Shinigami escrita por Arthemisys


Capítulo 1
A queda de um anjo




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Shinigami

Por Arthemisys


Todas as pessoas são dotadas de uma alma, o reiko. No momento em que uma pessoa morre, o reiko desta se une ao reiko de seus antepassados. Se alguém morrer de forma violenta ou se no momento de sua morte este guardar um grande ressentimento ou um sentimento de dever não cumprido, o reiko então se transforma em um yurei, um fantasma que apenas vive do medo dos que ainda vivem.

Eu morri, mas voltei ao mundo dos vivos.

Quero vingança, mas não sou um yurei completo.

Sou um shinigami incompleto.”


A queda de um anjo

A chuva parecia lavar todos os pecados dos moradores daquela grande metrópole chamada Tóquio que, excessivamente iluminada, parecia não ter mais medo da noite nem de seus mistérios. Algumas pessoas corriam para debaixo de lajes enquanto outras andavam apressadas cobrindo suas cabeças com jornais e jaquetas a fim de se protegerem do inusitado temporal.

Mas apenas uma parecia não se importar com o oceano que caía sob sua cabeça.

Os pés descalços pisavam com força as poças d’água das calçadas e o resto do corpo tremia pelo frio, já que sua única peça de roupa era a calça jeans desgastada e suja de lama. Numa vã tentativa de dar calor ao corpo, os braços que estavam cruzados, subiam e desciam freneticamente, mas aquela ação não pareceu surtir o efeito que ele esperava. Estava cansado e tinha fome. Mas primeiro, precisava saber onde estava e o que havia acontecido com ele.

Ele queria respostas e estava indo ao encontro delas.

Foi então que viu dentre o mar de edifícios que se estendiam por todo o horizonte, aquele cujo topo tinha em luzes néon, a logomarca da Fundação Graad. Depois de alguns minutos de caminhada, entrou em um beco escuro que dava para os fundos do edifício. Deu um pulo para alcançar a escada da saída de emergência que rangeu quando os carretéis cederam ao ferro que passava por eles.

Enquanto subia, sua mente tentava pela milésima vez, compreender como e porque ele havia acordado naquele lugar. A tontura o fez parar momentaneamente, forçando-o a sentar-se em um degrau da escada de metal. Sentindo novamente vontade de vomitar pelo forte cheiro de lama podre em seu corpo, ele escondeu o rosto entre as mãos. Precisava pensar... Precisava encontrar as palavras certas para quando a visse novamente.

Ao passar a mão pelo rosto, percebeu uma reentrância entre os olhos... E uma estranha lembrança veio em sua mente.

- E então, gostou da nova tatoo?!

- Não! Parem!

- Cala a boca, vadia!

- Não a machuquem! O problema é comigo!

- Claro... O problema sempre foi você!

- Ahhh...!

Foi então que ouviu um grito de mulher e o som de vidro sendo estraçalhado que logo caiu sobre si, como uma chuva cristalizada. Assustado, retirou a mão dos olhos para ver a chuva de vidro vindo em sua direção. Foi então que as trevas da ignorância cederam lugar à luz da verdade.

A resposta.

Desesperado, venceu com rapidez os lances das escadas. Quando avistou no último andar o parapeito de vidro da varanda completamente destroçado, seus olhos correram para a porta dos fundos da cobertura.

A entrada estava fechada e lacrada com fitas de lacre da polícia metropolitana que logo foram puxadas com violência. A porta foi forçada com violência e quando cedeu, ela mostrou apenas a escuridão.

Enquanto caminhava pelas trevas, seus pés eram maltratados pelos cacos de vidro que jaziam pelo chão. Temendo pelo que sua mente gritava, moveu os lábios em tom de súplica.

- Amaranto...?

O silêncio foi a resposta que recebeu.

- A...maranto?

O coração batia freneticamente. Aquilo não poderia ter acontecido de verdade... Poderia?!

Tremendo, agora não mais pela ação do frio, os braços tateavam a parede em busca do interruptor. A luz artificial da lâmpada o fez ficar momentaneamente cego.

Mas o que logo seus olhos viram, jamais poderia ser esquecido.

Não havia móveis. Não havia cores. Não havia sons. Não havia vida.

- Não... Isso não pode ter acontecido!!! – gritou de joelhos, pois suas pernas não agüentavam mais o peso do próprio corpo e da verdade.

Tudo agora fazia sentido. Um sentido tão cruel que preferiu que sua mente ainda estivesse perturbada. O lugar... A lama... A fome... A sede... As dores... O grito... O corpo... A morte.

Ele havia sido atirado da varanda.

Ele estava morto.

E ela...? O que fizeram a ela?

O grito de sua noiva ainda parecia ecoar naquelas paredes opacas de vida. Ele fez de tudo para protegê-la, mas não conseguiu. Não se importava com as dores em seu corpo. Apenas implorava a cada chute ou soco que recebia, para que não fizesse nada à ela. Ao seu grande amor. Mas os ouvidos deles eram incessíveis às suas súplicas. E em meio aquele inferno, ela dizia entre lágrimas: Não se preocupe comigo, meu amor.

- Esmeralda...

Enfim, chorou. Durante um tempo incalculável, ficou no chão, pouco importando se os vidros machucavam aquele corpo já tão destroçado. Encolhido, parecia um feto no útero materno. Quando conseguiu ter forças para abrir os olhos novamente, avistou o caminho que o levaria até a varanda do apartamento. Rastejando, foi até o lugar onde tudo havia terminado para ele.

Ficou de pé, contemplando a rua já deserta. Apenas mais um passo...

Foi quando sentiu um toque mais forte em seu ombro que logo tomou força e o jogou contra o interior do apartamento, apenas parando o trajeto quando um sofá apareceu pelo caminho. Zonzo pelo impacto viu outro ser bem na sua frente.

- Se desse mais um passo, jamais teria esta preciosa chance novamente.

Tentou se levantar, mas não conseguiu.

- Quem é você...

Uma sombra de quase dois metros de altura se moveu através da penumbra.

- Sou apenas um, mas costumo receber muitos nomes. – ao dizer isso, uma lâmpada acendeu e a imagem de um homem de pele branca, cabelos longos e revoltos em um rosto austero de calculistas olhos verdes se fez presente. O terno que usava combinava com a cor dos cabelos e lhe conferia uma elegância sem igual. Após constatar uma névoa de surpresa passar pelos olhos do outro homem que estava na borda do precipício de concreto, ele então continuou. – Mas para você, eu sou Hades, o maior dentre meus inúmeros irmãos.

Subitamente, o homem que se identificou como Hades foi agarrado pela gola da camisa. As mãos sujas do rapaz manchavam o terno que parecia nunca ter sido usado antes.

- Você sabe o que aconteceu com ela? Vamos, me diga!!!

Hades pareceu não se comover.

- Do que falas? – retrucou simplesmente.

- Onde está ela? Onde a Esmeralda... – sua voz falhou ao ver um sorriso brincar pelos lábios do homem.

- Eu não sei de mais ninguém, apenas de você. – respondeu, retirando as mãos imundas que ainda estavam o ameaçando. – Podes não compreender nada neste momento, mas quero que saibas que és muito importante para mim.

Realmente, sua mente não estava assimilando nada.

- O que aconteceu comigo?

- Agora seu cérebro começou a fazer sábias conjecturas.

- Ora, pare de me fazer perder tempo! – criando forças, ele correu em direção a Hades para dar um soco, mas este foi suficientemente rápido para se esquivar e chutar as costas dele que cambaleou e caiu sobre o sofá novamente.

- Sua postura rebelde não lhe garantirá nenhuma resposta minha. – respondeu se sentando numa cadeira a frente do sofá. Com calma, retirou uma carteira de cigarros e estalando os dedos, uma pequena chama apareceu. Após acender o cigarro, deu um trago, jogando logo em seguida uma grande quantidade de fumaça pelo ar. – Não se desgaste. Fique quieto e escute o que eu tenho a lhe dizer.

Fraco pela força do chute, o homem usou a força que tinha nos braços para poder se acomodar no sofá. Agora tossia, tanto pela dor em suas costas como pelo ar contaminado de nicotina.

- Só não ofereço um cigarro a você, pois segundo o Ministério da Saúde... – parou para virar a carteira e ler o verso da embalagem – “Quem fuma pode contrair câncer de pulmão.”

Percebendo que o outro não movera nenhum músculo da face, Hades pigarreou.

- Bom... Infelizmente eu não tenho muito tempo. Mas se realmente quiser saber o que aconteceu com você, me procure às dez horas da noite de amanhã nesse endereço – ao dizer isso, ele jogou um cartão de visitas para o rapaz. – Procure não faltar, pois eu cancelei vários compromissos por sua causa. – e ao se levantar, apagou o cigarro no braço da cadeira. – Até amanhã, Ikki Amamiya.

Ikki viu então o misterioso homem sair do apartamento. Sua cabeça girava a mil e não conseguia mais concatenar nenhuma idéia de forma lógica. Ao pegar o cartão que havia caído no chão, viu que este não trazia nenhum nome, mas sim, um endereço no mínimo, inusitado.

- Píer quarenta e sete...? – sussurrou.

Quando sua mente pareceu mais calma, chegou à conclusão que ir ao encontro de Hades poderia lhe trazer alguma resposta mais concludente.

...x...x...x...

Não esperou que o dia clareasse, pois temia ser encontrado por algum empregado das empresas do conglomerado Graad. Após uma ducha fria, vestiu uma calça velha que havia encontrado por sorte em uma gaveta e dirigiu-se para a rua. Seu corpo pedia roupas e comida e naquele momento, essas necessidades eram sem dúvida, prioritárias.

Enquanto caminhava a esmo pelas ruas ainda pouco movimentadas, viu um homem caminhando com tranqüilidade enquanto lia um jornal. Sem pensar, correu em sua direção para pedir alguns trocados. A forma usada para abordar o estranho não foi bem sucedida, pois este começou a correr, temendo algum assalto.

Pela força do medo, ele não percebeu que sua carteira havia caído no chão.

Ao pegar o objeto e constatando que havia algumas cédulas de íens que poderia lhe ajudar durante aquele dia, Ikki pareceu escutar aquela voz que fazia tanta questão de esquecer... Pensa que irá sobreviver sem minha ajuda? Aliás... Pensa que ela irá aceitá-lo sem a minha ajuda?

- Seu patife... – balbuciou, enquanto virava a face em direção ao prédio da Fundação Graad que pelo porte, se sobressaía das outras edificações. Mas logo sua ira se transformou ao relembrar o rosto que o fazia sonhar. – O que eles fizeram a você... Meu amor?

...x...x...x...

Faltavam cinco minutos para as dez da noite quando Ikki chegou ao local indicado por Hades na noite anterior. Durante todo o dia, Ikki já havia pensado nas perguntas que faria a Hades. Tudo estava ensaiado, pensado. Precisava entender e talvez aquele estranho homem soubesse tudo o que ele necessitava saber.

A brisa marinha agitava os cabelos azulados que de vez em quando eram colocados para trás por uma das mãos. Tudo parecia calmo demais. Aliás, o píer indicado não tinha iluminação. Por acaso o endereço seria realmente esse?

Nesse momento, uma forte luz foi direcionada para seu rosto que se contraiu. Quando seus olhos finalmente haviam se acostumado com a intensa claridade, percebeu que nada menos que um iate de proporções consideráveis estava ancorado no píer. Como Ikki não o havia percebido antes, nem ele mesmo saberia dizer.

- Mas que diabos... Esse Hades é um cara excêntrico mesmo.

Após passar pela passagem que se fazia de ponte entre o cais e a embarcação, Ikki deu de cara com uma porta de metal com uma pequena fresta aberta. Antes de chamar por alguém, a fresta se abriu e um par de olhos azuis por trás dos óculos colorido o encarou.

- O que quer?

- Um tal de Hades quer falar comigo.

- Seu nome?

- Ikki Amamiya.

A portinhola se fechou e logo em seguida o som de porta destravada se fez ouvir. Um rapaz da mesma altura que ele, cabelos espetados e alaranjados, usando uma calça jeans apertada e camisa de cores vibrantes se fez presente, o analisando de cima abaixo.

- Cara, o chefe quer mesmo te ver. Vem comigo.

Ikki ficou ainda mais impressionado com o tamanho do iate enquanto seguia o outro rapaz. Tudo parecia grandioso demais, luxuoso demais... Enquanto percorria os corredores impecavelmente limpos, Ikki percebeu que uma festinha acontecia em um dos inúmeros salões que guarneciam o navio. Vários homens usando roupas dos mais variados estilos, dançavam ao lado de belas mulheres e brindavam a algo que ele não conseguiu entender. Entretanto, o que mais chamou a sua atenção eram as armas que cada um portava: katanas, espadas medievais, lanças, arcos e flechas... O que eles eram afinal?

Um deles percebeu que Ikki os olhava com curiosidade.

- Hei Ichigo, quem é esse cara?

- Não é da sua conta. – o outro retrucou com certo ar de tédio. Ao se virar, percebeu que o visitante os encarava com seriedade. – Esquece esses caras. Vamos.

Quando saíram da vista dos homens, um deles analisou:

- Ele consegue nos ver...

- Será que é mais um novato? – outro indagou.

- Talvez...

Enquanto faziam conjecturas sobre o estranho, um deles permaneceu calado, sorvendo o seu uísque diretamente no gargalo da garrafa.

Ainda caminharam por cerca de cinco minutos até chegarem a frente de uma porta de puxadores dourados.

- Aqui é a sala do chefe. – disse, empurrando a porta.

Não houve agradecimentos. Ikki tomou a frente e entrou naquele outro cômodo.

Mas depois que entrou, não teve certeza de que ali era o escritório de Hades.

...x...x...x...

As mãos corriam devagar, como se quisessem memorizar cada centímetro da pele branca das coxas que naquele momento, estavam sobre suas pernas. As respirações eram pesadas, prova do desejo que imperava entre os corpos que de tão colados, pareciam um só. Uma das mãos subiu indo ao encontro das fitas de cetim que prendiam o corpete preto. O beijo parou no momento em que ele puxou o laço, afrouxando a peça de roupa que ela usava. A boca avermelhada sorriu ao perceber o olhar esverdeado sobre si.

- Seu escritório não é o local mais adequado... – disse, sussurrando perto de um ouvido dele. A voz meiga misturada ao hálito adocicado o fez arrepiar por inteiro.

- O melhor local é aquele onde você se encontra, rainha. – retrucou, enquanto se aproximava da boca tentadora. Sentiu um suspiro pesado no momento em que mordiscou de leve o lábio inferior.

Talvez aquele jogo de sedução continuasse, mas um pigarro fez com que o casal parasse para ver que eles não estavam sozinhos.

- Ah... É você. – Hades falou, enquanto acariciava o rosto da jovem de beleza singular.

- Não foi a minha intenção interromper o seu amasso. – retrucou de braços cruzados.

- Sim, eu sei. Aliás, eu já estava esperando por você... Por favor, poderia nos deixar a sós por um momento, minha rainha?

- Claro. – ela respondeu, saindo do colo de Hades e se dirigindo a saída.

A jovem mulher de longos cabelos negros, olhos verdes e usando um vestido preto com rendas e babados que mais pareciam apetrechos de uma autêntica gotic-lolita, perscrutou Ikki enquanto se retirava do escritório. Quando ficaram a sós, Hades se levantou da cadeira, indo até a frente da grande mesa de granito preto e colocando as mãos nos bolsos da calça de forma displicente, começou:

- Como se saiu em seu primeiro dia de recém-nascido?

- ...

- Pelo visto, você é alguém de poucas palavras e mais ações. Isso é um bom começo. - Hades silenciou enquanto virava um note book para si e após teclar alguns botões, voltou a falar:

- Você se chama Ikki Amamiya e morreu após ser jogado do vigésimo nono andar de um edifício no dia 15 de agosto de 2005, às onze horas e quarenta e três minutos da noite. Mas antes de morrer, você sofreu muito na mão de seus assassinos, não é mesmo?

- Como você sabe disso? Como sabe desses detalhes? Por acaso conhece aqueles caras? Vamos, me responda!

- Uma pergunta de cada vez, por favor. – a entonação de voz mostrava quem mandava ali. – Eu sei de muita coisa referente a você, não aos outros. Por acaso você conhecia seu algoz?

Ikki sentiu um nó se formar em sua garganta.

- Eu não os conhecia... – rememorou. – Mas um deles parecia que me conhecia... O que eles fizeram comigo pouco me importa, mas...

- Tinha mais alguém com você? – o outro indagou interessado.

- Tinha... E estou desesperado desde que entendi que eu morri... E a deixei sozinha...

- Decerto. Era alguém que você amava? – Hades parecia analisar cada resposta dada, como se quisesse compreender algum quebra-cabeça.

- Sim. Era meu amaranto.

Amaranto. Há quanto tempo não escutava tal expressão de carinho. Agora, todas as peças daquele quebra-cabeça se encaixavam com perfeição. Agora entendeu o porquê Ikki parecia naquela noite, ser o mais evidente, dentre todos.

Seu reiko era simplesmente o melhor.

- Você conhece a lenda dos yureis? – Hades perguntou enquanto andava até uma janela que mostrava a o céu entrecortado de estrelas dos mais variados tons e tamanhos. Recebendo o silêncio como resposta, continuou. – Yurei é a alma que retornou a este plano para atormentar aqueles que ainda vivem.

- Em outras palavras, um fantasma.

- Exatamente.

- Está querendo dizer que sou um yurei?

- De certa forma, sim. Mas você não é apenas um fantasma... Você é feito de alma, carne, ossos e sangue. Você retornou com seu corpo e isso não faz de você um yurei completo.

- Mas então como explica o meu corpo?

- Na noite em que você morreu, percebi que sua alma era valiosa, mas que pelos motivos que o fizeram morrer sem dúvida você voltaria como um fantasma e isso não seria interessante para mim. Então, consegui fazer com que o retorno de sua alma fosse retardado para quem ao voltar, você o pudesse fazê-lo em conjunto com o seu corpo mortal.

- Acredito que não é por filantropia que está agindo, não é mesmo Hades?

- Claro. A caridade eu deixo para os fracos. - ao dizer isso, ele se dirigiu novamente à mesa e após pressionar um botão, uma porta que se fazia de parede cedeu, mostrando um amplo salão cujo piso era adornado de um tatame e suas paredes eram incrustadas de armas dos mais variados tipos. - Deixe-me explicar o que eu sou para depois entender o que eu quero de você.

Ignorando a tradição, Hades caminhou sob o tatame calçado, indo até uma coluna coberta com madeira negra que de forma inesperada, abriu-se, projetando para frente uma espada cuja bainha parecia ser confeccionada com algum metal na cor roxo-escuro. Enquanto abotoava a fivela da bainha na cintura, ele continuou.

- Creio que deve conhecer a lenda dos shinigamis, não é mesmo?

- Shinigamis? Os deuses da morte?

- Sim. Ao contrário do imaginário popular, nós os shinigamis não somos responsáveis por enviar as almas para o outro plano, mas sim, controlamos no mundo dos vivos, os fluxos de atividade dos yureis e às vezes, somos chamados para retirar a alma de algum mortal, pessoalmente. Mas principalmente, somos os responsáveis por manter o equilíbrio entre a população viva e morta, para que não haja... Uma explosão demográfica, por assim dizer.

- Espere... – Ikki começou e imitando o outro, também pisou o tatame calçado. – Quer dizer que vocês controlam a população de vivos e mortos para manter um equilíbrio... Até que cada morto reencarne novamente ou que cada vivo morra mais uma vez?

- Isso! Desde que eu assumi o posto de rei-shingami, não houve mais nenhuma notícia sobre epidemias mortais em massa, nem nascimentos em excesso. – notava-se uma ponta de orgulho em sua voz. – E isso aconteceu também porque somente os melhores estão ao meu lado.

- A história é realmente tocante, mas... E o que eu tenho haver com tudo isso?

- Você se encaixa no perfil desejado... Por isso, quero você.

- Esquece. Não sou do tipo de participar de joguinhos.

- Isso não é um jogo. É uma dádiva.

- Isso não fará com a minha noiva volte à vida!

- É... Você é bem difícil.

Sem que Ikki ao menos percebesse, a visão do homem à sua frente desapareceu sem nem ao menos ter terminado de falar. O que sentiu logo em seguida foi a incômoda dor provocado por um chute em seu estômago. Teve que sustentar o peso de seu corpo sob seus joelhos, para que não caísse ao solo de vez.

- Vamos? O que irá fazer agora? – Hades provocava, enquanto retirava a espada do seu descanso. – Você tem em suas mãos inúmeras alternativas... Escolha uma!

Ikki conseguiu desviar-se do segundo chute, mas ainda não havia conseguido o equilíbrio para se por de pé novamente. Percebeu que se não tomasse nenhuma atitude, sua curta estadia no mundo dos vivos se extinguiria naqueles instantes. Seu oponente pareceu ler seus pensamentos.

- Pare de olhar e aja! Veja todas as oportunidades!

Agindo de forma instintiva, ele foi de encontro à parede para retirar uma espada do tipo katana que estava pousada em dois ganchos de madeira trabalhada. Mal teve tempo para desembainhar a arma e Hades o atacou novamente com a sua espada que foi defendida por Ikki que cruzou a katana e a sua bainha em forma de cruz. Aproveitando a oportunidade, o rapaz repeliu a espada e percebendo uma leve abertura de guarda por parte de Hades, ele contra atacou com um chute no punho, fazendo com que ele deixasse sua arma cair.

- Muito bom... Aprendeu alguma técnica de luta enquanto era vivo? – questionou, enquanto massageava o pulso avermelhado.

- Aprendi a me defender sozinho.

- Tem certeza? – o rei-shingami debochou, enquanto dava um meio-sorriso.

- O que quer...

O som de correntes vindo do teto o fez parar de falar. A sombra de algo caindo em sua direção o fez sair da posição de ataque, caindo de forma desastrada para o lado esquerdo do salão. Outro som forte de pancada o fez olhar surpreso. Uma espécie de círculo com dois metros de diâmetro e completamente incrustado de espinhos pontiagudos feitos em ferro jazia enterrada no tatame. Se ele não tivesse notado a sombra, com certeza ele estaria naquele momento, entre os espinhos e o solo. Como ainda não havia percebido aquela armadilha?!

Foi nesse momento que sentiu a temperatura fria da lâmina em seu pescoço.

- Como diriam os franceses, touchè. – Hades ironizou, enquanto deslizava a ponta de sua arma pelo pescoço de Ikki.

- Acabe logo com isso.

- Apenas irei terminar com essa brincadeira sem graça quando você parar de agir como uma estúpida criança e analisar friamente a minha proposta. Você tem a chance de se tornar um imortal e... Talvez possa usar essa chance para se vingar de quem o fez sofrer.

Ikki permaneceu calado. Seus pensamentos estavam trabalhando na possibilidade que agora era levantada... Vingança.

- E o que eu perderei aceitando sua proposta?

Hades deu seu segundo meio-sorriso da noite.

- Perder? Eu posso lhe assegurar que nada. Na sua situação lastimável, você não tem nada a perder. – ao dizer tais palavras, retirou a espada do pescoço de Ikki e a pousou de volta à bainha.

Quando finalmente se pôs de pé, Ikki o encarou. Tinha que admitir que aquele shinigami estivesse certo. Já não tinha mais nada a perder. Já não tinha mais razão para continuar vivendo. Aliás, aquilo que ele estava experimentando nem era vida.

Já não tinha mais ela...

- E o que eu preciso fazer agora?

- Nada. Eu lhe direi o que precisa fazer, mas haverá o momento oportuno para isso. – e ao olhar o relógio, continuou. – Apesar de está usando seu corpo, você não está vivo. Se perceber, não tem pulso, nem batimentos cardíacos. Você é em tese, um yurei. Portanto, para continuar mantendo sua alma presa ao seu corpo, precisará está toda a noite, entre as duas e as três horas da madrugada, no exato lugar onde perdeu a vida.

- Como uma assombração? – Amamiya zombou.

- Claro.

- E durante o resto do dia?

- Quando não estiver ao meu serviço, você vai ter que se virar. – disse, sem parecer preocupado. – Em resumo: você ainda é um fantasma. Para se tornar um shinigami de fato, precisará passar por alguns testes que eu aplicarei ao longo do tempo. Se conseguir êxito, fará parte da minha equipe. Caso contrário, voltará a ser um yurei e não terá mais o seu corpo, pois ele tem um prazo de ligação com sua alma por tempo determinado. Acho que é isso, por enquanto. Pode se retirar e lhe advirto a ir logo até aquele edifício, senão, você irá perder seu elo com o mundo dos vivos.

Sem dizer mais nada, Ikki começou a caminhar rumo à saída do escritório de Hades. A escolha havia sido tomada. Sua alma já havia sido comprada. O preço? Talvez fosse tarde demais para saber.

- Preciso lhe agradecer por esta benção celestial? – Ikki por fim falou, sem olhar para trás.

- Não. Mas se quiser me ver satisfeito, faça o favor de sair logo pois tenho um assunto sério a tratar com aquela jovem que você viu sair daqui.

Quando Ikki passou pela porta, Ichigo já o esperava para guiá-lo até a saída do iate. Quando viu Ikki desaparecer de vista, Hades usou o telefone. Em menos de dois minutos, a jovem que antes o deliciava, entrou no escritório.

- Como foi a negociação? – ela perguntou, enquanto se aninhava nos braços de Hades.

- Um sucesso. – ele disse, após depositar um selinho nos lábios repletos de gloss.

- E... Ele sabe o preço a pagar? – ela voltou a questionar, os olhos brilhando pela expectativa da resposta.

Hades finalmente sorriu abertamente.

- Se ele soubesse, a brincadeira perderia a graça, não é mesmo?


A verdade é a melhor camuflagem. Ninguém acredita nela.
Max Frisch (1911-1991)




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Notas finais do capítulo

Shinigami é um projeto de fanfic crossover com inúmeras influências de animes, mangás e HQ’s e ao contrário das minhas outras fanfics, essa não seguirá uma cronologia de capítulos, mas será escrita tendo como base, os episódios dos seriados americanos. Ou seja, cada capítulo terá um começo, meio e fim da mesma forma que as oneshots.

Para quem leu e gostou, peço que deixe um recado dizendo isso. Para quem não gostou, gostaria que fizesse o mesmo. Afinal, preciso saber a opinião de vocês sobre os devaneios que publico.

Por fim, quero agradecer ao ZiegriedAenslaed e Emperor Hades por terem me dado algumas dicas nesse capítulo.

Arthemisys



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