Broken Girl escrita por Iris


Capítulo 23
Capítulo vinte e três: E irão todos cair...


Notas iniciais do capítulo

Oláa. I'm back!! Finalmente. Bom, nada a dizer aqui sobre o capítulo, só a esperança de que vocês gostem.

Enjoy ^^



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Ele estava com as mãos e boca sujas de sangue fresco, do queixo ainda pingava no colarinho. Os demônios pareciam indecisos e incertos do que fazer, encaravam Sam congelados no lugar. Assim como eu que não movia um músculo.

_Deixe ela ir. – repetiu mais frio ainda. Não era um pedido, era uma ordem.

O demônio deixou a garrafa cair e depois se virou para olhar sua parceria ainda presa a mim.

_Não, eu não vou... – ela se engasgou. Fios de fumaça negra saíram da sua boca e se dissolveram no meu ombro, o cheiro de enxofre preencheu minhas narinas me fazendo ficar nauseada. E ela me soltou. Me afastei rápido e observei o que acontecia aos dois demônios. Eles pareciam engasgar com a própria essência negra.

Olhei para Sam com a mão estendida os olhos fechados e uma expressão de... deleite? Os demônios se contorciam e eliminavam pela boca aquela fumaça negra. Um a um os corpos caíram e a fumaça se dissolveu no chão acompanhada por lampejos de fogo, feito as últimas faíscas de um monte de cinzas.

Sam respirou fundo abaixou a mão e olhou para mim. Não saberia dizer oque ele pensava naquele momento, nem eu sabia o que pensar. Sam não era mais o Sam que conheciam, este era diferente, exalava uma força que não via ali antes.

Não estava com medo, diferente disso, eu sentia empatia. Descobria a última peça de Sam. Isso me fazia sentir que o tinha completamente agora, ele me mostrou diferentes lados de sua personalidade, mas não aquele que estava encoberta por constrangimento e medo. Isso não me fazia afugentar e sim entender e aceitar. Não tive ninguém comigo nos momentos em que a escuridão me tocou, e agora estava ali para alguém.

Me aproximei dele, Sam olhou para o chão, limpou com as costas da mão o sangue da boca.

_Você está bem? – assenti. Ia fazer a mesma pergunta à ele, mas Sam parecia bem, na verdade muito bem. Ele era todo energia e força. E era aquilo que Dean não queria, por que todo aquele poder vinha com um preço e eu estava longe de entender qual era, só sabia ser ruim. Uma enxurrada de culpa me abalou por dentro. Eu nunca deveria ter deixado o hotel. Deveria ter impedido que Sam chegasse até mesmo perto de um demônio. Tinha falhado com Dean.

_Ok, hã... Sam, me desculpe. – ele franziu o cenho para mim.

_Desculpa? Pelo o quê? – tentei me concentrar em seus olhos, não o sague como a pintura de um palhaço borrada em volta dos lábios e queixo.

_Não deveria ter saído do hotel, eu...

_Não tinha como você ter impedido. – disse em tom definitivo. Assenti.

_Então, qual é o plano? – no instante em que perguntei vi uma movimentação atrás de Sam, ele também sentiu pois virou a cabeça institivamente. Tinha me esquecido completamente de Steve. Ele ainda estava no chão, sentado olhando para nós.

Poderia ver claramente o desenrolar daquilo nos olhos de Sam, sabia que não seria capaz de impedir. Então quando Steve teve a mesma noção que eu ele olhou para mim uma vez e num movimento quase mecânico abriu a boca para o teto. Uma fumaça negra escapou dela. Steve, na sua verdadeira forma, rodou uma vez no teto e saiu pela fresta da porta, sumindo na escuridão do céu cinzento.

_Covarde. – disse Sam com certo prazer na voz. Depois se virou para mim. _Volte para o hotel, espere lá.

_O quê? Como assim, onde você vai? – perguntei e ele começou a andar para a entrada.

_Eu vou atrás do meu irmão, você fica aqui e espera, esse é o plano. – respondeu prático.

_Como sabe onde Dean estar? – me agachei ao lado do corpo de Steve, o verdadeiro, e verifiquei o pulso do rapaz. Nada, era um corpo morto. Steve não mentiu sobre a paralisia cerebral. Ele ocupava uma casca vazia. Não que isso significasse alguma coisa, o pobre rapaz poderia ter morrido enquanto Steve o possuía.

_Ele está morto? – perguntou Sam examinando o corpo de cima. Fiz que sim com a cabeça. Olhei para o chão a volta e depois me estiquei sobre o corpo para pegar o que queria. _O que está fazendo?

Tirei a revista de cima da mão direita de Steve cima e lá estava a resposta de Sam. A adaga. Tirei da mão do rapaz e me levantei.

_Agora você pode me dizer onde Dean está. – disse apertando o cabo da adaga de prata a firmando na mão direita.

Sam olhou para mim me avaliando. Existia um certo conflito nele a meu respeito, ele decidia se iria me contar ou não. Então empurrou a porta. Agora via como ele entrou, a parte do puxador estava quebrado. Não preocupei muito em saber como ele havia quebrado aquilo.

Saímos para a noite. Uma chuva fina começava a cair. O vento que corria era de gelar os ossos. Me abracei para tentar espantar o frio. Só vestia uma camiseta, nada de casaco. Enquanto esperávamos para atravessar a rua de volta ao hotel via o ponto em que ia começar a bater os dentes.

Sam olhou para o lado, para mim encolhida em mim mesma. Ele então retirou a própria jaqueta e me ofereceu, como fez em Montana. A peguei agradecida, meu olhar nele. Quando perguntei o que ele sentia, como era está sobre efeito do sangue não pensava que poderia ser assim.

_Não olhe para mim assim, ainda sou eu. – disse ele indicando para que atravessássemos a rua.

_Eu só... não esperava... hã, isso. Quero dizer. Você parece você, mas diferente. – ele parou de novo no meio do estacionamento do hotel e se virou para mim, engolida na sua jaqueta.

_O que esperava? – encolhi os ombros. Não esperava exatamente alguma coisa.

_Não sei, eu só achei que fosse ficar mais diferente. Que iria crescer mais cinco centímetro, ou ia ter fogo nos olhos, ou rosnar como um cão raivoso. Eu não sei, algo mais assustado, eu acho. – ele virou o rosto para estrada e riu. Riu como o velho o Sam. _O quê é? – ele olhou para mim com tanta ternura que me fez esquecer que em suas veias corria sangue de demônio.

_Nada, não é nada. – por estarmos parados na chuva, o sangue no seu rosto começou a ser lavado, gotas rosadas caíam de seu queixo. Todo o seu semblante suave e alegre foi se transformando aos poucos numa expressão séria. _Isabel, me escute, precisa ficar aqui...

_Nem comece, eu vou com você para onde quer que seja. – disse colocando uma dose extra de afirmação em cada palavra. _Será que vocês não perceberam que não vou ficar de braços cruzados enquanto os meninos resolvem tudo. – completei irritada.

_Só estamos tentando proteger você. E eu não faço ideia do que vou encontrar. E tenho certeza de que Dean não quer você no meio disso. – suspirei exasperada.

_O Dean, bem, vou acrescentar essa na lista de coisas que vamos discutir mais tarde.

_É sério. Fique, eu estou pedindo. – pediu quase suplicante.

_Se quer que eu fique vai ter de trancar aqui a força. – cruzei os braços como uma criança teimosa. Sam suspirou cedendo.

_Tudo bem. – disse contrariado. Ele olhou em volta. Estávamos sozinhos no estacionamento. _Agora me ajuda a roubar um carro.

... - ...

Estavam quase uma hora vigiando o hospital e nada de aparecer o demônio com a maleta. E Castiel continuava a devorar hambúrgueres. O que deixou Dean um pouco nauseado, ele não era de recusar comida, mas ver o anjo devorar sem parar uma quantidade absurda daqueles ele perdeu o apetite pela carne.

_Quantos desses você já comeu? – perguntou.

_Uns cem, eu acho. – Dean franziu cenho e balançou a cabeça deixando seu olhar na paisagem, já monótona para ele; a frente do hospital. A cidade através do vidro da janela estava riscada com uma fina garoa. Dean deixou o vidro entre aberto para enxergar melhor, agora a chuva molhava metade de seu rosto. E para piorar corria um vento frio que parecia adormecer o lado molhado do seu rosto. Ótimo.

Se passando por agente do FBI teve acesso ao corpo com causa de morte estranha. Uma cara havia empurrado bolo pela garganta até romper o anel do estômago. Castial garantira que a alma do sujeito ainda não tinha sido removida, então eles esperariam.

Toda aquela pequena cidade estava mergulhada num clima noir. Os arredores eram formados de blocos de construções cruas e sem graça. Paredes com tijolos amostra e calçadas sujas. No começo da noite tempestuosa tudo ficava ainda mais sombrio. Com becos escuros e sombras começando a engolir as calçadas. O hospital era exceção. Um prédio estéreo de cor cinza se estendia fundindo-se ao céu acima. O que Fome fazia num lugar como aquele?

_E você Dean? –perguntou Cass com a voz saindo abafada pela comida na boca.

_Eu o quê? – Dean não desviou o olhar. Mas voltou sua atenção a pergunta.

_Onde está sua fome?

_Do que está falando? – Dean sabia do que o anjo falava só não sabia o que Cass queria dele.

_Jimmy tem fome por carne, Sam pelo sangue de demônio e você ainda não manifestou nenhum indício de fome. – Dean olhou para Castiel, a boca dele ainda mastigava furiosamente.

_Isabel também não manifestou nenhum indício de fome. – disse Dean sucinto. Desviou lentamente seus pensamentos tensos do demônio - que poderia aparecer a qualquer momento - e levanto-os para o quarto de hotel onde Sam estava trancado e Isabel o vigiava. Assim, como alguém muda o curso de um leme.

Ele realmente não notara nada de anormal no comportamento da garota, talvez um pouco distanciamento, Isabel parecia distraída. Enraivada quando ele deixou o hotel, e tinha outra coisa também. Ele sentiu apenas uma fagulha quase maldosa no coração ao ver no rosto de Isabel a nítida preocupação por ele. Ele sabia que era por ele. Nada a ver com o desejo louco dela em está onde a confusão acontecia, mas sim de não estar com ele. Tudo isso antes de ela fechar-se numa expressão neutra e impetuosa. Mas ele estava mais tranquilo em saber que ela ainda se importava.

Dean havia demorado um tempo para discernir essas mudanças bruscas de emoções. Mas agora ele podia notar as sutilezas de cada uma delas. Um olhar triste, a tensão nos ombros, e o morder dos lábios em nervosismo ou inquietude.

Mas hoje ele não notara nada fora do normal. Se é que a apalavra poderia ser usada para ela.

_Ela não conta. – disse Castiel reduzindo um pouco mais o hambúrguer. Dean não esperou amigo acabar de mastigar.

_Por que ela não conta?

_Ela não é exatamente humana. Tecnicamente sim, mas...

_Ok, eu já entendi. – repreendeu. Já estava cansado de ouvir aquele blá, blá, blá sobre como Isabel não era normal, humana ou oque seja.

_E então? – Dean olhou para Cass que ainda esperava uma resposta sua. Se o anjo não sabia, Dean muito menos. Porém ele havia sentido algo diferente quando entrou na cidade. Não era algo muito escrachado ou que daria para descrever corretamente. Era apenas uma sensação. Algo como um vazio no peito.

Ele sentiu mais vivamente aquilo que estava lá há muito tempo, mesmo no fundo bem obscuro dele, mas estava lá. O vazio. Como o Pinóquio e seu interior oco, onde nada se materializava e crescia além da sensação de que poderia ser engolido pelo vazio e desaparecer. Poderia parecer melancólico quando se descrevia, algo que Dean não era. Mas era o que era.

Até mesmo os mais fortes, durões e corajosos não poderia soldar e armar seu âmago para sensações como aquela. Podiam esconder, empurrar para mais fundo mas nunca a extinguir.

Pinóquio. Uma analogia interessante, pensou Dean com um humor amargo. O menino de madeira que queria ser de verdade. Não sabe de nada garoto. Ter sentimentos reais, sentir dor, saudade, preocupação e até amor, crescer e envelhecer mentalmente e fisicamente. Por que alguém gostaria de sentir tantas coisas ruins? Ser um ser humano e propenso as piores coisas da espécie não era algo a que se almejar. Foi o que queria dizer a Anna quando a questionou sobre sua queda. Mas Dean achou apropriado a alusão a figura infantil, ele se sentia oco ali. Mais um motivo pelo que queria logo acabar com aquele caso.

Tirar Sammy dali era a prioridade agora. Por enquanto ele podia ignorar o significado daquela sensação profunda que não sabia explicar.

_Eu acho que é por causa do meu... – Dean se interrompeu quando viu o homem de terno e sua maleta na mão entrar no hospital. Ele cutucou Cass . Quando não viu reação chamou. _Cass! – o anjo levantou os olhos da embalagem laminada vazia em suas mãos e acompanhou o olhar de Dean.

Eles esperaram, preparados para seguir o demônio. Dean ligou o motor do carro com o olhar fixo na entrada do hospital. Ansiosos minutos se arrastaram e finalmente a figura de preto reapareceu, a maleta firme na mão.

O demônio começou a caminhar seguindo a calçada do quarteirão. Dean manobrou o carro de forma mais discreta possível e começou a segui-lo da pista, se mantendo afastado, claro. Ele esperava que algum carro fosse aparecer para apanhar o empregador, mas nada houve.

O demônio fez uma curva no próximo quarteirão e Dean fez também. Era difícil ser furtivo dirigindo um Impala 67 seguindo um cara a pé. Ele cogitou a possibilidade de descer, mas alguém consolidou a opção por ele; um carro passou a toda do seu lado buzinando e gritando da janela para o babaca, que no caso seria ele, acelerar o carro. No mesmo instante o demônio virou a cabeça.

Olhou diretamente para Dean. Houve um momento, uma suspensão no tempo enquanto o reconhecimento era registrado, os olhos do demônio ficaram pretos e Dean se viu tendo de decidir o que fazer em apenas segundos. Quando o momento de reconhecimento passou o demônio disparou.

Dean acelerou o carro e logo conseguiu alcança-lo. Estava pronto para sair do carro e pular em cima dele, mas oque ele não previu era um beco se abrir bem naquele momento e o demônio sumir por ele. Droga! Ele parou o carro, derrapando um pouco no asfalto molhado, encostou o Impala as pressas e soltou do carro nem pensando em Castiel dentro dele. Assim que Cass saiu todo alarmado Dean ainda teve a preocupação de trancar a porta perdendo segundos preciosos. Era um bairro estranho.

Ele disparou pelo beco, sendo abraçado pela escuridão. Tinha apenas uma vaga noção de Cass atrás dele. Estava concentrado no borrão a sua volta enquanto corria tentando controlar a respiração e fazer com que os sapatos social não escorregassem no asfalto molhado. Ele finalmente conseguiu ouvir uma movimentação mais à frente, pessoas gritando e um cachorro latindo. E lá estava o demônio.

Dean estava no que parecia um labirinto. Eram becos e mais becos. Nas janelas acima lençóis e roupas que tremulavam como bandeiras no vento cortante. Rostos apareceram, pessoas se encolheram as paredes enquanto a perseguição se seguia. O demônio tomou outra guinada. Dean já ao seu alcanço. Virou e foi surpreendido por um latão de lixo usado como obstáculo. Ele o pulou no último segundo conseguindo se manter em movimento.

A respiração começava a pesar e ele sentia a chuva fina pinicar o rosto como pequenas agulhas de gelo que se dissolviam rápido no calor de seu corpo. O demônio olhou para trás e invadiu uma porta de madeira de um dos prédios. Dean foi atrás.

Foi como ser recebido pela baforada de um dragão. O ar lá dentro era denso e esfumaçado. Sua respiração já fatigante sofreu com a névoa que Dean sabia que era de erva, maconha para ser específico. Tinha invadido um dos pontos de fabricação ou uso. Na plena entrada do prédio só podia ser Fome. Olhou para os lados com o peito subindo e descendo a procura de ar, o demônio parecia ter se evaporado naquela fumaça.

Os homens lá dentro em volta de uma mesinha de centro não esboçaram reações muito alarmantes. Drogados o suficiente para acharem uma viagem dois caras de ternos invadindo aquela espelunca. Dean sacou a faca e se preparou para um ataque surpresa. Mas tinha de sair dali, já começava a ficar tonto. Castiel apareceu ao lado dele. Olhou para Dean e depois para cima. Dean não precisou de mais.

Adentrando um pouco mais o cômodo estranho encontrou uma escada de cimento. Pulou os dois homens esparramados nos degraus e começou a subir. As mãos passando pelo corrimão de metal enferrujado tentando dar mais um impulso. Começou a ouvir a comoção lá em cima. Um grito aqui, um palavrão ali. Era um prédio de apartamentos.

A falta de ar se tornou mais presente quando terminou o primeiro lance desbocando num corredor mal iluminado com paredes de uma tinta azul berrante descascando e portas fechadas. Se virou e viu Cass atrás dele, o sobretudo com marcas de chuva e o cabelo molhado. Como ele tinha sido idiota. Tinha um anjo a sua disposição.

_Cass... Encontre o... demônio. – disse entre arquejos.

_Estou tentando, ele se move rápido. – então Cass desapareceu. Dean continuou avançando com cautela. Ele sentia as gotas de chuva descer da raiz do cabelo e margear seu rosto não fazendo muito efeito no seu corpo febril. De novo o calor emanava dele. Era irritante sentir aquelas ondas repentinas. Como labaredas se acendendo dentro dele e depois se apagando. Os restos da essência de Miguel, Castiel dissera.

Ele afrouxou mais a gravata e correu para o próximo lance de escada. Quando chegou ao topo ouviu: O som de luta ressoava pelo espaço vazio entre as escadas. Ele correu mais depressa. Ouviu-se um grito alto. Depois outro infantil. Dean apertou mais o passo e chegou a outro corredor, cor de rosa. O som agora era mais próximo. Coisas se quebrando, vidro, madeira.

O barulho vinha de dentro de um dos apartamentos. Ele procurou pela fonte do som através das paredes. A porta a sua direita estremeceu, era aquela. Ele chegou mais perto e erguei o joelho desferindo um golpe brusco contra a porta que cedeu na hora com o impacto do seu pé.

Ele se deparou em um cômodo limpo e aconchegante, diferente da imundice de fora, se não fosse por uma estante com prateleiras quebradas e um monte de cacos de vidros coloridos espalhados no chão, deles ainda podia se ver a cabeça de um cachorrinho de porcelana cortada ao meio, e o corpo de uma bailarina pela metade. E claro tinha Castiel e o demônio numa luta ferrenha no meio da sala.

A porta aberta por Dean pareceu ativar algum mecanismo na cena lá dentro, num golpe que Dean mal registrou o demônio acertou Castiel com sua adaga; um arco aberto no ar cortando o peito do anjo fazendo a luz azulada jorrar e zunir do corte, logo um chute no local lançou-o para trás fazendo Cass voar pela janela. Não foi um voou bonito e angelical, ele fora lançado numa confusão de tecido florido de cortina e vidro quebrado, e o anjo desapareceu de vista. Dean sentiu o sangue esquentar de raiva e adrenalina.

Outro grito. Dessa vez Dean soube a fonte. Uma mulher e uma garotinha estavam num canto encolhidas agarrada uma a outra, a mãe tentando proteger a filhinha. Droga! Dean se colocou de modo protetor entre os civis e o demônio.

_Tudo bem, vai ficar tudo bem...

_Não vai não. Vocês vão morrer, o diabo vai tomar o planeta e seu sangue vai decorar essas paredes horrorosas. – e ele fez uma careta exibindo seus olhos negros para a menina. Ela soltou um grito agudo e se encolheu ainda mais escondendo o rosto no colo da mãe. O demônio riu. Ah, seu desgraçado. Vai pagar por isso.

_Ele está mentindo. Vão ficar bem, agora saiam daqui. – pediu Dean com os olhos cerrado para o demônio. O cabo da faca que mata demônios apertada na mão. Ele viu com o canto de olho que a mulher parecia paralisada de medo. _Vão! – disse soando mais forte, não queria mas era o único jeito. A mulher estremeceu e levantou-se as pressas despertando de um transe, agarrou a filha e correu para a porta.

Dean a fechou com o pé sem tirar os olhos do demônio, a tranca estava arruinada pelo arrombamento, mas pelo menos tinha alguma privacidade. O vento lá fora invadia a casa, parara de chover, mas ele via claramente do quadrado da janela quebrada o céu noturno ainda anuviado se estendendo acima do telhado do prédio vizinho. Uma moldura apropriada ao demônio.

Ele fez um floreio com a faca para o demônio. Um homem mais ou menos da sua altura, cabelo estilo exercito, e um porte físico magro mas firme. Ele sorriu para Dean. Tirou o terno devagar, Dean fez o mesmo, largando também a gravata. Era como um ritual do Clube da luta.

Apesar de toda a situação Dean estava ansioso por aquilo. Uma luta, um modo de liberar a tensão e adrenalina queimando em seu peito. Dar umas porradas poderia fazer bem ao seu espírito vazio. Vazio, pensou com um sorriso amargo inconsciente. Soava mesmo melodramático.

_Quer que eu tire a camisa e os sapatos também? Você sabe, no estilo Clube da luta. Eu sou o Brad Pitt e você o Edward Norton. – o demônio sorriu.

_Você sabe quem vence no final. – disse entrando na brincadeira desabotoando as mangas da camisa. Dean pensou, estranhando, que ele fosse mesmo tirar a camisa. Mas o demônio parou por aí e depois deu dois passou para a frente. Ele firmou os pés no chão ficando tenso como um gato eriçado pronto para atacar.

_Ah, por favor, sem spoiler. Isso é maldade. – disse Dean num tom falso de preocupação e brincadeira. O demônio riu, uma gargalhada sonora e seca. Que durou apenas alguns segundos, um truque, mas Dean já estava preparado para aquilo.

Quando ele ergueu a adaga num golpe fatal agarrou seu braço no ar e usou o calcanhar atrás do tornozelo do demônio puxando. Dean só não contava com o tapete. O carpete fofo abaixo dos seus pés deslizou no piso polido fazendo os dois caírem com um baque surdo no chão, que com certeza deve ter sido audível pelos vizinhos de baixo.

Dean ainda estava com a mão agarrada ao braço do demônio, na queda sua faca caiu em algum lugar, então ele usou a mão livre para agarrar com mais força os pulsos para tentar soltá-los do cabo prateado da adaga. Os dois rolaram no chão nessa estranha união, as costas esmagando os caquinhos de vidro abaixo.

Se Dean cedesse seria ferido, se o demônio cedesse perderia sua arma. Ele enterrou os dedos com mais força em volta do pulso esquerdo do demônio e puxou conseguindo fazê-lo escorregar do cabo. Com o cotovelo acertou seu ombro e consecutivamente seu peito, então o punho cerrado no ante braço. Os nós do seus dedos sentiram os ossos se partirem através da carne. Se fosse apenas um humano a dor seria atordoante. Mas não era esse o caso, a única reação foi grunhido e a adaga caindo com um tilintar.

Dean não teve tempo de se vangloriar. Duas mãos pesadas passaram por seu pescoço e o demônio o puxou para seu peito formando uma gravata em volta de sua garganta. Ele se debateu tentando achar uma brecha. O demônio se manteve firme nele quando este levantou as costa do chão tentando se libertar. Era como lutar com uma cobra em volta da traqueia. Dean tentou não se movimentar muito. Era essencial que ele se concentrasse e não se desesperasse pela falta de oxigênio.

Ele agarrou a nunca do oponente erguendo o corpo ficando de pé com ele ainda engatado a suas costas. Começava a ver pontos pretos dançando na sua visão. Ia perder a consciência. Cada segundo era valioso antes que perdesse as forças.

Dean se curvou e apertou a nuca do demônio sentindo as pontas espetadas do cabelo pinicar nos dedos. Ergueu o joelho e com um golpe rápido acertou com força mais uma vez seu ante braço ferido. Dessa vez ouve um grito curto de dor, ou seria raiva? Ele liberou Dean. Girando o corpo começou a atacar com os punhos cerrados. Usando a adrenalina para suprir a tontura pela falta de ar.

Dean o enganou fazendo o pensar que iria repetir o golpe de antes, mas invés disso colocou as mãos próximas, como um escudo, e as usou para passar pela proteção do demônio a desfazendo quando afastou os braços. Com a defesa aberta ele conseguiu acertar um soco em cheio. A cabeça do demônio virar bruscamente, deve ter cortado a bochecha ou os lábios dele nos dentes. Ótimo. Essa foi pela menininha assustada. O segundo foi por que era bom poder acertar aquela coisa maligna. Dean usou o cotovelo para certar mais uma por Castiel. O demônio cambaleou para trás mas se manteve de pé.

O demônio soltou um rosnado quase animalesco e desferiu um chute no peito de Dean. Como havia feito com Castiel. Dean perdeu contato com o chão. Seu corpo foi lançado para trás a alguns bons metros de distância do demônio, suas costas deslizaram pelo piso e o topo da sua cabeça bateu na madeira da porta. Ele viu estrelas, por um momento pareceu tentador continuar ali, mas a adrenalina da luta correndo solta nas veias como ácido o fez ficar mais ligado e alerta. Mais tarde com certeza sentiria as dores, mas agora só sentia a vontade avassaladora de terminar sua pequena batalha.

Ele se levantou depressa se aprumando e sentindo os músculos das costas estalarem, assim como o pescoço. O demônio o encarou, a mão do braço que ele tinha quebrado um pouco frouxa. O oponente cuspiu uma baba sangrenta e se mostrou pronto para um desafio. Os olhos estavam ferozes e negros como a escuridão que começava a os engolir. A única luz vinha de fora, uma resma de iluminação amarelada dos postes de rua e das casas. Dean resistiu ao impulso de o chamar com a mão.

Os dois avançaram ao mesmo tempo. O demônio estava com raiva o suficiente para agir com selvageria, ele atacava Dean quase a esmo, tentando o ferir de maneira brusca. Conseguiu, acertou um soco em Dean e uma joelhada na barriga. Nada que o fizesse parar ou sentir realmente a dor. Não tinha nada ensaiado ou preparado no seu oponente, só um série de golpes que o caçador defendia a maioria com maestria.

Dean abaixou a cabeça no exato momento em que o punho do demônio iria acertá-lo. Ele usou isso para acertar o cotovelo no rosto do adversário. Mais sons de ossos quebrando. Como estava inspirado Dean chutou com força a dobra do seu joelho. O demônio gritou e se esparramou no chão.

Ofegante Dean varreu os olhos pelo cômodo e achou sua faca, do outro lado a gravata. Pegou primeiro a gravata. O demônio já começava a se colocar de pé. Dean se ajoelhou e enlaçou suas mãos com o tecido fino e escorregadio da gravata azul. Unindo com força suas mãos atrás das costas numa algema improvisada. O demônio se debateu e lançou a cabeça para trás pegando Dean desprevenido. O topo de sua cabeça atingiu seu nariz. Ele sentiu a dor subir para a cabeça como veias se estendendo. Não o sentia quebrado, mas sangrava.

Dean apertou mais forte as mãos dele, até o tecido afundar na pele. Ele passou o braço em volta do pescoço do demônio e o arrastou consigo e se esticou para pegar a faca. Que brilhava para ele no escuro como se para mostrar sua localização.

Com a lâmina pressionada no pescoço do demônio disse:

_Eu sei que estava divertido, mas eu estou com um pouquinho de pressa. Então vamos conversar como adultos. – o demônio se contorceu contra ele. Dean segurou com mais força as tiras soltas da gravata. _Calma, tigre. Eu só quero saber onde ele estar.

_Onde quem estar? – perguntou com a voz rouca.

_Ah, você sabe quem. – Dean apertou a faca na garganta fazendo um corte pequeno. Sua luz demoníaca crepitou.

_Vai para o inferno. – rosnou.

_Onde estar Fome? – Dean começava a ficar impaciente. Por que era sempre assim com demônios? Ele fez mais um corte, dessa vez no rosto. _Onde estar Fome? – sussurrou em seu ouvido em tom ameaçador.

_Vai para...

_O inferno. É eu ouvir da primeira vez. Precisam ser mais originais. – Dean voltou a apertar a faca na garganta do demônio. _Tudo bem, se é assim... Exorcizamus te, omnis immundus spiritus, omnis satanica potestas, omnis incuriso... – o demônio rosnou para ele, Dean teve que segura-lo mais forte para contê-lo.

_Quer que eu continue ou vai me dizer onde Fome estar?

_Não... – Dean ainda sentiu uma hesitação.

_Omnis incursio infernalis adversarii... – o demônio soltou mais um rosnado enfurecido.

_Eu falo, eu falo! Só não me mande volta. – gritou o demônio. Toda uma tarde perdida fazendo Isabel decorar aquele exorcismo foi também útil pra ele aprender a citá-lo sem ter de olhar no livro.

_Fechado.

_Tudo bem, pode me soltar agora, eu falo. – Dean riu e o apertou mais contra o peito.

_Nã na nina não. Posso ouvir muito bem daqui. Vai demorar muito? Como disse, estou com um pouco de pressa. Mais ainda posso recitar alguns poemas para você, em latim...

_Ok, ok. Eu vou falar. Ele está... vai estar esse noite no Biggerson's.

_O restaurante?

_É, não fica muito longe daqui. – Dean pensou um instante. Fazia sentido se pensasse em Fome no sentido literal, mas tinha certa graça na coisa também. O cavaleiro Fome, estaria em um restaurante, dava para ser mais clichê?

_Se você estiver mentindo...

_Não! Não estou! Não me mande de volta, se Lúcifer descobrir... – Dean cumpriu com a palavra, não o mandou de volta, ao invés disso enterrou a faca no seu coração.

Largou o corpo para lá e recolheu a adaga de Castiel.

Quando saiu correndo pela porta. Dean desceu as escadas, ignorando curiosos que apareceram nas portas dos apartamentos. Ele saiu pela porta da frente e olhou para lados a procura de Castiel. Não foi muito difícil encontrar.

Abrindo espaço entre a bifurcação de pessoas chegou a Castiel, inconsciente. Dean sentiu uma pontada de medo. Cass parecia bem, não tinha nem sangue no asfalto molhado debaixo dele. Ele examinou rapidamente a pele abaixo do tecido cortado em diagonal - as bordas manchadas se sangue. Sem corte.

_Cass! – ele sacudiu Castiel pela lapela do sobretudo ciente do murmúrio a sua volta. _Castiel! – chamou mais urgente. Dean esperou aflito, segundos depois houve resposta. Castiel acordou parecendo atordoado. A reação das pessoas foi em cadeia; um arfar surpreso e assustado. Dean largou Castiel sentindo o alívio relaxar seus músculos. Cass se sentou e olhou para o amigo.

_Tudo bem? – perguntou Dean.

_Preciso de carne. – murmurou Cass avaliando o local onde deveria haver um enorme corte.

_Ótimo, podemos conseguir um MacLanche Feliz para você depois, agora vamos. Consegui o paradeiro de Fome. – ele ajudou Castiel a se levantar.

Os dois abriram caminho entre as pessoas e voltaram para o Impala prontos para o que viesse a seguir.

... - ...


Sam apertava com força o volante, os olhos focados na estrada. A janela no meu lado estava emperrada, o vidro na metade do caminho. O vento gelado e úmido da chuva, chicoteava meu rosto e jogava o meu cabelo - recém desfeito do coque - para todos os lados numa dança louca de cachos negros.

_Sam, pode ir um pouco mais devagar. – disse começando a ficar nervosa. Tentei reagrupar os fios para prendê-los de novo.

_Temos que chegar rápido. – disse ele sem nem olhar para mim. Metade do seu cabelo também era jogado para trás e ele parecia não se importar. O sangue tinha quase todo sido lavado, mas ainda dava para ver a mancha rosada na pele clara.

Tinha certo fascínio está ao lado daquele Sam. Eu podia ver e sentir a força irradiar dele, uma força poderosa e maligna. O sangue de demônio corria em nossos sistemas, mas com Sam era como se ele fosse feito daquela energia negra e vibrante. Ainda era o Sam como havia mostrado antes, é claro, mas também era diferente.

Sam levou o carro para algumas ruas mais estreitas saindo da via principal. Depois de rodar mais um pouco o carro foi diminuindo o ritmo e ele estacionou em uma rua escura. Descemos do carro.

Olhei para os lados - as velhas caçamba de lixo, os rosnados dos gatos e um morador de rua jogado contra uma parede imperturbável ao que acontecia a volta - em busca de alguma pista de onde Dean poderia estar mas não vi nada.

_Onde estamos. – perguntei.

_Perto o suficiente. – disse ele começando andar.

_O sangue de demônio deixar você enigmático também? – ele olhou para mim sério e disse:

_A lanchonete fica atrás dessas ruas, não achei que seria uma boa ideia estacionar em frente. – assenti. Estiquei a manga da jaqueta de Sam para aplacar o frio das mãos em contato com o metal gelado da adaga. De alguma forma o sangue de Steve foi realmente eficaz. Eu não sentia mais como se uma tocha tivesse sido acesa dentro de mim.

_Ok, vamos então. – quando passei por ele Sam pegou meu braço me fazendo parar.

_Tenha cuidado e fique perto. – alertou. Depois mais suavemente: _Também me preocupo com você sabia. – lhe ofereci um sorriso suave.

_Sabe Sam, com Dean eu me sinto tão segura, e com você eu me sinto tão corajosa. Por que me dar liberdade para isso. Então deixe essa preocupação de lado e me deixe entrar ao seu lado, não me coloque para trás. – ele me encarou por um longo tempo. Tanto que deu para ver as nuvens esbranquiçadas da sua respiração quente em contato com o frio atmosférico. Ou até os pingos de chuva como pingentes de gelo nas pontas do seu cabelo molhado.

E por um breve momento achei que ele iria se inclinar e me beijar, mas esse momento passou. Assim tão abruptamente que foi como a interrupção de algo muito importante. Ele endireitou sua postura e passou por mim. Balancei a cabeça fria tentando afastar esses pensamentos e me focar no real objetivo de eu estar ali.

Sam andava tão rápido que era difícil acompanhar. E eu começava a ficar sem fôlego. Felizmente a chuva parou de vez. Viramos numa outra rua, tão mal iluminada e deserta quanto a outra, mas nessa tinha um poste de luz que laçava apenas um halo amarelado abaixo não deixando a luz se estender.

Na nossa direção também vinha uma mulher. Pelo menos era o aspecto que a luz fria da noite oferecia. Enquanto no aproximávamos isso ficava mais claro, seu cabelo longo e grisalho absorveu a luz do poste o deixando com reflexos amarelos.

Ela andava devagar e meio trôpega, a princípio achei que estivesse bêbada. Quando passamos por ela agarrou meu pulso. Um toque gelado e firme. Sam ainda deu três passos antes de notar que havia parado. Algo em seu toque me disse para não reagir violentamente. Ela me olhou, seus olhos pequenos feito contas emoldurado por linhas de rugas. Ela me fitava com intensidade mais ao mesmo tempo parecia divagar.

_Pobre criança. – disse numa voz fanhosa e lamentosa. Pelas sujeira entre os dedos e nas unhas, e a roupa larga e maltrapilha diria se tratar de uma moradora de rua. Talvez seja por isso que não reagi de imediato. Sua postura curva e aparência não indicava perigo.

_O quê? – perguntei puxando gentilmente meu braço de seu toque.

_Você carrega a marca. – ela disse me fitando.

_Isabel? – Sam se colocou na minha frente como um guarda costas. Coloquei uma mão em seu ombro como se indicasse que estava tudo bem. Me aproximei da senhora. Ela se encolheu quando notou Sam. Seus olhos parecia ter soltados e uma expressão de choque atravessou seu rosto por um instante antes de ela voltar a ser mais contida.

_Tem tanta escuridão em você, meu jovem. – disse para Sam. Olhei para ele e o vi engoli em seco desviando o olhar.

_Vamos. – disse Sam se virando para o começo da rua. E velha voltou-se para mim e eu congelei. Era provavelmente só uma velha senil, mas tinha um porém ali. _Isabel, vamos.

Sam pegou meu braço e me afastou da senhora. Meu coração acelerou e uma duvida surgiu na minha cabeça. Era como lembrar de algo inacabado.

_Era provavelmente alguma cartomante charlatã. – disse Sam desvendando meus pensamentos.

_Provavelmente.– olhei por cima do ombro e via que ela ainda nos observava. Mas depois que viu que a olhava de volta ela virou as costas e recomeçou a andar naquele jeito caricato.

Provavelmente era mais louca. Não dê atenção, continue em frente, seu objetivo é encontrar Dean. Mas não conseguir impedir que meus pés retrocedessem e eu corresse todo o caminho percorrido de volta. Sam gritou meu nome, continuei a correr não me importando nem com ele ou com a poça que encharcou meu coturno.

Quando cheguei coloquei uma mão em seu ombro a fazendo virar.

_O que quis dizer com eu carrego a marca? Que marca? – perguntei sentindo as palavras entrecortadas enquanto eu recuperava o fôlego. O que estava fazendo? Ficando louca.

_O que disse? – perguntou a mulher mostrando confusão no rosto enrugado e marcado com sujeira.

_Pegou no meu pulso e disse que eu carrego a marca, que marca? – perguntei irritada.

_Deve ter sido um engano, eu não...

_Você disse! E eu quero saber por que. – minha voz encontrou uma entonação raivosa que evitava.

_Seja lá o que tenha dito, posso olhar em sua mão, podemos desvendar o seu futuro se deseja, eu vejo por exemplo um amor a caminho... – agarrei seu pulso ossudo. Ela me olhou assustada, eu recuei um pouco. Oque eu estava fazendo? Discutindo com uma maluca que nem sabe oque eu acabara de dizer.

_Oh, Deus. – ofegou a velha olhando para o pulso como se eu a tivesse queimado, mas isso não era possível. Soltei seu pulso. _Você é a menina. – disse ela me encarando assustada.

_Me conhece? – perguntei alarmada.

_A menina que carregar a marca nos olhos. – respondeu ela. Parecia que sua atenção ia e voltava, como se ela de vez enquanto espiasse dentro da própria mente.

_Oque você disse? – perguntei me sentindo gelar por dentro.

_A menina que carrega a marca da destruição nos olhos. Estão procurando por você. – ela se aproximou de mim. Seu hálito rançoso invadindo meu nariz. _Eles estão com medo. – disse num sussurro, como um segredo.

_Quem? De quem está falando? – perguntei.

_Ora, sabe de quem. Tenho dádivas dadas por Deus, ou pelo demônio, mas posso olhar o futuro das pessoas. Posso ver através delas. E em você eu vejo... – ela se interrompeu, os olhos cheios de piedade. Seu cabelo crespo e grisalho balançaram à brisa fria e quando pegou minha mão...

Ela estava me mostrando. De repente fui tomada por uma torrentes de imagens. Flashes de coisas horríveis. Uma mistura de passado e coisas que não lembrava de ter vivido. Eram o quarto branco onde fui trancada. A porta da jaula de Lúcifer. O acidente. Adam caindo. E tinha a neve, muita neve. E sangue por todo lado e no chão gelado um corpo. Meu coração pareceu parar e um choque me varreu. Dean. Minhas mãos sujas de sangue...

Puxei minha mão de volta me sentindo tonta e muito cansada de repente. O desespero foi se solidificando no meu peito. Não tinha reparado em que momento aconteceu, mas estava com a adaga em punhos mirando a mulher. A lâmina tremia e tinha sangue nela. A senhora me olhava como um bicho acuado, ela segurava o pulso contra o peito o sangue incorria pelo cotovelo.

_Ah... Meu Deus, me desculpe, eu não queria... – tentei me aproximar, ela recuou, mas não foi antes que eu pegasse seu pulso para examinar, fazer qualquer coisa para ajudar. Quando toquei nela novamente minha visão ficou branca, assim de repente, era a neve...

Ouvi um grito e a soltei, agora eu recuava assustada. A mulher olhava para a parte inferior do braço, o corte soltava fumaça. Na verdade eu a atinha queimado, a pele em vermelho vivo ainda embasado. Ela então saiu correndo, ou pelo menos tentou.

O que estava acontecendo?

Naquele arrombo de emoções me senti desemparada e irremediavelmente sozinha. Jogada em um poço sem fim. Era tudo tão repentino que achava que estava perdendo a cabeça. Tinha cortado e queimado uma mulher. Tinha tido visões estranhas de morte e neve, minhas mãos pareciam queimar, e Dean...

Me obriguei a controlar minha respiração e engolir o choro que ameaçava a vir. Me ajoelhei e coloquei minha mão numa poça na tentativa de controlar a queimação. Foi quando notei a falta de uma presença. Olhei para o inicio da rua. Vazia.

_Sam? – minha voz soou baixa num sussurro que foi rapidamente varrido pela brisa congelante e o silêncio opressor. Olhei para os lados desamparada. Ele tinha sumido.

Fiquei incerta entre procurara por Sam, ir atrás da mulher e exigir que ela me desse alguma resposta sobre o que foi aquilo. Recolhi de volta a adaga sacudindo a lâmina na água para limpar o sangue.

Mais uma vez tive que me controlar, recolher meus cacos e me obrigar a levantar e me manter para não cair no abismo da loucura de novo.

Engoli em seco o punho que parecia entalado na minha garganta e me forcei a ficar calma. Corri de volta para onde Sam sumiu. Meus passos soaram silenciosos na rua praticamente deserta. Parei quando cheguei na beira da pista principal e olhei para os lados. Não tinha nada ali a não ser lojas fechada e o tal restaurante Biggerson's um pouco mais a frente. A única coisa acesa na rua inteira era a placa acima da construção.

Não precisei pensar muito no próximo passo, uma movimentação em uma da janelas chamou minha atenção, tinha alguém no restaurante. Corri em disparada, um carro passou bem diante de mim, por pouco não fui atropelada, ele buzinou e gritou alguém reclamação. Olhei para os lados da rua e a travessei quando vi que era seguro.

Cheguei a porta e logo senti a vibração demoníaca do lado de dentro, como uma nuvem presa e carregada. Sem delongas a empurrei e logo me vi no saguão do restaurante. Foi como irromper no climax de uma peça. Sam estava com uma mão esticada na direção de um velho numa cadeira de rodas que se contorcia. E tinha corpos no chão; as cascas dos demônio, imaginei. No fundo estava Dean e Castiel. Nossos olhares se encontraram, algo que se quebrou quando ouvimos um espécie de grito ou engasgo vinda do velho na cadeira. E depois acabou.

Tudo foi retornado a tranquilidade da noite. Sam relaxou e abriu os olhos. Dean o encarava como se visse um estranho, mas ao mesmo tempo havia lamentação ali. Sam então desviou o olhar para mim e depois o abaixou como se estivesse envergonhado.

Pulei os corpos e desviei do homem na cadeira para encontrar Dean. Ele ajudava Castiel a se levantar e dizia alguma coisa no seu ouvido. Assim que ficou de pé, Cass assentiu para Dean e desapareceu. Olhei para Dean confusa, mas seus olhos estavam em Sam. Virei a tempo de ver Castiel surgir por trás e tocar o pescoço de seu irmão o fazendo desabar no mesmo instante.

_Mas...

_Foi preciso. Temos que levá-lo para o quarto do pânico antes que acorde. – explicou Dean. Assenti distraída olhando para o corpo de Sam no chão. Dean tocou meu ombro delicadamente. Saí do meu transe e olhei para ele. _Você parece que viu um fantasma, o que aconteceu, como conseguiu isso e como chegou aqui?

O isso era a adaga que roubei do Steve meio escondida na manga longa e molhada da jaqueta de Sam. Não tinha uma forma muito racional de explicar a Dean o que tinha visto ou o que tinha acontecido. Nem o que tinha sentido. Aquela visão horrível me marcou como um carimbo. O frio que sentia era um lembrete daquele tapete de neve e ele... Me joguei em cima de Dean como uma criança indefesa.

Ele me abraçou hesitante a princípio depois me segurou com força enquanto eu fechava os olhos e ouvia seu coração bater no meu ouvido. Vivo, ele estava vivo e bem. Dean me apertou contra ele. Uma mão na minha cintura e outra acariciando meu cabelo gentilmente.

_Ei, o que foi ? O que aconteceu? – perguntou. Me afastei dele percebendo o quão estranha estava agindo. Respirei fundo e ajeitei o cabelo úmido atrás da orelha tentando espelhar uma expressão menos tempestuosa.

_Nada, eu... podemos sair logo daqui, eu explico tudo depois. – Dean assentiu desconfiado.

Depois de pegar o anel de Fome e colocar Sam no carro. Rumamos para a casa do Bobby. A chuva nos pegou no meio do caminho, mais forte que antes. O tempo mudava. O inverno chegava.

... - ...


Pousei o livro na cômoda ao lado e me levantei com cuidado para não acordá-lo. O envolvi no cobertor e deixei o abajur aceso. Parei na soleira da porta olhando para ele. Jamie dormia tão tranquilo e sereno. Como deveria ser, aquela sensação de viver num mundo completamente sem perigo, onde nada poderia atrapalhar seu sono, apenas um pesadelo irreal. Como gostaria de ter aquela sensação de segurança.

Estava morta de cansada. Meus músculos reclamavam pedindo uma cama macia. Só que parecia impossível eu conseguir dormir com os gritos de Sam abaixo. Tinha a sensação de que se fechasse os olhos encontraria o que não gostaria de ver, como a velha bruxa, ou seja lá o que ela fosse. Por que era nos sonhos em que me sentia mais frágil. Onde Miguel invadiu, Lúcifer brincou e cenas do acidente de carro me assombraram por anos. Minha mente, meu corpo, minhas vontades deveriam ser apenas minha e não eram.

Mas me sentia como uma casa a venda em pleno open house, qualquer um podia entrar, fazer suas mudanças, usar como bem entender. Derrubar paredes, construir novas e mudar os móveis de lugar. A sensação de poder ser invadida a qualquer momento era assustadora. Então tomei uma decisão, não iria dormir aquela noite, resistiria pelo tempo que aguentasse. Não estava com disposição para encarar os fantasmas da casa.

Fechei a porta devagar e desliguei a luz. Ia beber uma xícara de café e tomar meu lugar em frente a lareira. Era esse meu plano; me afundar naquela poltrona e sofrer calada. Também queria estar por perto se Dean precisasse de mim.

Quando cheguei na cozinha parei na porta. Dean estava lá sentando olhando para um ponto escuro no cômodo com uma caneca aninhada na mão, a garrafa de Whisky que tinha levado para o quintal voltara com o mesmo nível de líquido. Quando chegamos e trancamos um Sam sonolento no quarto do pânico. Dean disse - à tentativa de ajuda de Cass - que queria tomar um ar. Teria ido atrás, mas Castiel me impedira e com razão. Dean precisava de um tempo sozinho.

Ele levantou os olhos quando me viu na porta. Estava escuro, a única luz era a vinda da janela que lançava sombras riscadas em Dean.

_Ele dormiu? – perguntou.

_Depois de quase vinte páginas de Harry Potter ele conseguiu dormir. – Dean assentiu. Os gritos de Sam eram abafados, mas ouvintes. Ele gritava como se algo o tivesse atacando ou querendo alguma coisa dele. Era horrível ouvir e se fazer de surdo. A cada grito vinha acompanhado de uma agulhada no coração e uma vontade avassaladora de entrar lá e aninha-lo no colo repetindo que estava tudo bem, não havia monstro algum.

E o mais sofrível era ver o efeito que isso causava em Dean. Se em mim doía, nele era insuportável. Era difícil não para mim não assumir uma parcela de culpa. Dean não disse nada, mas eu sabia - imaginava - que em partes ele me culpava. Deveria ter ficado naquele quarto com Sam, não sair e quase ser morta. Sabia que ele via aquilo como uma escolha, eu escolhi ir com Steve à ficar e cuidar de seu irmão.

_Me desculpe, Dean. Eu sei que deveria ter ficado no quarto...

_E feito o que quando os demônios apareceram? Você não poderia ter impedido. – disse Dean calmamente. Era o que Sam havia dito. Não poderia ter impedido. Mas tentaria.

_Poderia ter tentado. Eram dois deles, eu conseguiria. – ele me encarou. Eu nunca tinha me sentido tão vulnerável e cansada. Dean também não estava diferente, as sombras abaixo dos olhos o denunciavam assim como a postura meio largada na cadeira diante da mesa.

_Não culpo você. – disse. Estava tão certa de que deveria assumir toda a responsabilidade daquilo que descartei qualquer objeção a isso. Mas algo no modo como Dean falou e me olhou dizia que eram palavras sincera. _Se ficar se cobrando tanto, colocando tanto peso nas costas vai acabar como... como eu. Não quero isso para você, também não queria isso para o Sammy.

Me movi para sentar na cadeira ao seu lado. Coloquei a cabeça no seu ombro fechando os olhos. Tentando fazer os gritos e lamúrias não se infiltrarem em mim. Tentando ao máximo ser forte por nós três. Por que era assim com as pessoas que amava: Difícil ouvir e ver a desconstrução delas sem que sentisse as rachaduras em mim.

_Ele vai ficar bem. – disse Dean no meu ouvido. Um cheiro de café vinha de seu hálito e da caneca em sua mão.

_Eu sei, mas e você? – perguntei tirando a cabeça de seu ombro para encará-lo. Dean deu um sorriso suave e olhou pra baixo balançando a cabeça descartando a pergunta.

_Que tal falarmos sobre o que foi aquilo mais cedo.

_Boa maneira de mudar o rumo da conversa. – ajeitei a cadeira para ficar de frente para ele. _A verdade é que acho que não é um bom momento para falar sobre isso. Podemos deixar para depois? – ele assentiu devagar.

_Não vou insistir. – respondeu. Dean ainda tinha as marcas de alguma briga no rosto. Instintivamente passei as pontas dos dedos no hematoma em volta do olho esquerdo. Uma mancha avermelhada, mas sem inchaço. Ele retesiou um pouco o rosto.

_Como ficou o outro cara? – perguntei. Ele deu um sorriso torto e desanimado.

_Estou vivo, não estou?

_Esse é meu herói. – deixei minha mão descer para o colo. A caneca de Dean fumegava e o cheiro de café subindo pelos fios de fumaça e preenchia o ar.

_Não precisa fazer isso. – disse Dean.

_Isso o quê?

_Você está péssima. – ele levou a caneca aos lábios e tomou um gole de café.

_Obrigada Dean, você é sempre adorável á essa hora. – ele sorriu e ergueu a caneca como em forma de agradecimento.

_Deveria ir dormir. – sugeriu.

_Vou ficar com você. – declarei.

_Sério, não precisa... – peguei a caneca das suas mãos e solvi dois goles grandes. O líquido quente desceu pela minha garganta e deixou um rastro amargo que fez os nervos da minha boca se retesiarem e meu rosto torcer em uma careta.

_Que droga é essa? É horrível. – ele tomou a caneca da minha mão.

_É café, fui eu que fiz. – respondeu ele na defensiva.

_Não muda o fato de que é horrível. – respondi incomodada com aquele gosto de tudo menos café.

_Não reclame do meu café. – murmurou olhando para o líquido preto em sua caneca. Estendi a mão.

_Me dê isso, eu vou jogar essa coisa fora e fazer um café de verdade. – ele afastou a caneca de forma protetora.

_Meu café é de verdade. O café de um guerreiro, puro e forte, sem essas frescuradas.

_Não seja idiota, não é o sangue de Cristo no Santo Graal, é só um péssimo café. – retruquei.

_Não sou idiota, você que é. – rebateu de forma quase infantil. Seus olhos foram da caneca para mim e um sorriso se insinuou em seus lábios. Sorri de volta. E ficamos assim se entreolhando e deixando nossos lábios se curvarem. E foi como se uma luz se iluminasse naquele lugar frio e sombrio, mas era só o sorriso de Dean se alargando. O meu o acompanhando involuntariamente.

Queria tanto me aproximar. Deixar seus braços me acalentarem e deixar que o som do seu coração diminuísse o ritmo da tempestade que morava em mim. Dean sempre foi e sempre será um refúgio. Mas de alguma forma tinha me perdido no meio do caminho, ou simplesmente decidira que era hora de construir meu próprio, sozinha.

_O que aconteceu com a gente? – deixei a pergunta escapar sem saber exatamente de onde veio. Dean colocou a caneca na mesa e deixou o olhar cair para as palmas das mãos avermelhadas por conta do calor da porcelana. Ele balançou a cabeça, afinal.

_Está tudo tão confuso. – disse levantando os olhos para mim.

_Eu sou a confusão. – murmurei. Estávamos perto o suficiente para eu poder olhar em seus olhos e conseguir ter uma doce lembrança. Perto o suficiente para eu poder tocá-lo se quisesse. _Eu ainda me lembro de como comecei a perceber que tinha... sentimentos por você. Eu nunca contei isso, mas naquele dia em que me deixou ir para ficar com sua amiga naquele bar e ainda por cima esqueceu meu aniversário. Quando cheguei no quarto eu me acabei de tanto chorar por você, por que tinha preferido sua amiga ao invés de mim.

_É, me desculpe por isso. – um pouco de acanhamento soou na sua voz.

_Já me pediu desculpas e eu aceitei. Faz muito tempo e eu era tão estúpida. Nem sei por que estou te contando isso. – respondi com um sorriso. Me levantei tentando fazer aquilo não me deixar emotiva. Comecei a preparar a água para o café. Enchi a chaleira e liguei o fogão.

Um toque na minha mão me fez virar e encontrar Dean à tão poucos centímetros que tive de olhar para cima para encará-lo. Ainda podia senti aquela agitação no estômago toda vez que nos aproximávamos assim. Ainda estava lá aquelas faíscas que senti desde o início.

_Gostaria que ficasse. – ele pediu.

_Foi o que eu disse, gênio. – respondi em tom brincalhão, ele sorriu.

_Obrigado por isso. – dei de ombros. Mesmo assim ele não me soltou, na verdade segurou minha mão com mais força entrelaçando nossos dedos. Deixando no mínimo espaço entre nós o silêncio se estender. Mas não havia silêncio, Sam ainda soava lá em baixo. Uma lembrança da sua presença, mesmo não estando exatamente presente ali.

Não queria ter de fazer uma escolha. Não podia ser apenas isso. Tinha tanta coisa envolvida que optar por uma opção parecia cruel demais. E então Dean me soltou e se afastou um passo, deixando um buraco enorme no lugar em que ocupava antes.

_Podemos jogar pôquer para matar o tempo. – sugeriu ele, já dando meia volta. Antes que ele saísse da cozinha o peguei pelo mão como tinha feito comigo.

_Ainda tem outra coisa que preciso te contar que podemos deixar para amanhã. Mas antes disso você tem que saber que eu ainda sou sua. Ainda sou sua garota. – o levei mais para dentro da cozinha, como se a sala fosse sugá-lo para sempre ou se ele cruzasse aquela porta eu perderia a coragem. Segurei seu rosto com as mãos, tornando sua atenção toda para mim. Deixei que tudo a volta perdesse o brilho e a cor diante daqueles olhos verdes. _Ouviu o que eu disse, eu ainda sou sua garota. Não sei o quanto pode aguentar ser ferido por mim. Então antes que amanhã chegue, por favor me beije.

Dean só me encarou confuso.

_Do que está...

_Só... me beije. – mais um olhar confuso. Daí os poucos segundos se tornaram uma tortura enquanto ele deixava de lado a parte racional e se entregava a mim. Dean segurou minha nuca e deixou seus lábios encontrarem os meus.

Minhas terminações nervosas se agitaram ao mesmo tempo enviando uma onda de calor pelo meu corpo enquanto correspondia ao beijo de Dean. Enquanto escorregava para ele como tantas outras vezes. Ele envolveu minha cintura me mantendo mais perto. Deu alguns passos para frente me levando para algum lugar. Buscamos o ar um na boca do outro, o gosto amargo do café em nada comparado ao quão doce e quente era aquele beijo.

Eu tinha pedido um beijo, não uma torrente de paixão e amor que me tirava o fôlego e me deixava zonza. Não tinha pedido que Dean me colocasse em cima da mesa e continuasse a investir na minha boca como se eu pudesse fugir a qualquer momento. Nem que ele me acendesse como um pavio quando uma das suas mãos quentes resolveram tocar minha cintura por baixo da camiseta e a outra se infiltrasse no meu cabelo me segurando com força. Era o que eu precisava para não cair em órbita.

Mas antes que eu perdesse o sentido um alarme soou. Um apito agudo. É claro, a chaleira. Dean interrompeu o beijo ofegando assim como eu, que ainda de olhos fechados encostei minha testa em seu ombro sugando o ar com força. Meus batimentos cardíacos iam se assentando aos poucos.

_Acho melhor... você... – tentou dizer em arquejos. Concordei levantando a cabeça.

_É, é melhor... e você, pegue as cartas e as... fichas. – ele concordou também. Mas nenhum dos dois fez menção a se desgrudar. Sorri para ele e lhe dei um beijo demorado na bochecha. _Vai. – o empurrei de leve.

Ele concordou de novo e se afastou de uma vez só desaparecendo na sala escura. Com a cabeça ainda rodando desci da mesa e fui preparar o café. Desliguei a chaleira fazendo ela se aquietar e comecei a procurar o pó.

Peguei a caneca de Dean na mesa e joguei aquele café horrível na pia. A sensação acalentada do seu beijo ainda fazia um sorriso brincar nos meus lábios. Uma sensação tão anestesiante e... Deixei a caneca cair na pia provocando um barulho alto na cozinha.

Foi algo repentino que a princípio achei que fosse algo mais físico, mas não. Era uma sensação fria e aterradora que me cobria como uma avalanche. De uma vez e muito brusca. Olhei para minhas mãos, estavam tremendo e meu coração disparava e parecia bombear sangue gelado. Mas não era tão físico. Será que acontecia de novo? A segunda vez naquela noite. Mas era diferente.

Era um sentimento angustiante e... medo.

A última vez que me senti assim foi quando Lúcifer saiu da jaula, e depois meu primeiro contado com ele. Instintivamente olhei para trás. Não tinha nada. Nenhuma presença. Me virei para pegar qualquer coisa na cozinha que poderia usar como arma e lá estava. Na janela:

TENHA CUIDADO

Letras como se alguém tivesse escrito com o dedo no vapor frio. Me estiquei sobre a bancada para olhar lá fora. O pouco que eu via entre as plantas eram nada, o pátio parecia imperturbável. Meus dedos trêmulos tocaram o vidro borrando a letra O. Olhei para aquilo tentando fazer minha mente trabalhar acima do medo repentino.

_O quê está fazendo? – deu um pulo me assustando com a voz de Dean.

_Olha... – apontei para atrás de mim e me virei.

_Olhar o quê? – é, o que? Tinha sumido. As palavras, as letras. Desapareceu. Fitei boquiaberta o vidro da janela. O reflexo dos meus olhos me encaravam de volta, e era como se dissessem "Está ficando louca, de novo " _Oque foi? Tem alguma coisa lá fora?

Dean se aproximou - deixando a caixa com as cartas e fichas na mesa - se esticou para olhar pela janela. Obviamente não tinha nada lá fora.

_O que foi? – repetiu. Continuei a encarar o vidro da janela como se as palavras fosse reaparecer. _Isabel? Tudo bem?

Me forcei a olhar para ele e balançar a cabeça negativamente. Estava agindo feito louca, vendo coisas. Tendo visões invernais. Mas minha loucura sempre teve certa razão, não teve?

_Estou bem. – balbuciei.

_Tem certeza? – perguntou Dean me examinando com o cenho franzido. Ele já tinha tanto na cabeça que não iria deixá-la mais tumultuadas com as minhas insanidades.

_Tenho, tenho sim. Só achei que tinha visto uma coisa, mas foi só a sombra de um galho. – Dean continuou me encarando com desconfiança e preocupação. Olhou para a janela e depois para mim. Forcei um sorriso e coloquei as mãos nos bolsos detrás da calça para ele não perceber que estavam trêmulas.

_Eu vou lá fora. Fique...

_Não. É sério. Olha foi um dia longo e muito estressante, eu só acho que ainda estou um pouco ligada, sabe? Não foi nada, olha, não tem nada lá fora. – disse num tom controlado e casual. Dean ficou lá me examinando com olhos estreitado por um longo tempo. Forcei outro sorriso. _Está tudo bem, eu juro.

_Tudo bem então. – disse por fim relaxando. _Vou ver o Sammy, as coisas estão um pouco quietas.

Quando ele sumiu de novo voltei-me para a janela. As palavras não apareceram de novo. Mas ficaram em mim ecoando. Tenha cuidado. Era uma mensagem, e uma nada boa.

... - ...



Nas suas sombras ela podia ver, eles sabiam disso quando pousaram ali. Os dois anjos. Estranhando-se em corpos humanos. Um monte de carne e ossos. Lirá e Josias baixaram à terra em busca de respostas. E lá estava a humana, uma mulher de meia idade encolhida no frio observando suas asas sendo projetadas no asfalto molhado em sombras provocadas pela luz estranha do poste.

Josias se agachou ao lado da mulher. Era lamentável como o ser humano poderia se deteriorar. Enrugar e ser destinado ao pó. Criaturas frágeis, pensou Josias, abonando a ideia daquilo.

_Conte-nos o que viu. – pediu ele na língua da humana. A mulher se empertigou em seu cobertor e encarou o anjo.

_É só uma menina. – lamentou a mulher. Josias olhou para Lirá. Ela usava como receptáculo o que podia remeter a encarnação humana de sua própria graça; Uma mulher de cabelos dourados e olhos muito verdes vibrantes e inquietos às descobertas naquele novo mundo para eles. Um rosto complacente, como era Lirá.

_Nos diga como ocorreu o encontrou, sei que a viu. Diga-me o que viu. – seu tom de voz vinha sem qualquer emoção calorosa.

_Estava certo, ela carrega a marca do demônio nos olhos. Pobrezinha, tem tanto sofrimento, tanta perda...

_Qualquer sofrimento é mais que justo para aquele que massacra nosso povo. – cortou.

Ele era capaz de misericórdia, mas desconhecia as principais virtudes humanas. Josias era um anjo que via seu reino, sua casa, ser perturbada por uma criação insana do renegado de Deus. Ele podia sentir o temor abatendo sob seus irmãos. Todos esperando algum ataque em massa de Lúcifer. Rumores de um possível fim.

Estavam se preparando para uma guerra. Miguel fora morto e com ele levou a certeza absoluta de que a serpente seria derrotada novamente. Deus havia deixado seus filhos, um ato de confiança, era como Josias via. Ele acreditava que os filhos poderia vencer sem sua interferência.

Quem assumiu o comando foi Rafael. E a ordem era clara; traga a culpada. A humana que carrega a marca dos anjos nos olhos e o sangue da cobra.

_O que viu? – perguntou ele soando impaciente.

A mulher era uma espécie em especial. Tinha certo dom, uma sensitiva. Ela soube que eram anjos desde a primeira vez que colocou os olhos em Lirá e Josias. E soube também que a presença deles ali não significava dádiva. Era o fim. E ela tinha visto isso nos olhos da menina. Um mundo congelado e entregue as ruínas. A morte rondando por ali e o sangue das vítimas nas mãos dela. Mãos essas que incendiavam. Ela sentia ainda a dor.

_Eu vi a destruição. O fim. O sangue. Não a nada que possam fazer. Nós vamos todos morrer. – ele viu que a frase perturbou Lirá. Já Josias não acreditava num absurdo daqueles. Ninguém, nem mesmo uma menina, Lúcifer ou seu exercito de demônios, poderiam derrotar as forças do céu em peso. Eles tinham o poder do criador ao seu lado. Nenhum mal poderia abater sobre a raça.

_Tudo bem. Acabamos aqui. – ele ia se levantar, mas a mulher segurou seu braço. Suas mãos ossudas e frias como as de um cadáver. E na carne inferior um ferimento horrível, uma marca escura e enrugada de queimadura. Ele se conteve para não puxar a mão de volta.

_Me leve com vocês. Eu imploro, ponha fim no meu sofrimento. Não quero estar aqui quando tudo terminar. – implorou a mulher olhando de Josias a Lirá. Se ela queria assim, ele acabaria com seu sofrimento. Colocaria para descansar aquela alma atormentada pela quase insanidade. O que queria dela o anjo conseguiu.

Agora sabia que estavam perto. Muito perto de por um fim em tudo aquilo.

Ele pousou a mão livre no topo da cabeça da velha. Uma torrente de poder, de fogo celestial se entrelaçou nas fragilidades dela. Um poder tamanho que purifica e queima. Ele observou enquanto os olhos da mulher se iluminavam com o fogo e ela desfalecia em suas mãos. Ao pó iria.

Josias se levantou e deixou o corpo onde estava. Lirá se agachou e cobriu a mulher com aquele tecido velho a qual se agarrava.

_Vamos. Estamos perto. – disse Josias, era quase uma ordem. Ele estava pronto para voar dali, mas Lirá o mirou com aqueles olhos estranhos e perturbadores.

_O que vão fazer com a menina? – perguntou.

_Ora, o que tem que ser feito. – respondeu Josias soando ríspido. Não entendeu a origem da pergunta e muito menos aprovou a nota de compaixão na voz de sua irmã.

_Irão julga-la? – disse ela na sua voz feminina e melodiosa.

_Irão matá-la. Assim como os Winchester. – respondeu Josias cortante. Nenhuma entonação de emoção que ouvira em Lirá. _Pelo menos é o que espero.


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Notas finais do capítulo

E aí? Como foi? Quero Reviewsssss !!

E para lamento de alguns (espero haha) e alívio de outros a fic está à poucos capítulos do fim
:( Mas acho que já notaram isso né... Enfim, continuem comigo até o final e vamos ver no que isso vai dar...

Até a próxima Anjos.


XOXO



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