Caçada escrita por Gabi Gomes


Capítulo 39
A Batalha no Mar


Notas iniciais do capítulo

Hey, tigers!
Voltei para postar mais um capítulo de Caçada.
Ia postar no domingo, mas não consegui me aguentar!
Quero agradecer a todos que favoritaram e deixaram comentários fantásticos! Obrigada



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O céu estava cinza como chumbo quando finalmente chegamos a Vijayawada. Meu corpo estava tenso e dolorido, mas a viagem passara tão rápido quanto um piscar de olhos.

A cidade em nossa frente era enorme, margeando um rio tão grande que parecia o mar ao horizonte. Havíamos atravessado uma comprida ponte até finalmente os prédio e casas começarem a aparecer atrás da névoa esbranquiçada.

Todos os pelos de meu corpo se arrepiaram quando uma placa informou que havíamos atravessado a metade da ponte de metal, e eu me encolhi no bando, sem entender aquele mal presságio que corria por minha mente.

− Você não tem um bom histórico com água, não é mesmo? – A voz de Kishan me tirou do torpor, e rapidamente foquei meus olhos nos dele pelo retrovisor do carro.

Kishan havia voltado para sua forma humana depois da primeira parada que fizemos em um pequeno posto na estrada. Ele entrou comigo na loja de conveniência com os dedos entrelaçados aos meus, e parecia me expor como um troféu só seu.

Ri baixinho ao perceber que ele não queria outro homem me paquerando como na viagem anterior.

O tigre branco permaneceu adormecido pelas horas que se seguiram, e suspirei aliviada por saber que ele finalmente conseguira descansar depois da noite perturbada.

− Minha única experiência com afogamento foi o bastante por uma vida inteira – respondi a Kishan, que olhava para mim com um ar brincalhão, e seus olhos guardavam o segredo que só dois sabíamos sobre aquela visita ao Phet.

Coloquei minha mão para trás entre o buraco dos bancos da frente, e senti os dedos firmes de Kishan tocando os meus, passando a confiança que eu precisava naquele momento.

Uma chuva forte começou a cair das nuvens negras no momento em que saímos da ponte, e o barulho de trovões acordaram o tigre branco. Observei o animal se espreguiçar no banco e olhar para mim no momento em que um raio cortou o céu.

O barulho da água contra o vidro do carro era assustador, e parecia que os deuses nos observavam.

Kadam estava muito silencioso desde a primeira parada, horas atrás, e agora eu via suas mãos apertando o volante do Jeep com mais força enquanto o carro atravessava o lençol de água em nossa frente.

− O que houve, senhor Kadam? – perguntei, e o silencio se instaurou no carro por alguns minutos antes que o velho homem suspirasse pesadamente.

− Vocês contaram que criaturas mitológicas atacaram no templo do fogo – ele disse, fazendo-me lembrar das fênix vermelhas flamejantes de voavam graciosas pelo templo de Durga. – Tenho medo do que vocês irão enfrentar nesse desafio.

− Os monstros da água são ardilosos e perigosos como o mar sereno. – A voz de Ren fez com que eu pulasse no banco, chutando a mochila que descansava aos meus pés.

Virei a cabeça apenas para encontrar o príncipe de olhos azuis ao lado do irmão, passando as mãos pelos cabelos escuros que começavam a cair sobre as pálpebras. O tempo turbulento que nos cobria combinava muito bem com o cobalto que brilhava para mim, e mais uma vez um arrepio correu meu corpo.

− Mamãe costumava falar isso – disse Kishan, olhando para o irmão com rugas na testa. – Ela sempre contava histórias de monstros da mitologia chinesa.

− Todas as culturas têm pelo menos um monstro marinho, e todos eles são extremamente perigosos e fortes – ponderou Kadam, martelando o volante com os dedos antes de olhar para mim com aqueles olhos cheios de significados. – Mas tenho mais medo de outra coisa que nos intimida.

As palavras de Kadam rondaram minha mente, e uma lembrança das palavras de Matt sobre o incêndio no Benzini Brothers voltou como uma facada, fazendo-me ficar agitada.

− Lokesh – murmurei, e senti a mãos de Kishan apertar meus dedos com mais força. – O senhor soube que ele estava por trás do incêndio, não é?

“Vai parecer loucura, mas as chamas pareciam me perseguir...”

− Tudo pareceu muito estranho pelas notícias, os bombeiros não tinham explicação, o fogo se apagou tão misteriosamente quanto começou – Kadam disse, e seu corpo se tencionou. – Depois que vi sua reação quando conversou com Matthew, eu soube que tinha algo errado.

− Ele disse que o fogo parecia buscar por ele, e que as chamas mudavam de cor. – Busquei em minha mente a conversa que tive com Matt.

− Você acha que a alucinação que tive foi provocado por Lokesh? – Ren perguntou, e ele parecia o mais atento da conversa, captando cada vírgula de nossas frases.

− Como ele pode fazer coisas assim? – perguntou Kishan nervoso, soltando minha mão para esfregando o rosto.

− Acho que tanto o circo quanto o incidente de ontem a noite são parte do desejo de Lokesh em desestabilizar a todos nós – Kadam disse, fazendo com que o clima dentro do carro se tornasse tão pesado que parecia difícil de respirar. – Quero que me prometam tomar cuidado em dobro, Lokesh é poderoso, mais do que eu já vi qualquer um ser.

Ninguém respondeu, mas dentro de mim, meu peito se tornou mais rígido, e soube que eu faria minha promessa aos tigres valer, não importa o que Lokesh tentasse contra nós.

A cidade possuía várias lojas de peixes e produtos de pesca. Gaivotas voavam perto do porto, mas tudo ali parecia desértico. As pessoas pareciam saber que aquele não era o momento para sair, e tempestade castigava as árvores e roupas penduras nas janelas.

A modernidade da cidade deu lugar a casas simples de madeiras quando Kadam virou o Jeep em direção ao penhasco. A estrada de terra estava molhada e o carro ia muito devagar; ao meu lado, a água turgida do rio batia contra as pedras, e a sensação era que eu poderia despencar a qualquer momento.

Quando pensei que nunca chegaríamos ao templo, uma enorme estátua me saudou de forma agressiva. Na parte mais alta do desfiladeiro, estava um pequeno agrupamento de pedras antigas, formando uma gruta muito menor do que era o templo de fogo.

Uma escadaria levava até a entrada, onde uma enorme estátua de Durga nos observava, sentada em cima do teto do templo. Ela era pintada toda de branco, e o que se destaca eram os olhos vermelhos.

Em uma das mãos ela segurava uma enorme tridente, e olhando de um certo ângulo, parecia que a deusa emergia da água do rio em suas costas. Toda aquela imagem fez com que um ofego saísse de meus lábios, e eu joguei minha mão para trás mais uma vez.

Dessa vez, duas mãos seguravam meus dedos, e não precisei olhar para trás para saber que Ren e Kishan me passavam forças.

Entre os degraus que lavavam até o templo, havia várias estátuas menores douradas, tanto com animais, quanto com divindades. O que mais chamou a atenção foi uma enorme vaca virada de costas para quem entrava, mas depois de uma longa observação, percebi que o animal tinha cauda de peixe.

O Jeep parou na entrada das escadarias, e foi com muita dificuldade que consegui sair do carro com um pulo. Agachei-me e toquei o local onde as lâminas se encontravam, apenas para que uma onda de segurança me invadisse.

Os irmãos já vasculhavam entre as mochilas do bagageiro por suas armas, e meus olhos se familiarizaram facilmente com a lâmina preta e curvada de Kishan, enquanto Ren se equipava com duas armas que mais pareciam foices, feitas de um metal curioso que lembrava o vidro por sua transparência.

Não lembrava de ver nada parecido na sala de treinamento.

Uma sensação estranha correu meu corpo, fazendo-me virar para o penhasco como se alguém me observasse. Naquela altura, a chuva já havia encharcado nossas roupas, e o vento gelado me fazia tremer. Conseguia ouvir a água batendo com força, e o som me lembrava a risada de alguém.

Rapidamente voltei-me para Kadam, o qual parecia passar instruções para os irmãos. Kishan ouvia tudo com atenção, e seu corpo parecia pronto para a luta; a camisa preta colocava em seu abdômen, enquanto o cabelo estava baixo e colado contra a testa. Seus olhos dourados a pareciam se destacar naquela imensidão negra.

Ren parecia alerta com tudo o que acontecia a nossa volta, passando as mãos várias vezes pelos cabelos que agora chegavam até os olhos. A camisa branca estava quase se tornando transparente, e agora seu corpo parecia muito mais saudável do que quando o resgatamos de Lokesh.

Seu corpo esguio já começava a ser modelado por músculos firmes, dando-lhe uma postura de guerreiro como o irmão.

− Kadam, o senhor não pode esperar aqui em cima por nós – disse de forma perturbada, segurando o braço do velho homem enquanto meus olhos voltavam para o penhasco.

− O que houve, bilauta? – perguntou Kishan, tocando minha bochecha com carinho, enquanto Ren olhava para o local que me perturbava.

− Eu não sei. – Esfreguei os braços com as mãos impaciente. – Estou com essa sensação ruim desde que chegamos aqui, e algo me diz que não é seguro Kadam ficar aqui sozinho enquanto entramos no templo.

Para completar minha ideia, um longo trovão reverberou pelo céu, parecendo muito furioso comigo. O céu escuro foi iluminado por um raio, e eu olhei para as nuvens, com a esperança de ver o Sol.

− Talvez Mia tenha razão – disse Ren, e por alguns segundos me permiti sorrir para o príncipe. – E se a chuva continuar com essa intensidade, o Jeep nunca passará pela estrada de terra.

Kadam ponderou por alguns minutos, antes de soltar um suspiro derrotado e me puxar para um de seus abraços acolhedores. Afundei meu rosto no peito do homem e inspirei seu cheiro de nós moscada.

− Mantenha-se segura, senhorita Mia – ele sussurrou perto de meu ouvido antes de me soltar e ir em direção aos tigres, abraçando-os de forma paternal.

Olhei uma última vez para o Jeep, que já desaparecia ao horizonte, descendo a estrada de forma lenta.

− Pronta? – perguntou Kishan, estendendo o braço para mim, e sem esperar muito, entrelacei nossos dedos.

− Nem um pouco – respondi com um pequeno sorriso no rosto, subindo o primeiro degrau, não antes de segurar a mão de Ren, que sorriu um tanto surpreso.

Velas queimavam próximas a entrada do templo, e flores de lótus estavam espalhadas em todos os lugares, até mesmo nos vincos de pedra da parede, fazendo com que o cheiro nos inebriasse por alguns segundos.

Ladeando as portas estavam duas estátuas do que pareciam guerreiros empunhando tridentes. Sua aparência era uma mistura de homem com peixe, e eu observei as escamas desenhadas em suas pernas uma última vez antes de entrar no templo.

Um aroma salgado me invadiu, e o barulho de água correndo vinha de uma pequena fonte no lado oposto ao nosso. Percebi algumas moedas das mais diversas partes do mundo jogadas na água da fonte como forma de oferenda

As pinturas na parede contavam uma história diferente da do templo do fogo, e eu podia ver dois deuses lutando enquanto uma mulher observava de uma praia. Tudo ali era sereno e acolhedor, diferente do ambiente chuvoso que enfrentamos.

O frio já não me incomodava, e nenhum barulho de água caindo era ouvido dentre daquele templo.

Escadas enfeitadas com conchas e corais levavam até o altar, onde uma estátua de bronze nos encarava com um olhar calmo. A versão da deusa Durga no templo de água era mais feminina e menos guerreira, mas em nenhum momento a voracidade em seus olhos deixava de nos encarar.

Caminhei lentamente até o meio do grande pátio feito de um piso que brilhava, e olhei para os lados, confusa por nada ter acontecido até aquele momento.

− Acham que temos que dizer alguma palavra mágica? – questionei olhando para os príncipes que encaravam os desenhos nas paredes. Aproveitei a oportunidade para retirar as adagas negras de meus coturnos.

− Fique alerta, priya – murmurou Ren, olhando diretamente para a estátua de Durga. – A água é um elemento traiçoeiro.

Uma risada musical tomou conta do templo, e o familiar som de sinos badalando me fizeram olhar para todos os lados, sem nunca encontrar nada. O som de água cessou, e a fonte parara de funcionar, como se houvesse congelado.

Meus olhos ainda estavam presos na intrigante fonte com água parada, que não percebi quando o chão sobre meus pés começou a se modificar.

− Mia! – gritou Kishan, correndo em minha direção no momento em que o piso brilhante se transformou em água clara e límpida.

Uma pequena ilha tinha se formado sob os príncipes, enquanto todo o templo dera lugar ao um oceano infinito, o qual eu estava prestes a cair. Um grito se prendeu em minha garganta quando o ar revoltou meus cabelos, mas no momento em que eu fechava os olhos, senti uma mão segurando meu braço esticado.

− Segure-se, bilauta – disse Kishan com a voz ofegante devido ao esforço de me segurar. A estranha ilha era alta e acinzentada, do tamanho de um pequeno barco pesqueiro. Coloquei os pés sobre as laterais que pareciam pedra e deixei que Kishan me içasse para cima até meu corpo parar em seus braços.

− O que aconteceu? – Minha voz saiu como um sussurro, e minhas pernas ainda tremiam.

− O templo sumiu – disse Ren, vindo em nossa direção enquanto olhava ao redor, mas tudo o que tinha ali era um horizonte infinito de água azul.

Olhei para o chão em meus pés e percebi que aquilo parecia mais com um enorme rochedo flutuante do que uma ilha, e rapidamente toquei os braços de Kishan, que estava próximo de mim.

− Onde estamos? – questionei, sentindo todos os músculos de meu corpo se tencionarem a medida em que continuávamos flutuando sobre a estranha rocha.

− Essa é uma boa pergunta – Kishan disse, girando a espada na mão de forma impaciente. – O que é isso? Uma prova de sobrevivência no mar?

Tudo estava calmo e estranhamente passivo. Continuávamos perdidos no oceano enquanto um Sol morno nos cobria como uma tarde na praia. Foi naquele momento que uma estranha música encheu meus ouvidos, muito baixa mas muito bonita.

A melodia era muito parecida com uma ópera, mas à medida que ficava mais alta, percebi que vozes femininas cantavam uma música pirata, em que a letra era triste.

Olhei em volta quando mais vozes começaram a surgir, deixando a melodia intensa, a qual fez meus pelos do braço se arrepiarem. Não havia nada em minha frente, só o oceano vazio, até o momento em que olhei para os dois príncipes.

− Kishan? – chamei, mas o som de minha voz foi abafada pelo canto cada vez mais alto e impertinente.

O príncipe com olhos de pirata havia largado a espada, e agora olhava fixo para um ponto atrás de mim, enquanto acompanhava a música em híndi. Seus olhos estavam fundos e perdidos no horizonte, sem brilho.

Assustada, olhei para Ren, mas o príncipe de olhos cobalto não estava em uma situação melhor, tão hipnotizado quando o irmão.

“ O Rei despertou a Rainha do mar...”

Naquele momento percebi que a cantiga pirata recomeçara, e agora era sedutora ao invés de melancólica. Girei sobre os calcanhares no momento em que os dois tigres começaram a dar passos desajeitados, e meus olhos se arregalaram com a visão em minha frente.

Apoiadas nas bordas da enorme rocha flutuante, estavam várias mulheres, as quais cantavam a cantiga enquanto seus olhos queimavam nos homens ao meu lado, como se o chamassem. Suas peles brilhavam molhadas sobre o Sol e por alguns segundos imaginei escamas azuis em seus pescoços. Os cabelos lisos tinham as mais diversas cores, desde castanhos até rosas e verdes.

Elas tinham ornamentos nos cabelos, como conchas e corais, fazendo com que qualquer um se espantasse com a beleza de seus rostos e de suas vozes.

“ Uns morreram outros vivos estão...”

A cantoria continuava, e ao olhar percebi que Ren e Kishan já estavam muito longo de mim, cantando alto junto com as mulheres enquanto continuavam a se aproximarem. As mulheres pareciam animadas, e levantavam o tronco em direção aos príncipes, deixando em vista seus troncos nus, que mais pareciam uma mistura de músculos velhos cobertos por escamas brilhantes.

Meu peito começou a bater mais forte quando cabeças de mais daquelas mulheres saíam da água, unindo-se as outras na cantoria e eu corri até ficar em frente aos dois, abanando as mãos em frente aos seus rostos.

− Acordem! – gritei, tentando fazer com que minhas voz sobrepusesse a cantiga pirata. – O que houve com vocês? Acordem, agora!

Eu tentava impedir que eles prosseguissem a caminhada, e enquanto gritava com Kishan, apoiava minhas mãos no peito de Ren, tentado segurá-lo. Infelizmente, nada deu certo, e as mulheres pareciam mais alegres a cada passo que eles davam.

− Deixem eles em paz! – Minha voz era como um trovão, e eu tentava afugentar as mulheres cantantes, mas sem nenhum sucesso.

Kishan foi o primeiro a chegar até a mulher de cabelos loiros, quase transparentes, e eu tentei acordá-lo, deixando um tapa forte em seu rosto enquanto a cantora de cabelos platinados abria os braços para o príncipe.

Na outra ponta, Ren se agachava perto de uma morena de cabelos coloridos, levando-me ao completo desespero. Elas eram muitas, e pareciam cobiçar os homens, tocando seus braços e rostos enquanto continuavam a cantar.

Passei a mão pelos cabelos e sustei um grito frustrada, sem saber o que fazer. Mas minha raiva chegou ao extremo quando a mulher loura tocou o rosto de Kishan, trazendo-o para muito perto de seus lábios enquanto o puxava para baixo, em direção ao mar.

− É melhor você parar agora, Kishan, ou eu vou cortar mais do que as mãos dela! – gritei, correndo em direção ao príncipe de roupas negras, segurando seu braço no momento em que toda a mulher estava submersa, e puxava meu príncipe para junto dela.

Um grito me sufocou e o medo me dominou quando a bela mulher deu lugar à uma criatura assustadora. A pele brilhante deu lugar a escamas cinza e azuis, e os olhos humanos se transformaram em órbitas negras e fundas. A boca mostrava dentes finos como de um tubarão, e os cabelos deram lugar a estranhas barbatanas flutuantes.

Minha cabeça estava submersa junto com a de Kishan, e meus olhos captaram um movimento abaixo de nós, e minha boca se abriu em espanto quando percebi que a mulher tinha uma longa cauda de peixe onde deveriam haver pernas.

Joguei minha cabeça para trás e respirei fundo quando sai da água, controlando o temor de meus membros. Elas eram sereias. E nem de longe eram aquelas criaturas bondosas que se mostrava em filmes.

Olhei para Ren e vi que quase seu corpo todos estava sendo puxado pelas sereias para dentro d’água, e caso eu não agisse rápido, os dois seriam levados para as profundezes escuras do mar.

− Encontre outro príncipe, pequena seria idiota, esse é meu! – resmunguei ao empunhar as adagas, afundando meu rosto mais uma vez, mas agora, afundando com a lâmina negra no peito nu da sereia que agarrava Kishan.

Mesmo dentro da água, consegui ouvi o grito estridente que a criatura imitiu antes de soltar Kishan. Sem esperar muito, segurei o príncipe pelas roupas pretas molhadas e um puxei para fora até que caíssemos bem longe das mulheres.

Olhei para Kishan, e percebi que seus olhos estavam focados mais uma vez, e ele respirava ofegante, balançando a cabeça antes de se virar para mim e abrir a boca em surpresa.

− O que aconteceu? – ele perguntou, enquanto eu o ajudava a levantar.

− Você só começou a se engraçar com algumas sereias malignas – disse dando de ombros enquanto corria até Ren. – Faça isso de novo e me certificarei de que nunca poderá ter filhos.

Nesse momento, as sereias começaram a cantar novamente, e eu finquei as unhas no braço de Kishan tentando fazê-lo ficar consciente, mas senti que seus músculos começaram a relaxar sobre meu toque.

Não conseguiria lutar sozinha com todas aquelas sereias ao mesmo tempo em que tentava salvar os dois irmãos, então comecei a pensar rapidamente em alguma alternativa enquanto segurava o braço de Kishan.

− Kishan, volte para a forma de tigre! – gritei, dando alguns tapinhas em seu rosto para que ele olhasse em meus olhos. – Volte para a forma de tigre!

Em um piscar de olhos, o tigre negro mais do que familiar tomou o lugar do homem, e eu suspirei aliviada quando percebi que o animal não podia ser influenciado pelas sereias, e me agachei em sua frente rapidamente.

− Vou salvar Ren, enquanto isso preciso que você destrua alguma dessas serias – disse, ouvindo um rugido alto antes de o tigre começar a correr em direção as mulheres que tocavam em Ren com luxuria.

Como fiz com Kishan, agarrei no braço do homem de olhos azuis enquanto mergulhava minha cabeça para acertar o peito da sereia com a lâmina, e o grito dela foi tão alto que fez meus ouvidos chiarem enquanto eu puxava Ren para fora d’água.

Sem dar tempo para que as criaturas começassem a cantar, agarrei o rosto de Ren e o fiz me olhar, enquanto Kishan se divertia atacando as sereias com as garras de tigre.

− Ren, estamos sendo atacados por sereias, e caso você não queira morrer afogado por elas, volte para a forma de tigre! – Afastei meu corpo de Ren apenas para ver o homem dar lugar ao imenso tigre branco, que rugiu alto e lambeu meu braço.

− Não venha com pedidos de desculpa – disse, enquanto corríamos juntos até Kishan. – Vocês dois não suportam um sorriso bonito!

Enquanto atacávamos as sereias, elas se transformaram na versão assustadora que vi em baixo d’água, gritando tão alto que pensei ter meus tímpanos estourados. Algumas se afastavam e sumiam para a escuridão do mar, outras tentavam nos agarrar, jogando o tronco em nossa direção, e nessas horas minhas adagas afundavam na carne, fazendo com que um líquido prateado jorrasse de seus peitos.

Percebi que agora restava uma única sereia, de cabelos vermelhos como fogo, que me encarava com os olhos negros de forma raivosa. Tentei acerta-la algumas vezes, mas ela recuava para mar, antes de me atacar.

Na terceira tentativa, não consegui me defender do golpe de suas unhas em meu braço, abrindo um enorme machucado na carne. Gritei ao sentir o machucado queimar como se meu corpo pegasse fogo.

Joguei meu tronco para trás, e só consegui ver uma mancha branca atacando a sereia de cabelos vermelhos, que gritou uma única vez antes de morrer.

Minha visão se tornou borrada, e eu gritei, contorcendo-me contra o chão como uma louca. Percebi que dois homens se debruçavam contra meu corpo, e senti dedos tocando o local do machucado, fazendo-me gritar ainda mais alto.

− O tecido está apodrecendo. – Ouvi a voz melodiosa de Ren em minha volta, e meu corpo relaxou. Meus lábios tentaram chama-lo, mas foi uma tentativa inútil. – As unhas deviam ter veneno.

− Se não fizermos nada, ela vai perder o braço. – A voz de Kishan estava desesperada, mas eu não conseguia ver seu rosto, e nem mesmo consegui acalmá-lo. – Mia, você precisa ser forte.

Senti mãos tocando algo por dentro de minha camisa, e soube que Kishan retirava o amuleto de Damon do vale de meus seios, colocando-o em minhas mãos antes de apertá-lo contra minha palma com seus dedos fortes.

Uma sensação de quentura invadiu todo o meu corpo, e senti o amuleto de fogo agindo sobre meu braço. Uma dor terrível tomou conta de mim, como se o poder de Damon estivesse reconstruindo todos os músculos danificados pelo veneno da sereia.

− Pare! Pare, agora! – Eu gritava em meio a dor e a sensação horrível de ter o próprio braço sendo refeito. – Kishan, faça parar!

Mãos seguravam meu corpo, impedindo que eu me debatesse, enquanto o fogo continuava a queimar sobre mim, até um simples momento em que tudo parou. Suor escorria por minha testa e pescoço, mas não sentia mais nada em meu braço.

− Mia, você pode me ouvir? – Ren perguntou, e senti seus dedos roçando em minha bochecha.

Abri os olhos e pisquei com a claridade, até que foquei o olhar nos olhos que se debruçavam contra mim, com expressões preocupadas no rosto. Mexi os dedos do braço atacado, apenas para ter certeza que nenhuma dor mais me incomodaria, e me joguei contra Ren e Kishan, puxando-os para um abraço esmagador.

− Nunca mais façam isso, ouviram? – ralhei com eles, sentindo o perfume amadeirado de Kishan se misturar com o de sândalo do irmão. – Aquelas sereias quase mataram vocês.

− Pode deixar, bilauta, nunca mais vou me deixar levar por uma garota que cante – brincou Kishan, que parecia muito mais aliviado por eu não gritar de dor. Revirei os olhos e dei-lhe um soquinho no ombro. – Afinal, Ren foi muito mais sortudo com todas aquelas sereias em volta dele.

Ren riu e eu os encarei com uma expressão desacreditada, mas os dois riam de forma melodiosa um para o outro, e eu apenas balancei a cabeça enquanto me levantava com um pouco de dificuldade.

O silêncio tomou conta dos irmãos quando nossa rocha flutuando bateu em algo com um barulho ensurdecedor, no momento em que olhei para trás, agarrei o braço de Ren e Kishan como uma forma de proteção.

− Hidra! – gritou Ren, envolvendo minha cintura com os braços e afastando-me do mostro que emitia um som parecido com um dragão.

Olhei para Kishan, mas ele corria em direção às armas caídas no chão, perto de onde as cabeças do animal estavam.

Eu sabia o que era uma Hidra, mas elas pareciam muito mais assustadoras ao vivo com suas cabeças que pareciam uma mistura de cobra com dragão. Seu corpanzil era verde e todo escamado, e o animal parecia escalar a rocha sob nossos pés.

− Kishan, cuidado! – gritei quando uma das enormes bocas tentou abocanhar Kishan, que agarrava o cabo de seu lâmina negra com determinação, apontando bem no pescoço do animal.

− Não faça isso! − Mas Ren disse muito tarde aquelas palavras, e a lâmina negra decapitou uma das cinco cabeças do mostro.

Kishan corria em nossa direção com um sorriso vitorioso, mas tanto meus olhos quanto os de Ren estavam voltados para o pescoço decapitado, que se debatia enquanto as outras cabeças gritavam furiosas.

O aperto de Ren se tornou mais intenso em cintura e eu toquei seus braços quando duas novas cabeças surgiram no lugar da que jazia morta perto no animal. Naquele momento, a Hidra já havia conseguido subir completamente na pedra, e suas pernas de anfíbio vinham em nossa direção.

Kishan finalmente olhou para onde o animal estava, e soltou um xingamento ao ver que agora o animal não tinha cinco cabeças, mas sim, seis.

− Quando uma das cabeças da Hidra é cortada, duas nascem no lugar – explicou Ren, soltando-me para pegar suas lâminas transparentes.

− E a lenda diz que as novas cabeças podem soltar fogo – disse, no momento em que as novas Hidras terminavam de se formar, virando as duas cabeças para o céu antes de cuspir fogo azul.

− Alguém deveria ter avisado antes – disse Kishan com um dar de ombros, revirei os olhos para ele que possuía um sorriso insano no rosto enquanto girava a espada na mão, completamente pronto para a batalha.

− Acertem o coração! – gritou Ren, quando pusemo-nos a correr em direção ao animal que expelia fogo.

Rolei para longe de uma cabeça que tentou que morder, e afundei a lâmina negra em uma de seus olhos, vendo-a se debater. Ren e Kishan tentavam sem sucesso acertar o animal e abrir espaço para o peito da Hidra, mas as diversas cabeças atacavam freneticamente.

Corri até Kishan, que lutava com três cabeças ao mesmo tempo, e coloquei as lâminas em forma de escudo no momento em que a mostro iria abocanhar o ombro de Kishan. Minhas costas tocaram a do príncipe, enquanto eu tentava manter a adagas presas em seu dente.

Meus músculos doíam, e eu já não conseguia mais suportar a força do monstro, quando Ren apareceu, cortado a cabeça da Hidra que batalhava comigo. Kishan ainda estava tendo dificuldades com as duas que soltavam fogo, e agarrei o braço dele no momento em que uma chama forte ia nos atacar.

Felizmente eu havia corrido para longo com o príncipe de olhos dourados, e o máximo que o fogo fez foi torar a cabeça que Ren havia cortado.

O príncipe de olhos azuis correu em nossa direção, enquanto assistíamos duas cabeças nascerem, totalizando sete Hidras nada contentes conosco.

− Nunca conseguiremos matá-la, as cabeças protegem o corpo – disse, virando-me para os irmãos que estudavam o animal como se criassem uma tática muito complexa.

A Hidra se aproximou, agora com quatro cabeças expelindo fogo azul. Senti uma mão segurando firme em meu pulso enquanto corríamos em direção ao mostro, e por um segundo achei que iríamos morrer.

Olhei para o lado e percebi que Kishan corria comigo, olhando fixo para a Hidra. Eu quis gritar, ou até mesmo frear nossa corrida para a morte, mas no último instante o animal se virou, atacando outra coisa a nossa esquerda.

Olhei para ver o tigre branco chamando a atenção das cabeças de cobra, enquanto Kishan me puxava para longe da vista do animal.

− Mia, nós vamos distrair a Hidra – disse Kishan, ofegante enquanto segurava meus ombros – Você vai precisar de cautela para chegar até o peito e matá-la.

O plano dos príncipes começou a fazer sentido para mim, mas eu apenas concordei com a cabeça, segurando com mais firmeza as adagas em minhas mãos. Kishan sorriu e beijou meus lábios rapidamente antes de jogar a espada no chão e se transformar em tigre no meio de um salto, indo em direção ao irmão, que arranhava e mordia as cabeças raivosas.

Respirei fundo, e comecei a contornar a lateral do corpo da Hidra com movimentos lentos, torcendo para que nenhum das cabeças me notassem.

Ren e Kishan tentavam ao máximo deixar o monstro entretido, e com muita facilidade eu conseguir chegar até o peito desprotegido do animal. Sentia seu peito subir e descer e o coração pulsante dentro da pele escamada. Levantei os braços segurando apenas uma adaga e baixei o braço com força.

No momento em que a lâmina ia acertar a carne, uma das cabeças percebeu minha presença e me jogou para longe com um baque. Todas as outras se voltaram para mim, sem mais interesse nos tigres e eu prendi a respiração.

Arrastei meu corpo para longe e estiquei o braço para pegar a adaga caída próxima de meu corpo.

Um rugido cortou o céu no momento em que meus dedos se fecharam contra o cabo. Levantei com um pulo e corri em direção as cabeças. Algum dos irmãos gritou meu nome, mas não consegui distinguir as vozes, pois os rugidos do animal me ensurdeciam.

Uma coluna de fogo passou raspando em minhas pernas e senti o tecido se desfazendo com a quentura, mas continuei a correr em direção ao animal. No momento em que uma das bocas iam me atingir, eu joguei meu corpo no chão e agradeci mentalmente por consegui derrapar, desviando das cabeças que tentavam me atacar.

Agachava-me e corria, derrapava e desviava dos ataques, até que eu fiquei mais uma vez de frente com o peito do animal, e sem mais espera, afundei a lâmina onde o coração batia com força, ouvindo um rugido de dor sair das cabeças de dragão.

Quando o animal parou de se debater, o corpo inerte caiu de volta para água e afundou pelo mar escuro. Meu corpo inteiro tremia quando mãos me agarraram e me colocaram de pé, e eu fui abraçada com força por dois príncipes.

− Por um momento achei que... – murmurava Kishan sem nunca finalizar, enquanto os lábios de Ren beijaram o topo de minha cabeça.

− Você foi uma verdadeira guerreira, priya.

Meus dedos agarravam a camisa preta de Kishan com força e eu deixei algumas lágrimas escorrerem por meus olhos enquanto as cenas se repetiam com rapidez em minha mente.

Não tivemos tempo para mais nada, pois a pedra flutuando começou a mexer mais uma vez e eu soltei Kishan, ficando entre os dois irmãos enquanto esperava pelo próximo monstro. Entretanto, o chão começou a se mexer com mais força, e meus olhos capitaram quando um esguicho de água saiu por um buraco na rocha.

A água do mar se moveu com fúria ao nosso redor, e a rocha parecia respirar enquanto jogava-nos de um lado para o outro com movimentos bruscos.

No momento em que percebi que a rocha estava viva, um tranco me jogou para longo e meu corpo bateu na água, afundando constantemente. O gelo do mar fez meu corpo estremecer, mas todo o ar de meus pulmões fugiu quando meus olhos focalizaram no animal submerso.

O que eu achava ser uma rocha, na verdade era um polvo gigante, que parecia muito enfurecido. Meus olhos captaram dois corpos caindo próximos de mim e tentei gritar ao perceber que Kishan era atingido por um dos tentáculos, mas a água entrou por minha boca e eu sufoquei.

Debatia-me com força, tentando respirar enquanto buscava chegar a superfície. Meu corpo começou a ficar cansado e meus olhos se fechavam sonolentos, até que uma voz sussurrou em meus pensamentos, e o barulho de sinos me invadiu.

Deixei que a água consuma seu corpo

E eu parei de me debater, soltei as mãos que rodeavam a garganta, deixando que a água entrasse por meu nariz e boca, dando uma estranha sensação de afogamento, até que meus olhos não conseguiram mais ficar abertos, e eu adormeci.

A escuridão me assustava, e nenhum som enchia meus ouvidos quando finalmente abri os olhos, a não ser o de minha respiração. Quando percebi que não estava mais afogando, puxei uma boa lufada de ar para meus pulmões e sorri, tocando em todas as partes de meu corpo para garantir que nada faltava.

Mais uma vez eu usava uma toga branca no corpo, e as adagas estavam novamente presas em meus coturnos. Estiquei os braços para ver minha pele brilhando como as escamas das sereias e soube que finalmente estava dentro do desafio de Durga.

Olhei ao redor, quando a escuridão deu lugar a um dia ensolarado e paredes feitas de plantas me cercavam. Demorei alguns segundos para perceber que estava dentro de um labirinto até que uma risada familiar me atingiu.

− Kishan! – exclamei, correndo em direção a voz familiar, mas parei quando uma cena apunhalou meu coração.

No centro do labirinto, Kishan usava roupas tipicamente indianas, e ele tinha nos braços uma mulher de cabelos muito longos e pretos, usando um sari lilás, com um véu sobre o rosto.

Abracei meu corpo e soltei um ofego de dor, pois sabia que eles não podiam me ouvir nem ver, mas as palavras de Kishan para a mulher foi o que fizeram meu corpo parar de funcionar, e eu cai sobre os joelhos chorando.

− Eu amo você, Yesubai.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Então, esse foi o último capítulo das férias, e tenho algumas coisinhas para falar para vocês:
1- já estou com o capítulo seguinte pronto, e estou escrevendo outros para deixar salvo e ir postando para vocês! Além do mais, estou, louca para chegar logo no hot de Mishan tanto quanto vocês ;)
2- eu me esqueci de avisar antes, mas eu comecei um blog de resenhas de livros, filmes e séries, e ficaria muito feliz se vocês dessem uma olhadinha! (http://equacaoliteraria.blogspot.com.br/)
3- vou postar o próximo capítulo daqui a 15 dias ou 1 mês!
Então, até a próxima queridas!
Xoxo, Gabi G.



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