Apenas um olhar escrita por Eubha


Capítulo 126
Capítulo 126:




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Anita sentiu-se anestesiada diante da cena que acompanhava de longe... Algo nela lhe puxava para baixo, sufocava, tirava sua capacidade de respirar com clareza, como se isso fosse à coisa mais difícil deste mundo para ser executada, ela não sabia o que fazer... Era   um misto de incerteza e mágoa que havia a detonado por completo, ela quis imensamente não precisar usar suas pernas para sair dali, já que seu corpo inteiro se encontrava enfraquecido, juntou o mísero respingo de forças que ainda podia ter dentro dela e virou as costas saindo pela porta lateral por onde havia entrado, agradeceu suplicante não ter sido vista por ninguém, ou de fato não saberia jamais como reagiria, já que coragem para disfarçar ela sabia que não encontraria.... E Anita só implorava dentro de si,  não se sentir  ainda mais frágil e tola, do que já se sentia naquele momento.

— Filha, meu deus Anita fiquei preocupada onde você foi. – Vera agiu com susto quando viu a garota distraída abrir a porta de casa. – É perigoso, você não está boa ainda pra andar sozinha. – a mulher tenta argumentar solidária. Mesmo que ainda estivesse sob efeito do choque que se abateu em si, quando chegou em casa e não encontrou sinal nenhum da presença da filha.

— Foi mal mãe eu, fui na farmácia e...  – a garota disse  intempestiva e não prevendo, deu de cara com a mãe, e tão somente também se deu por conta em como sua voz estava rouca e enfraquecida. -  Vou pro meu quarto descansar. – justificou uma Anita aérea e mal sabendo como sua voz saiu, que quando entrou em casa totalmente desatenta não esperando encontrar alguém inventou a primeira desculpa em que se recordou, imaginando ser viável.

—  Ué mais porque não me pediu, tinha ido pra você. – Vera falava apenas notando a figura da filha escapulindo pela escada cheia de pressa, pois de fato, Anita encontrava-se em fuga não queria ter que explicar a mãe o motivo de sua cara nada boa. A mãe observou a moça ainda subindo  os últimos degraus e só aí ficou intrigada com o fato de que ela não trazia consigo sacola alguma, demonstrando que realmente havia feito uma compra na farmácia, porém sem saber como abordá-la guardou a observação consigo... E sentiu seu peito se apertando ainda mais pelos dilemas enfrentados por sua primogênita.

Muitas vezes a dor física pode se tornar indolor, diante daquela que vem da alma, a primeira ainda expulsamos, aliviamos de alguma forma, mas  àquela que nos atormenta por dentro, nos devasta, mutila sem pedir permissão, quando menos esperamos, ela nos pega de jeito regada de muita decepção. Nos joga no chão, nos paralisa, nos sufoca... E sem que nós possamos impedir, nos faz sentir como se fossemos explodir sem avisos...  Num ritmo lento, cruel, amargo que nos vai matando aos poucos...

A inércia que se encontrava o corpo de Anita, encolhido sobre a cama, não tinha em nada a ver com a agitação e sentimentos corrosivos que se instalaram dentro de seu peito, onde um coração batia apressadamente num tom cheio de agonia.  A mente da moça a cada segundo, saltava insistente percorrendo cada detalhe da cena que havia acabado de presenciar no restaurante do padrasto. Ela queria esquecer, implorava  cada vez mais com insistência que ela conseguisse, mas seu coração bem como mente,  teimosos e desesperados com toda tristeza acumulada, persistiam em lembra-la daquele episódio, era a triste cena de um filme ruim que decidida se manifestava, e a cada momento relembrado, trazia consigo um novo sentimento de desalento... Eram lágrimas que ela não queria mais chorar, se negava, mas o poder de controlar o turbilhão de emoções dentro de si,  parecia ser algo que estava fora de seu alcance.

 Apenas restava a ela o sentimento da submissão, à toda confusão que estava instaurada em sua alma...

A cena de seu ex-namorado e ainda grande amor, conversando com a moça estranha, que Anita julgava não conhecer,  em uma das mesas do restaurante. Havia mesmo, e sem Anita planejar acabado de vez consigo, por mais que a menina ainda tentou dizer a si mesma que não era o melhor, reagir de tal forma, mas simplesmente armar todas suas defesas não foi o suficiente para que ela obtivesse hesito em sua suplica. Talvez não fosse nada de tão grandioso, era só uma conversa, a moça repetiu milhões de vezes para ela mesma... Eles estavam felizes, estavam de fato, a outra garota era linda e também tinha um semblante de simpatia evidente, ela tinha... Era alguém muito linda e feliz, tudo que Anita não estava conseguindo ser e muito menos parecer nos últimos tempos. Quem sabe Ben não queria de fato esquecer o passado, esquecer os problemas causados pela relação dos dois, tudo desandou desde que eles começaram, talvez ele só estivesse querendo um recomeço diferente para si, um recomeço sem mágoas que ela poderia não poder o dar, talvez ele quisesse esquecer, toda insegurança fez a moça devanear confusa...

O sentimento de decepção e até traição, era descabido e ela tinha plena certeza disto, mas simplesmente não estava conseguindo evitar, era doloroso demais pensar, não podia culpar Ben, não por completo... Reconhecia que a maior culpa é de fato dela... Anita foi quem o mandou embora de sua vida, inúmeras vezes nos últimos tempos, achava que pelos motivos certos, achava que tinha justificativas, o medo do que Antônio poderia fazer ao seu grande amor simplesmente a cegou... A impediu de enxergar inclusive, que poderia estar o perdendo, para toda mágoa que o garoto podia vir a sentir, mas pensar nisso agora também nem adiantaria, tudo já estava feito, não havia mais como voltar atrás, era um caminho percorrido e selado, e se agora o caminho de Ben já não era mais ao seu lado, talvez caiba a ela, só o consolo de saber que mesmo com tudo que perdeu, ainda assim conseguiu poupar Ben de toda loucura de Antônio. Já o resto ela teria que sentir calada, e aguentar, como alguém que suporta tudo sem se pronunciar... Sufocar, esse era o verbo que a moça teria que praticar, e ainda habilmente, ou caso contrário, não aguentaria o olhar de pena de ninguém em cima dela, ao menos por hora...

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— Filha trouxe teu almoço. – Vera informou com a voz carregada de ternura, quando chegava no quarto.

— Não precisava, eu podia ter descido. – Anita disse tirando a cabeça do travesseiro e fitando a mãe na porta carregando a bandeja. Tudo bem, que não estava muito fácil encarar os irmãos e todo clima de dúvida e perguntas que eles não tinham coragem de lhes fazer a respeito de tudo que havia passado, além disso, seu jeito desanimado também não a ajudava em nada, mas tudo que Anita não queria, era dar ainda mais trabalho para a mãe que já tinha tantos afazeres e coisas mais importantes para se preocupar.

— Não foi incômodo, imagina. – Vera garantiu sorrindo afetivamente para a garota entrando com a bandeja, a falta de assunto entre as duas ficou evidente. E Anita, que tinha a mente sobrecarregada por velhas e novas angustias sentou escorada a cabeceira da cama esfregando os cabelos abrupta, enquanto tentava ajeitá-los bem como fugir de todo olhar de questionamento da mãe, tudo que ela não queria, e nem precisava agora era ter que lidar com perguntas que não queria responder, ou sabia que não podia, a dor dentro de si não era algo a ser compartilhado.

Quanto barulho podia caber naquele instante de silêncio entre as duas... Era o que Vera se perguntava por trás do sorriso doce que esboçava em direção à filha. Quais eram os reais sentimentos de Anita, o que estava por trás de todo seu jeito introspectivo, durante todos os dias no hospital e as poucas horas em casa... A doceira não sabia como desvendar os mistérios e confissões que podiam estarem presentes naquele olhar, seguro e aparentemente tranquilo que a moça lançava a si... Será que era verdade o que dizia Ronaldo, de maneira hostil a ela na última vez que os dois discutiram a situação da família, dias antes de Anita deixar o hospital... Ela talvez não tivesse como saber a proporção da tristeza da filha por trás de toda sua frieza e estabilidade emocional, por fora as cicatrizes já estavam quase curadas, mas por dentro, Anita nem havia começado seu processo para exorcizar de vez todas suas dores, ao contrário ela se empenhava habilmente na tentativa desesperada de matá-las sufocadas... A mãe estava com medo, estava desencorajada, para cogitar que sua primogênita estivesse realmente sofrendo tanto assim, desde que sua vida começou a dar errado. Culpa também  estava presente, Vera não soube perceber antes, tudo de ruim que se passava com a filha, então falhar agora numa empreitada de a ajudar também não trazia sentimentos confortantes a ela...

— Não é que... – por um segundo a moça realmente nem tinha como explicar. – Eu podia ter descido pra almoçar, na verdade eu já estava indo só que... – diante do olhar calado e intimidador da mãe, Anita quis justificar, não queria que Vera percebesse que a manhã jogada na cama quase sem forças, foi também amarga, era a falta de perspectiva lhe cegando e acabando com sua vontade de recomeçar, na verdade a moça nem tinha muitos planos para isso, mas pensava que ao menos daria para acalmar um pouco seu coração, mas procurar Ben naquela manhã só piorou um pouco mais, o que já era desanimador, a leve certeza de que nada seria como antes só fez a moça ter mais motivos para não saber o que seria de si dali em diante. – Eu já iria descer, enfim... – completou ela, não vendo como se explicar melhor, só não queria que a mãe  desconfiasse do motivo de seu total isolamento, apenas não queria ter que responder mais nada.

— Eu sei que você está fraca ainda, por isso não se preocupa, não foi trabalho nenhum. – o sorriso otimista da mulher, abrandou razoavelmente o coração de Anita por um segundo. – Agora trate de limpar este prato. – ordenou Vera tentando parecer firme, ou caso contrário se o pedido não fosse cumprido haveria consequências, mas a alegria na voz do boleira deixou apenas a garota rindo tímida sem mais pretensões.

— Vou tentar. – Anita se viu obrigada a prometer, mesmo que nada estivesse descendo por sua garganta, pensou que passaria com os dias, quis botar a culpa na comida insossa do hospital, mas hoje teve certeza que seu problema ia tão além. Ela... Ela mesma, era exatamente seu problema, ela e sua maldita capacidade de não ter se livrado ainda daquele sentimento embolado e de completo dissabor, que fazia questão de cultivar mesmo sem querer.

— Vou indo. – alegou Vera depois de não saber mais o que conversar com a filha.

— Obrigada. – Anita agradeceu sabendo que não se sentia preparada para ser mais carinhosa com a mãe do que aquilo, algo ali estava muito quebrado, as palavras duras ditas pela mulher nos dias anteriores a todo medo de perdê-la também eram, fantasmas mascarados de decepção, doeu fundo ouvir tudo aquilo da mãe... E por mais que quisesse, o esquecimento não recaia sobre tudo que Vera havia lhe dito por cogitar toda leviandade da filha ao supostamente se envolver com Antônio.

— Não precisa agradecer.  – pronuncia ela, virando-se para ir embora. E no fundo Vera sentia realmente que não precisava, a culpa pela injustiça a essa altura lhe fazia sentir que aguentaria qualquer discurso da filha, ainda mais depois de quase a perder para um destino brincalhão e sem nenhum remorso pela dor que ele poderia estar causando.

Ainda sem vontade, Anita ficou encarando o prato sem nada de miséria trazido pela mãe, bom quem sabe Fulano gostasse de ganhar escondido um pouco de frango refogado, batatas, arroz, e salada de cenoura e beterraba, caso ela não desse conta sozinha.  Além disso, o cachorro poderia gostar de suco de laranja, e salada de frutas de sobremesa... A garota só soube rir  ao cogitar que o cão  do caçula não estivesse disposto a ser tão saudável assim...

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— Olha é sério eu nem sei como te agradecer, eu tava muito perdida com esse monte de aula ao mesmo tempo, e é um emprego tão bom, que eu não queria perder sabe, to precisando muito. – a garota que até então era uma completa estranha para Ben, se explicava com toda gratidão que poderia sentir ao ser solidariamente ajudada pelo rapaz, depois do o procurar em busca do cronograma de aulas e conteúdos que era magistrado no cursinho, onde ela era agora a mais nova contratada, nem ela imaginou que o rapaz seria tão solicito e cordial e explicaria todas as suas dúvidas em relação ao novo trabalho.

— Imagina, não tem de que, eu também fiquei perdido no início, mais depois é tranquilo, e você se acostuma. – Ben respondeu  ameno, ajudando  a garota sem qualquer egoísmo, por mais que não esperasse que ela o procurasse para pedir ajuda com o novo trabalho de professora de inglês, não demostrando qualquer sentimento de irritação pela garota ser agora a dona de sua vaga no cursinho, o rapaz a ajudou despretensioso, afinal também entendendo que ela não tinha culpa alguma de sua demissão.

— Bom de qualquer forma se você quiser ajuda com alguma coisa, eu estou disposta a retribuir. – garantiu ela simpática. – Eu cheguei no bairro a pouco, mais acho que vou gostar daqui, to animada com essa mudança de ares. – disse empolgada.

— O Grajaú é um ótimo bairro mesmo, eu passei boa parte da minha infância aqui, ih achei que construir meu futuro neste lugar ia ser muito bom, depois que voltei de Miami. – Ben discursou, mesmo que suas certezas com este fato já não fossem as mais fortes e convictas possíveis, muita coisa já havia o destoado de seus planos iniciais, e por último estava à perigosa dúvida, de se  ter perdido àquela que ele mais amava desde que chegou de volta ao bairro de sua infância.  – Você vai gostar daqui Tais, tenho certeza. – desejou Ben à estranha que acabará de conhecer em um tom ameno.

— É, eu to sentindo que sim. – a moça exclamou de volta sorrindo cheia de entusiasmo.

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À noite...

— Ah Ronaldo, estou achando a Anita tão estranha. – Vera comentou com o esposo,  e a agonia sentida pela confissão que a atormentou por algumas horas durante o dia, agora a dominou por completo.

— Estranha, baixinha como assim. – Ronaldo soltou o último prato  que enxugava, ajudando-a com a louça do jantar e ficou com certa curiosidade e preocupação.

— Sim, exatamente isso, está calada, isolada, parece que perdeu a espontaneidade, a alegria. – refletiu Vera não evitando se sentir com seu nervosismo ao extremo. – E pior, eu não entendo, além  disso, eu não percebo o que pode estar a afligindo tanto, porque ela não fala, age como se nada estivesse acontecendo, eu sinto que estou perdendo minha filha e nem sei pra que, ou pra quem, o que de fato se passa com ela... – fala ela nervosa entre perguntas que não conseguia esclarecer.

— Hey Vera. – Ronaldo a cortou querendo amenizar a tensão dela.  – Não seja tão critica, possivelmente esse jeito mais afastado da Anita, seja mesmo questão de assimilar tudo de mal que passou com ela, a situação foi delicada, normal que ela esteja mexida, um pouco assustada, talvez seja só questão do tempo passar. – o padrasto da garota usou de puro otimismo, mas nunca desejou tanto em seu intimo estar certo do que falava.

 - Eu não sei, e também confesso que não tenho coragem de perguntar a ela, e também a Anita nem deve querer minha ajuda depois de tudo que eu a disse durante essa história. – Vera afirma consternada, pressentindo que estava a um passe de se deixar levar pelo choro, que se aproximava já rapidamente.

— Claro que não, você está sendo dura demais consigo, eu tenho certeza que a Anita entende de todo coração que você não fez por mal, que teu equívoco não foi de caso pensado. – Ronaldo quis demostrar apoio incondicional a ela, após ficar em pura apreensão ao  encontrar o olhar lacrimejado da esposa. – As coisas irão se ajeitar aos poucos, eu tenho certeza que vão. – planejou ele, dando um abraço extremamente carinhoso na esposa, que sorriu fraca querendo acreditar. E não era só Vera que queria inabalavelmente se convencer daquele fato, Ronaldo também,  no fundo estava com medo de descobrir o quanto os alicerces de sua família estavam abalados depois do temporal devastador que se abateu, não era só a inércia de Anita que podia o preocupar, havia um outro alguém,  não longe dali que agia normalmente querendo imensamente dizer que estava tudo ótimo... Benjamim, seu filho mais velho era outro que se encontrava muito perdido, e naquele fingir felicidade, Ronaldo sabia que sua família estava beirando a insanidade... E isso era algo de mais terrível para um pai, a culpa por não poder evitar tanta tristeza, que via um filho sentindo... Hoje, Ronaldo só não queria somar a tudo isso a sua própria culpa, o de julgar a si mesmo, pensar que de alguma maneira se algo tivesse sido feito diferente por ele e até por Vera, desde o início, Anita e Ben não precisariam estarem passando por toda aquela situação de hoje.


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