The Walking Dead - Rio de Janeiro escrita por HershelGreene


Capítulo 21
Capítulo Vinte e Um - A Queda do Olimpo - Season Finale


Notas iniciais do capítulo

Gostaria de agradecer muito a:
SeriousWritter - pelos comentários positivos
JoJo KoopaKart - pelo apoio e carinho

Capítulo enorme para compensar a pausa!!!!! Qualquer erro, comentem!



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A manhã se iniciara fria e seca, como qualquer outra manhã no inverno do Brasil. Pássaros solitários voavam pelas ruas abandonadas ressoando seu canto de tristeza. Alguns mordedores já haviam saído dos prédios encardidos e ficaram presos no ziguezague de carros queimados. Nada fora do comum. Nem o vento gélido que vinha da praia representava sinal de mudança. Tudo estava calmo. Parecia que todos os indivíduos que restaram prendiam sua respiração para o que aconteceria mais tarde, às 12h.

Eu já estava acordado. Havia despertado antes do próprio Sol. Mais uma vez, meu sono foi impedido por pesadelos sombrios com Sophia, Amanda, Patrick e Bruno. Todos os dias, todo o tempo. Parecia que meu subconsciente forçava-me a acreditar que eu era culpado por cada uma das mortes. E eu era.

Durante todos os meus dias de insônia, preparei um copo de café instantâneo e me sentei na borda de uma das janelas do hotel, admirando a beleza já antiga da praia de Copacabana. Pode parecer palhaçada, mas o mar me faz lembrar os tempos antigos, onde minha única preocupação eram as provas finais do colégio. E era exatamente ali, naquela mesma janela, que eu me encontrava agora.

Tomei mais um gole do café morno. Uma brisa gelada do oceano balançou meus cabelos e arranhou minhas bochechas. O mar estava revolto. Ondas brancas e espumosas batiam contra o banco de areia fazendo um forte barulho aquoso. Uma tempestade se aproximava. As nuvens já estavam negras e as folhas das palmeiras já balançavam fora do normal. Alguns relâmpagos piscavam na linha do horizonte fazendo com que o mar inteiro se iluminasse. Não me preocupava. Minha verdadeira tempestade estava ali mesmo, em minha própria mente.

Um barulho ecoou atrás de mim e virei rapidamente o pescoço. Gabriel havia saído do saco de dormir e caminhava lentamente até a janela do meu lado. Após o ataque de Zeus, os outros andares do prédio haviam entrado em um estado de risco. Assim, passamos a dividir as salas do primeiro andar e manter o resto do prédio isolado, por segurança.

Gabriel se ajeitou na janela do lado e bebericou sua própria caneca.

– Bom dia! – desejou ele com a voz sonolenta.

Soltei uma risada falsa pelo nariz e voltei a fixar o olhar na praia.

– Bom dia – respondi, sem emoção.

Gabriel virou o pescoço para a sala escura atrás de nós e eu o segui com o olhar. Bernardo dormia serenamente enrolado em seu saco de dormir.

– Vai deixá-lo participar do ataque? – perguntei preocupado.

Gabriel tirou os olhos do irmão e bebeu um longo gole do café.

– Ainda não sei – respondeu ele, ainda sonolento – Ele quer ir, diz que não pode ficar olhando os outros se vingando sem participar.

O mar se chocou do lado de fora provocando um barulho considerável.

– Mas... – murmurou ele – Eu não sei. É muito perigoso para ele. Ele pode se ferir ou quem sabe...

– Ninguém vai morrer hoje, Gabriel – respondi – Venceremos aqueles retardados e enfiaremos o cano do rifle no rabo de Zeus!

Gabriel soltou uma risada fraca. Um mordedor saiu de dentro de um caminhão abandonado e começou a mancar em direção ao hotel. Outros dois repararam no morto-vivo e o seguiram.

– Ah – suspirou Gabriel – Merda!

Gabriel tirou a pistola do coldre improvisado e colocou o silenciador. Em seguida, disparou três vezes contra o grupo. Sangue e fluidos cerebrais mancharam o asfalto.

– Não se pode nem rir mais! – queixou-se.

As portas da sala se abriram revelando o porte musculoso de David. O perito em armas se aproximou até que a luz do dia revelasse seu rosto. Sua voz soava um pouco sonolenta, mas ansiosa e excitada.

– Reunião geral em dez minutos – informou ele – Vamos repassar o plano de combate.

Concordei com um aceno. David se virou e voltou pelo mesmo caminho.

– Vamos logo – disse, socando o ombro de Gabriel – Temos uma reunião de guerra para ir.

Gabriel saiu do parapeito e depositou a caneca no chão.

– Temos dez minutos – disse ele, com um sorriso no rosto – Deixe-me só matar mais alguns deles.

O antigo salão de leitura, agora sala de guerra, se localizava na parte traseira do edifício. Antes do apocalipse, a sala parecia uma mistura de biblioteca e sala de fumantes. As longas paredes eram recheadas de prateleiras contendo inúmeros livros encadernados. O espaço restante era preenchido por poltronas fofas e macias com descanso para pés e tapetes bordados. Agora, muitas das prateleiras haviam caído e apenas metade das poltronas se encontrava em um estado aceitável.

Fui um dos últimos a chegar ao salão. Gabriel arrastou duas poltronas carcomidas para mim e para ele. Juntos, nos aproximamos para perto de David, que estava em pé encarando cada rosto sonolento. O silêncio se estendeu durante minutos, até que Pedro e Clara, os últimos que faltavam, se juntaram à reunião.

David pigarreou antes de começar a falar:

– Bem, como todos sabem, estamos aqui para discutir um assunto muito importante para o dia de hoje – iniciou ele – Um plano.

Um dos fugitivos do Olimpo revirou os olhos. David havia apresentado-os logo depois do jantar. Aquele, se não me engano, era Jefferson, policial militar.

– Nós já sabemos o plano, David – disse Juliana com delicadeza, seus olhos estavam manchados de novo. Não havia dúvidas. A secretária andava chorando pela morte de Oliver.

– Sim, eu sei – sorriu David – Mas preciso que todos decorem cada parte com firmeza. Nada pode sair errado hoje.

Uma das velas que iluminava o salão se apagou.

– O plano é o seguinte: Chegaremos a Vila Isabel as onze e montaremos nosso acampamento em uma das ruas próximas ao shopping. Enquanto vocês organizam os carros, eu subirei até um dos prédios próximos com o rifle de longa distância e derrubarei a equipe de vigília externa. Assim que estiverem mortos, vou lançar um dos sinalizadores que restaram para cima. Este é o sinal! Assim que ele cair no chão, todos atacam juntos!

O grupo respondeu com um grito de aprovação.

– Vamos derrotá-los antes que aquele sinalizador se apague! – gritou David, agitado com o apoio do grupo.

Todos gritaram em aprovação. David desviou os olhos para seu recém adquirido relógio Rolex, presente de algum antigo milionário.

– Faltam trinta minutos – anunciou – Vamos carregar os carros, agora!

Metade do grupo berrou em aprovação e desapareceu pelas portas de entrada. David deu um sorriso feliz, parecia uma criança ao receber um presente de natal.

– Ah... David – chamou Júlia, cheia de vergonha – Tenho uma pergunta. Se vencermos o ataque de hoje, aonde iremos morar? Pois eu não acho que o hotel vai resistir após todas aquelas granadas.

O sorriso murchou no rosto de David.

– Tem razão, eu não havia pensado nisso – disse ele, alisando a barba mal feita – Talvez tenhamos que dormir no hotel mais algumas noites. Mas provavelmente nós mudaremos para o condomínio de mansões na rua ao lado.

Júlia sorriu satisfeita e foi se unir ao restante da turma.

A claridade gelada da manhã atingiu nossos olhos assim que saímos para o estacionamento na traseira do prédio. Os quatro carros que seriam usados estavam estacionados na parte leste do terreno, virados para a rua destroçada. Ali estavam a picape vermelha de Jefferson, o jipe militar de David, o sedã prateado de Juliana e o Lincoln amassado de Bruno, presente com o grupo desde o incidente no centro da cidade.

Felipe, Junior e Marcus, o bombeiro, já estavam enchendo a traseira da picape com dezenas de armas coletadas no dia anterior. Tínhamos no total 116 armas. 35 metralhadoras, 40 espingardas de cano duplo, 20 pistolas diversas, 20 revólveres e o rifle de assalto. Era um bom número, considerando as pilhas e mais pilhas de caixas de munição que ainda restavam. Isso, sem contar as facas e as granadas. Podíamos vencer aquela guerra. Tínhamos uma chance.

Gabriel voltou para dentro do prédio para acordar Bernardo. Clara se adiantou e ajudou os meninos com a tarefa das armas. Júlia e Pedro se afastaram um pouco para verificar se a rua estava livre. Todos executavam suas funções com um sorriso estampado no rosto. A maioria do grupo acreditava na chance de vencer o Olimpo. E isto, sem dúvida, tornou as próximas horas muito dolorosas.

David bateu palmas para chamar atenção de todos:

– Muito bem! – gritou ele, autoritário – Subam nos carros! Vamos partir! AGORA!

Os vinte moradores do hotel se espalharam pelo estacionamento. Jefferson acenou para mim e abriu a traseira da caçamba. Em seguida, estendeu a mão para que eu pudesse subir e içou Bernardo pelas axilas até o espaço do meu lado. Gabriel foi o último a entrar no compartimento e logo e ajeita em um espaço pequeno perto do estepe. Jefferson entra na cabine e buzina para Clara e Junior que estão carregando o jipe militar com as mochilas. Os dois irmãos correm na direção do som e se apertam ao lado do motorista. A picape dá um rugido e inicia uma volta de 180 graus pelo chão pedregoso, virando de frente para a saída.

Junior abre a janelinha da cabine o olha para os amigos sentados na caçamba.

– Tudo bem aí atrás? – pergunta ele, animado.

Gabriel levanta o polegar em sinal de Ok.

O jipe e o primeiro a sair do estacionamento. O veículo de tamanho absurdo lidera a caravana empurrando os destroços e abrindo caminho para o resto dos carros. Em seguida vai a picape vermelha abarrotada de armas. O sedã prateado e o terceiro do grupo o Lincoln fecha o comboio. Alguns mordedores tentam agarrar os veículos, mas são deixando para trás junto a uma nuvem de poeira e fumaça. A caravana atravessa a avenida próxima à praia e segue por dentro do labirinto de ruas de Copacabana.

O vento gelado que sopra do oceano chacoalha meus cabelos e faz Bernardo encolher-se de frio. Gabriel retira seu próprio casaco e envolve o irmão mais novo, que agradece silenciosamente. O resto da viagem segue tranquilamente, sem alterações. O único momento de transtorno foi quando David atropelou sem querer um mordedor jogado no meio do túnel, provocando uma onda de respingos vermelhos na lataria do jipe.

– Acha que eles estão nos esperando? – pergunta Gabriel de repente, assim que o comboio atravessa as primeiras ruas de Vila Isabel.

– Os olimpianos?! Não – respondi com uma risada – Zeus nunca iria prever um ataque ao meio-dia. Provavelmente, ele acha que escolheríamos a noite, por ser mais discreta.

Gabriel desvia o olhar para o céu acinzentado e o silêncio reina no interior da caçamba.

O jipe descreve uma curva forçada no asfalto e para de repente. O resto dos carros segue o exemplo do líder e pisa no freio. O silêncio da manhã é perfurado pelo som de portas se abrindo e passos abafados. Todos se movimentam em silêncio, tentando não chamar a atenção de nada ao redor. A poucas ruas dali está o antigo Shopping Boulevard Iguatemi, reluzindo como um diamante entre as fachadas escurecidas pelo tempo.

– Temos quinze minutos para nos organizar – contou David, assim que o grupo formou uma roda ao seu redor – Vamos nos dividir em quatro grupos de cinco pessoas. Quero cada grupo posicionado em uma das ruas de acesso ao shopping. Vamos atacar ao mesmo tempo, o que irá deixá-los confusos, sem saber aonde atirar. Isso nos dará vantagem nos primeiros minutos.

O grupo se separou novamente. Alguns se dirigiram até a picape para apanhar suas armas, outros embarcaram em seus carros, prontos para o combate. Retornei devagar para a caçamba, sendo seguido de perto por Gabriel e Bernardo. Estávamos quase subindo na porta traseira quando uma voz gritou meu nome fazendo-me girar nos calcanhares:

– Ei, Hugo! – gritou David, se aproximando de nos três – Preciso de vocês três o jipe comigo!

Gabriel cruzou os braços.

– Posso perguntar o motivo? – disse Gabriel.

– Vou levar o jipe com a Juliana até a rua mais próxima – respondeu ele – Preciso que ajudem ela enquanto eu estiver no terraço com o rifle.

Concordei com um aceno. Ele deu um sorriso esperançoso e marchou sozinho até o jipe estacionado. Gabriel esperou que ele estivesse longe do alcance para desviar o olhar.

– Eles estão tendo um caso?! – perguntou ele com um fino sorriso no canto da boca.

– Acho que sim – respondi sinceramente – Mas quem pode julga – lá, não tem muitos outros disponíveis no mercado mesmo!

Gabriel soltou uma gargalhada.

– Vamos embora! – disse, empurrando Gabriel pelos ombros – Temos uma guerra para vencer!

A caravana voltou a andar após os cinco minutos de pausa. Os quatro carros seguiram unidos em fila indiana até um cruzamento abandonado, e se dividiram logo depois. O jipe de David forçou uma curva para a direita e freou bruscamente a apenas dez metros de distância da entrada principal do Olimpo. Três pares de portas de vidro ladeadas por passarelas improvisadas feitas com destroços e escombros reutilizados. Era difícil de imaginar como os olimpianos haviam sobrevivido dez meses com apenas uma única parede de vidro separando-os do mundo lá fora. Surreal.

David expirou profundamente. Seus olhos cansados estavam fixados me um único ponto, a meros dez metros de distância.

– Ok então – disse ele, respirando profundamente mais uma vez – Acho que está na hora!

Juliana concordou com a cabeça. Sem dizer uma única palavra.

David abriu a porta do motorista com um chute, pegou o rifle de longo alcance com um das mãos e disparou em direção à portaria saqueada de um prédio residencial. Assim que ele desapareceu para dentro do prédio, três capangas de Zeus subiram na plataforma de vigia.

– Apenas três?! – questionou Gabriel – Quando fomos aprisionados tinha pelo menos dez!

Juliana lançou-lhe um olhar compreensão.

– Acho que muitos deles morreram na batalha do hotel – concluiu ela – Mas não sabemos quantos desgraçados estão lá dentro!

O primeiro tiro ressoou em um campo de quilômetros de distância. O vigia atingido desabou da plataforma e caiu com um barulho aquoso no asfalto. Os outros dois entraram em pânico e gritaram pedindo reforço.

– David está começando! – disse Juliana, esperançosa.

O segundo tiro acertou uma das portas vidro, estilhaçando-a por completo. Os outros dois que o seguiram perfuraram o corpo do segundo vigia. O terceiro capanga pulou para dentro do prédio em busca de proteção.

– Eles estão entrando em pânico! – sorriu Gabriel - Não sabem de onde estão vindo os tiros!

Três homens se uniram ao vigia restante. Um deles carregava consigo um cano preto impossível de ser reconhecido a dez metros de distância.

– O que é aquilo que o homem está carregando?! – perguntou Bernardo.

Gabriel chegou mais perto.

– Eu não sei – concluiu ele – Parece ser uma espécie de...

A explosão que se seguiu chacoalhou metade dos edifícios do bairro. Uma bola de fogo vermelha iluminou o céu acinzentado da manhã, fazendo as nuvens carregadas brilharem como rubi. Escombros em chamas choviam pelo teto do jipe com força, provocando alguns amassados na lataria.

Juliana soltou um grito pavoroso que pôde ser ouvido a quilômetros de distância. O corpo carbonizado de David despencou do terraço explodido e se estatelou com força a poucos metros do carro. O olhar catatônico da mulher se fixou no corpo queimado, e foi vagarosamente se dirigindo até a entrada do shopping. O assassino de David ainda segurava a bazuca na mesma posição. Fumaça saía da arma.

Juliana emitiu outro grito. Dessa vez, o grito primitivo de dor foi repetido em cada boca de cada integrante do grupo atingido. Parecia mias um urro de guerra, como dezenas de trombetas juntas urrando para um único propósito. Eles haviam atacado. Agora, era a nossa vez.

Gabriel foi o primeiro a abrir fogo. Com um único golpe, ele chutou a porta e se pôs protegido atrás dela, a metralhadora de combate presa firmemente nas mãos. Repeti os movimentos em direção à porta oposta, sendo seguido de perto por Juliana e Bernardo. Ninguém se preocupava em acertar. Todos só queriam apertar o gatilho e disparar para o inimigo. Até Bernardo, com um pistola 9mm, atirava sem nem mirar direito.

Os outros grupos seguiram nossos passos. Dezenas de tiros ricochetearam nas pilastras da entrada, fazendo chover nuvens de reboco e vidro quebrado. Os vigias da passarela foram atingidos um por um, seus corpos caindo feiamente no chão com um terrível som molhado. Gritos e ordens podiam ser ouvidos acima do som da artilharia. O restante do grupo começava a reparar que o sinalizador não havia sido acendido.

Juliana largou sua arma no assento do carona e buzinou para mim.

– Entrem – gritou ela, sua voz ultrapassando o tiroteio – Vocês três! E apertem os cintos!

Encarei o rosto sujo de Gabriel e ele devolveu o olhar igualmente. Juntos, jogamos Bernardo dentro do jipe e entramos em seguida.

Juliana pisou no acelerador com força suficiente para quebrá-lo. O carro monstruoso derrapou na pista cheia de entulho e seguiu disparado para dentro do shopping. Gabriel soltou uma exclamação e se preocupou em apertar o sinto de Bernardo. Agarrei em o encosto do banco a minha frente como um salva-vidas. Juliana não ia frear o carro até invadir o prédio. Faltavam meros três metros entre o carro e as portas de vidro quebrado.

Dito e feito. O jipe de David atravessou as portas de vidro com força, fazendo chover cacos por todo o corredor. Mesmo assim, Juliana continuou com o pé no acelerador e o carro avançou pela galeria de lojas. Com um único giro no volante, Juliana estilhaçou a vitrine de um banco saqueado. A passarela de lojas desembocou na arena improvisada de Zeus, montada no meio da praça de atrações do shopping. Ver aquele lugar novamente provocou um calafrio na nuca. Bruno havia morrido naquele palco feito de madeira e ferro roubados.

O jipe atravessou a arquibancada leste provocando uma onde de pedaços de madeira por toda a extensão da praça térrea. Em seguida, atravessou toda a extensão da arena deixando marcas de pneus no piso empoeirado. As nós dos dedos de Juliana se tornaram brancos à medida que o carro avançava mais ainda no interior do shopping. O jipe atravessou toda a extensão da arquibancada oposta e seguiu velozmente em direção à fachada da Saraiva, usada por Zeus como aposento.

– Pare! Pare Agora! – gritou Gabriel – Você vai acabar nos matando!

– Não posso! – gritou Juliana em resposta – Perdi o controle do freio!

O carro descontrolado se chocou na vitrine e colidiu contra a parede dos fundos. O pára-brisa se estilhaçou no colo de Juliana e caiu aos poucos no chão. Pedaços de livros e madeiras rolaram pela abertura e se espalharam para o chão. Minha cabeça se chocou contra o banco do carona. Minha visão ficou embaçada e uma série de estrelas brilhou pipocou na minha frente. Gritos, explosões e tiros sacudiam as paredes do shopping, provocando ondas de poeira que caíam do teto. A batalha estava começando.

Gabriel segurou abriu a porta do carro e me ajudou a descer. Exibia um corte feio na bochecha esquerda, mas parecia ileso. Bernardo estava ao seu lado e seus cabelos castanhos estavam cinza de poeira. Juliana foi a última a descer. Sua testa estava completamente arranhada e seu braço direito apresentava um corte profundo. Ela limpou o rosto com o dorso da mão e retirou sua pistola do coldre.

– Desculpem pela “aterrissagem” – disse ela, olhando no rosto de cada um de nós – Eu precisava fazer aquilo!

Gabriel pôs as mãos no ombro de Juliana.

– Tudo bem – respondeu ele, dando um sorrisinho – Até que foi bem legal!

– Foi demais! – gritou Bernardo – Como andar de montanha-russa!

Juliana sorriu.

– Vamos, temos uma guerra para ganhar! – gritou ela.

Os tiros começaram assim que chegamos ao saguão. Pelo que se ouvia, todos os outros grupos já estavam dentro do prédio. Brilhos indistintos iluminavam as passarelas superiores. Explosões podiam ser ouvidas na praça de alimentação, dois andares acima. Nuvens de poeira se desprendiam do teto e caiam como chuva pelo chão.

Dois capangas de Zeus faziam guarda no hall dos elevadores. Um deles vestia o colete a prova de balas por cima da calça listrada do pijama. O outro amarrara uma bandana no topo dos cabelos oleosos. Os dois carregavam metralhadoras pesadas e eu sabia, por experiência própria, que eles sabiam usá-las.

Os dois soldados abriram fogo assim que nos viram. Juliana, por impulso, empurrou Gabriel e Bernardo para longe e jogou-me contra uma pilastra, protegendo a todos ao mesmo tempo. Soltei minha .40 do coldre e disparei contra o inimigo. Gabriel fez o mesmo. Os dois tiros acertaram a porta prateada do elevador. Um dos capangas mirou a metralhadora em minha direção e disparou centenas de balas. Todas atingiram a lata de lixo, posicionada a centímetros do meu crânio. Juliana disparou algumas vezes e atingiu um dos soldados, bem no osso do nariz. O corpo caiu estatelado no piso, manchando-o de sangue escurecido. O outro olhou indignado para o corpo do amigo e disparou centenas de vezes na direção do tiro. Uma das balas acertou a pistola de Juliana, fazendo-a voar para longe na escuridão.

– Ei, vocês! – gritou uma voz, se aproximando – Precisam de ajuda?!

Felipe e Júlia se juntaram a mim e Juliana. Os dois exibiam arranhados leves, mas ao todo ilesos. Felipe sorria como criança no natal. O soldado do outro lado continuava a atirar contra nós, salpicando a parede de buracos.

– Já derrubei dois deles no caminho! – gritou Felipe, feliz com a própria conquista – Até o final da noite, prometo eliminar mias uns...

O tiro que o atingiu respingou sangue em todos que estavam ao seu lado. A bala atravessou o crânio de Felipe, provocando dois jorros de sangue. Seus olhos revelaram surpresa numa fração de milésimos, depois, focalizaram o nada. O corpo desabou pesadamente no chão, levantando uma mínima onda de poeira.

As lágrimas queimaram meus olhos.

Gabriel percebeu o ocorrido e disparou três vezes contra o autor. O segundo homem foi içado contra a parede do elevador e deslizou aos poucos até o chão.

– Me... Meu... Meus Deus! – gritou Júlia, começando a chorar – Ele... Ele está...

– Não dá tempo agora! – gritei.

Mais três soldados do Olimpo cruzaram o corredor em nossa direção. Gabriel pegou Bernardo no colo enquanto Juliana me ajudava a tirar Júlia do chão. Corremos para dentro do labirinto de vitrines, alheios ao combate que era traçado ao nosso redor. Júlia chorava baixinho ao nosso lado, deixando as lágrimas escorrerem pelo rosto. Também senti vontade de chorar. O choque de realidade estava começando o seu efeito. Meu Deus pensei por alguns instantes Eles mataram o Felipe.

Subimos uma escada rolante desligada e avançamos para o segundo andar. A poucos metros dali, um combatente inimigo trocava tiros com Jefferson. Do outro lado, Junior e Pedro atiravam contra alguém fora do meu alcance de visão. Juliana colocou outro pente na pistola e derrubou o inimigo de Jefferson com apenas dois tiros no peito. Ele agradeceu com um berro e disparou em direção a um olimpiano solitário. Nenhum sinal de Zeus.

– Preciso de um tempo! – gritou Gabriel após quinze minutos de correria – Podemos descansar!

Juliana, ainda com a pistola apontada para frente, fez que sim com a cabeça e invadiu uma loja da C&A às escuras. Guiei Júlia para o interior da loja e depositei a menina catatônica sentada ao lado do balcão de perfumes. Alguns solados combatentes passaram correndo pelo corredor sem reparar nas cinco pistolas para o primeiro idiota que passar. Todos os quatro desabaram no chão, logo após serem atingidos por cinco tiros cada.

– Precisamos nos organizar – disse a voz de Juliana no meio da escuridão – Estamos em desvantagem numérica e entramos em pânico rapidamente.

– Não dá tempo agora – disse Gabriel – A batalha já começou. Nossa única chance é...

O ar explodiu ao nosso redor. Estávamos todos agrupados: Eu, Júlia, Gabriel, Bernardo e Juliana. Naquela fração de segundo, quando o perigo parecia temporariamente contido, o mundo se incendiou. Fui jogado para longe. Minhas únicas opções eram agarrar o cabo da pistola e proteger a cabeça com os braços. Ouvi berros e gritos de meus amigos, sem saber o quê havia acontecido com eles.

A sensibilidade foi voltando aos poucos. Estava parcialmente soterrado pelos destroços da loja que sofrera um terrível ataque de granada. A luminosidade cinza da tarde me informava que as paredes externas do shopping haviam explodido. Estava sangrando profusamente. Levantei-me com dificuldade. Estava mais assustado do que qualquer outro momento na vida.

Um grito pavoroso me trouxe de volta à tona. Gabriel estava de pé nos destroços e tentava retirar as pernas de Bernardo dos entulhos. Havia duas mulheres no chão. A menor, e mais baixa, sacudia a mais velha com determinação. O corpo de Juliana estava estirado, seus olhos abertos revelavam o fantasma ainda gravado em seu rosto.

– Não... Não... Juliana! Não! – gritava Júlia – Não! Juliana!

E, então, o autor daquele assassinato disparou com sua metralhadora contra a parede em destroços da loja!

– Abaixem-se! – gritei enquanto empurrava Júlia para o chão. Gabriel fez o mesmo com Bernardo, colocando-se por cima do irmão mais novo. Os tiros continuaram a atingir a parede até que o ruído seco de pente vazio ecoou até meus ouvidos. Juntos, todos os quatro que ainda viviam dispararam contra o único inimigo desarmado. Seu peito e seu crânio foram perfurados por dezenas de balas juntas. O corpo foi içado para trás, ultrapassando o porta-corpo e caindo no vazio.

Júlia se adiantou para ajudar Gabriel. Juntos, os dois retiraram Bernardo dos restos de manequins carbonizados.

– Prestem atenção – disse ela, a voz chorosa e durona – Vou buscar o resto do grupo para irmos embora. Fiquem aqui!

Abri a boca para protestar, mas fui lento demais. Júlia desapareceu no corredor destroçado. O silêncio reinava no shopping. Não havia tiros. Nem explosões. Nem gritos. O silêncio estava terrivelmente agonizante.

– Vamos finalizá-la? – perguntou Gabriel, olhando para o cadáver de Juliana.

Dei de ombros. Nada mias importava agora. As únicas coisas que pareciam reais eram que havíamos perdido tudo. Não só a guerra. Amigos. Família. Casa. Tudo. Pela primeira vez em dez meses, senti falta de ter minha vida de volta. Minha verdadeira vida.

– Eu faço isso – disse Bernardo, quebrando o silêncio.

O pequeno se aproximou do corpo parcialmente carbonizado e desferiu um golpe certeiro com a faca. Sangue e fluidos cerebrais jorraram pela fissura aberta. Bernardo engoliu seco e desferiu outro golpe. Desta vez, na testa. E de novo. E de novo. E de novo.

Um barulho encobriu o som nojento da faca afundando nos ossos cranianos. Algo como uma melodia fúnebre, formada por mais de mil cantores. Gabriel mancou até a abertura na parede externa e observou com cuidado a multidão de mortos que avançava em direção ao shopping. Guiados pelo som dos tiros, a manada de mortos-vivos contava com mais de mil crânios apodrecidos. Alguns já estavam perto demais do edifício. O cheiro de decomposição já entupia minhas narinas.

– Não temos como sair – observou Gabriel – Estamos cercados!

Apontei para uma das ruas paralelas que seguia em direção sul:

– Podemos descer pela parede até aquela rua – disse, sem muita certeza – Se formos rápidos, poderemos ter uma chance.

Gabriel olhou por cima do ombro. Novamente, o silêncio se instalou como uma praga. Nenhum sinal de Júlia.

Bernardo não fez nenhuma pergunta. Durante a descida pela fachada arruinada, seus olhos miúdos estavam focados em suas roupas ensanguentadas. Posso admitir, Bernardo não era mais o mesmo. O modo como tratou o corpo de Juliana foi, no mínimo, pavoroso. O pior de tudo foi seu rosto. Durante todo o processo de finalização, nenhum sentimento de compaixão foi expresso pelo menino.

A descida ocorreu tranquilamente. Saímos do prédio em chamas antes que a multidão notasse nossa presença. Todos estavam focados na enorme coluna de fumaça que coloria o céu de preto. Apenas um mordedor solitário vagava pela nossa rota de fuga. O morto-vivo – uma mulher de meia idade vestindo um horroroso conjunto de onça – avançou com dificuldade para nosso trio. Avancei com a arma nas mãos, mas fui impedido por Bernardo. O pequeno sobrevivente cravou a faca na testa do mordedor e caiu por cima do corpo quando este despencou no asfalto. Gabriel se aproximou do irmão mais novo e eu o segui de perto. Bernardo chorava baixinho.

Gabriel pôs as mãos ao redor dos ombros de Bernardo.

– Vamos sair daqui.


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Notas finais do capítulo

Na próxima temporada de The Walking Dead Rio de Janeiro:
Hugo, Gabriel e Bernardo continuam a sobreviver juntos como um grupo. Mas Hugo ainda não esqueceu as dores e as perdas que sofreu durante o ataque ao Olimpo.



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