Problem Temptation escrita por Boow, Brus


Capítulo 7
Growing Disaster




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É domingo e tudo o que nos resta antes de mais um dia de trabalho pesado são umas poucas horas do último dia de final semana. Apenas a simples ideia de ter que voltar ao celeiro já me fazia suar frio, sem falar nas dores psicológicas que eu sentia só de lembrar todas as coisas que seria obrigada a fazer ao longo da semana para ajudar Ashley.

O desaparecido.

Ele não havia dado sinal algum da sua existência desde que saiu as pressas da praia. Parte de mim acreditava que ele estava por aí com amigos e garotas, aproveitando loucamente o final de semana, do modo que Oliver ou Danny gostariam de aproveitar. Outra parte simplesmente não conseguia imaginar que nesse lugar pudesse haver alguma diversão parecida com essa, ou até mesmo que Ashley pudesse se divertir desse modo depois de ter parecido tão nervoso durante a ligação do dia anterior.

Mas como eu disse, homens são totalmente imprevisíveis.

Já passava das oito horas da noite quando Megan e eu deixamos o salão de beleza pequeno no centro de Palm Springs carregadas de algumas sacolas de compras que ela havia feito questão de que nós fizéssemos. Claro que eu não pude recusar. Era de Megan Fell que estávamos falando, a garota mais persuasiva que já pisou neste mundo. Não que ela precisasse de muitos esforços para me convencer a ir às compras, mas isso não a impedia de influenciar nas minhas escolhas.

— Os garotos devem estar destruindo a pousada ou algo assim... – Megan falou colocando as sacolas no banco de trás do carro e indo em direção a porta do motorista. Me sentei no banco de couro ao seu lado e escolhi uma das músicas do pendrive de Megan. Um fato sobre minha melhor amiga é que ela nunca teve o melhor dos gostos musicais. Isso explicava o porquê de tantas músicas de bandas de garagem concentradas em um lugar só. O que era quase torturante para alguém como eu que havia trabalhado dois anos em uma ótima loja de música, em que todos os singles eram gravados nos melhores estúdios dos E.U.A.

— Acredito no potencial de Noah para mantê-los controlados. – Eu disse rindo enquanto ela dirigia. Megan tinha um talento incrível para piloto de fuga. Ninguém além dela conseguia acelerar em curvas fechadas sem colocar o pé no freio nem uma vez e terminar a manobra ainda com o carro sobre as quatro rodas. O que fazia meu estômago se revirar um pouquinho e meu cinto apertar no pescoço todas as vezes que era arremessada para frente em um solavanco do freio. – Aliás, ele é um ótimo estudante de gastronomia e não há nada que faça Daniel e Oliver se comportarem tão bem quanto comida.

— Podíamos jantar juntas hoje. – Sugeriu animada. – Eu, você e os outros. Até Ashley se ele já tiver aparecido de seja lá onde ele estiver. – Eu ri, mas tinha quase certeza que desabaria dormindo sobre o colchão assim que chegasse no meu chalé.

Megan também era excelente em gastar a energia alheia.

— Você... você está gostando dele não está? – A loira perguntou depois de alguns segundos em silêncio. Que tipo de pergunta era aquela? Olhei em sua direção com as sobrancelhas arqueadas e ela se encolheu sob os ombros. – Quero dizer, vocês estão se dando bem, certo? Eu vi vocês ontem na praia e achei que vocês pareciam tensos no início, mas de repente estavam rindo e eu fiquei feliz... e confusa também. Não quero que você fique morando com alguém que não está se dando bem, Erin. Então seja sincera, ok? Eu posso suportar. – Eu gargalhei. Sem dúvida o troféu drama iria para Meg. E o de amiga controladora também.

— Não se preocupe. Ashley não é um cara difícil, mas você devia fazer essas mesmas perguntas para ele, sabe? Eu me sinto uma intrusa algumas vezes. Como se não devesse invadir o espaço de Ashley. – Ou como se fosse estranhamente errado estar ao seu lado, pensei.

— Não se preocupe, Ashley deve estar mais que satisfeito com você. Foi ele que concordou com sua estadia no chalé, então você é uma convidada, não uma intrusa.

Não tocamos mais no assunto. Mudamos o foco para o casamento de Megan daqui a alguns meses e o quanto ela estava ansiosa para que o grande dia chegasse. Antes de virmos para Palm Springs eu a ajudei na escolha do vestido, e ela também havia escolhido o meu e o das outras madrinhas. Mas tanto eu quanto ela, ainda teríamos que providenciar os ajustes básicos até a data do casamento.

O que ainda nos dava um longo tempo, se lembrarmos que a comemoração seria daqui cinco meses. Cinco longos meses de uma tortura sem fim para Megan.

Havia um movimento relativamente grande de turistas de um lado para o outro caminhando pelos chalés, seja com os amigos, família ou até mesmo sozinhos. Era engraçado saber que seja qual fosse o lado que nós estivéssemos, estaríamos a deriva de uma grande maré de sotaques estranhos, tentando passar-se por típicos civis da região. Eu detestava chatear tantas pessoas felizes, mas se eles realmente queriam parecer cidadãos locais, deveriam começar enfiando as blusas florais novamente dentro da mala e logo em seguida recomendaria que parassem de fotografar tudo o que viam em sua frente, até mesmo as pedras que encontravam no chão.

Passei no chalé de Megan, apenas para cumprimentar Noah que como previsto estava de frente para o fogão preparando algo que cheirava deliciosamente bem e logo depois voltei algumas casinhas na direção do teto de Danny e Oliver, me assegurando de que estavam vivos. Para desencargo de consciência, eles estavam muito bem. No meio de uma grande discussão, porém bem.

— Ótimo, abrace sua bola de pelos maldita e vão casar-se no inferno. Eu fico por aqui esperando você voltar com churrasco de gato. – Ouvi o grito de Oliver que nem sequer havia me notado adentrando o chalé, Danny parecia tão absorto quanto ele. O único relativamente satisfeito com a minha aparição era Listrado, que veio ronronando em minha direção. Eu sabia que a ideia de Danny sobre trazer o felino sem listras para a viagem acabaria não funcionando tão bem na prática.

— Por que não vai você e essa sua estupidez toda pro inferno, ein Ollie? Listrado não teria feito xixi em nada do que é seu, se você tivesse colocado a areia na caixa como eu falei. – Danny protestou se jogando na cama e colocando os fones de ouvido para ignorar meu irmão. Oliver e sua boca não tão limpa quanto mamãe gostaria que fosse murmurou extensos xingamentos para o amigo e se virou em direção a porta quase tropeçando em mim no processo.

— Droga Erin, já ouviu uma coisa chamada 'bater na porta'? – Perguntou mal-humorado com aquele olhar oito centímetros mais elevado que o meu. O que me fazia chorar até os onze anos e depois dos dezesseis me fazia tirar sarro da cara dele. – …Você devia fazer isso de vez em quando. – Completou.

— Tanto faz. Você não iria me escutar. – Disse dando de ombros. – Só passei para ter certeza de que ainda estavam vivos. Preciso de um banho, e tenho que dormir. Além do mais, meus braços parecem pendurados de tanto tempo carregando essas sacolas pelo centro. Boa noite rapazes. – Daniel se dignou a um simples aceno de cabeça e Oliver murmurou algo sobre eu achar que sou a mãe dele para ficar tratando-o como criança. O que era um grande absurdo, uma vez que minha mãe provavelmente daria um grande sermão em Oliver, já que ela é uma admiradora fiel de Daniel e uma defensora voraz de animais. – E para evitar conflitos, o Listrado vai comigo. A menos que Ashley tenha algo contra, ele pode ficar lá por um tempo. – E sem esperar por respostas ou agradecimentos, recolhi o felino do chão e deixei o chalé.

Listrado mergulhou na escuridão do chalé de Ashley assim que eu abri a porta com entalhes de golfinho emoldurados. Logo em seguida fiz o mesmo largando as sacolas com slogan da Zara e JJ no chão para que minhas mão ficassem livres e pudessem procurar o interruptor de luz pela parede beje que num momento estava tão negra quanto todo o resto. Houve um clique, então um banho de luz invadiu o lugar. Listrado com sua ótima visão noturna já havia desaparecido pelo corredor, e eu estava prestes a recolher minhas sacolas para fazer o mesmo quando algo impediu que eu me locomovesse.

Havia algo absurdamente errado pairando naquele lugar.

Meus olhos focaram o chão com piso de tacos e comprovaram que eu não estava louca.

Cacos de vidro estavam espalhados pra todos os lados. E não era algo do tipo um copo ou um prato. Eram vários deles. Como se o chalé tivesse sido invadido por alguém disposto a vandalizar a cozinha e simplesmente resolveu arremessar as louças do armário pelo balcão americano na divisão entre a sala e a cozinha. Meu coração começou a bater tão forte que eu tive certeza que se ainda houvesse alguém lá, certamente esse alguém me escutaria apenas pelos batimentos cardíacos. Não que eu já não tivesse entregado minha entrada nada estratégica quando bati a porta, acendi a luz e praguejei todo aquele estrago.

Ouvi um ruído vindo da escuridão da cozinha que me fez ter certeza de que alguém me espreitava em meio ao escuro, me mantive em silêncio para escutar novamente.

Uh, eu estava apavorada.

Meu coração parecia estar a ponto de subir pela garganta e sair por meus lábios. Duvidei de que pudesse sair correndo, mas não pretendia ficar parada esperando para ser atacada por um gringo assassino ou estuprador que tivesse invadido o chalé. Peguei o celular dentro da bolsa e da maneira mais rápida que o nervosismo me permitia, procurei o número de Oliver pela extensa lista de contatos. Fechei os olhos firmemente enquanto chamava, mas sem coragem para deixá-los fechados por muito tempo, abri-os novamente, para estar atenta a qualquer ataque surpresa. Para o meu desespero Oliver não atendeu na primeira tentativa.

Nem na segunda.

Seja lá quem fosse, não poderia me atacar aqui, pensei, não nesse horário quando há pessoas circulando para todos os lados lá fora. Então o mais sensato a se fazer, é ir enfrentá-lo e esbanjar segurança quando eu anunciar que sou filha de um policial. Mesmo que um aposentado.

Respirei fundo desistindo de ligar para meu irmão e escolhi um dos vasos semelhantes ao que quebrei nos meus primeiros quinze minutos nesse lugar como arma contra o invasor. Eu esperava que isso fosse intimidador o suficiente para um vândalo de cozinhas. Caso contrário, não existiam muitas opções a não ser correr ou gritar.

Com passos lentos caminhei rumo à cozinha, ouvindo o estilhaçar dos cacos sob meus pés. Até mesmo aquele som parecia brutalmente assustador no silêncio tenso dentro do chalé. Abracei o vaso com o braço direito e o outro passei pela parede devagarzinho procurando pelo interruptor.

Tive medo de dar de cara ou tropeçar em quem quer que estivesse escondido na escuridão, mas não me permiti voltar atrás. Nem mesmo quando finalmente alcancei o interruptor e deixei que meus olhos avaliassem os níveis de estrago do cômodo. O que era bastante semelhante aos estragos de um terremoto de pequena escala ou algo assim.

No entanto, o mais assustador foi quando meu olhos vaguearam para baixo do balcão de divisão, e encontraram o invasor...

Instantaneamente o vaso escorregou do meu braço se tornando apenas mais alguns cacos em meio aos vários outros. E então, eu finalmente entendi o que havia acontecido naquele lugar. Não existia um invasor. Quer dizer, nenhum outro além de mim.

Porque, provavelmente eram com esses olhos que Ashley Evans me via nesse momento.

Como a invasora e telespectadora da sua eminente desgraça.

— Ashley? – Disse baixo, mas o silêncio não exigia grandes volumes para que pudéssemos escutar um ao outro naquele curto espaço de poucos metros.

Ashley estava sentado no chão com os joelhos puxados em direção ao peito e sua cabeça encostada neles, sendo escondida por seu braço esquerdo. Seu cabelo parecia modelado por um curto circuito de volts com intensidade suficiente para matar alguém. E seus pulmões mantinham um movimento lento e instável que vez ou outra soluçavam um fungar baixinho.

Ashley estava, sem dúvida alguma, na pior das piores.

Caminhando a passos curtos e quase em câmera lenta, me permiti avaliar mais a cozinha. Eu era louca. Deveria fugir e ao invés disso estou me aproximando.

Louca Erin, você é louca!

Reconheci o desenho artesanal das xícaras que usávamos vez ou outra para beber café, pintado nos pequenos caquinhos de porcelana, e pelo grande número de cacos azuis e finos no chão, conclui que se quiséssemos beber água a partir de agora, teríamos que pedir um copo emprestado para o nosso vizinho coreano, assim também como os pratos e as travessas. Alguns dos nossos talheres haviam perdido os cabos, e duas ou três panelas estavam amassadas no chão.

Parei de observar quando ouvi o fungar baixinho de Ashley e olhei em sua direção outra vez. Ele permanecia tão encolhido quanto um garotinho assustado. Eu queria saber se isso tudo tinha a ver com a ligação recebida no dia anterior, ou se Ashley era apenas um cara cheio de problemas, tanto reais, quanto emocionais.

— Ash... – Chamei outra vez me abaixando em sua frente e tentando distribuir meu peso nos calcanhares. Hesitei em tocá-lo, mas duvidava que ele pudesse fazer qualquer coisa ameaçadora comigo levando em conta seu atual estado.

Apoiei minha mão direita no braço que escondia seu rosto, e mais uma vez tentei interagir.

— Ashley, está tudo bem. Olhe pra mim, vamos conversar. – Mas ele não disse nada. Desisti de conversar e engatinhei para o seu lado me sentando do mesmo modo que ele, mas com a cabeça erguida esperando ver um movimento de sua parte.

Por pura compaixão, ou assim esperava que fosse, minha mão subiu por suas costas, e afaguei parte do seu cabelo próximo a sua nuca. Seu corpo inteiro se retraiu em resposta ao contato e seus ombros se encolheram, então o larguei.

Estava pronta para deixá-lo sozinho quando sua cabeça se ergueu me dando mais um choque que me proporcionaria rugas antes da hora daqui a alguns anos.

Os olhos de Ashley estavam vermelhos e inchados.

Conclui que ele pudesse estar ali chorando por tanto tempo, que talvez nem tivesse comido durante todo o dia desde que chegou aqui a não sei quantas horas. Mas o choque maior não foi devido ao inchaço de seus olhos e sim pelo corte em sua bochecha e o hematoma em seus lábios e testa.

Havia, sem dúvidas, algo muito, muito errado!

Os olhos dele se fecharam e seus cílios úmidos reunidos em pequenos grupinhos tremeram, fazendo com que outra lágrima saísse do seu olho e rumasse para o hematoma em sua bochecha, pouco depois escorregando por seu maxilar e caindo para fora de seu rosto.

Que grande desgraçado ele era. Até mesmo na pior situação, Evans conseguia ser um exemplo de beleza. Mesmo que já não estivesse mais cercado por aquela áurea de autoconfiança, mas sim mergulhado no mistério. Suas mãos se ergueram até o topo da cabeça e seus dedos se enlaçaram para lá, renovando o penteado estranho. Todo o ar que estava preso em seus pulmões foi liberado de forma emergente.

— Não me odeie. – Ele sussurrou tão baixo que fui obrigada a cortar minha respiração ao meio para poder ouvi-lo. Seus olhos se mantinham fechados, bloqueando minha visão de toda aquela pequenina concentração das cores castanho e dourado, que formavam uma perfeita combinação para Ashley.

Vê-lo assim é assustador e angustiante. Como se eu estivesse disposta a fazer qualquer coisa para ajudá-lo, mas mesmo assim tivesse medo de descobrir o porquê dele precisar de ajuda.

— Não te odeio. – Disse segundos depois esperando que isso lhe confortasse ao menos um pouco. No entanto, tinha quase certeza que meus sentimentos por Ashley eram o menor de seus problemas no momento.

Seus olhos profundamente claros se abriram encarando o nada a nossa frente como se ele fosse tão valioso quanto qualquer um dos itens destruídos da casa. Ashley de olhos abertos parecia ainda mais devastado do que de olhos fechados.

Conclui que se nossa cozinha parecia vítima de um pequeno terremoto, Ashley Evans parecia lutar contra sua avalanche particular.

A única grande diferença, é que não era neve a desabar, e sim o psicológico de Evans.

— Me desculpa. – Parecia ser tudo o que ele tinha a dizer.

Eu nunca fui a melhor para lidar com problemas pessoais. Muito menos problemas pessoais alheios. No entanto, lá estava eu, sentada ao lado de Ashley procurando as palavras certas para estabelecer uma conversa. Ou pelo menos para tentar dizer a ele, que seja lá qual fosse o seu problema, ele conseguiria se livrar dele, e descobriria que a vida é bela e todas aquelas outras coisas. Porém, qual era mesmo o problema de Ashley?

Vamos do início Erin, não se descontrole!

— Você quer conversar? – Perguntei enfim, porque sabia que não podia simplesmente obrigá-lo a falar o que estava havendo.

Nos conhecíamos há uma semana e isso me impedia de exigir respostas de Ashley. Mesmo que o fato de estarmos vinte quatro horas por dia juntos, parecia de alguma forma, ter feito com que eu criasse muito mais apreço por Ashley do que com qualquer outro que conhecesse a menos de um mês.

— Eu não sou louco. – Sussurrou e eu sorri de canto. Não sei se ele percebeu o sorriso, mas ele olhou em minha direção e piscou lentamente algumas vezes sem desviar o olhar. Tive a impressão de que uma mini curvatura também apareceu em seu rosto, mas não tive tempo para ter certeza já que ela desapareceu logo que se formou.

— Eu sei que não. – Disse confiante, porque apesar de tudo eu tinha certeza de que existia um motivo oculto por trás de toda a revolta. Ashley não me parecia o tipo de cara que se agredia e saía por aí quebrando pratos porque estava afim.

Pelo menos era isso o que eu esperava.

Então mais um mini sorriso foi lançado em minha direção e dessa vez ele se sustentou por tempo suficiente para eu ter certeza de que era um. Pelo menos era o que parecia ser, um sorriso. Mas seus olhos com pupilas dilatadas estavam vazios, não acompanhavam o movimento dos lábios e não pareciam nem sequer tão inundados de emoções confusas quanto todo o resto de Ashley.

Talvez todo aquele dourado servisse para disfarçar suas emoções, para fazer com que ele me olhasse diretamente nos olhos, sem parecer que realmente estava reparando em mim. Ou quem sabe apenas uma parte de Ashley estava ali, enquanto a outra batalhava contra mais uma avalanche.

Nossa conexão visual se quebrou quando o toque do meu celular rompeu o silêncio no ambiente assuntando tanto a ele quanto a mim. Tive vontade de ignorar no primeiro momento achando que era apenas Gabriel para me dizer boa noite, no entanto o toque não era o de Gabriel, era o de Oliver. Automaticamente me lembrei das duas ligações anteriores que eu havia feito e a ideia de que ele pudesse aparecer por aqui e ver parte do chalé destruído, me fez entrar em pânico. Ele provavelmente não entenderia o que está se passando com Evans. Nem mesmo eu entendia.

Olhei para Ashley com um olhar de pesar e alcancei o telefone em meu bolso deslizando o dedo sobre seu ecrã para atender.

— Alô...? – Disse esperando ouvir a voz de Oliver reclamando por eu ter deixado ele esperando.

— Erin, está tudo bem? – Ele perguntou rápido. – Tinha ligações suas aqui... Você nunca me liga e tínhamos acabado de nos falar, aconteceu alguma coisa? – ele perguntou tudo de uma só vez, me fazendo pensar se ele talvez não estava a caminho do chalé pronto para bater em nossa porta.

— Sim eu... eu estou bem Ollie, não se preocupe. Só queria que você avisasse ao Daniel que amanhã eu passo para pegar as coisas do Listrado, tudo bem? – Menti. Menti tão mal que tinha certeza que nem mesmo Oliver e sua inocência de porta acreditaram na desculpa.

— Eu posso levar até ai se você quiser, posso levar agora. O que acha? – Ele perguntou de modo tão disfarçado que parecia mesmo que ele só desejava fazer uma boa ação, mas eu vivia há vinte anos com aquele cara e sabia exatamente que as boas ações de Oliver só aconteciam no dia de ação de graças, quando minha mãe o forçava a ser um cara mais gentil.

— Não precisa. Listrado já achou um ótimo lugar pra dormir embaixo da minha cama e eu estou exausta. Pego as coisas amanhã. – Disse dessa vez me esforçando um pouco mais para soar natural. Oliver resmungou algo em concordância - ainda contrariado - e disse que estaria com o celular se eu precisasse de algo. Por fim desligou.

Desconfiado, essa era uma ótima definição para o garoto sangue do meu sangue. Não que ele fosse o tipo de irmão mais velho defensor e coisas do tipo, mas, ainda assim, éramos irmãos... e tenho certeza que se algo acontecesse comigo enquanto estávamos somente eu, ele e meus amigos longe dos nossos pais, Oliver nunca se perdoaria.

Voltei a prender minha atenção no que acontecia ao meu redor e Ashley havia deixado de me olhar. Sua cabeça estava virada para frente e seus olhos vidrados em algo que somente ele parecia ver. Como se estivesse de olhos focados em nada e mesmo assim visse absolutamente tudo.

— Então, o que está havendo? – Eu tentei. Não que ele tivesse colaborado me dando alguma resposta além de mais um suspiro, mas pelo menos eu havia tentado puxá-lo para uma conversa. Mas até onde eu percebi, as únicas coisas que Ashley parecia achar importante falar eram o fato de não estar louco e querer que eu o desculpasse.

Eu não tinha sobre o que desculpá-lo. Quer dizer, nada naquela cozinha me pertencia e nada fora dela também. As únicas coisas minhas por direito, estavam na segunda porta a esquerda do corredor, enfiadas dentro de um roupeiro, e tudo me levava a crer que Ashley não havia feito estrago algum por lá. No entanto, não achei que fosse necessário dizer tudo isso a ele. Eu apenas não o achava louco.

— Você consegue se levantar? – Perguntei receosa, como se talvez ele não tivesse mais duas pernas grudadas em seu corpo. Ou que essas não estivessem funcionando. Dessa vez sua resposta foi um aceno simples de cabeça em concordância a minha pergunta. – Então talvez seja melhor você ir até o quarto descansar. – Mais uma vez ele balançou a cabeça de modo positivo.

Me levantei antes dele e parei a sua frente com as mão esticadas para que ele pudesse se apoiar. Não sabia quanto do seu corpo estava machucado, mas minha intuição dizia que os hematomas iam além de seu rosto. Ashley esticou sua mão trêmula de dedos longos, que pareciam mais pálidas do que o comum, e segurou apenas uma das minhas mãos suspensas no ar, com a outra ele se apoiou no chão e impulsionou seu corpo para cima, tornando totalmente desnecessário meu esforço para apoiá-lo. Mas nem quando já estava de pé, ele deixou meus dedos se afastarem dos seus.

Com passos incertos, mas não tão lentos, Ashley conseguiu chegar ao seu quarto totalmente calado. Eu fiz com que ele soltasse a minha mão para que eu arrumasse sua cama, mas em silêncio ele se negou a me deixar ajudar. Sentou-se sobre o edredom e descalçou o sapato sozinho, logo em seguida tirando a camiseta e o deixando cair ao lado da cama.

Eu prendi completamente o ar em meus pulmões. Praguejando por minha intuição estar tão certa quanto imaginava estar em relação à extensão dos danos no corpo de Ashley.

Seu ombro tinha uma ferida que me fazia choramingar de dor apenas por estar observando-a e logo abaixo da sua última costela, uma mancha variando entre amarelo e roxo estava bem destacada em sua pele branca. Não tive dúvidas de que deveria existir mais algumas delas em suas costas, mas antes que eu pudesse ver Ashley e suas costas nuas, sua voz me trouxe a consciência novamente.

— Apague a luz, por favor. – Soou ríspido, mas eu não me importei, se tivéssemos em papéis diferentes eu provavelmente já teria gritado o expulsando do chalé assim que tivesse entrado, mas Ashley parecia lutar contra tudo o que parecia sensato a se fazer. Ele parecia querer separar suas dores internas das externas e por isso tentava não deixar que seu mau humor aflorasse.

No entanto, até mesmo caras durões como Ashley pareciam não estar livres das constantes oscilações humorísticas. Para ser mais exata, eu diria que Evans estava realmente muito longe de se ver livre delas.


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