Problem Temptation escrita por Boow, Brus


Capítulo 8
Ashley Evans




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Tudo era um breu naquele momento. Como se apesar de ter aberto os meus olhos e visto que a claridade entrava pela fresta da cortina, meus pensamentos continuavam ao relento, desordenados, com lacunas vazias que eu não fazia ideia de como preencher.

Meus olhos serraram e logo em seguida fecharam-se. Eu não lembrava muito. Sabia que em algum momento depois de toda a confusão de sábado havia saído para fazer o serviço que Hadley havia me pedido para fazer, no entanto só me lembro que algo havia saído do controle. Lembro da sensação de sufocamento e dor e então minhas mãos vão direto para meu pescoço sabendo que algo havia acontecido por lá. Mas o que?

Forço mais um pouco a memória; estou no carro de Had, rindo de alguma coisa que provavelmente não estaríamos rindo se estivéssemos em nosso estado normal, mas não estávamos e isso justificava toda aquela confusão.

Tento novamente lembrar em que momento vim parar na cama do chalé, na pousada da tia Fell, quando mais lembranças me acertam como um punho fechado me atingiria em um soco.

Estou descontrolado. Beirando a loucura provavelmente. Eu havia exagerado, passado dos limites sem dúvidas. Mas aquilo amenizava a frustração, amenizava a dor também. Quero descontar a minha raiva, então distribuo socos nas portas e nas paredes, mas tudo é resistente demais, eu sou o único que me machuco com aquilo. Corro para a cozinha e abro o armário, estou fora de mim, pego os pratos e começo a lançá-los um a um em direções diferentes. Eles chocam-se contra as paredes e os móveis, então por fim caem estilhaçados no chão. Sinto meus olhos arderem e sei que estou chorando, mas não me importo, porque se eu me importar com mais alguma coisa vou sufocar mais do que já estou sufocando. A pilha de pratos desaparece rápido das minhas mãos e eu preciso de mais coisas para quebrar logo, porque é exatamente assim que me sinto agora, olhando para aquele envelope amarelo no balcão. Estou quebrado.

Meus lábios secam consideravelmente com tudo aquilo se passando no fundo da minha mente. Começo a repetir uma série de “nãos” silenciosos. Querendo acreditar que aquilo tudo era fruto da minha imaginação, e que eu não havia feito nenhum estrago permanente com os móveis da cozinha. Quero correr até lá para ver, mas uma lembrança ainda mais forte me prende na cama outra vez.

Não sei há quanto tempo estou lá sentado, sozinho no chão frio. No entanto, sei que já está escuro e que não poderia ser a Tia Rose vindo me ver. Era outra pessoa. Minha mente inebriada e extasiada trabalha para adivinhar quem é, e apenas um rosto se forma em minha mente.

Erin.

A garota que vinha morando comigo por uma semana. A garota engraçada que tagarela sempre que esta sem graça ou nervosa. A garota que tem um plano de vida, e uma rígida visão do que é certo e errado. Uma garota fácil de adivinhar. Sei que quando ela ver tudo isso vai se dar conta de que sou encrenca. Vai sair e não vai olhar pra trás. Eu devia agradecer já que me isolar deveria ser o mais certo, no entanto eu queria poder ajudá-la. Sei que parece besteira, porque eu sou o único que pareço precisar de ajuda aqui, mas pelo menos eu não fiz da minha vida – totalmente desequilibrada – uma prisão em que me acostumei a viver. Ela fez

— Ashley. – Escuto sua voz, mas não tenho coragem de olhá-la. Quero gritar, mas não posso fazer isso com ela. Ela não sabe nada de mim. Não me entenderia. Quero que ela corra e vá embora, mas quando dou por mim ela está ao meu lado, sentada com a preocupação ofuscando o cintilar dos olhos escuros, mantenho os olhos fixos em seu rosto, tendo delírios inoportunos e pensamentos que não deveria ter, não com ela. Eu passei dos limites, sempre passo.

Depois disso, foi exatamente como apertar o botão para desligar a televisão. Essas eram as coisas que eu lembrava. Qualquer ocorrido entre esses momentos me parecia um vão escuro. Algo como se eu tivesse desmaiado e acordado novamente tempos depois, repetidas vezes.

Recordo-me que não lembro de ter limpado todo o estrago que cometi na cozinha, e não quero que Erin se sinta impulsionada a limpar por mim.

Levanto-me e troco de roupa, sem pensar no banho porque ela podia acordar enquanto eu estivesse ao chuveiro e então ela decidiria me ajudar. Teríamos que passar mais tempo do que o necessário juntos e eu não estava pronto para falar. Talvez nem ela para ouvir.

Saio do quarto a passos lentos, feliz pelo quarto na frente do meu ter a porta fechada.

Talvez ela ainda estivesse dormindo, pensei.

Caminhei em silêncio pelo corredor até alcançar seu fim de frente para a sala bem iluminada, então o que eu vi me vez congelar profundamente.

Ela não estava dormindo.

Na verdade, Erin parecia acordada demais nas suas roupas de ginástica, mas eu duvidava que ela tenha mesmo saído para correr, até porque ela sempre voltava com o rosto exausto depois das suas corridas, e naquele momento ela parecia apenas curiosa e surpresa. Nada de exaustão.

Cada uma de suas mãos segurava um pertence meu diferente. Algo que eu daria os rins para que ela não tivesse descoberto e poder tomar dela de volta. Vejo-a largar o que há na sua mão direita, e segurar firme o envelope amarelo, violado, com as duas mãos. Sei que ela estava brigando com sua ética para saber se olhava ou não o que continha no envelope. E antes que sua ética perdesse para a curiosidade de Erin limpei a garganta e entrei no cômodo, fazendo-a corar e rapidamente largar o que segurava. Em compensação o objeto que antes segurava, voltou para o meio de seus dedos e de olhos fechados eu me preparei psicologicamente para o assunto que viria a seguir.

Quase por quarenta segundos ela apenas me encarou sem dizer nada. Achei que seria menos covarde da minha parte ser o primeiro a falar.

— Obrigado por não olhar... – Disse com os olhos presos ao papel amarelo agora solto pela bancada. Ela corou um pouco mais e eu tive vontade de rir, mas não o fiz. Não o fiz porque algo muito sério viria a seguir.

Ou era isso que eu esperava que fosse.

Para minha total surpresa Erin não gritou, nem me olhou com repulsa, havia algo em seus olhos, algo como desapontamento, e por diversos segundos achei que preferia a repulsa. Ela pulou do banco que sentava, vindo em minha direção e parando a poucos centímetros de meus olhos. Tínhamos quase a mesma altura, o que era confortável e ao mesmo tempo uma coisa difícil de se lidar. Eu sempre havia dado preferência a garotas pequenas.

Por sete segundos ela não disse nada, me levando a crer que seria eu a ter que começar a falar novamente. No entanto, logo após eu formular a primeira frase que diria, a mão de Erin bateu firme contra o meu peito, me fazendo dar um gemido de dor já que tudo por lá doía. Seus olhos pesaram em culpa por um segundo antes de ficarem firmes novamente. Então da forma mais cruel possível que alguém como aquela garota poderia ser, seus lábios se moveram e prontamente me atacaram com suas palavras.

— Da próxima vez que for se drogar tente deixar menos rastros, Evans.

Eu não sabia o que ela esperava, mas devido a sua reação acreditei que não esperava por muito. Ela apenas contornou meu corpo e seguiu para seu quarto batendo firme sua porta, me deixando parado no meio da sala, estático como um manequim, apenas encarando a seringa em minhas mãos.

Da próxima vez que for se drogar tente deixar menos rastros, Evans”. Uh, aquilo sem dúvidas doeu mais que os hematomas em meu corpo.

Então não tive dúvidas, precisava falar com Paige.

Meus olhos pesavam e eu estava começando a me cansar. Ela nunca se atrasava para os compromissos. Por que justo hoje?

Uma série de pessoas entrava e saia do café, enquanto eu me mantinha lá de olhos pregados na porta ouvindo a música baixa que saía dos alto-falantes mal instalados no ambiente. Vamos lá Paige, é impossível demorar tanto, pensei. E como resposta, meu próprio subconsciente cantarolou: É claro que é possível, para Paige Evans tudo é possível.

Minutos mais tarde, tempo suficiente para eu beber dois cafés expressos, uma mulher mediana de cabelos negros, com os olhos castanhos escondidos por grandes óculos de sol e um batom vermelho extremamente berrante, irrompeu pela porta de entrada, atraindo a atenção de alguns caras pelo modo como se vestia. Não que Paige gostasse de vulgarizar, mas eram raros os dias que uma mulher entrava em um dos cafés de Palm Springs, calçando refinados saltos altos, uma calça jeans que provavelmente custaria meio salário do balconista e, o que mais atraia olhares, uma blusa sem nenhuma espécie de manga ou alças, o que desafiava as leis da gravidade.

Paige levou sua mão ao rosto e retirou os óculos olhando pelas mesas do café em uma busca silenciosa pela minha pessoa. Acenei de leve com a mão para que me encontrasse em meio aos poucos clientes e assim que a mesma me encontrou, o sorriso que se formou em seus lábios podia ter deixado cego um dos clientes que ainda a olhavam.

Não existiam piadas quando alguém afirmava que Paige Evans era uma linda mulher.

E uma ótima irmã ao mesmo tempo.

— Ashley, eu pensei que você nunca mais me ligaria para me tirar do serviço em uma segunda-feira tediosa. – Ela disse sorrindo e sentando-se na cadeira a minha frente. Eu sorri apenas para cumprimentá-la, mas não fui capaz de manter o sorriso. De qualquer forma, ela não esperava por isso, não esperava por um Ashley feliz. Porque Ashleys felizes não incomodam as irmãs mais velhas em uma segunda-feira. – Sinceramente, não achei que a coisa estivesse tão feia quando você falou comigo ao telefone. Quer dizer, não imaginei que fosse para levar aquela coisa sobre 'eu estou quebrado' ao pé da letra, entende? – Sim, eu entendia, mas quem não entendia era ela. Paige não fazia a menor ideia do quanto eu estava quebrado. Ou talvez fizesse, já que não é a primeira vez, afinal. E era exatamente isso que eu temia, não era a primeira vez.

— Paige...? –Senti minha mandíbula travar e meus olhos arderem, logo minha irmã tinha uma expressão mais séria e ao mesmo tempo cautelosa, como se estivesse começando a entender a gravidade do assunto que lhe trouxe a mim. – Está acontecendo de novo... – sussurrei – tudo de novo.

E como se aquelas fossem as palavras suficientes para dar a explicação necessária a minha irmã, Paige empalideceu e tenho certeza que se não fosse pela tinta vermelha em seus lábios, a garota estaria tão branca quanto o guardanapo em nossa mesa.

Ao contrário do que se supõem, assumir aquilo em voz alta doía muito mais do que manter em segredo. Afinal, agora não era apenas das minhas dores que estávamos falando. Eram as de Paige também... e logo após viria a dos outros. E eu não poderia evitar, não podia porque sou Ashley Evans, um desastre sem conserto.


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