O Menino com Cabelos de Vela escrita por The Dark Passenger


Capítulo 3
Um Furto Pintado de Vermelho




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Que tal um beijo, Saumensch?

*Um Pequeno Aviso sobre Rudy Steiner*

Ele não merecia ter vivido do jeito que viveu.

Essa frase sempre me vem a cabeça quando penso nesse garoto, Rudy. No final, ele não precisou pedir para ganhar o tão esperado beijo. Mas vamos prosseguir.

Naquele dia, o céu estava dominado por um vermelho furtivo, perfeito para um roubo. Mais especificamente, o roubo de um livro.

— Vamos logo, Saukerl!

Liesel aguardava impaciente na pequena sala da casa de seu amigo. Ela já tinha planejado tudo. Entrariam pela janela aberta da fria biblioteca da casa do prefeito. Rudy poderia procurar alguma comida, talvez uns cigarros. Ela não. Ela pararia em frente às estantes abarrotadas de palavras, passaria os dedos pela lombada dos livros com delicadeza, e pegaria um deles, o certo.Qual seria o certo, e por que, ela não sabia dizer. Ela só sentiria, e o puxaria para si com um fascínio infantil. Saborearia os títulos, tocaria o papel, sentiria o cheiro das páginas. Conseguia sentir o êxtase, mesmo antes de realizar seus planos. E junto com a expectativa, vinha a apreensão. Afinal, eles poderiam ser pegos. Afastou esse pensamento da cabeça, antes que perdesse a coragem.

— Pare de gritar, Saumensch, estou aqui.

O menino com cabelos cor de limão surgiu de um dos quartos. Trazia uma caixa de ferramentas amarela em uma das mãos.

— Que é isso, Saukerl? — indagou a menina quando chagaram até as bicicletas enferrujadas jogadas no asfalto cinzento.

— O que isso parece? — respondeu o menino, que observava o céu. "Vermelho", pensou, "Isso não me parece um bom presságio."

— Para que precisará de uma caixa de ferramentas? — perguntou Liesel enquanto pedalavam sobre a ponte do rio Amper.

— Você verá.

Já era noite quando atravessaram a pequena janela aberta da biblioteca. Os livro pareciam chamá-la na escuridão. Ela repetiu o processo que imaginara e, por fim, puxou o escolhido da prateleira mais alta. Chamava-se O Menino com Cabelos de Vela. "Perfeito para Rudy", pensou.

Tudo corria bem. O menino voltara da cozinha com um enorme sorriso no rosto e uma caixa de ferramentas cheia de pão. No próximo desfile ele pretendia jogá-lo aos judeus famintos. E foi em sua felicidade inconsequente que cometeu um pequeno errinho.

*O Pequeno Errinho de Rudy*

O garoto com cabelos de vela fez um barulho bem pequenino,

mas foi o suficiente.

Pouco depois,ouviram o grito trovejante de um prefeito assustado e o silêncio satisfeito de uma mulher quebrada.

Veja bem, a culpa não foi de Rudy. Ele precisava daquilo. A euforia de desafiar os guardas, o prefeito e seu próprio bom-senso ameaçava explodir seus pulmões esgotados. E estar ali, com a Saumensch, ver a mesma euforia refletida nela como em um espelho o fez libertar aquela mínima gargalhada que dançava em sua garganta. O som produzido foi encantador, cheio de vida, e reverberou pela casa.

O sorriso de Liesel murchou e desapareceu em seu rosto, substituído por uma careta de surpresa.

E depois ela sentiu duas coisas.

*Os Sentimentos de Liesel*

Ligeiramente,uma sombra de preocupação trespassou suas feições lívidas, mas logo desapareceu. Em seu lugar, uma raiva rubra e desesperada surgiu, e esta era direcionada ao Saukerl.

O prefeito gritava, e o som de seus gritos misturava-se ao de seus passos. A mulher do prefeito, como sempre, estava com seu roupão vermelho, o rosto pálido e frágil, sem emitir nenhum ruído. Ela não parecia nem um pouco surpresa, demonstrava certa satisfação em saber que a menina da rua Himmel estava de volta.

Velozmente, acompanhados pelas pragas que o prefeito soltava, os dois, a mulher estilhaçada e o homem confuso desceram as escada a tempo de ver um menino com cabelos de vela e uma roubadora de livros saltarem a janela, pegarem suas bicicletas e fugirem em direção ao pequeno bosque de árvores mortas que circundava o rio próximo.

"Vou chamar a polícia, seus ladrõezinhos", esbravejava o prefeito, percebendo que sua preciosa comida fora roubada. Ilsa Hermann, curiosamente, entristecia-se que a menina tivesse de partir daquele jeito brusco.

Warte. Espere. Vamos fazer uma pequena pausa para falar sobre essa mulher, a mulher do prefeito. Ela é apenas uma numa brigada mundial. Você já a viu antes, tenho certeza. Em seus poemas, nos filmes a que gosta de assistir. Elas estão por toda parte, por que não aqui? Por que não em uma bela colina de uma cidadezinha alemã? É um lugar tão bom quanto qualquer outro para sofrer.

Mas você pode estar se perguntando: Por que ela sofre? Bem, aqui eis a resposta.

*Arquivos da Memória*

Ah!,sim,definitivamente me lembro dele.Johann Hermann.

O céu estava pesado e fundo feito areia movediça.

Havia um rapaz embrulhado em arame farpado,como uma gigantesca coroa de espinhos.Desenredei-o e o levei embora.Bem acima da terra,caímos juntos de joelhos.Foi só mais um dia de 1918.

Ilsa Hermann ocupava o espaço de um filho perdido com livros. Mas, acima de tudo, com uma pequena ladra. Uma menina que roubava livros.


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