Uma Balada para Lionor escrita por Anya Tallis


Capítulo 14
De Resgates Fabulosos


Notas iniciais do capítulo

Continuo no pique de postar mais de um capítulo por semana, porque me dei conta de que estava revisando vários seguidos mas, depois de tanto tempo, não cheguei nem na metade da história ainda! Aqui no meu modesto arquivo do Word, onde a história está salva aguardando a revisão definitiva, este capítulo começa na página 58 de 189. Ou seja, ainda estamos bem longe do fim. Estou revisando vários capítulos seguidos porque, como já devo ter dito, minha memória é péssima e acabei me esquecendo de vários detalhes da história, e é bem bacana ir lendo e lembrando.
Voltaremos a Curvavento neste capítulo. Boa leitura!



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Ele corria pelas vielas de Curvavento, passando pela frente das casas dos seus velhos conhecidos, cumprimentando com acenos rápidos, e os via acenar de volta com sorrisos. Haviam peixes assados, e bolos recém saídos do forno esfriando nas janelas, galinhas ciscando, crianças se divertindo sob as pedras do calçamento. Havia cores e sons, cheiros e gostos, e tudo lhe era tão familiar. Claire varria a calçada, e quando o avistou, ergueu a cabeça com curiosidade, e em seu belo rosto abriu-se um sorriso que o embriagou. E ele a tomou pela cintura, satisfeito por ela ter finalmente compreendido que não eram irmãos de verdade, e deixasse que ele aproximasse os lábios dos dela, a tomasse pela cintura e a rodasse em seus braços, e era ela leve, apesar dos bracinhos rechonchudos e da cintura larga, era leve como a criancinha doce que havia crescido ao seu lado. Seus cabelos vermelhos misturavam-se aos seus, também, vermelhos, e os dois ouviram um estouro. E outro estouro.

Wilhem abriu os olhos, sentindo-se febril e cansado demais. Queria fechar os olhos e adormecer novamente, para saber se o sonho continuaria do mesmo ponto em que parara, mas o som que o acordara continuava a incomodá-lo. Era uma sucessão de estouros, um vozerio, berros. Alarmado, apoiou-se nos próprios cotovelos e apurou a audição. À meia luz, olhou ao redor. Estava sozinho, como em todas as noites, e gritou pelo guarda que tomava conta da porta da enfermaria, mas não escutou nenhuma resposta. Tampouco viu sinal do cura. Sentou-se com dificuldade na maca. O ferimento ainda lhe causava uma dor que o impedia de fazer movimentos bruscos, e por isso, quando tentou descer e colocar os pés no chão, o fez com movimentos extremamente lentos.

Quase soltou um grito de dor quando a porta da enfermaria se abriu com estrondo e ele ergueu os braços repentinamente, um gesto de rendição que sempre ensaiara, mas que nunca havia precisado usar. Viu um homem estranho, com brincos nas orelhas e cicatrizes no rosto, e um lenço vermelho amarrado na cintura fazendo as vezes de cinto, adentrar o local com uma tocha em uma mão e uma reluzente arma de fogo na outra. E, atrás dele, vinha uma garota. A luz da tocha iluminou seus cabelos ruivos.

– Claire! – Wilhem sentiu um aperto no peito, mas teve vergonha de chorar. Olhava para ela, para o desconhecido, e de novo para ela – O que... eu não estou entendendo...

– Ele está me ajudando a te resgatar – ela resumiu. – É Baltazar, o corsário.

Correu para ele, dando-lhe um abraço apertado. Ele fez uma careta de dor sem que Claire percebesse, e notou que a garota também trazia uma arma. O pirata bateu palmas.

– Que coisa belíssima, o amor fraternal. Tenho dezesseis irmãos, e nenhum deles nunca esteve preso. E são todos piratas, até as mulheres. E veja esse menino molenga; o que pode ter feito para merecer tal castigo?

– Eu tentei matar um homem da guarda pessoal do rei. – Wilhem afastou Claire de si delicadamente, segurando-a pelos ombros.

Baltazar pareceu não acreditar, e deu um sorriso amarelo.

– Pode andar, companheiro? Parece ferido.

– Vou tentar.

Foi preciso que Baltazar ajudasse Wilhem a sair da enfermaria e a descer as escadas da fortaleza, passando pelos corpos dos guardas mortos em poças de sangue. A descida foi lenta e cheia de pausas pois, pelo caminho, iam saqueando todos os cadáveres, tirando-lhes as espadas e punhais. Um massacre. Wilhem sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo. Como Claire conseguira se envolver e negociar com um homem violento daqueles?

Ao fim da última escada, pouco antes de cruzarem o corredor em direção à saída, Wilhem parou de caminhar e pediu que Baltazar o largasse. Encostou-se à parede e estendeu a mão a Claire.

– É uma arma de verdade! – ele estava espantado – Mas Claire... sabe como atirar?

– Baltazar me mostrou – ela entregou ao irmão de criação o objeto, para que ele olhasse de perto – Não é muito diferente das espingardas que a gente usava para caçar.

Wilhem fechou os dedos em volta do metal frio. Uma arma de verdade, e carregada. Percebeu que nenhuma bala havia sido disparada e, portanto, todas as mortes haviam sido obra do pirata.

– Obrigado, senhor Baltazar – o garoto inclinou a cabeça.

O pirata fez uma careta de desprezo, como se não se importasse com agradecimentos. Deu-lhe as costas e caminhou em direção à porta, resmungando.

Obrigado de nada me serve. O que tem valor pra mim é dinheiro no meu bolso e meu pau enfiado em uma virgem.

O grito agudo de Claire ecoou pelas paredes da fortaleza quando, em um brevíssimo instante, Wilhem ergueu a mão que carregava a arma e atirou na nuca do pirata. O homem nem mesmo teve tempo ou forças para se virar e ver qual dos dois havia atirado; caiu pesadamente no chão, o sangue empapando-lhe os cabelos grisalhos, e os olhos arregalados na direção do piso.

– Wilhem, o que fez! – Claire levou as mãos ao rosto – Precisávamos dele para sair daqui. Não posso carregar você junto com as espadas que saqueamos.

O rosto do garoto estava transtornado.

– Não, Claire, só precisávamos dele para o resgate, e o resgate está feito. Posso caminhar, apesar da dificuldade e da dor. Consegue carregar o saque?

Ela assentiu, com um leve movimento de cabeça. Agachou-se para tirar a arma dos dedos retorcidos do pirata morto, e a juntou ao saque. Era uma sacola demasiadamente pesada, mas Wilhem estava ferido, e não podia ajudá-la. Tinha pena dele, cada passo curto e lento impulsionando-o para a frente. Desejou ser forte o suficiente para carregá-lo nos braços.

– Oh, Wilhem, eu tive tanto medo de não mais te ver – ela passou por mais um guarda morto na saída da fortaleza. Sentiu-se aliviada quando conseguiram sair do local sem encontrar nenhum guarda vivo para interceptar-lhes o caminho.

– Eu também tive medo – ele concordou, mas havia mágoa em sua voz – Foi embora sem se despedir, Claire. Passei dias pensando se estaria brava comigo... arrependida do nosso plano... não sei...

– Eu quis me despedir, mas o conde não deixou. Sabe que eu jamais o deixaria sozinho, ainda mais ferido. Falando em ferimento, já deveria estar bem melhor, não acha?

Atravessaram o pátio externo da fortaleza, bem como a grama verde que crescia em volta do lugar, para alcançarem o estreito caminho que levava à hospedaria. Faltava horas para amanhecer, o céu ainda era negro como breu. A única luz que possuíam era a lamparina que Wilhem arrancara da parede ao sair.

– Tentei fugir e Nigel Klein me esmurrou no local do ferimento – a lembrança da dor fez com que seus dedos se fechassem com mais força em volta da lamparina – Aquele filho de uma...

– Ele tentou abusar de mim.

– Ele o que? – Wilhem parou de caminhar, sentindo como se um soco o tivesse atingido novamente. Encostou uma das mãos em uma árvore.

Claire contou o que acontecera, e o garoto teve um ataque de fúria. Depois de praguejar incessantemente por alguns minutos, com a voz muito mais alta do que era necessário, atirou a lamparina no chão, e o azeite foi derramado na terra. Estavam às escuras, mas um tênue luar prateado permitia que vissem o rosto um do outro.

– Claire, eu juro que não descansarei enquanto não matar esse desgraçado

– Precisa descansar primeiro, e depois matá-lo. – Claire lembrou-lhe – precisa estar forte e curado para enfrentá-los. E deve começar pelo duque. Não deve esquecer de que foi ele que ordenou o incêndio do nosso lar, e ele que te enfiou a lança.

Mas não foi ele que abusou de você, ele pensou, a raiva consumindo-o, impedindo-o de pensar racionalmente. Claire colocou o braço sobre o seu ombro e guiou-o pela escuridão, lentamente, pelo caminho que ela já memorizara. Levaram o dobro do tempo que a menina costumava gastar para fazer o trajeto entre a fortaleza e a estalagem e, quando finalmente chegaram, escorregaram silenciosamente pelos fundos. Todas as luzes estavam apagadas, mas uma delas se acendeu quando subiam a escada.

– Não é permitido às moças que tragam rapazes para os quartos – bradou o senhorio, olhando para Claire como se houvesse acabado de descobrir que ela era uma prostituta.

A garota cruzou os braços e se virou, com ar desafiador.

– Ele é meu irmão. Pode ver pela cor dos cabelos. E pagarei pela estadia dele, então, se ele não puder ficar no meu quarto, gostaria que reservasse para ele aquele quarto vago no fim do corredor.

O velho soltou um grunhido. A esposa surgiu atrás dele, com ar ganancioso. Preferia permitir a estadia a ter que ocupar mais um quarto com uma única pessoa.

– Pode ficar, pode ficar. Acertaremos o preço pela manhã. Servimos refeições, ouviu, rapaz? Uma pechincha.

Wilhem não estava interessado em refeições, ou em pechinchas. Tudo que queria era descansar e curar a ferida em seu flanco e em sua alma. Claire ajudou-o a deitar, e contou-lhe como planejara o resgate, como arranjara dinheiro para comprar a arma que levava e como convencera Baltazar a ajudá-la. Ele ouviu somente metade da história, antes de adormecer profundamente, exausto.

Quando acordou, a hora do almoço já se aproximava. Estava sozinho, e não reconheceu o quarto em que estava. Levou alguns instantes para recordar os fatos da noite anterior, e sentiu-se aliviado e agradecido por não estar mais preso. Claire havia deixado para ele alguns biscoitos de milho verde, e uma jarra de água fresca, mas ele não sentia fome. Levantou a camisa e viu as manchas negras, e algumas até mesmo esverdeadas, ao redor do curativo. Sem as poções que lhe aliviavam as dores, mal conseguia se levantar.

– Claire... – ele afundou no colchão, com um suspiro. Precisava dela.

A garota chegou meia hora mais tarde, com duas sacola nas mãos. Quando largou a maior delas no chão, ouviu-se um tilintar de metal.

– Desculpe-me a demora, Wilhem! – ela abriu a sacola menor – Trouxe ataduras para trocar o seu curativo, unguentos e uma poção para a dor. Trouxe também algumas moedas das espadas que vendi, e trouxe de volta aquelas que não foram compradas. O movimento no mercado estava fraco, e não há muitas pessoas interessadas em espadas...

– Claire! – ele sentou-se na cama repentinamente, alarmado, e sentiu uma dor fina como se a lança o estivesse espetando novamente. Respirou fundo para se recompor – Ninguém percebeu que haviam sido roubadas dos guardas da fortaleza?

– Claro que não! Como saberiam? São espadas como outras quaisquer... e ia vender para os corsários também, mas é uma caminhada muito longa.

Levantou a saia e tirou de baixo das anáguas o dinheiro que ganhara com a venda da parte do saque e, em seguida, lavou as mãos em uma bacia d’água a fim de começar a cuidar do ferimento do garoto. Assim que se aproximou, ele agarrou-lhe o pulso.

– Escute-me, temos que ir embora daqui. Os outros guardas que vierem para a troca de turno saberão que fomos nós... e não pode voltar a ver os corsários, se eles souberem que matei Baltazar irão lhe fazer mal. Temos que pegar todos os nossos pertences e partir, o mais rápido possível.

– Mas Wilhem, você está ferido. E, além disso, para onde iríamos?

– Para a corte. – ele largou o pulso dela, devagar - Encontrar as pessoas que temos que matar.


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Notas finais do capítulo

Vamos voltar à corte no próximo capítulo, e vamos conhecer mais sobre as mulheres da corte! Não percam.