Fire & Desires escrita por Pear Phone


Capítulo 5
Morning


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo se chama apenas "morning". Não é falta de criatividade, e sim porque ele descreve, sobretudo, uma simples manhã.



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E eu não sei por quê, mas depois de prestar a devida atenção nas palavras de Carly, passei a entendê-la. Eu nunca tinha sentido algo muito forte por alguém, não como senti por ele, e acho que o Universo via a Carly como uma maneira de dizer isso à minha mente — Universo, você me paga por me fazer passar horas pensando em amor quando eu deveria estar dormindo!

Mais uma hora intranquila por causa daquele... pianista. E, frequentemente, eu esquecia o que estava fazendo para pensar ainda mais em tudo que ele me disse mais cedo. Todo o meu cochilo da tarde foi prejudicado por esses pensamentos errados, e, mais uma vez, me vi sendo uma Samantha Joy Puckett diferente da que eu costumava ser. Seria isso bom ou ruim? Finalmente demonstraria sentimentos por alguém depois de toda a dor e revolta que nutri após o incêndio? O meu medo era que isso me machucasse ainda mais; mais do que naquele maldito dia.

Tudo que eu fiz foi parar de encarar o teto, me cobrir e fechar os meus olhos. Eu não iria pensar no futuro e muito menos no meu angustiante passado, porque isso me faria chorar e prometi não fazer isso mais uma vez... Não naquele momento.

E talvez não mais.

[...]

Levantei e me arrumei rapidamente, mais rápido do que a minha inútil "companheira de quarto", melhor dizendo. Enquanto eu me apressava loucamente e me preocupava com o teste que teria pela frente, Carly roncava, e isso começou a me tirar do sério. Eu estava mudando parte do meu ser e não via a contribuição da única pessoa que havia me motivado a fazer isso.

— Vamos, agora é a sua vez de acordar, Carlotta!

Eu a remexi e logo a vi cedendo aos meus gritos histéricos.

— Como assim? Onde estamos? É o fim dos tempos?

— Fim dos tempos? Talvez seja se não sair logo daí.

— Argh, Sam, não quero ir pra aula hoje — ela resmungou.

— Está tudo bem com você? Parece que trocamos de corpos!

— Estou me sentindo mal e quero dormir, por enquanto.

— Tudo bem... Eu entendo — disse e desisti, por fim. O que estava acontecendo?

Ignorei as possíveis razões para aquele desânimo e saí do apartamento. Desci escada por escada para me atrasar mais, depois de perceber que ainda era meio cedo.

Não queria cruzar com aquela enfermeira e precisava chegar um pouco mais tarde, então desacelerei meus passos. Os funcionários tinham o hábito de chegar mais cedo à Ridgeway para uma reunião antes do início de suas atividades, e entre eles estavam os professores, que eram mais um dos motivos para que eu odiasse chegar no mesmo horário. Eu não queria ser uma nerd ou chamar a atenção de alguém daquela escola, tudo que queria era marcar as respostas certas daquele maldito teste e sair andando para o infinito — não exatamente para o infinito.

As ruas foram ficando pra trás e a aproximação da escola chegava a me assustar um pouco. Talvez eu não soubesse como agir sem a presença de Carly novamente, ela costumava estar sempre ao meu lado e era uma das minhas principais companhias, além de sempre mostrar-se compreensiva a todos os meus problemas "ocultos". É, ela me entendia sem que muitas palavras fossem precisas, e isso era uma virtude da morena: ela nunca agiu como um egoísta agiria.

Depois de me acostumar tanto com ela, sentia a falta de uma amiga por perto.

Nunca pensei que me veria dessa forma.

Olhei para o lado e vi mais um fluxo de pessoas que pareciam estar indo no mesmo caminho que eu, com o mesmo destino. Eram todos daquela "galera popular" idiota... Eu odiava a maneira como eles demonstravam ser superiores aos outros estudantes. É, eu sentia por todos os julgados de mal comportados, malucos ou problemáticos, como eu... Aquelas pessoas com uma condição melhor e roupas da moda sempre saiam por cima. Os "populares riquinhos", como segundo termo, sempre conseguiam se aproveitar da maioria, mas não de mim.

[...]

E lá estava eu, sorrindo como nunca havia sorrido antes. E por quê? Porque pela primeira vez em toda a minha vida tinha conseguido marcar todas as respostas de um teste. Se eu conseguisse provar praqueles professores que poderia tirar uma boa nota, o Universo já acertaria algumas contas comigo. Pelo menos uma vez em toda a minha vida seria vista como a garota problemática que consegue fazer um mísero teste numa terça-feira turbulenta... Eu, quase sempre, exagerava nas minhas emoções. Quando me sentia bem, me sentia bem pra valer, e estava sentindo algo como isso quando, antes do sinal bater, já tinha terminado de assinalar as questões sem dificuldade. E o que me restava? Comer, claro! A fome vem junto com todos os sentimentos e, com certeza, nesse não passava em branco.

E o intervalo estava como todos os outros, com exceção da Carly. Eram várias mesas distribuídas por todos os cantos e pessoas tagarelando sem parar ou apenas observando quem passava e cochichando coisas, provavelmente, desagradáveis. Mas eu nunca me importei com aquilo ou observei nenhum daqueles olhares que fixavam-se sobre mim. Por que estavam me olhando desse jeito tão estranho?

— O que foi? — perguntei alto, chamando a atenção de algumas pessoas. — Nunca me viram antes?

— Você está... diferente. — Um garoto qualquer ousou dizer.

Eu apenas ignorei. Será que sorrir era tão anormal assim? As pessoas estavam percebendo alguma coisa diferente? Achei que não fosse tão importante pra eles.

E, ainda estranhando o fato, decidi que iria sair mais cedo para não assistir o resto das entediantes aulas. Já tinha queimado os meus miolos estudando com Freddie no dia anterior e não iria gastar mais o meu tempo preocupando-me tanto com assuntos fúteis de geometria. Me preparei para mais uma de minhas fugas e quando o sinal bateu, me perdi na multidão para não atrair a atenção de mais alguém. Depois, como em todas as vezes, andei até o portão dos fundos que estava sempre trancado.

Poucas pessoas passavam o intervalo ali ou ao menos conheciam aquele lugar. Esse era mais um dos motivos para eu apelidá-lo de "ponto de partida". Um bom nome com uma devida razão, óbvio.

Assim que arrumava uma pilha de coisas para subir naquele muro empoeirado, ouvi passos se aproximarem e fechei os olhos desejando que não estivesse encrencada. Mas, se fosse um dos zeladores ou até mesmo o diretor, isso não passaria como desacontecido de maneira alguma. Tentei esperar para ouvir a voz do mesmo, mas nada aconteceu. Eu temi ainda mais e demorei até tomar coragem para me virar e encarar as consequências que viriam em seguida.

— Eu juro que... — iria dizer, mas logo me dei conta de quem estava me encarando.

Aquelas sobrancelhas arqueadas... Freddie!

— Ah, pianista, o que está fazendo aqui? — Suspirei.

— Imaginei que iria gostar de me agradecer pela ajuda de ontem — tentou dizer de uma vez, andando em minha direção. — Quero dizer, quando te ajudei a estudar para esse tal teste.

— Muito obrigada, agora já pode ir embora. — Me virei e voltei a centrar minhas atenções naquele muro.

— Você não é a dona desse lugar!

— Mas posso muito bem gritar e dizer que um estrando está me assediando. Quer ver só?

— Não, fica quieta, eu vou sair...

— Ótimo.

— Com uma condição.

— Argh!

— Que você me agradeça direito.

Desde quando ele estava tão... provocante assim?

— E como pretende ser agradecido? — Me virei novamente e voltei a fitá-lo por inteiro.

Silêncio.

— Vem aqui. — Ele me abraçou.

Por que ele me abraçou? Droga!

— Por que está fazendo isso?

— Parece que você não entende mesmo por que as pessoas se abraçam, não é?

— Eu só não entendi o motivo.

— O motivo é que eu gosto de te abraçar, só isso. — Samantha, controle-se...

E o nosso diálogo prosseguiu enquanto estávamos abraçados.

— Freddie...

— O que foi, Sam?

— Acho que não vai ser legal se nos verem... você sabe... desse jeito.

— Ah, claro.

Ele se separou de mim e já ia sair andando, mas eu o puxei de volta.

— E, sabe de outra coisa?

— O que é?

— Não vá embora.

É, eu estava pedindo para que ele ficasse. Acho que, pelo menos, teria uma companhia pelo resto da minha "aventura".

[...]

Estávamos andando um pouco devagar, até que finalmente chegamos. Eu pensava que ele não iria aceitar ir comigo pra "sabe Deus aonde", mas ele gostava de se aventurar tanto quanto eu.

E para onde estávamos indo? Bem, estávamos indo para uma cafeteria bem embaixo de um dos viadutos mais movimentados da cidade. Bom, isso em partes era incrível, mas não era só por causa do café que gostava de ir até lá. Não era muito movimentado — lá embaixo — e nunca gostei de muita gente, então ficava por horas decidindo a minha vida e só depois voltava à realidade.

Tudo começou quando Grace me botou de castigo e eu tive que arrumar um jeito de sair da escola e aproveitar melhor o meu dia, nas minhas épocas de depressão. Eu saía andando pela cidade e cheguei até essa cafeteria que me parecia mais atraente que todas as outras cafeterias dali. Na verdade, ela era humilde e situada num dos lugares menos visitados, portanto me pareceu uma ótima ideia.

— No que está pensando, hein? Aliás, o que é isso?

— Isso acima da sua cabeça é um viaduto — ironizei — e isso aqui na sua frente... é uma cafeteria, oras!

— E por que viemos tão longe pra ficar em uma cafeteria?

— Gosto daqui e estou com fome. Trouxe dinheiro?

— Sim, por... — eu o interrompi.

— Você paga.

— Argh, isso é só porque gosto de te tratar bem.

Eu acho que corei um pouco. Mas que droga!

— Desde os tempos mais remotos os cavalheiros pagam os capuccinos das damas, não desfaça isso! Como um pianista, você deveria agir assim.

— O fato de eu tocar implica no fato de eu ter que pagar o seu café expresso?

— Exatamente, Fredward.

Assim que entramos no estabelecimento percebi que havia mudado muito. Agora estava bem decorado e tinha até um palco destinado à música ao vivo e...

— Aquilo ali é o que eu estou vendo? — ouvi o pianista dizer.

— Sim, é um piano.

— Não é só um piano... Ele é...

— Um piano?

— Você não entende!

Ele me deu o dinheiro que eu gastei instantaneamente enquanto admirava o instrumento que, até mesmo para mim, era muito lindo. Mas ninguém o tocava... E por quê?

— Será que posso tocá-lo? — ele perguntou a mim.

— Não sou a dona daqui.

Logo ele pediu permissão ao gerente e tratou de arranjar uma forma de "tocar" aquele piano, literalmente. Até pensaram em contratá-lo depois do que ouviram... Mas eu admito que não gostava nem um pouco de vê-lo tocando para alguém além de mim. É, eu sei que mal tinha esse direito, mas acho que era quase impossível não me sentir assim.

Alguns minutos se passaram e eu estava sentada em uma das mesas o aguardando, então ele logo se aproximou e arqueou aquelas sobrancelhas novamente.

— Gostou do que ouviu?

— Tanto quanto elas — disse apontando para as "garotas" que estavam o ouvindo também.

— De qualquer forma, estava tocando pra você e não pra elas.

Reprimi um suspiro de alívio.

— E não vai beber o seu capuccino? Eu posso te ajudar.

— Eu deixo você beber um pouco. — Ele sorriu.

Meus pensamentos foram interrompidos pelo maldito barulho que ecoava do meu celular. Quem seria numa hora dessas?

Estava tudo bem até eu decidir ler a mensagem.


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Notas finais do capítulo

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