A Revolução dos Vampiros - Versão Antiga escrita por Goldfield


Capítulo 2
Capítulo 1




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Capítulo 1

São Paulo, SP, Brasil, 9 de agosto de 2005.

Começa mais uma manhã na capital paulista. Tudo normal: gente correndo para o trabalho, engarrafamentos nas marginais, crianças e jovens indo para a escola... E Fernando já está de pé no quarto do apartamento em Perdizes, preparando-se para ir até a faculdade. Enquanto arruma a cama, o rapaz pensa no que fará durante o dia.

–         Estudar, estudar e estudar... – suspirou o jovem, enquanto dobrava um lençol. – Depois pegar a Luíza na casa dela...

O namoro com Luíza estava uma maravilha. Fernando tinha vinte e três anos e a jovem era dois anos mais nova. Tinha belo corpo, cabelos loiros e olhos azuis, além de um sorriso encantador. Ele ia casar com ela assim que terminasse os estudos, logo que virasse médico, “Doutor Fernando Souza”, trabalhando no Albert Einstein. O rapaz ria sozinho toda vez que pensava na idéia.

–         Nando, venha tomar café! – gritou a mãe de Fernando, Dona Ruth, que estava na cozinha.

–         Já vou, mãe!

Fernando guardou a roupa de cama dentro do guarda-roupa e deu um breve acerto no penteado, seguindo então para a cozinha do apartamento. Sentados ao redor da mesa estavam a mãe, que, com olheiras de sono, tomava um copo de leite morno, e o irmão de Fernando, Juca, doze anos, que também estava se preparando para ir ao estudo diário.

–         Dormiu bem, múmia? – zombou o caçula.

–         Ora, fica quieto, filhote de cruz-credo! – exclamou Fernando, tomando lugar à mesa. – Mãe, o pai já foi?

–         Esta semana ele está entrando às quatro da manhã, esqueceu? – sorriu Ruth.

–         Ah, é mesmo...

O pai de Fernando, Henrique Souza, era sargento da PM, e toda a família se orgulhava muito disso, apesar do perigo nas ruas. Os dois filhos queriam seguir carreiras diferentes. Fernando queria ser médico, já Juca, piloto de caça da Força Aérea. O moleque era fascinado por aviões.

O filho mais velho velozmente encheu um copo de leite e bebeu mais rápido ainda, enquanto a mãe dizia:

–         Por que a pressa, filho? Agora que você comprou carro não precisa mais pegar ônibus!

–         É que eu tenho que passar num lugar...

E Fernando botou o copo na pia, saindo rapidamente do apartamento.

–         Não seja afobado como seu irmão, certo, Juca? – disse Dona Ruth.

–         Deus me livre! – exclamou o garoto, deixando a cozinha.

Um conversível vermelho pára na frente de uma antiga casa na Rua Augusta, onde sobre uma janela aberta há uma placa com a inscrição “Clube de Amantes de Música Clássica”. De dentro do veículo sai um rapaz trajando camiseta branca, jeans e tênis. Tem cabelo castanho e usa óculos.

Após ligar o alarme do carro, o jovem se aproxima da casa e cruza um enferrujado portãozinho de metal, ganhando um pequeno pátio com samambaias e uma porta à direita, após uma escada de três degraus. Vencendo-a, o rapaz bate duas vezes à porta de madeira, e uma voz feminina vinda de dentro do recinto diz:

–         Pode entrar!

O jovem gira a maçaneta sem compromisso, e a porta se abre num rangido. Ele caminha para dentro da casa, ganhando uma sala com dois bonitos sofás e uma poltrona, além de uma cômoda numa das paredes embaixo de um espelho redondo, a janela aberta que dava para a rua e duas outras portas que levavam aos outros cômodos. Não podemos nos esquecer da vitrola e do belo quadro perto da porta de entrada, retratando uma bela mulher loira de olhos azuis com uma escura paisagem de castelos ao fundo.

Sobre a poltrona estava sentada uma bonita jovem de cabelo castanho, usando camiseta do “Pink Floyd”, jeans e botas. Ela abre um sorriso quando seus olhos ganham os do rapaz.

–         Bom dia, Alfredo! – saúda ela.

–         Bom dia, Isabela!

E o jovem senta num dos sofás, segurando uma das mãos da moça. Ele pergunta:

–         Como passou a noite?

–         Bem, apesar de tudo... – suspirou Isabela.

–         São aqueles malditos radicais, não?

Nesse instante Isabela se levantou, colocando as mãos na cabeça.

–         Eu sinto a vibração negativa deles, Alfredo! Dia e noite! Daqui a dois dias haverá um levante, como diz a profecia daqueles imbecis!

–         E nós não conseguiremos resistir... São cinco mil moderados contra cento e quarenta e cinco mil radicais... São Paulo sucumbirá, e depois o mundo...

–         Não seja pessimista!

E os dois se beijaram agradavelmente na boca. Logo depois a porta da casa novamente se abriu, e entrou um rapaz usando camiseta do “Kiss”, jeans e sapatos, com uma gaiola debaixo do braço.

–         Cheguei, pessoal! – exclamou o jovem, mostrando a gaiola, que continha um rato branco. – E trouxe comida!

–         Ótimo, Vitor! – sorriu Isabela, passando a língua sedenta de sangue pelos lábios. – Vamos tomar nosso café da manhã!

–         O café da manhã dos moderados... – murmurou Alfredo.

E todos se aproximaram do pequeno roedor, enquanto suas peles ficavam pálidas e seus caninos aumentavam consideravelmente.

Com o nascer do dia a boate “Bloody Dance”, no coração da cidade, fechava as portas, como sempre. Enquanto as pessoas passavam apressadas pelas calçadas, um jovem todo vestido de preto e com cabelo da mesma cor trancava com um cadeado a entrada do lugar, enquanto uma jovem, também vestindo traje totalmente negro e de curtos cabelos da cor do carvão, sorria ao seu lado.

–         Às nove da noite abrimos de volta! – exclamou o rapaz, caminhando até uma Mercedes negra parada na frente da boate.

–         É isso aí, amor! – riu a sinistra jovem, seguindo o namorado.

E entraram no veículo, alojando-se confortavelmente nos assentos.

–         Não é melhor botar o cinto de segurança, querido? – indagou a moça.

–         E você acha que Basílio da Cunha Coimbra, descendente direto de João Manuel da Cunha Coimbra e por conseqüência do Conde Drácula, precisa de cinto de segurança?

Nisso, dois jovens que passavam perto do veículo ouviram a pergunta de Basílio e começaram a rir. Um deles zombou:

–         Pare de fumar maconha, cara!

E se distanciaram de costas para o casal, enquanto Basílio, enraivecido, deixou por um instante que seus pontiagudos caninos fossem vistos junto com um brilho vermelho nos olhos, mas apenas sua namorada presenciou a transformação.

–         O que está fazendo? – perguntou a jovem, nervosa, enquanto Basílio voltava ao normal. – Quer estragar tudo deixando que descubram quem somos?

–         Você sabe que eu odeio quando caçoam de mim, Natália...

–         Pois daqui a dois dias ninguém mais caçoará de você, amor! Saiba esperar! Mudando de assunto, para onde vamos? Dar umas sugadas no necrotério?

–         Não, querida! Eu achei que por estarmos tão perto de uma ocasião importante como nosso levante, poderíamos quebrar um pouco a rotina...

–         Você quer agitar um pouco?

–         É isso aí!

–         Contanto que não sejamos descobertos... Você se lembra o que aconteceu quando começamos a matar mendigos há um ano... Mas vamos lá!

–         É assim que se fala, Natália! Quer ouvir “Ozzy” ou “Korn”?

–         “Ozzy”!

E Basílio, apertando um botão no tocador de CD’s do carro, fez com que um pesado rock tomasse o ambiente.

–         O dia é nosso, amor! Vamos lá!

A Mercedes partiu velozmente pelas ruas de São Paulo.

Fernando parou o carro na frente da “Mercearia Cordeiro”, que ficava no caminho para a faculdade e onde ele sempre comprava mimos para a namorada. O jovem ligou o alarme do veículo e entrou na loja, onde, como sempre, o velho Cordeiro ouvia música sertaneja em seu radinho, como se o tempo não passasse para ele...

–         Matando as saudades do interior, senhor Cordeiro? – perguntou Fernando num sorriso.

Nesse momento o idoso mergulhou de volta no mundo real e perguntou ao universitário:

–         O que deseja, Nando?

–         Bombons para a Luíza, como sempre!

–         Estão no lugar de sempre! Pode pegar!

–         Obrigado!

O jovem caminhou para trás de uma prateleira e começou a escolher que sabores levar para a namorada, quando a porta da mercearia se abriu novamente. Fernando ouviu passos que pararam na frente do balcão de Cordeiro, e ouviu quando uma voz masculina perguntou:

–         Você tem sangue?

–         Sangue? – estranhou Cordeiro. – Eu não!

Nesse momento Fernando olhou por cima da prateleira e viu um casal todo vestido de preto de frente para o velho, com aparência horripilante.

–         Mas é claro que você tem sangue, seu idiota! – berrou o estranho rapaz.

E agarrou Cordeiro pelo pescoço, apertando-o dolorosamente. O idoso foi erguido pelo agressor dessa maneira, enquanto tossia e tentava gritar por socorro. Fernando foi tomado pelo medo. Paralisado pela cena, não conseguia fazer nada.

Cordeiro aos poucos foi perdendo as forças, seus olhos foram se fechando, a vida deixando seu corpo. Após ver que o velho já estava morto, o assassino de preto deitou o idoso num dos ombros e disse para a jovem:

–         Vamos! Ele será nosso almoço!

E o casal deixou a mercearia, rindo como nunca.

Fernando não conseguia se mexer. Acabara de testemunhar um assassinato mesquinho e covarde, e nem tivera coragem de deter os criminosos! Eles poderiam estar armados, mas Fernando tinha que ter feito algo pelo pobre senhor Cordeiro. Afinal ele comprava ali quase todos os dias! E quem seria aquele patife que parecia ter saído do filme do “Van Helsing”? Devia ter força descomunal para ter matado o pobre comerciante com apenas uma mão. Ele tinha que ser punido!

O estudante nem levou os bombons. Saiu da loja chocado, sentou-se na calçada ao lado de seu carro e começou a chorar, enquanto uma Mercedes preta virava rapidamente na esquina.

Luíza saíra de casa tão rápido que até esquecera de se despedir da mãe. Agora ela caminhava rapidamente até o ponto de ônibus, quando, passando em frente à Mercearia Cordeiro, viu algo que chamou sua atenção:

–         Nando!

Ela correu até o namorado, que ainda chorava amargamente sentado na calçada. Acariciando o cabelo de Fernando, a bela jovem perguntou:

–         O que foi, querido? Por que você está chorando?

O estudante fitou os belos e reconfortantes olhos azuis de Luíza, e teve forças emocionais para responder:

–         Mataram o senhor Cordeiro, Luíza!

–         Quê? – espantou-se a moça.

–         É isso mesmo! Um casal estranho pra burro entrou na mercearia enquanto eu comprava bombons para você e o cara agarrou o Cordeiro pelo pescoço, estrangulando-o com uma mão só! Eles nem me viram...

–         Deus! Você tem certeza?

–         Tenho, Luíza! Tenho!

–         E não fez nada para detê-los?

–         Como? Eu estava paralisado! Além disso, se o sujeito matou o coitado com uma mão só, imagine o que ele não faria comigo!

–         Bem, isso é verdade... O corpo está aí dentro?

–         Não, eles levaram embora.

–         Esta cidade está virando um inferno!

–         Ela já é, Luíza!

Fernando se levantou e caminhou até o carro.

–         Vou procurar meu pai no posto da PM! Você vem junto?

–         Sim, vou!

E entraram no carro de Fernando. Enquanto o rapaz dava partida no veículo, disse:

–         O que mais me intriga é como ele conseguiu matá-lo com uma só mão apertando seu pescoço! O cara nem era forte!

–         Como eles eram?

–         Pareciam ter saído de um filme de terror, usavam roupa preta do pescoço aos pés!

–         Talvez sejam mauricinhos metidos com seitas malignas. Já vi muito disso.

Luíza adorava romances policiais, e por isso tinha um faro investigador aprimorado. Isso, porém, às vezes incomodava quem estava à sua volta.

E Fernando pisou no acelerador, seguindo velozmente na direção do posto da Polícia Militar onde seu pai operava.

No “Clube de Amantes de Música Clássica”, Isabela, Alfredo e Vitor limpavam os lábios sujos de sangue, enquanto a primeira jogava o rato morto dentro de um cesto de lixo, dizendo:

–         Foi bom enquanto durou!

–         Concordo! – exclamou Alfredo.

–         Idem! – concluiu Vitor.

Nesse instante a porta da casa se abriu, e entrou um rapaz de cabelos loiros, camiseta vermelha do Che Guevara, calça preta e tênis. Ele exclamou, olhando para os amigos sentados na sala:

–         Vocês deviam estar envergonhados! Os radicais planejando uma rebelião e vocês aí, chupando sangue de ratos! É por isso que nós moderados somos considerados covardes!

Os três vampiros, vencidos pela verdade, se transformaram em morcegos, ficando pendurados no lustre do cômodo. É um fato conhecido que os vampiros sempre fazem isso quando estão envergonhados.

–         Parem já com isso! – gritou o nervoso rapaz de camiseta vermelha. – Desçam daí, já!

Os três voltaram à forma anterior, novamente sentando nos sofás e poltrona. Alfredo indagou:

–         E quem disse que nós não estamos fazendo nada?

–         E não estão mesmo! – berrou o jovem recém-chegado. – Se vocês ficarem parados, nunca conseguirão impedir que os descendentes de Drácula dominem o planeta!

–         Ora, e quem se importa com os humanos, Jorge? – riu Vitor. – Se os radicais os destruírem, não haverá mais perseguição ou risco de guerra!

Nesse momento Jorge apontou para o quadro da bela mulher loira perto da porta, dizendo:

–         Ela se importava com humanos! Mara Juklinsky, de quem descendemos, se importava, e muito! Ela foi uma vítima do maldito Drácula e viu toda sua família sucumbir perante a maldição! Seus pais, irmãos... Todos viraram vampiros! De princesa passou a ser chamada de bruxa, e foi queimada injustamente na fogueira! Nem todo o sangue da Romênia seria suficiente para reparar essa tragédia!

Os outros três vampiros olhavam para Jorge e o quadro de Mara com uma expressão diferente no rosto, com idéias diferentes.

–         Se vocês não se importam, e nem ligam se bilhões de pessoas, começando por esta cidade, passarão pelo mesmo que Mara passou nas mãos do Drácula, o problema é de vocês! Podem ficar aí, sugando sangue de animais o dia inteiro enquanto ouvem Chopin nessa maldita vitrola! Mas eu vou fazer algo para deter aquele maldito Basílio!

E Jorge saiu furioso da casa, batendo fortemente a porta.

–         Espere! – gritou Isabela.

–         Deixe-o ir! – riu Vitor. – Alguém quer ouvir uns discos na vitrola?

–         Quê? – espantou-se Henrique Souza, pai de Fernando. – Mataram o Cordeiro?

–         Sim, pai! – respondeu Fernando, aflito. – E foi muito estranho! Eu vi tudo! O cara o enforcou com uma só mão e depois levou o corpo embora, junto com uma mulher tão estranha quanto ele!

–         Você tem certeza?

–         Tenho, pai!

–         Você também viu isso, Luíza?

–         Não, senhor Souza – respondeu a bela jovem. – Quando eu cheguei o Fernando estava sentado na calçada chorando aflito.

–         OK, fiquem calmos. Nós estamos meio atarefados aqui com dois informantes do PCC que foram pegos em São Miguel Paulista, mas daqui a pouco vamos tentar cuidar disso. Esse casal estava de carro, filho?

–         Eu não percebi, mas como desapareceram logo de perto da mercearia, provavelmente estavam!

–         Vou ver o que posso fazer. Agora vá para casa com Luíza descansar um pouco. Não faz mal que você falte um dia da faculdade!

–         Certo.

E Henrique desapareceu por uma porta, enquanto Fernando e Luíza deixavam o posto da PM.

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Trecho do “Livro de Profecias dos Vampiros”, escrito pelo Conde Drácula:

Um descendente meu, que viverá na corte da terra que os mouros saquearam na Europa, seguirá para nova terra, onde terá seu martírio nas mãos dos homens. Mas seu coração continuará pulsante, por em suas veias correr meu sangue, e será mantido na cidade fundada por um religioso que escreveu um poema à Virgem na areia, para quatrocentos anos depois ali ter início um levante que colocará nossa raça no poder.

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Continua... 


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