada. Olhei para o café, aquela substância escura e amarga. Sabia que Sam e Dean ainda me observavam. E só por saber disso poderia me quebrar inteira. Então me rendi, não chorei, mas deixei me sentir vulnerável e pequena. A garotinha de seis anos que fazia perguntas difíceis e a menina/mulher que havia perdido a mãe.

_Eu sinto falta da minha mãe. – disse baixinho para meu café. Sabia que soava infantil, mas não me importava.

_Eu também. – de todas coisas, todas as formas de sinto muito, você vai ficar bem, você tem a mim, eu não esperava que Dean fosse escolher aquela frase.

Levantei os olhos para ele assim como Sam fez. Em meses nunca me senti tão próxima de Dean como naquele simples e singelo momento. Não só aquele tipo de empatia entre órfãs, mas algo mais entalhado. Nós dois tínhamos a marca da dor de perder uma mãe quando já a conhecíamos amávamos e aprendemos a precisar delas.

Sabia que Sam gostaria de nos dizer alguma coisa, mas o que poderia sem soar clichê ou conveniente? Dean deu uma garfada em suas panquecas enfiando um pedaço grande na boca como se não tivesse se pronunciado.

_Vou para o carro, ver o que posso encontrar mais sobre a cidade ou o local. – disse Sam e se levantou. Dean ergueu as chaves para ele e Sam se foi, uma última olhada para mim antes de se virar e descer a rua onde o Impala estava estacionado. Seu café permaneceu intocado na mesa, ainda fumegando e preenchendo o lugar onde ocupava com aquele cheiro gostoso de café recém feito.

Dean se concentrava nas suas panquecas e eu no meu café que tentava adoçar na medida certa. Dois corações feridos se entretendo com coisas banais e não um com o outro. Por que era assim que superávamos as coisas. Enterrávamos a dor e tentava fazer o que deveria ser feito. Sobreviver. Eu o ouvi, senti sua dor, mas aquelas palavras foi só um pouco de emoção emergindo, nada do qual deveríamos requerer muita atenção. Estava afundando de novo.

Tomei três goles de café. E me inclinei na cadeira olhando a rua vazia. Eram mais de 3 horas da madrugada, ia amanhecer em breve, mas por enquanto as coisas ainda estavam pacíficas e com o silenciar de um túmulo. O mundo ali estava dormindo ou indo dormir. Olhei para os fundos da cafeteria. A garçonete havia desaparecido na porta dos fundos. Não tinha reparado antes, mas havia um Jukebox bem surrado ao fundo.

Me levantei da mesa sem dizer nada, Dean me acompanhou com o olhar, mas rápido se voltou para seu café. Cutuquei na máquina passando por bandas e cantores antigos e no final dela uma faixa da dupla She and Him, You Really Got a Hold on Me, um cover da banda The Miracles, regravada também pelos Beatles. Eu amava aquela música.

_Dean, tem uma moeda? – ele deu um último gole no café e se levantou. Se juntou a mim olhando para a tela de vidro. Olhou para mim com uma sobrancelha erguida.

_O que foi? É uma boa música. – protestei antes que ele tivesse a chance de falar alguma coisa. Dean deu de ombros me entregando uma moeda. Sorri para ele em agradecimento e coloquei a moeda na máquina em seguida selecionei a música.

Dean se sentou na mesa próxima, a cadeira para fora da mesa, e esperou as primeira notas saírem. As primeiras notas fora de um violão e em seguida a voz suave e ao mesmo tempo firme de Zooey Deschanel. Me recostei no balcão para ouvir, Dean olhava para mim, retribuí o olhar instintivamente sentindo-me ser embalada pela aquela música e seus olhos em mim. Sentia um calor morno no coração, subindo as bochechas.

"Eu não gosto de você, mas eu te amo
Parece que estou sempre pensando em você
Oh, você me trata mau
Eu te amo loucamente
Você realmente me segura
(Você realmente me segura)
Você realmente me segura
(Você realmente me segura)"

Dean levantou e esticou a mão para mim. Aceitei um pouco hesitante e ele me puxou para si. Deixou minha mão esquerda abaixo de sua costa e colocou a dele na minha cintura. Aí ele se moveu, como numa dança lenta e desajeitada.

_O que está fazendo? – perguntei tentando seguir seus passos.

_Você disse que não dançou no seu baile da escola e eu não dancei com você essa noite, então vamos fingir que está tudo com aquela decoração brega, com muito papel crepom e fitas, e seu vestido é lindo e todo rosa...

_Azul – corrigi nossa fantasia.

_Seu vestido lindo e todo azul, e você está usando aquela flor horrorosa no pulso.

_Um corsage. – corrigi de novo com um sorriso.

_É, claro, um corsage. E você é a garota mais linda do baile e todas estão rasgando seus vestido de inveja por que seu par é o cara mais desejado, bonito, incrível e popular da escola. – era impressionante como Dean conseguia me fazer rir enquanto poucos minutos antes eu estava chorando.

"Eu não te quero, mas eu te preciso
Não quero te beijar, mas eu preciso
Oh, você não me entende agora
Meu amor é forte agora
Você realmente me segura
(Você realmente me segura)
Você realmente me segura
(Você realmente me segura)"

Ouvia as batidas do seu coração, constantes e harmoniosas. Era analgésico. O calor do seu corpo no meu, fez a dor do meu coração diminuir. Sua mão firme na minha cintura fez borboletas despertarem no meu estômago. E como eu queria achar que nós dois éramos certos. Nem de longe aquela dança era comparada a como dancei com Sam. Daquela vez estávamos leves. Ali tudo pesava sobre nós.

"Eu te amo e tudo o que eu quero que você faça é
me abraçar
me abraçar
me abraçar
Me abraçar..."

levantei os olhos para ele que baixou os seus para mim. E me sentia pairando em algo instável como água. Nós dois éramos uma coisa só; um barco navegando. Éramos levados pelas correntezas e ventos, nos adaptando de acordo com as condições. Nunca afundamos e só o tempo diria se seríamos ancorados e permaneceríamos ou se seriamos destruídos nas pedras. Por que afundar era lento e gradativo, calmo até, já Dean e eu, nossa combinação estava sempre em busca de explosões e reações mais intensas.

_Dean? – sussurrei.

_O quê é? – perguntou ele.


"Eu quero te deixar, eu não quero ficar aqui
Eu não quero ficar nem mais um dia aqui
Oh, você não me entende agora
Meu amor é forte agora
Você realmente me segura
(Você realmente me segura)
Você realmente me segura
(Você realmente me segura)

Eu te amo e tudo o que eu quero que você faça é
me abraçar
me abraçar
me abraçar
me abraçar...

Me abraçar..."


_Eu não tentava me afogar. É difícil explicar, vai parecer que enlouqueci, mas eu queria falar com Lúcifer. Por que ele tinha as respostas, e aquele era o único modo. E agora eu estou tão confusa com o que ele me disse que isso está... me enlouquecendo. – disparei. Dean não questionou nada, só senti seu corpo ficar tenso. Ele, com esforço, concordou com a cabeça.

_Tudo bem. – disse hesitante.

_E tem outra coisa. – minha voz aquela altura era um sussurro desgastado e amedrontado. Meu coração me golpeava no peito.

_Estou ouvindo. – e então ele abriu um sorriso estranho, breve. _Seu coração, está batendo tão rápido...

_Eu dormir com Sam. – senti nós dois congelar. Não me sentia mais leve por que aquilo nunca fora um fardo. Não carregava a carga que era aquelas quatro palavras, por que no meu coração foi puro e especial. Não algo do que me arrependia. Mas via tempestades nos olhos de Dean. E era por aquilo que eu não estava preparada. E aos poucos meus olhos se anuviaram. Não havia mais música ou graça, só tormenta.

Dean me soltou lentamente dando um passo para trás. E como dizia a música eu o amava e tudo o que queria que ele fizesse era me abraçar. Ele se afastou mais alguns passos. Vertigem passava pelo meu corpo. Lágrimas mornas rolaram pelas minhas bochechas sem nem ao menos eu perceber. Dean pegou a carteira no bolso e deixou algumas notas na mesa. Seu silêncio me matava.

_Dean... – chamei, ele me ignorou preste a sair. _Acha que é fácil para mim?! – falei, dessa vez mais alto.

Não me importava com quem estivesse ouvindo.

_Não é, nem um pouco. Eu não deveria sentir tudo isso ao mesmo tempo. Estou assustada, confusa, e eu tenho tanto pesar no meu peito. E isso tudo dói de um jeito que você nunca vai entender. Estou... Estou em pedaços... – desviei o olhar tentando sem sucesso reprimir as lágrimas. Eram palavras da alma as mais difíceis de se pronunciar e as mais difíceis de ser contidas. _Eu posso morrer amanhã, ou o dia depois. Só peço que não me condene por ter amado seu irmão, por ter ido para cama com ele, por está... Só quero muito que entenda, nunca foi minha intenção machucar você de propósito.

Ele ficou parado na porta, olhando para mim, sem nenhuma palavra que quisesse dizer. Não deveria ser assim. Não deveríamos colidir contras as pedras e quebrar em mil pedaços que seriam levados em direções diferentes. Mas seria tola se não reconhecesse nossas rachaduras, nossas fraquezas. Eu já havia quebrado tantas vezes, mas aquela com certeza seria a mais dolorida.

_Não vai dizer nada? – não conseguia extrair de Dean alguma emoção mais viva. Ele vestia uma máscara e escondia de mim o que realmente estava sentindo. Talvez tivesse medo de começar a falar e não parar até que o estrago seja maior que nós dois. Ele engoliu em seco.

_Devemos pegar a estrada, já vai amanhecer. – foi o que disse friamente. _Vamos terminar isso.

E saiu para a rua. Observei ele passar pelo vidro e desaparecer. Estava chocada demais para conseguir ir atrás dele ou simplesmente desabar de tanto chorar. Quase pulei quando alguém tocou meu braço, ela recuou com minha reação. Olhei para a garçonete como se ela tivesse acabado de surgir ali. Ela ignorou aquilo e estendeu para mim alguns lenços de papel. Fiquei tão comovida com aquele simples gesto que quase recomecei a chorar em seus braços. Mas apenas peguei os papeis, sequei os olhos e o nariz e tirei os sapatos de salto.

_Obrigada. – ela assentiu. Me deu um sorriso constrangido e consolador. Seu olhar dizia: Sinto Muito. Eu também sinto.

Engoli tudo a seco e me forcei a andar até a porta, descalça e com a cabeça erguida. Ia terminar aquilo.



Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam??? Espero que tenham gostado. E esse final.... :'(
Prometo postar o mais rápido possível o próximo.

Até Anjos.


XOXO



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Broken Girl" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.