Cadente escrita por Sah


Capítulo 14
Revelados




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Sou tirada do transe por causa da buzina do trem.

Olho ao redor, há sangue para todo o lado. Passo a mão no meu rosto, ele também está sujo. Começo a ofegar, o que aconteceu? Preciso sair daqui.

Corro, mais que antes. Minha adrenalina está no máximo. Passo longe da avenida principal, pulo algumas cercas e passo pelos jardins. Enxergo o meu prédio. Sorte minha não ter ninguém há vista, não sei o que aconteceria se alguém me visse nesse estado.

Antes de subir as escadas, olho para ver se não tem ninguém. Todas as luzes estão apagadas. Subo sem acender nenhuma e quando chego perto da porta da minha casa, pego a chave que fica presa em uma pedra debaixo do vaso da planta. Abro com cuidado. Tudo está escuro. Sem pensar entro de uma vez, indo em direção ao meu quarto.

—Olivia? – Ouço a minha mãe dizer.

Mas fecho a porta do meu quarto e não escuto mais nada.

Meu coração está a mil voltas. Olho para o espelho, meu rosto é só suor e sangue, não tinha visto mas acabei me machucando enquanto pulava aquelas cercas. Eu preciso de um banho, minha mãe não pode me ver assim.

Olho pela fresta da porta, a luz está desligada. Eu preciso chegar ao banheiro.

Vou nas pontas do pé e fecho a porta com cuidado. Eu tomo um banho quente, tento me livrar de todos os rastros, finalmente eu consigo pensar.

O que eu fiz? O que há comigo? Eu sou como eles, como Annie e Bryan. Aqueles rapazes, eles morreram, eu quis que o trem passasse por cima deles e assim aconteceu. Eu me senti ao máximo no momento, mas agora o peso do que aconteceu está fazendo sentido.

Me enrolo em uma toalha felpuda. Enrolo a roupa suja, preciso dar um fim nela.

Saio do banheiro sem pressa. A luz da sala está acesa. Minha mãe está sentada no sofá, ela está de pijama, seus olhos estão cansados.

— Não vou nem perguntar onde você estava. Nem o que você estava fazendo.

Eu decidi ficar em silêncio.

— Sabe, me disseram que a adolescência é a pior fase, mas eu nunca acreditei muito, você era a filha perfeita nunca me preocupou com nada, mas agora você está me fazendo rever meus conceitos.

Ela se levantou e me deixou sozinha

Eu não sei o que ela quis dizer com isso. Eu nunca fui perfeita, eu só fiz o que me mandava.

Escondo as roupas sujas no fundo do meu guarda-roupa, mais tarde eu dou um fim nelas. Visto uma camisola limpa e apago todas as luzes. Deito minha cabeça no travesseiro e espero o sono vir.

Mas ele não vem, aquelas imagens ficam na minha cabeça, todos os detalhes, os sons, os cheiros, tudo.

Quando olho no relógio, já passou de 04h00. O cansaço finalmente me vence.

O despertador toca, o som é agonizante. Bato nele com tanta força que ele se quebra ao chegar ao chão. Me levanto como uma múmia.

Coloco uma roupa qualquer, uma calça jeans e uma camiseta de cor única preta. Olho-me no espelho.

Meus olhos estão vermelhos e meu cabelo opaco. Percebo a olheiras se formando. Eu estou um caco.

Não há ninguém em casa, minha mãe deve ter saído cedo e esquecido que ela me levaria para a escola.

Há um bilhete na geladeira:

Olivia, o dinheiro do ônibus e do seu almoço está na bancada. Não me espere hoje, trabalharei até tarde.

E voltamos a velha rotina de sempre, mais rápido do que eu imaginei.

Ligo a televisão. Ainda está cedo.

Nada demais passando, coisas que aconteceram em cidades próximas. Mas quando ele fala de dois jovens que foram atropelados pelo trem eu congelo.

Richard Consul, universitário, 23 anos e Dennis Marshal , desempregado, 22 anos foram encontrados mortos na linha férrea que passa pela cidade de Newfield. A suspeita é de suicídio, mas as investigações continuam.

Desligo a TV rapidamente, não quero ouvir mais nada sobre isso. Saio de casa um pouco aflita.

Pego o ônibus, ele ainda passa no mesmo local e na mesma hora. Acabo encontrando algumas pessoas conhecidas que me cumprimentam e perguntam como eu estou. Pelo meu rosto eu não estou nada bem.

Quando o motorista do ônibus buzina, eu só consigo ouvir o trem, só consigo ver aqueles garotos. Fico distraída com isso que meu ponto acaba passando, desço do ônibus no próximo ponto e caminho de volta.

Vejo a escola de longe, há alguns caminhões parados, imagino que sejam do exército.

Há mais soldados do que dá ultima vez. O porteiro checa minha identidade várias vezes antes de me liberar.

O agente Silas estava na entrada da minha sala. Bryan e Annie já haviam chegado. Quando eles me viram eu senti o seus olhares de preocupação.

— Algumas coisas aconteceram e já temos todos os resultados dos exames. – Silas logo diz.

Fizemos alguns exames há alguns dias, mas ninguém nunca falou de resultados.

— Vocês estão limpos, não foram afetados pela a anomalia. Mas vocês não podem ser liberados, um dos nossos cientistas acredita fielmente que essa anomalia está adormecida em vocês.

— Que tipo de anomalia? – Bryan perguntou

— É complicado de explicar Sr Smith. Mas vocês logo saberão, esse mesmo cientista acredita que o contato com os afetados fará isso aflorar em vocês.

— Mas isso não é ruim?

— De verdade? Para nós isso será bom, principalmente se você se mostrarem úteis.

Não sei o que ele quis dizer com úteis.

Um homem entra na nossa sala, ele aparenta ter mais de 50 anos, seu cabelo é grisalho e seus olhos escuros, ele usa um jaleco e nos olha com curiosidade.

— O cientista do qual eu falei. Eu apresento a vocês o DR. Franklin Trinity

— Pode deixar que agora eu falo com eles, agente.

Silas suspira e nos deixa a sós.

— Bom dia. Senhorita Larter, Donan e Sr Smith. Sei que esses dias foram um pouco confusos para vocês, Meu nome, como já dito, é Franklin Trinity e sou um médico especialista em alterações de genoma.

Alterações de genoma? Eu não tenho ideia do que seja isso.

— Alguém aqui sabe o que são alterações de genoma?

Ninguém responde.

— Bem, não vou me alongar nesse assunto, mas para vocês entenderem, digamos que sou especialista em alterações no DNA. Assim eu e alguns colegas de profissão estamos estudando as alterações genomicas que os sobreviventes da anomalia apresentaram. E vocês são os nossos casos mais intrigantes. Até os que morreram apresentaram certo grau de alteração, mas vocês, que estavam mais próximos ao cadente não apresentaram nada de anormal. Pelo menos até agora.

Eu engoli em seco. Eu sabia de quais alterações ele estava falando.

— Vocês sentiram alguma coisa de estranho esses dias? Algum tipo de tontura, ou algo mais inacreditável, como algum tipo de poder ou algo assim?

Todos nós sentimos, nós não éramos mais os mesmos.

— Você é maluco? – Bryan o confrontou.

— Sr Smith, entenda que suas crenças mudarão de agora para frente. O mundo de verdade não o que a mídia apresenta.

O doutor olhou diretamente para mim.

— Senhorita Larter, você parece um pouco abatida, algum problema?

Meu coração disparou quando ele olhou diretamente para mim. Seus olhos escuros analisavam tudo. Eu senti o tempo parar a minha volta.

Assim eu pude sentir, eu ouvia o coração dele batendo, eu podia sentir o ar a sua volta, a gravidade que o empurrava para o chão e sentia uma força sobre mim. Seria tão fácil acabar com tudo isso. Com o sorrisinho prepotente dele. Uma voz me dizia.

— Senhorita Larter?

— Sim, quer dizer, eu estou bem, só fiquei assistindo televisão até tarde.

Acho que ele acreditou, seu olhar se desviou e ele continuou a falar.

— Assim, depois de uma singela explicação, vocês voltarão a ter aula com os seus colegas.

Ele dizia isso com uma frieza inacreditável, como se tudo fosse voltar ao normal, como se aquelas vidas fossem voltar.

— Senhor Collins, você pode entrar agora.

Aaron entrou na sala, ele estava despojado, usava uma camisa xadrez e uma calça jeans rasgada.

Nossos olhares se cruzaram.

Ele parece tenso, até um pouco acanhado. Ele não é assim.

— Senhor Collins, é nosso voluntário. Ele irá nos mostrar como foi afetado. Por favor faça.

O ar mudou, eu não sei explicar, mas ele ficou um pouco rarefeito. Eu pisquei e quando vi novamente Aaron não estava mais lá.

— Como? – Eu perguntei como um reflexo.

— Eu estou aqui. – Ouvimos a voz do Aaron

Nós olhamos para o fundo da sala. Ele estava lá, sentado na última carteira.

— As células do senhor Collins sofreram algumas alterações em decorrência da anomalia. Seus ossos, seu coração, toda a sua estrutura foi alterada para que ele conseguisse atingir uma velocidade sobre-humana. Mas não é só isso. Por algum motivo que ainda o desconheço também pode sentir o que as outras pessoas sentem através do toque.

Sentir o que as pessoas sentem? Meu rosto começa a ficar quente e eu baixo a cabeça, não quero mais ouvir nada disso.

— Você acha que não falaremos nada com ninguém sobre isso? – Bryan pergunta despojadamente.

Levanto a cabeça e ele parece confiante e nenhum pouco impressionado. Ele sabia que isso aconteceria, tenho certeza.

— Engraçado você dizer isso Sr Smith, acho que todos vocês assinaram um termo de confidencialidade. E saiba que todas as pessoas que forem envolvidas acidentalmente ou intencionalmente sofrerão as consequências dos seus atos inconsequentes. Mas não sou eu que tenho que falar isso. Vocês já conheceram a central de inteligência? Se eu fosse vocês eu realmente seria discreto quanto a isso, eles costumam usar métodos não muito agradáveis. E não falaríamos isso com você se não tivéssemos certeza de que vocês podem guardar esse segredo, afinal toda a família de vocês e amigos estão em nossas mãos.

O olhar de Bryan não muda, ele realmente parece arrogante.

— Vocês serão separados, cada um ficará em uma turma especial e aprenderão mais sobre tudo isso. Sr Smith por favor acompanhe o Sr Collins até a sua turma.

Os dois se olharam, Bryan e Aaron se odiavam. E a insatisfação de Aaron era percebível.

— Mas eu pensei que seria a Olivia a vir para a minha turma. – Aaron falou

— O senhor pensa demais. A senhorita Larter será uma distração para o senhor, ela irá para algum lugar mais útil.

Aaron não reclamou mais, apenas saiu da sala. Bryan se levantou e foi atrás dele. Antes disso Bryan sorriu para mim. E isso me deixou mais aliviada.

— A senhorita Donan virá comigo. E você senhorita Larter esperará o agente Silas.

Annie levantou atordoada, ela me olhou suplicando. Ela não estava aceitando tudo isso muito bem. Ela tinha seus próprios traumas, espero que ela se contenha que não fale para ninguém o que pode fazer.

Respirei fundo. A tensão foi embora com aquele cientista.

Eu estou aceitando tudo muito bem. Fiquei muito surpresa, mas não curiosa. Alguma coisa dentro de mim não se importa com isso.

Olhei para a frente e vi aqueles dois garotos sentados, será que não como nós? Não, eles estavam mortos, eu os vi morrendo, eu fiz aquilo acontecer.

Eles evaporam na minha frente quando Silas entrou.

— Olivia? Vamos.

Eu me levanto e me despeço daquela sala.

Ao andar pelo corredor eu percebo que pouco a pouco ele está voltando a ser o que era. Realmente parece que eu estou a uma escola normal.

Chegamos em frente a uma porta. Ela não estava lacrada como a nossa.

Quando ele abre a porta sou cercada por uma luz forte. Olho dentro da sala e vejo rostos conhecidos.

Lá está Sarah, ela abre um sorriso quando me vê. Samantha está próxima a ela e demonstra certo espanto.

A sala parece normal, mas não tem nem 10 pessoas.

A mulher que eu imagino ser a professora me cumprimenta.

— Você pode se sentar do lado da Rebecca.

Engulo em seco. Todos olham para mim como se eu fosse uma aberração e não ao contrário. Ao me sentar noto que Rebecca está dormindo. Ela parece cansada. Silas se despede e me deixa naquele lugar estranho.

— Bem, acho que você já está familiarizada com tudo. Mas vou fazer uma apresentação. – A mulher diz.

— Meu nome é Vanessa Sergel e serei sua professora durante essa primeira fase. Sou especialista em psicologia e relações adversas.

A mulher começou a balbuciar algumas coisas, mas eu não queria prestar atenção. Rebecca finalmente me nota.

— Olivia! – Ela fala sonolenta. — Não achei que era hoje que você iria se juntar a nós.

— Bem nem eu sabia.

— E o que você pode fazer? Pergunto-me isso sempre e tem até uma aposta em cima disso. O que será que os três adormecidos podem fazer?

Ela se espreguiça. E finalmente me olha nos olhos.

— Uau você parece mal. Será que você é como eu?

— Como você?

— Sim, assim.

Ela toca o meu rosto e eu grito.


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