Reminiscências de Touro escrita por Aries_sin


Capítulo 4
A Torre




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O pagode elevava-se esplendoroso diante dos seus olhos, no sopé de um monte árido.

O complexo com a sua estrutura monolítica parecia capaz de resistir firmemente aos mais diversos ataques da natureza. Do alto dos seus firmes cinco pisos acobreados, despontava a delicadeza dos telhados verdes, as pontas curvadas para cima, e as janelas negras contemplando silenciosamente as montanhas gélidas.

Toc… toc… toc…

Aldebaran inspirou fundo sentindo o peso do ar rarefeito nos pulmões.

O som de choques metálicos preenchia o ambiente desde o momento da sua chegada, exactamente como Tulku Lobsang tinha predito.

Esperou uns instantes, aguardando que a criatura habitante daquele lugar se apercebesse da sua chegada. Mas os sons metálicos não pareciam ter perdido o ritmo.

Saturado da espera, decidiu aproximar-se então da torre e contorná-la, tentando descobrir algum ponto de entrada. Sem sucesso.

Além das janelas que começavam à altura segura do terceiro piso, não havia nenhuma abertura pela qual pudesse passar.

Tashi deleh! – clamou em voz alta, o som ecoando pelas montanhas quase desertas.

O ruído metálico parou de repente, dando lugar a um novo silêncio ensurdecedor. Teria finalmente a criatura dado pela sua presença? Mas se realmente havia alguém nas redondezas; como era possível que não conseguisse sentir ninguém? E o que tinha acontecido ao cosmo que irradiava do regimento de cadáveres umas horas antes…

Tashi…

“Silêncio! Consigo ouvi-lo na perfeição…” - ouviu uma voz entoar directamente na sua cabeça, num grego quase perfeito, apanhando-o de surpresa – “O que quer daqui?”

O cavaleiro manteve-se em silêncio, admirado. Como era possível que um ser com um cosmo tão residual fosse capaz de lhe falar por telecinesia, considerando o seu estado defensivo? Aquela estranha ausência de corpo físico não era bom presságio.

Não acreditava nas histórias de divindades antropomórficas, mas sim em pessoas e seres inteligentes, com corpos físicos e morfológicos. A própria deusa que servia de corpo e alma sofria um processo de reencarnação de cinco em cinco séculos. Seria possível que tivesse perante algo de transcendente que ia contra todas as suas crenças?

Aldebaran pigarreou, clareando a voz, pretendendo ir directamente ao assunto que o levara até ali.

– O meu nome é…

“Aldebaran, cavaleiro de Touro…” cortou a voz, repetindo a pergunta “O que quer daqui um cavaleiro dourado?”

O brasileiro entreabriu os lábios, genuinamente surpreendido pela conversa. Então o indivíduo não só sabia da sua presença, como da sua identidade e, sobretudo, da sua patente enquanto alto comando das forças do Santuário. Mas vivendo isolado naquele lugar, como saberia ele isso tudo?

– Parece-me suficientemente bem informado para saber igualmente o porquê da minha presença aqui… - atreveu-se a responder, sondando a envolvência com olhos atentos numa tentativa de identificar o seu interlocutor.

“Pode haver muitas razões para esta sua viagem… e está em território que me pertence.” – a voz suave e aveludada formava uma antítese perfeita com o que era proferido – “A sua sobrevivência vai depender da resposta à minha pergunta. Por isso repito uma última vez… o que quer daqui?”

Uma ameaça. Aldebaran respirou fundo, sabendo-se em clara desvantagem por diversas razões. Não havia como remediar, a sua única hipótese residia na cartada que o tinha levado até ali: o Santuário.

Passou uma última vez os olhos pelo recinto, analisando possíveis indícios que indicassem o que o esperava. Sentiu a brisa levantar-se e respirou fundo, enchendo os pulmões com o ar revigorante da vasta cordilheira.

– Estou aqui a mando directo do Patriarca Arles, sumo-sacerdote do Santuário de Atena. A minha missão é de entender os acontecimentos recentes nesta zona que levaram à morte de tantos homens, e de dar-lhes um fim.

O silêncio instalou-se no recinto, pesado, ensurdecedor. Permaneceram longamente naquele estado mútuo, em compasso de espera, num jogo de nervos.

Foi então que, aparecendo do nada, o cavaleiro sentiu-se envolto numa potente cosmo-energia sem que nada conseguisse fazer para retaliar. Sentiu-se sufocar, como se todo o oxigénio se tivesse dissipado à sua volta e que lhe fosse impossível respirar.

Tinha subestimado a força da criatura, e encontrava-se agora incapacitado de se defender, como se o seu próprio cosmo tivesse sido congelado e se recusasse a responder-lhe.

Com os olhos semiabertos, a imagem do pagode começou a tornar-se difusa. Aos poucos, sentiu-se tombar, como se o seu corpo tivesse sido despojado de qualquer matéria.

Os olhos nublaram-se.

Igual a um desmaio, o seu campo de visão começou a reduzir-se, até ficar na mais profunda escuridão.

–----

Quando Aldebaran acordou, ouviu ressoar pelo quarto o crepitar das chamas a consumirem lenha, um reconfortante odor a queimado chegando-lhe às narinas. Abriu os olhos com algum custo e observou em redor, ainda meio atordoado, não reconhecendo o lugar onde estava. Notou que fazia escuro, a noite já tinha caído e a sala era iluminada pela luz bruxuleante da lareira acesa. O chão no qual estava deitado era de madeira, e apresentava uma tonalidade avermelhada.

Viu-se coberto por uma pesada manta quente, e a sua mente ainda entorpecida concluiu que estava no interior do pagode.

– Acordou finalmente…

O brasileiro sentou-se com brusquidão, sendo devastado por uma tontura devido ao movimento repentino. Reconheceu aquela voz, agora ouvida e não projectada, e olhou em redor procurando pelo seu interlocutor. Apercebeu-se de uma sombra difusa encostada à parede, que adquiriu contornos aos poucos.

Primeiro, percebeu as linhas de um rosto, os longos cabelos apanhados frouxamente. Não conseguiu definir a sua origem, pois apresentava feições que não se encaixavam em nenhum dos esteriotipos que conhecia.

Os olhos de uma cor esmeralda concediam-lhe um aspecto mais ocidentalizado, apesar das feições suaves orientais. Sentado em cima de algumas almofadas, não apresentava a ostentação da divindade que parecia ser. As mãos sujas e enfaixadas revelavam trabalho árduo; a roupa básica e sem adornos mostravam a simplicidade de vida na qual passava os seus dias.

– Estou vivo… - murmurou pensativo, piscando algumas vezes e mexendo as mãos para ter a certeza que estava tudo em ordem.

– Matar um enviado do Santuário, ainda mais um cavaleiro de ouro, seria uma sentença de morte assegurada.

Aldebaran encarou os olhos verdes cristalinos e teve a ligeira sensação de já os ter visto em memórias longínquas. Não conseguia definir onde exactamente, mas aquela sensação de reconhecimento não o largava – Quem é você?

O homem misterioso exalou profundamente, e levantou-se caminhando na direcção da lareira – chegou até aqui sem saber quem veio procurar?

O cavaleiro afastou a manta do colo e fechou os punhos, sentindo os dedos a contraírem. Apesar dos últimos acontecimentos, não se sentia ameaçado por aquele homem – as indicações que me deram em Jamiel não correspondem exactamente ao que encontrei aqui no pagode… esperava encontrar algo menos… - fez uma pausa, procurando a palavra adequada – humano.

O jovem pegou em alguns toros, atirando-os para a lareira acesa – e que indicações lhe deram eles da criatura que vive aqui?

– Um ser sobrenatural, uma criatura feita de ferro, um Tiejiang, um espírito celeste do grupo dos bTsan… - Aldebaran suspirou, encarando o anfitrião nos olhos claros - Uma mistura de fragmentos de informação bem diferente da realidade que vejo.

– Hum… - o homem murmurou, continuando o raciocínio – então e o que concluiu dessa sua visita a Jamiel acerca da pessoa que vinha procurar?

– Que procuro Mu, o deus celeste e ferreiro de Jamiel, culpado pela morte de vários pelotões chineses e pela aterrorização da aldeia tibetana assim como dos seus habitantes – o brasileiro concluiu, acrescentando a fatídica pergunta – posto isto repito… quem é você?

O homem endireitou-se na cadeira e olhou-o com uma expressão de desafio – Esperava por um enviado do Santuário a qualquer momento, mas devo admitir que nunca pensei que o enviassem a si, Aldebaran de Touro – fez uma pausa de suspensão, concluindo finalmente com a voz aveludada - Pode me chamar de Mu, o deus celeste e ferreiro de Jamiel. Sou o homem que procura.


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