Seneca adentra minha sala enquanto eu ajeito a taça de licor branco. Beberico um gole e a sensação de ardor prevalece. Estico a garrafa para ele e ele não recusa.

– Então, Seneca, onde está o papel do projeto da arena? - indaguei. Sem hesitar, ele puxou de seu bolso um simples papel azulado com o desenho da arena. Tamanho, proporção, armadilhas.

– O que acha, senhor? - ele perguntou.

– Está ótimo, Seneca sabia que podia confiar em um homem inteligente como você. Mas acho que está faltando mais algumas coisinhas - disse, observando os demais detalhes.

– Mas senhor, ela parece tão perfeita... - ele disse.

– ... mas faltam mais mutações. Seja o mais cruel, lento e doloroso possível. Isto e um entretenimento para nós, mas para eles têm de ser uma maneira para nunca mais se rebelarem - eu disse e bebi mais um gole da bebida.

– Certo... - falou. Senti certo receio em sua voz.

Liguei o aparelho televisivo e ajeitei a rosa na lapela. O cheiro doce e alterado cobria todo o odor de sangue de minha boca. Meus lábios incharam nestes últimos anos, e de forma drástica.

– Veja, a reprise das colheitas deste ano - comentei.

– É, vamos ver os jovens desta edição...

– Distrito Um... Esta menina parece boa... mas preciso que aperfeiçoe o perfil Carreirista. Quero que ela seja sanguinária, ouviu? - digo, autoritário.

– Sim, o senhor verá que ela é uma grande carreirista.

– Agora o menino... alto, forte, bruto... Aquela é a mãe dele? Ótimo, sem falar que me lembro muito bem que o pai deste jovem também morreu... a cornucópia será bem difícil para os demais.

– Veja, Distrito Dois...

– ... Tsk, a situação é bem inversa, a menina parece mais amedrontadora do que o menino.

– Ele é filho de um vitorioso?

– O que? - engasgo com a bebida. Tossi no guardanapo, sujando-o de sangue. - Ele deve morrer se agir assim.

– Distrito Três, agora, senhor - diz o Idealizador, indiferente.

– Uma mãe nos Jogos... tome cuidado com ela, Crane, um dia a filha dela irá adquirir uma raiva intensa, e o sistema pode cair. Mas é para isso que temos Pacificadores, não?

– Ah, o garoto me parece tão frágil...

– Os carreiristas irão engulí-lo na cornucópia, sem dúvidas... Distrito Quatro agora. - Ele muda o canal. - O garoto apanhou? Essas cicatrizes estranhas, espero que seja sanguinário. A menina é voluntária, e ninguém é voluntária a toa. Pelo jeito essa aliança será boa...

– Sim, sim... Distrito Cinco...

– Uma menina que se voluntariou, estranho... o menino parece... diferente. Não vejo nada de especial neles, mas se apresentarem algo a mais, mate-os.

– Espero que eles não mostrem nada... hehe.- Ele ri, sem jeito. - Distrito Seis...

– A garota não vale nada, espero que morra logo, os fracos devem ir antes.

– Mas senhor, ela me parece...

– Morrer. Os fracos devem morrer, me ouviu, Seneca?

– Distrito Sete... outra mãe.

– Jovens sadios, parecem lenhadores... é bom que não deem trabalho.

– Distrito Oito.

– Uma menina adorável, talvez conquiste patrocinadores, se passar da cornucópia. O menino me parece estranho... voluntários no Distrito Oito... é melhor nos cuidar.

– Distrito Nove, com um garotinho de doze anos.

– Esse aí morre - dou uma risada - a menina é sadia. Acho que ela rouba os grãos.

– Uuh, o Distrito Dez. Fracos, deploráveis.

– A menina me parece indefesa, querendo ser corajosa. O menino é um garoto que não tem chances alguma.

– Agora os mais pobres... Onze.

– Uma menina magricela, deve trabalhar no pomar, mas é voluntária. Quero saber os motivos. O garoto também... voluntários só não me assustam se forem carreiristas.

– Agora... haha! Distrito Doze, senhor, deploráveis - Crane riu. Eu observei os jovens e temi por um instante.

– Fique de olho neles, os bons são os mais perigosos. Amanhã quero a ficha de todos eles, preciso analisá-la - disse, sério. - Agora pode ir e não se esqueça...

– Claro que não irei esquecer. - Ele se retira.

Olho para a janela, apreensivo, na verdade os tributos pareciam ameaçadores. Olhares de raiva. Só tinha que reprimir qualquer sentimento de rebelião, e breve.