Desde O Fim Até O Começo escrita por Carrie Salvatore Grey


Capítulo 1
Capítulo 1 — Tudo que você quiser


Notas iniciais do capítulo

Apreciem...



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“Perdoe-me pelo amor enterrado, perdoe-me pelas flores não dadas, pelo carinho contido, pela saudade exagerada”.

Irajá, Rio de Janeiro.

Chega uma hora em que precisamos mudar. Mudar nossos pensamentos, nossas ações e reações, nossos desejos mais sombrios e nossas expectativas. Foi isso que pensei quando resolvi finalmente dar adeus a cidade luz e voltar ao Brasil.

Desci do táxi em frente ao prédio que fora minha antiga casa, ajeitei a mochila no ombro e tive ajuda do velho taxista para retirar a única mala que eu trazia, somente para lembrar-me da gentileza dos brasileiros. Paguei a corrida e refleti alguns minutos antes de entrar.

O taxista seguindo seu caminho, o vai e vem das pessoas, o mesmo moço da portaria, a velhinha passeando com o cachorro que cabia na palma da sua mão... Era realmente bom estar em casa.

Toquei a campainha do 304 mais de cinco vezes, até que Luís Otávio, mais conhecido como Ziggy, com a ressaca estampada na face, atendeu a porta. Meu melhor amigo respirava álcool, mas quando passava do sétimo copo, acordava no dia seguinte como se estivesse sido atropelado por um caminhão.

— Fala, brother. — abri os braços e ele espremeu os olhos.

— Estou vendo uma miragem? — meu amigo gargalhou e veio me abraçar. — Pensei que não ia voltar nunca mais, maluco!

O apartamento continuava do mesmo jeito que vi há dois anos. Roupas espalhadas pela sala, camisinhas e resto de comida já faziam parte da decoração. Um típico lugar onde mulheres não entram a não ser que seja na companhia de algum de nós.

Costumávamos festejar dentro desse apartamento mesmo depois que soubemos que era proibida música alta depois das dez. Mas depois que a “festa” começava, era quase impossível parar. Muitas dessas vezes a polícia batia em nossa porta.

— Cansou dos franceses? — Ziggy seguiu até a cozinha enquanto eu jogava minha mochila no sofá.

— Ah, sei lá cara. Resolvi voltar pro meu lugar.

— Deveria ter avisado. Eu poderia ter organizado uma festinha selvagem com umas gostosas aí.

— Até tentei avisar. Mas tu não atende o telefone, mermão. — ele voltou com duas latas de cerveja. Me deu uma e se jogou no sofá.

— Eu tava em Copacabana com uns malucos da faculdade. A parada foi foda.

Balancei a cabeça e ri, seguindo até meu antigo quarto. Assim que abri a porta era como voltar no tempo. O mesmo cheiro amadeirado se abrigava ali, os mesmos móveis nos mesmos lugares, inclusive as fotos que decoravam a parede.

Alem do pôster do Legião Urbana, a parede amarela exibia fotos dos meus falecidos pais, da minha irmã Emily que tinha ido morar no Rio Grande do Sul com o novo marido, e de Alice. Alice Garcia, a garota que um dia fora dona do meu ser.

Ao ver os olhos tão azuis, os cabelos dourados e o sorriso genuíno em seus lábios, fui invadido por uma sensação estranha, algo que jamais senti.

Eu era completamente apaixonado pelo sorriso dela, só não tinha dito isso ainda. Se dissesse, talvez ela acreditasse realmente no amor que sinto.

— Posso confessar uma coisa? — disse enquanto segurava seu rosto.

— Claro.

— Seu sorriso é o mais lindo que já vi na vida.

— Posso confessar algo também? — ela mordeu os lábios.

— Pode.

— Esse sorriso só existe quando estou com você.

Estar com alguém é sempre bom. Mas estar com alguém que ama é como explodir fogos de artifício e reproduzir a felicidade na forma daquela luz que risca o céu. Eu não sei o verdadeiro significado do amor, mas se alguém me perguntasse, eu responderia: Alice. O primeiro e único amor da minha vida.

Vieram outras antes dela, é claro. Mas nenhuma possuía seu perfume natural de flores, seu jeito doce de ser, seu jeito doce de falar. Nenhuma me fazia ver o mundo colorido, nenhuma conseguia arrancar-me da cama antes das oito somente para levá-las a praia. Mas Alice conseguia. Ela conseguia ser o exemplo de garota perfeita.

Meu amigo entrou no quarto sem que eu percebesse, e quando viu minha mente voltando ao passado de dois anos atrás, foi logo dizendo:

— Ela escolheu serviço social. — ele disse, se aproximando das fotos. — É a melhor aluna da faculdade.

— Eu já imaginava.

— Mas ela só tem um defeito. — Ziggy arrancou da parede uma foto que Alice vestia um biquíni e mostrava a língua para a câmera. — Tem um péssimo gosto para namorados. Está com o Frederico... Acredita nisso, mermão?

— É, ele vivia atrás dela.

— Mas fala , tu ainda gosta dela né brou?

— Gosto, cara. Nem em Paris consegui esquecer ela.

Para me sentir realmente em casa, eu precisava ter a mesma vida de antes. Algo que me fizesse sentir bem. Precisava de um emprego.

Ziggy foi para a faculdade, correr atrás do terceiro tempo, e eu segui numa caminhada até o ponto de ônibus mais próximo. O dinheiro que meus pais deixaram para mim daria para alugar um carro, por exemplo, mas preferi não abusar. Busão não fazia mal a ninguém.

Depois de arrumar currículos decentes, avistei uma livraria do centro, que ostentava uma placa: “precisa-se de vendedores”. Fui recebido por uma moça morena, que me encaminhou até um engravatado que falava ao telefone. Ele sinalizou com o dedo para que eu esperasse e resolvi analisar o lugar enquanto isso.

Poderia ser bom trabalhar em uma livraria, talvez enchesse a cabeça da gente de cultura. Não li muitos livros na vida, mas uma vez a professora de literatura do primeiro ano nos obrigou a ler Dom Casmurro. “Mas a saudade é isto mesmo; é o passar e repassar das memórias antigas”. Nunca esqueci.

— Ei, você. — o engravatado me encarava. — Posso ajudar?

— Vi a placa lá fora. Queria deixar meu currículo.

Ele assentiu e entreguei o papel a ele.

Passei por bares, mercados, lojas e por último na lanchonete que eu costumava frequentar. Desde o começo do ensino médio, sempre depois das aulas, nossa turma ia tomar Milk-shake naquele lugar. Julia, proprietária do estabelecimento, sorriu de orelha a orelha quando me viu.

— Oh deus! — exclamou e saiu detrás do balcão para dar um abraço e beijar em cada lado do meu rosto. — Como você está lindo!

— Obrigado Julia.

A mulher de meia idade que fora responsável por “acobertar” o caso amoroso de dois pombinhos adolescentes. Os pais de Alice não aprovaram nosso namoro no inicio, e ela era uma das pessoas que contribuíam para nosso amor fluir.

— Por onde andou menino?

— França.

— Hum, virou bacana foi? — ela virou-se para a máquina de sorvete, pondo o copo enfeitado com a logomarca do lugar embaixo dele. Logo o liquido cremoso desceu, desenhando-se no recipiente. Julia o ergueu para mim, dando-me uma colher pequena. — Esse é por conta da casa, para relembrar os velhos tempos.

— De creme! — festejei.

— Claro. Lembro muito bem dos seus gostos.

Sentamos em uma das mesas redondas e vermelhas e Julia contou as novidades. Ela sempre estava a par de tudo que acontecia por ali, mas especificamente em Ipanema, bairro em que Alice morava. Ou ainda mora.

— Eles mudaram o endereço, mas continua no mesmo bairro. — Julia respondeu quando perguntei. — Parece que o doutor comprou uma cobertura.

O “doutor” era Carlos Garcia, pai de Alice e um cirurgião conhecido por todo o Rio de Janeiro. Ele sempre me odiou, por causa da obsessão para que a filha se casasse com algum bacana como ele. E depois do que aconteceu, não quero nem imaginar o que ele pensa sobre mim.

— Ah Pedro, você precisa ver... — Julia comentou. — Alice está tão diferente. Ela quase não vem aqui, acredita? Somente aos domingos, e mesmo assim não costuma ficar mais de vinte minutos. Diferente de antigamente...

— Ainda não a vi. Cheguei hoje cedo.

— Mas está linda, alegre e sorridente como sempre. Só não vou muito com a cara do namorado, o tal Frederico. Que menino petulante!

— Eles estão juntos há muito tempo? — eu poderia me sentir um inútil por perguntar sobre a vida da minha ex, mas eu sabia com quem estava falando.

— Acho que menos de um ano. Ela ficou abalada com o que aconteceu entre vocês. Ficava tristonha pelos cantos. Mas o pai empurrou esse mané pro jogo e ela acabou aceitando.

— Espero que ela esteja feliz pelo menos. — dei de ombros e tomei o final do sorvete. — Agora preciso ir.

— Vá menino, e não se esqueça da gente.

— Ah, — lembrei-me dos currículos dentro do envelope. — Estou procurando um lugar para trabalhar. Se tiver alguma coisa pra mim aqui seria ótimo.

— Claro! Vou ver o que posso fazer. Se eu conseguir algo, te ligo. Mesmo número?

— É sim. O mesmo.

Me despedi de Julia e saí de lá.

Enquanto caminhava, meu celular tocou. O nome de meu amigo apareceu no visor.

— Fala, cara.

— Já terminou seu tour pela cidade, turista? — Ziggy perguntou.

— Já. O que manda?

— Me espera na praia de Ipanema. A galera da faculdade vai pra lá.

— Sério? — fiz uma careta em reprovação. Desejava mesmo tomar um banho de água fria e dormir até o dia seguinte. Estava exausto.

— É brother! Tu não está mais na França não maluco, isso aqui é Rio! Te vejo lá!

Subi no busão e sentei em um assento próximo ao motorista. Perto o suficiente para ouvir a música que tocava no rádio ao seu lado.

Tem dias que eu acordo pensando em você
Em fração de segundos vejo o mundo desabar
E aí que cai a ficha que eu não vou te ver
Será que esse vazio um dia vai me abandonar?

Desejei mentalmente não ter esquecido meus fones de ouvido em casa, somente para não ouvir o Luan Santana dizer o quanto pensava na garota amada. Mas aquela letra entrava em meus ouvidos sem pedir passagem, e me vi ouvindo-a atentamente.

Muito mais que um dia eu sonhei pra mim
Tem a pureza de um anjo querubim
Eu trocaria tudo pra te ter aqui

Eu troco minha paz por um beijo seu
Eu troco meu destino pra viver o seu
Eu troco minha cama pra dormir na sua
Eu troco mil estrelas pra te dar a lua
E tudo que você quiser
E se você quiser te dou meu sobrenome

— Darei tudo que você quiser, minha Alice.


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Notas finais do capítulo

Brother/Maluco/Cara/Brou: amigo, parceiro;
'Mermão': meu irmão;
Parada: algo que tenha feito ou alguma coisa. Exemplo: Pega a parada aê;
Busão: ônibus
Bacana: alguém da alta sociedade;
Mané: idiota, sujeito avoado;



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