Desde o meu pequeno acidente lá atrás permaneci quieta a viagem toda. Lauren ainda parecia brava comigo e tinha aumentado o som do rádio a um volume absurdamente alto de forma que se ela falasse algo eu teria que imaginar que era algum palavrão ou xingamento referente a mim. O carro continuava a ir a quase 100 por hora e apesar de algumas buzinadas e sustos de pessoas na rua eu não vira mais aquele rapaz misterioso que mexera comigo de forma tão estranha. Já começava a achar que tinha sido mesmo uma alucinação minha. Ótimo. Além de perder minhas memórias eu ainda devo ter algum tipo de doença psicológica. As coisas só melhoram a cada segundo.

Quando Lauren finalmente estacionou o carro vi em minha frente um edificio de dois andares encoberto pela neve. Ele tinha várias janelas e em sua frente uma estátua de marfim de um homem desconhecido por mim. Ao seu redor havia alguns terrenos vazios onde imaginei terem algumas flores na estação da primavera. Não muito longe da estatua havia uma placa de um metro onde estava escrita "Stratford College" em letras escuras no fundo branco. Um colégio? Lauren havia me trazido para um colégio? Olhei para ela apavorada e a vi passando um batom marrom em seus lábios escuros. Ok, eu tinha que contar para ela sobre minha amnésia. Ela jamais me deixaria vir para cá se soubesse disso. Deixaria? Enfim, que mal poderia acontecer se eu contasse para ela?

"Ir para um centro psiquiatra?" Uma voz da minha cabeça falou. Não, eu tinha que parar com isso. Eu tinha que acreditar em minha "irmã". Eu tinha.

_Lauren, eu... -comecei a falar porém fui interrompida por um olhar de reprovação sua.

_Nada disso, Lucy. Eu sei muito bem o que você quer fazer e não vai funcionar.

_Sabe? -perguntei assustada.

_Sim. Você quer faltar hoje porque tem prova. Não pense que eu não ouvi sua conversa com a Punzie ontem a noite. Vocês planejando ficarem doentes para não irem. Bem, eu não sei quanto a ela, mas você não vai faltar. Agora saia do meu carro porque eu tenho ainda que arrumar minha papelada para meu primeiro dia de aula.

_Você estuda aqui? -perguntei sem querer. Lauren me olhou furiosa e puxou do banco de trás uma mochila.

_Ah, claro. Até porque eu tenho 24 anos e nem me formei ainda. Sério, Lucy. Você está chapada ou algo assim? Enfim, toma essa mochila e entra logo nesse colégio. Sua aula começa daqui a dez minutos. Anda.

Sem conseguir responder eu sai do carro e andei até o prédio nervosa. O que diabos eu ia fazer? Eu nem sabia qual era meu sobrenome, muito menos minha sala e ainda por cima ia ter uma prova. Como eu disse... as coisas melhoram a cada segundo.

_Lucy!!! - ouvi uma voz feminina chamar meu nome.

Me virei e vi uma garota loira com olhos azuis acenando para mim. Ao seu lado havia um rapaz magro mais alto que ela e que tinha um cabelo meio bagunçado castanho claro assim como seus olhos. Demorei um pouco para finalmente acreditar que eles estavam falando comigo e quando tive certeza finalmente acenei. A menina ao chegar mais perto de mim me deu um sorriso alegre e eu pude ver seus dentes brancos e brilhantes escondidos atrás de um aparelho metálico. Quanto ao rapaz ele tinha um de seus caninos meio para cima, mas tinha os incisivos laterais lindos e bem enfileirados.

_Pelo visto a Lauren também descobriu sobre o nosso plano. -disse a garota rindo.

_Que plano? -perguntei sem querer. Sério. Eu tenho que aprender a controlar a minha boca.

A menina me olhou confusa, mas depois começou a rir.

_Hahaha, essa foi boa Lucy. Você quase me convenceu de que não tivesse plano nenhum. Não sei como a Lauren não caiu.

Forcei um sorriso e olhei para os dois me obrigando a tentar recordar seus nomes.

_Se você quiser eu passo algumas respostas para você, Rapunzel. -disse o garoto magro.

_Sem chance, Jonathan. A arte de colar inclui colar de alguém inteligente. Não de alguém abaixo da média.

_Hey, isso é em apenas sete matérias.

_E uma delas inclui educação física.

_Isso é porque o professor não gosta de mim. Eu já falei isso!

Jonathan e Rapunzel. Esses eram seus nomes. De alguma forma eu senti como se pudesse acreditar neles. Um sorriso brotou de meus lábios e comecei a rir da pequena discussão que se formava entre os dois. De repente uma brisa forte nos atingiu e nos fez tremer. Jonathan espirrou e Rapunzel se escondeu em seu cachecol rosa claro.

_Acho melhor nós irmos para sala logo. A prova vai começar daqui a pouco. -disse Jonathan entre os gemidos.

Eu e Rapunzel concordamos e seguimos Jonathan até a sala de aula. Antes, porém, de entrar no edificio ouvi um gritinho finissimo no ar. Me virei e tentei encontrar de onde vira aquilo, porém não tive sucesso. Rapunzel me chamou novamente e eu entrei enquanto uma nova brisa me atingia como se quisesse me dizer algo em suas palavras mudas.

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Suspirei cansada e desapontada em cima do meu sanduiche. Lauren provavelmente iria me matar depois dessa prova. Eu não entendia absolutamente nada de matemática. Aqueles numeros me confundiam e eu nem consegui calcular a área daquele paralelogramo. Como se não bastasse eu tive uma outra alucinação no meio da prova. Eu me vi entre vários beija-flores me observando enquanto voavam ao meu redor. Eles eram lindos, porém incomuns. Diferente dos outros beija-flores eles me pareciam mais familiares. Quando eu dei por mim já tinha desenhado um na folha da minha prova e passei metade do tempo apagando-o com minha borracha inutil. No final ficou pior.

_Bem, eu vou indo então. –disse Rapunzel acenando para mim, Jonathan e um garoto que também parecia ser do nosso grupo.

_Não vá se perder no caminho, loirinha. –riu Jonathan.

_É claro que não. Eu não sou burra e não reprovo em sete materias como certas pessoas. – gritou Rapunzel mostrando a lingua para Jon.

Assim que ela saiu Jonathan virou-se para nós e riu:”Bem, depois dessa prova são oito materias”. Eu e o outro garoto também rimos e ficamos um tempo ali conversando. Eu tomei o máximo de cuidado para não faze-los descobrir sobre minha perda de memorias, por isso geralmente perguntava mais do que respondia. Descobri, depois de alguns assuntos, que o nome do garoto novo era Hiccup e que por ser do primeiro ano seus horarios quase não se coincidiam com os nossos. Apenas a entrada e a saída, como agora.

De repente ouvimos uma buzina e tanto Jonathan quanto Hiccup foram para o carro da mãe de um deles. Eu acenei e permaneci sentada no banco onde estava esperando Lauren chegar. Aproveitei para dar uma olhada ao redor e talvez conseguir recordar algo. Nada. Absolutamente nada daquilo me parecia familiar. Nem as arvores, nem os prédios e tampouco meus amigos. Por que eu não conseguia me lembrar de nada?

_Voltem aqui seus pestinhas. – ouvi então uma voz gritar pelo patio escolar.

Quando me virei vi três garotinhos identicos parencendo perseguir alguma coisa até então desconhecida. Atrás deles estava uma garota ruiva como os garotos, porem mais velha. Mais ou menos da minha idade. Ela corria parencendo nervosa, mas os trigemeos nem a notaram. Só estavam concentrados em algo no céu. De repente percebi que eles se dirigiam em minha direção parencendo agitados. Antes de eu cogitar qualquer coisa os três pularam em cima de mim e nós quatro caimos.

_Ai meu deus. Sinto muito. Sinto muito mesmo. Você está bem? – ouvi a garota que os perseguia falar parencendo preocupada.

_Beija-flor. – berraram os três garotos.

A garota então os retirou de cima de mim e eu me levantei. Ela ora me olhava parecendo envergonhada ora observava os trigemeos parecendo furiosa. Com pena dos meninos acabei por forçar um sorriso e falar gentilmente:

_Eu estou bem. Eles ficam animados nessa época do ano, não é?

_Se isso se tratar dos meus irmãos eles ficam animados em toda época do ano. – riu a garota ainda meio ruborizada de vergonha. Ela olhou para o relógio e seus olhos se arregalaram. –Puta que… Minha mãe vai me matar. Vamos garotos. Desculpe mais uma vez por aquilo, moça.

_Lucy. – a corrigi. – Do segundo ano.

Ela sorriu.

_Merida, do primeiro. E Hamish, Hubert e Harris, do primário. – disse ela os apresentando.

Com os garotos no colo, Merida correu desesperadamente para um carro na estrada me deixando sozinha novamente. Quando o carro se afastou uma forte brisa bateu novamente em meu rosto e me fez arrepiar. Pode parecer estranho, mas novamente tive uma alucinação. Quando o vento passava por mim pude ouvir uma voz familiar e grossa dizer como um sussurro que fez todo o meu corpo arrepiar: “Lucy”.