Uma Balada para Lionor escrita por Anya Tallis


Capítulo 23
Do informante


Notas iniciais do capítulo

Uma das coisas que me surpreendem nesta história são os personagens aleatórios, então acho que devo uma explicação antes do início: Caridad é o affair de Alonzo. Não tenho certeza de ter mencionado o nome dela quando ela estava sentada no colo dele e Lionor lhe fez uma careta. E não vou reler só por causa disso. Ela não foi apresentada devidamente por não ser uma personagem importante, mas eu pretendo corrigir isso nas próximas revisões. De qualquer forma, quando eu, futuramente, postar as outras histórias, não vai ser necessário descrevê-la.
Aqui vai um capítulo de Nigel; espero que gostem. Até a próxima!



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O longo e agudo assovio cortou o silêncio feito uma lâmina afiada. Nigel esperou, olhando para o céu dourado, e nada viu. E esperou. E continuou esperando. Impaciente, assoviou novamente, tentando soar mais alto que da primeira vez. Alguns pássaros voaram de uma macieira próxima, mas a ave não veio.

– Vai acordar os antepassados – brincou Alonzo, se aproximando de Nigel – Tem certeza de que isso dá certo?

– Absoluta. Da outra fez, fizemos exatamente o contrário. Eu fiquei com o falcão no braço, e Hermes foi para o outro lado do jardim do castelo. Assim que ele assoviou, a ave foi voando até ele.

– Então acho que o bicho não gosta de você – sentenciou o conde – Eu, particularmente, não aprecio aves grandes, especialmente com bicos afiados, perto de meus olhos.

Com um resmungo de decepção, Nigel desistiu de esperar. Lançou um último olhar na direção da torre atrás da qual Hermes se posicionara, mas nada havia além da extensão do jardim e da construção entre eles. Deu um último assovio enquanto se afastava com Alonzo em direção ao haras. Aconteceu muito rápido: um bater de asas roçando sua nuca e garras roçando-lhe o ombro. Assustado, Nigel praguejou em voz alta.

– Inferno! – ele sentiu a voz falhar, enquanto a ave empoleirava-se em seu braço, com ar cínico. Era bem mais pesada do que se lembrava. – Quase morro do coração! Esse bicho desgraçado esperou que eu virasse de costas para me assustar.

– Está atrasada, ave – Alonzo afastou-se um pouco, disfarçadamente.

Alguns colegas da guarda, à porta da torre, riram ao ver a cena. Ninguém lhes deu atenção; eles riam de tudo, especialmente se tivesse relação com Nigel. Embora tivesse o comando simbólico daqueles homens, sob o título de Condestável, nenhum deles o respeitava. Alguns tinham o dobro de sua idade, e caçoavam dele pelas costas, por motivos variados, e mesmo sem motivo. O rapaz tentou ignorar, até que ouviu a voz de um deles dizendo claramente.

– ... “condestável”... deviam tirar o título dele e dar para aquela garota. Ela sim fez alguma coisa para merecer nossa admiração.

As gargalhadas se seguiram ao comentário.

– Não se incomode – sussurrou-lhe Alonzo. Ele bem sabia o que era ouvir provocações e sentir olhares maldosos sobre si, enquanto murmuravam todo tipo de comentário malicioso a seu respeito. Todo o reino parecia ter se cansado de comentar como a mulher dele tentara seduzir o rei, e como o filho da rainha era mais parecido com ele que com o próprio pai, mas ainda havia quem falasse do assunto – Tenho larga experiência com o falatório do povo.

Mas os comentários prosseguiram. Quando escutou a infeliz frase “...é só um garoto que apanha da noiva”, Nigel voltou-se tão bruscamente que a ave quase tropeçou em seu braço, e cravou dolorosamente as garras em sua pele.

– Continuem a me provocar e se arrependerão.

– O que vai fazer? – o homem que falara por último gesticulou com a mão que segurava a taça, e uma parte do vinho derramou-se no chão – Mandar sua garota bater na gente?

A ave levantou vôo quando Nigel pôs a mão no punho da espada. Antes que conseguisse tirar a lâmina da bainha, Alonzo o segurou pelo braço.

– Melhor ir embora. Se cortar a cabeça de alguém, não vamos ter tempo de visitar Caridad.

Nigel continuou furioso, com a respiração irregular e o punho fechado, durante todo o trajeto até o Haras. As acomodações da criadagem, onde a jovem amante de Alonzo se encontrava, eram distantes, embora ficassem ainda na parte interior dos muros do castelo, mas nenhum dos dois estava disposto a realizar o trajeto a pé.

– Foi o momento mais humilhante da minha vida! – resmungava Nigel, infeliz, enquanto o cavalariço selava a sua montaria – Eu jamais fui derrotado em uma luta, será que esse bando de imbecis não ouviu que aquela cena foi uma simulação?

– Eu... eu acho que... – Alonzo levou a mão ao queixo, pensativo, tentando recordar o momento que a luta havia sido anunciada – Se não me engano, Miguel se esqueceu de dizer que era uma simulação. Eu, pelo menos, não ouvi.

Surpreso, Nigel parou de caminhar.

– Ele me paga.

– Pior que paga mesmo. Paga o que você come e bebe, paga suas roupas, o cavalo que você monta, suas armas, suas viagens, e até os presentes que você compra pra Lionor. Eu realmente não acho que seja um bom negócio discutir com o rei porque ele se esqueceu de dizer “Senhoras e Senhores, essa luta é uma farsa e foi ensaiada, não acreditem que meu estimado amigo Nigel Klein pode ser derrotado por uma garota mais nova”.

Os cavalos já estavam selados, mas o cavalariço olhava para os dois rapazes com ansiedade, como se desejasse encontrar uma brecha na conversa para se intrometer. Era um garoto da idade de Lionor, mas parecia mais novo e muito menos esperto. Tinha olhos e cabelos negros, e a cabeça sempre levemente inclinada para o lado. Nigel lançou-lhe um olhar interrogativo.

– É uma moeda que você quer?

– Não, senhor...

– “Senhor”? Eu tenho dezoito anos, rapaz, tem algo em mim que se pareça com um “senhor”? – Nigel estava mal humorado demais para deixar aquilo passar despercebido – Se quer alguma coisa, então peça. Não costumo adivinhar o significado de expressões faciais.

Surpreso com a resposta, o criado gaguejou.

– E-eu... tenho uma coisa para... para contar... – e, olhando para Alonzo – Em particular. É importante, sen... é importante.

Após fazer um muxoxo de incredulidade, Nigel virou-se para o conde.

– Encontro você depois. Se eu demorar, mande lembranças minhas a Caridad.

Assim que ficou a sós com o cavalariço, Nigel fitou-o demoradamente, com desconfiança. Não acreditava que nada de importante poderia vir de um criado de quem nem mesmo recordava o nome. Forçou a memória por alguns instantes. Victor... não, Vincent... não, como é que se dizia naquela região? Vicente. Sim, era esse o nome dele.

– Pois bem, Vicente, diz que há algo importante a me dizer. Vamos ver se é tão importante assim – cruzou os braços, com um sorriso desafiador.

– Bem – o garoto não o encarava, e falava devagar, para evitar que suas palavras saíssem fragmentadas. O nervosismo o fazia gaguejar, mas ele respirou fundo – É sobre a garota ruiva. Claire Diaz.

O sorriso morreu no rosto de Nigel. Por um momento, sentiu-se prestes a sacudi-lo pelos ombros e perguntar-lhe de onde a conhecia, mas se conteve.

– Sabe até o sobrenome dela. Devem ser íntimos.

– Conheci Claire na procissão dos Pés Descalços, e me encontrei com ela algumas vezes. Não sabia que ela estava condenada à execução. Peço perdão por não ter comunicado antes. Jamais poderia imaginar que era a mesma pessoa.

– É um bom discurso, rapaz. Eu não sabia. Pode até mesmo te livrar de ser considerado um traidor por não denunciar um criminoso.

Vicente estremeceu, e o medo de ser considerado cúmplice o fez parecer arrependido de ter contado.

– Não creio que ela seja uma criminosa. Conversei com o irmão dela, e ele disse que fez tudo sozinho, e que quem assassinou os guardas foi o pirata. Que Claire não teve nada a ver com isso e que ele demorou duas semanas para encontrá-la depois dos assassinatos na fortaleza e da fuga. Ela é uma menina doce, educada e esforçada. Jamais mataria ou ordenaria a morte de alguém.

– Fala como um ingênuo apaixonado. – mas Nigel concordava com o cavalariço. Matar com as próprias mãos, isso Claire não conseguiria. Ela mal se defendera quando ele a agarrara na cela, desarmado; era tola demais para cometer crimes – Disse que se encontrou com ela algumas vezes. São namorados?

– Não, senhor.

Mas corou ao responder, e Nigel deu-lhe um sorriso de zombaria.

– Está apaixonado por ela. Que drama digno de uma canção; apaixonou-se por uma condenada à morte. Espero que, pelo menos, tenha conseguido aproveitar um pouco. Pelo menos a beijou? Não fique tímido. Compreendo perfeitamente. Eu mesmo mal suporto pensar em Claire sem me sentir um pouco excitado.

O cavalariço estava tão constrangido que baixou a cabeça, fitando as botas de Nigel em vez de seu rosto. O rapaz fechou o punho e empurrou o queixo de Vicente para cima, como se estivesse fingindo dar-lhe um murro lentamente, forçando-o a encará-lo.

– Tem que dizer onde eles estão. Claire e Wilhem. Se não disser, pode ser considerado cúmplice deles. Mas eu sou um sujeito justo. Prefiro dar recompensas a ameaçar – Nigel pensou por um instante – É uma lástima que sua bela donzela seja jogada em uma cela até o enforcamento. Prometo que deixarei visitá-la antes da execução. Acho até que gostaria de ter o corpo dela. Eu também gostaria. Não iria me incomodar se fosse ao mesmo tempo. Pode ficar com a frente dela, eu fico atrás. Ela tem quadris perfeitos.

– Senhor, está sendo... rude. Não quero nada em troca da denúncia. Apenas faço o que é certo. Não me aproveitaria de uma mulher vulnerável em uma cela.

– Está me criticando, moleque? – Nigel deu-lhe um tapinha amigável no rosto, mas foi mais forte que deveria – Diga-me o que quero saber, não estou interessado em seu caráter.

O garoto tirou um pedaço de papel do bolso e entregou-o a Nigel, mas ele correu os olhos pelo conteúdo e amassou o bilhete.

– Eu não leio. Aqui neste país vocês escrevem mais letras do que realmente falam. Não consigo entender nada que escrevem.

– É a Taverna da Lua, senhor. Em frente ao Bordel da Vila de Um Coração, ao norte da Estrada Velha, e a meia hora de cavalgada de Dois Corações.

– Se eu souber que está mentindo e ele não estiver lá, saiba que vai pagar caro. Do Castelo até Um Coração é uma cavalgada de quase quatro horas.

Quase tremendo de medo, o garoto caiu de joelhos.

– Por favor, não tenho nada a ver com isso, estou somente cumprindo o meu dever de denunciar...

Nigel segurou-o pelo colarinho e o forçou a ficar de pé, com estupidez. Já estava cansado de ser chamado de senhor.

– Pare de se humilhar e deixe de ser medroso! – gritou-lhe, enquanto montava no cavalo – Se fosse valente, poderia até recompensá-lo pela informação, tornando-o meu escudeiro. Mas, pelo jeito, sua recompensa terá que ser um punhadinho de moedas. Se a informação estiver correta, é claro.


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Notas finais do capítulo

É uma pena que não vimos Lionor neste capítulo. Mas encontraremos com ela no capítulo seguinte, em sua casa, com sua irmã, a condessa harpista. Eu nem me lembro mais como é o reencontro dos dois, depois da cena do torneio, então nos surpreenderemos juntos em breve!
Até a próxima!