Páginas Esquecidas escrita por Napalm


Capítulo 16
Páginas Esquecidas




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– Primeiramente, – A senhora começou, – Saiba que não me orgulho das coisas que fiz. E se eu tivesse realmente em meu poder o que é preciso para mudá-las, eu não hesitaria em fazê-lo.

Eu assenti.

– Primeiro vamos lembrar quem são os Guardiões da Verdade. – Ela voltou a dizer. – Os indivíduos que se autodenominam dessa forma, são pessoas que nasceram com um nível celular diferente do comum e graças a isso, são capazes de controlar partes da natureza, do espaço ou do tempo, dependendo de seu código genético. Os mais sábios destes seres, devotam sua vida a proteção do Livro do Destino no Santuário Selado. Eles vivem para proteger aquele livro.

– O que tem demais naquele livro? E onde estavam os “mais sábios” quando cheguei ao Santuário? – Perguntei, confusa.

– Como sugere o nome, o destino de cada pessoa nesse mundo está descrito naquele livro. E quando digo destino, refiro-me ao modo como vão morrer. Se o livro é alterado, a morte dessa pessoa também é alterada. E também é possível alterar várias coisas da vida de quem você quiser, escrevendo coisas que possam acontecer a elas.

– Isso é assustador… Não podemos mesmo mudar nossos destino por nós mesmos?

– Sim, podemos. Logo te explicarei. Agora, o porquê dos Mais Sábios não estarem lá… Chegaremos nessa parte também – Ela deu uma leve risada. – Há também, o que chamamos de Guia. Ele é eleito pelos mais sábios para se unir ao Livro do Destino. Com isso, seus poderes ficam maiores, pois o Livro do Destino também pode ser usado como um catalisador por nossas células especiais. Através disso, o Guia usufrui do poder de viajar entre os universos paralelos.

– Universos paralelos? – Perguntei, interessada.

– Vou lhe explicar com um exemplo básico. Suponhamos que esteja viajando e, subitamente, encontra-se diante de uma bifurcação. Deve-se decidir se tomará o caminho da esquerda ou da direita. Digamos que você tome a esquerda. Você cria então um novo universo, com possibilidades distintas do universo da direita. O universo da direita chega a existir, mas é destruído, pois não participa da linha de tempo real. Porém, quando o Livro do Destino cria um universo, ele não é destruído, mesmo que não participe da linha verdadeira de acontecimentos. Estes são os universos paralelos.

– Isso é incrível.

– E é um conceito importante para entender o que aconteceu. Muitos tentaram usufruir das vantagens deste paralelismo, mas, assim como alterar o Livro do Destino manualmente, brincar com universos pode ser a coisa mais perigosa que alguém possa pensar em fazer. O Guia, por uma geração, era um indivíduo chamado Athema. Em sua regência eu nasci. Filha de Regina Andreal e Marxis Talysse. Meu nome, Ayede.

Ayede... Aonde tinha ouvido esse nome?

Mas, logo que nasci, fui decretada à morte. Meus poderes eram tão altos quando os poderes de um Guia. Alguns diriam que tamanho poder era uma benção, mas para mim foi uma maldição. Athema ordenou que eu fosse executada, pois o Guia deveria ser a entidade suprema no universo. Meus pais foram mortos tentando me proteger. Eu precisei me esconder a vida inteira. Até que encontrei forças para lutar contra Athema.

“Eu precisava de pessoas que me ajudassem nisso, porém. Dizer que “uni-me” a um grupo de amigos não seria correto. Eu os usei. Usei-os para tentar chegar até Athema e derrotá-lo. Mas este grupo foi exterminado. Contudo, Athema sabia que eu tinha um grande apreço por um dos membros desse grupo. Seu nome era Teoremo Kingsizer. Para me castigar pelo meu atentado contra ele, colocou Teoremo a viver numa espécie de prisão antimística, de onde eu nunca poderia salvá-lo. O que apenas aumentou o meu desejo de vingança. Athema era responsável pela morte de todas as pessoas que amei na vida. E então eu tentei outra vez. Eu o derrubaria e eu seria o novo Guia. Eram esses meus objetivos e eu passaria por cima de tudo que fosse preciso. Usei novamente um grupo de jovens como auxílio. E desta vez, sucedi-me. Ironicamente, fi-lo graças a filha de Teoremo, Alice Kingsizer, e também filha de Helena. Alice alterou o livro de modo que o sangue dos Kingsizer se tornasse veneno mortal ao Guia e então, atirou contra ele uma lâmina banhada com seu sangue. Athema fora finalmente banido de todos os universos.”

– E então, você tomou o lugar do Guia?

Ela balançou a cabeça afirmativamente.

– Sim. Porém, aconteceu algo que não estava nos meus planos. É sabido que o poder do Guardião que se torna Guia é ampliado centenas de vezes. Era algo que meu corpo e mente não conseguiu suportar. Um ódio que eu carregava em mim, da natureza mais intrínseca possível, transbordou. E é por isso que digo que não me orgulho desses acontecimentos. Tenho uma vergonha imensa de dizer, mas agora não faz mais diferença, você logo os saberá. Eu amava Teoremo de uma forma que chegava a ser doentia. Mas… Ele era enamorado da bela Helena Maltieur e ela significava tudo para ele. Eu quis tirá-la desse mundo várias vezes, eu a detestava por ela ser quem era. Uma inveja humana. Eu controlei esse sentimento por toda a minha vida e deixei que Teoremo ficasse com sua amada. Mas quando me tornei Guia, perdi totalmente o controle. A minha vida parecia não ter feito nenhum sentido e, mesmo com tanto poder, eu ainda não era capaz de salvar Teoremo de seu destino feito por Athema ou colocá-lo no meu.

“E, descontroladamente, destruí tudo que me fazia lembrar de Teoremo. Destruí sua vila que guardava tantas memórias: Gaela. Ensandecidamente, causei a pior das chacinas.”

Eu olhei para ela, assustada. Eu não sabia mais se sentia dó de Ayede ou medo.

– Mas antes que o poder e a loucura me consumisse por completo, eu alternei Gaela de dimensões. A vila estaria intacta na linha de tempo real e, eu, com o poder ilimitado, criaria um universo onde eu mandaria pra lá a Gaela destruída. E junto com a vila, foram minhas memórias e meus desejos. Um universo totalmente novo foi criado. Um universo onde eu nasceria uma pessoa diferente…

E então percebi que Ayede olhava para mim, esperando que eu assimilasse tudo. Quando finalmente o fiz, uma lágrima caiu de meus olhos.

– Sou eu… – Eu disse, finalmente.Tentando não soluçar. – Eu sou você.

Uma Guardiã cujo poder fora bloqueado por células antimísticas, as mesmas usadas para a confecção da Pedra dos Astros. Por isso você pôde abrir o portal do Arco de Medeia. Niele… – Ela suspirou. – Você é tudo que eu sempre quis ser. Alguém normal… Com as qualidades de Helena. Seus belos cabelos azuis. Sua determinação. E dona do amor de Teoremo.

Sim… Até meu sobrenome era o mesmo de Helena.

Quer dizer… Tudo que vivi… É uma mentira. Não somos parte do universo verdadeiro… E mesmo neste universo falso, eu sou uma mentira!

– Eu sinto muito. – Ayede me disse, sua expressão tristonha. – Eu compreendi meus erros e quis consertá-los. Precisei criar um elo entre os dois universos. Jessica era esse elo.

– Jess?! – Perguntei, desnorteada.

– Uma amiga ideal para meu eu ideal. Alguém que sempre quis o amor de uma pessoa, mas este amor já tinha dono. Jessica sempre foi apaixonada por Seth, que amava Alice. Eu vi minhas dores nela. Eu quis tê-la por perto e protegê-la do que eu passei. É por isso que existe um sentimento em você tão forte em relação a ela…

Levantei-me da cadeira. Estava me sentindo perder o ar.

– Através do elo de Jessica, foi possível trazer Fergo do outro universo para me auxiliar. O que havia sobrado de mim era apenas uma carcaça sem muitos sentidos e pouca força. Fergo conseguiu se safar da destruição de Gaela… Um dos únicos. Vi nele um grande potencial que não havia sido explorado. Ele era ideal para a missão.

– E Reeve?! – Perguntei, com medo da resposta.

Ayede esperou que eu me acalmasse. Eu perguntei novamente, embora minha voz não saíra com a força que eu esperava:

– … E Reeve?

– Reeve é um clone de Teoremo. Tanto físico como psíquico. – Ela falou, então. – Alguém que esteve com você desde os mais remotos primórdios. Alguém que tem problemas em se lembrar de seu passado, porque ele realmente não está concreto.

Não. Eu queria ter o poder de não acreditar naquelas coisas. Mas eu sabia que eram verdade. E isso machucava.

– O que houve depois? – Perguntei, abafando meus suspiros.

– O novo universo criado misturava futuros e passados da linha de tempo real. E graças a isso, Ramona Celestia estava viva. Tudo teria sido perfeito se não fosse por esse detalhe.

– Ramona é uma Guardiã também, não é?

– Sim. E seu poder é um dos mais complexos. Ela consegue ver através dos olhos do filho.

– Não me parece grande coisa.

– Não seria se ela não conseguisse ver só dos olhos do Maguine deste universo. Mas Ramona é capaz de ver através dos olhos dele, não importa qual a versão dó Maguine ele seja. Ela pode ver através dos outros universos… Através do tempo e espaço. A Imperatriz usou disso para estudar tecnologias antigas e futurísticas. Usou disso para conhecer sobre o Santuário Selado e sobre suas fraquezas. Estudou mais do que ninguém os Guardiões da Verdade e seu mundo secreto. E finalmente descobriu um modo de vencê-los.

“Ramona levou então seu exército para o Vale Ogren, onde guerreou contra os Guardiões deste universo. Ela os derrotou e os prendeu nas torres de extrações que ela mesma criou. E então, retirou as células místicas de todos através de sua engenharia. Ela também obteve tecnologia suficiente para rastrear estas células em qualquer parte do mundo. E sempre que as encontrava, mandava seu exército buscar.”

– Mas você disse que minhas células foram bloqueadas. Como ela me encontrou?

– Jessica. No momento em que vocês foram levados para Gaela por aquele vil garoto de vestes negras, Jessica despertou o elo entre os universos. Afinal, ela era a chave entre a linha de tempo real e a alternativa. A Corporação então obteve informação de quais pessoas estavam ali naquele local.

– Emmet. – Eu intervi. – Emmet fez isso acontecer. Por quê?

– O Guia tinha poder demais para que as torres de extração fossem suficientes para remover suas células. A única coisa que selava grande parte dos seus poderes, era o lacre que eu mesma havia criado sobre o Livro do Destino quando recuperei o controle, que veio para esta realidade como consequência da fusão entre distintos tempos e universos que culminou neste em que você vive, impedindo que qualquer Guia pudesse usufruir de sua ampliação de poderes. O Guia deste universo, então, precisou acabar com meus planos…

“… O plano onde Niele teria uma vida perfeita. Um plano onde eu teria uma vida perfeita. Para recuperar seus poderes, Emmet precisou que você chegasse até o lacre. Sim, o garoto é apenas uma projeção do Guia deste universo. E pior do que isso. Emmet é Athema.”

Coloquei minhas mãos em meu rosto, cobrindo meus olhos encharcados. Tudo aquilo era pior do que eu pensava que seria. Tantas respostas… Tanto terror.

É tudo muito cruel, eu sei. Mas Niele, é preciso que você saiba, que no momento que voltar ao Santuário, seremos uma entidade única novamente.

Eu entendia.

– É o meu fim então. O fim de Niele.

Ela assenti com sua expressão de culpa. Limpei minhas lágrimas.

– Eu, de fato, sou você. – Ayede voltou a dizer. – O que te contei, aconteceu contigo. Porém, sua memória foi apagada. É apenas uma vida perdida no passado. Uma página esquecida.

– Eu estou pronta. – Eu disse. – Eu não preciso mais desse lugar para preparar minha mente. Eu estou pronta para ter o que falta em mim de volta.

Ayede fechou os olhos e assentiu. Um clarão irrompeu na sala e tudo começou a ser lentamente consumido por uma luz branca. As cadeiras foram encobertas pela claridade, e então as mesas e tubos…

– O lacre está rompido. – Ayede falava, enquanto era lentamente consumida pela luz. – O poder do Guia voltará. E Niele, Isso inclui todos os guias.

Um clarão.

E então eu estava de volta na sala do Livro do Destino. A mão direita sobre a capa grossa. Emmet estava na minha frente, olhando para meu rosto, buscando alguma coisa em meus olhos.

Um segundo passou.

Dois segundos.

Antes do terceiro, elevei o punho acima do ombro e com um gesto do braço, conjurei uma onda psíquica que o garoto de vestes negras rapidamente revidou, criando um campo de força invisível em volta de si, embora sendo atirado para trás da mesma forma, pairando de pé no ar, levitando.

– Muito bem. – Athema falou, debochado.

– Eu vou acabar com você. – Falei, dando a volta no pilar que segurava o Livro do Destino e me colocando em posição de combate. – E de uma vez por todas.


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