Sacrifício de amor

Kaline Bogard

Parte 06

O meu pedido impossível

Na sexta-feira a rotina se repetiu. Stiles acordou cedo, passou pelo banheiro e ia descendo para a cozinha quando notou a porta do quarto do pai entreaberta. Foi dar uma espiadinha. Seu pai já tinha chegado e estava descansando.

Isso o aliviou um pouco.

Foi para cozinha comer alguma coisa e logo viu um saco de papel com o logo da farmácia. Por mais ocupado que seu pai estivesse ele nunca esquecia de comprar seu remédio.

Terminava a segunda torrada quando ouviu a buzina do carro de Allison. Enquanto Derek não considerasse seguro para seu Pack, eles teriam que manter o arranjo.

oOo

O período de aula ocorreu maravilhosamente bem. Não teriam Química nem Literatura, então Stiles escapou sem nenhuma detenção, apesar da aula de Economia. A verdade é que o treinador estava tão feliz com a vitória recente que deu uma trégua em sua loucura costumeira.

Stilinski estranhou um pouco que, embora não tivesse aula com a senhorita Ruby, a mulher parecia estar em todos os lugares! Esbarrou com ela no corredor quando foi ao banheiro, basicamente a viu em todas as trocas de sala, percebeu que ela parecia rondar o refeitório pela hora do almoço e o campo na hora da aula de Educação Física. Ainda que Smith não desse sinal de notá-lo, já que não o cumprimentou nenhuma vez. Puro acaso interessante.

Nem precisou pedir que Allison o deixasse em casa ao final das aulas, ainda que Scott reclamasse um tanto.

Chegando lá, trocou de roupa por uma regata cinza e uma bermuda de algodão. Lavou algumas poucas louças acumuladas na pia e encheu uma vasilha com cereal de chocolate e leite. Subiu para o quarto equilibrando o lanche e sentou-se na frente do PC que já esperava por ele.

Conectou direto no fórum de discussões. A proximidade dos fenômenos raros atiçava as conversas. Um grupo mais exaltado afirmava que aquele era o sinal deixado por alienígenas marcando o retorno. Distraiu-se navegando nos tópicos e deliciando-se com o cereal de chocolate. Até esbarrar em um que lhe chamou a atenção.

– Que babacas... – o garoto resmungou para tela, tinha acabado de ver um tópico que defendia a extinção de todos que não fossem arianos de raça pura. Stilinski às vezes se esquecia de quanta gente intolerante existia por aí. De acordo com eles o Alinhamento Perfeito e a Contemplação Maia eram o Apocalipse caucasiano.

– O que foi? – a pergunta pegou Stiles de surpresa. O garoto deu um pulo de susto bem na hora em que ia levar uma colher de flocos com leite aos lábios. Acabou derrubando na roupa.

– Droga, Scott! – resmungou para o amigo que terminava de passar pela janela.

– Foi mal.

Stiles resmungou alguma coisa enquanto tirava a regata e a jogava no chão.

– Você não devia estar na Hogwarts dos lobos? Treinaram uma hora só? – espiou no relógio do PC para confirmar quanto tempo tinha se passado.

McCall jogou-se na cama do melhor amigo e cruzou as mãos atrás da cabeça, fitando o teto do quarto.

– O Derek tá um saco, cara. Ele chutou a gente de lá – Stiles deu uma espiadinha meio de lado, fingindo que estava concentrado na tela, quando na verdade ouvia tudo atentamente – Acho que é abstinência.

– Abstinência? – o dono da casa não resistiu a curiosidade e encarou seu visitante.

Scott riu.

– Não é de drogas. É abstinência de você!

Demorou meio segundo para que Stiles sentisse um calorão subindo por seu pescoço. Ele soube que estava corando até as orelhas. Mas tentou salvar a dignidade dando as costas e digitando aleatoriamente no teclado.

– Pois diga a ele que procure outro fornecedor.

– Sério, Stiles. Essa semana você apareceu por lá só uma vez. Isso deixa o Derek inquieto e Derek inquieto é igual a todo mundo inquieto. Sem contar que ele vira um carrasco no treinamento!

– Scotty...

– Todos já nos acostumamos com você, não sei explicar. Mesmo quando a Allison está comigo, meu lobo fica arredio. Ele tá respondendo ao lobo do Derek. Olha, cara, não tem como eu explicar isso, só sentir. Tentei pensar num jeito de que você entenda como é pra gente... um pouco de tudo é culpa do seu cheiro.

O garoto franziu as sobrancelhas e levou o braço ao nariz, fungando e farejando a própria pele.

– Não vá me dizer que eu cheiro mal ou – nesse ponto fez uma expressão horrorizada – santo Deus, não me diga que eu tenho cheiro de cio ou coisa parecida que eu juro que pulo dessa janela de cabeça e vou quicando até a fronteira com o Arizona.

McCall riu alto do desespero do amigo. E era um desespero sincero, podia sentir isso.

– Não, Stiles. Você não tem cheiro de cio. É mais como... sei lá, o cheiro de alguém que se importa de verdade. Ter alguém assim por perto é bom, é confortante. Eu só percebi isso depois que... depois da... você sabe...

– O lance de virar lobisomem, totalmente saquei – o tom de voz revelava como Stilinski gostara de ouvir aquele super elogio.

– Todos se sentem assim. Mas com o Derek é muito pior. A resposta dele é pura exclusividade, um lance meio possessivo. Muito ciumento e... na boa. Não consigo e nem sei se quero explicar. Só sei que o cara tá um porre.

Stiles desviou os olhos para a tigela sobre a escrivaninha. Os flocos incharam e amoleceram parecendo nada crocantes, o leite começava a ganhar tons de chocolate. A visão pouco agradável tirou o apetite do menino.

– Eu gosto desse lance de fazer parte de alguma coisa, sabe? – ele foi dizendo pensativo – Nunca senti que realmente pertencia a algo além da minha família e da nossa amizade, Scotty. Mas... ir lá dói um bocado.

McCall sentou-se na cama e encarou o amigo, observando praticamente sem ver de verdade cada uma das pintinhas que marcavam a pele pálida. Compreendia exatamente o que Stilinski queria dizer, assim como entendia que não era momento de falar nada, apenas de ouvir.

– Eu gosto dele. Muito. E ele gosta de mim. Mas ele não quer gostar! Argh, Scott, como é complicado! – passou as mãos pelo cabelo curto, meio desesperado – Na minha vida nada é fácil... totalmente injusto....

Os olhos castanhos caíram sobre a tela do PC, que acabara de se atualizar. Uma das áreas do fórum sinalizava um tópico novo. Clicou sobre ele, curioso.

– Um dia eu vou saber te dar um conselho legal – Scott respirou fundo – Agora não sei bem o que dizer. Você vai me achar super egoísta, mas eu queria mesmo que fosse se juntar com a gente amanhã. Precisamos de você.

– Ei... olha o que eles postaram aqui... – Stiles chamou o outro, que se levantou e foi espiar a tela do computador – Criaram um tópico só para desejos impossíveis que podem se realizar domingo a noite.

– Domingo a noite...?

– Aff, Scott! Eu te disse: o Alinhamento Perfeito e a Contemplação Maia. Esqueceu...?

– Ahhhhh, o lance nerd dos três mil anos – respondeu rindo.

Stiles apenas girou os olhos.

– É. O lance nerd. Acho que vou sair a meia noite e pedir para o Derek querer gostar de mim – fingiu pensar um segundo e deu de ombros – Parece impossível o bastante para você?

McCall cruzou as mãos atrás da nuca e caminhou de volta a cama, onde se sentou e largou-se de costas.

– O seu problema, Stiles, é que age como se o mundo fosse acabar amanhã. O Derek é um idiota, okay. Mas você gosta dele e ele corresponde. Por uma razão qualquer ele tem receio do que sente, sei lá, vai ver ele tá confuso e assustado por gostar de outro cara – Scott observou a expressão pensativa de seu melhor amigo – Da tempo ao tempo, cative isso. Há um vinculo profundo, um laço entre vocês dois. Isso não surgiu da noite pro dia, então relaxa e joga um charme.

– Como se eu fosse uma vadia dando mole?

Ao invés de responder, o lobisomem olhou de um lado para o outro, como se procurasse algo.

– Me empresta um tênis?

– Pra quê? – Stilinski não compreendeu a pergunta.

– Pra acertar a sua cabeça! Eu dando a maior moral e você vem me zuando?

Stiles riu da indignação do amigo. Sabia que não era a sério e ele queria apenas animá-lo. E havia um traço de verdade nas palavras de Scott. Não precisava agir como se o tempo estivesse se acabando. Era jovem, assim como Derek Hale. Pra quê apressar tudo? Qual o motivo para deixar de curtir o momento? Doía desejar e não pode ter? Sim, um bocado. Fato que não justificava desistir de tudo e mergulhar na desesperança. Uma sementinha brotara no coração do Alpha, regando com carinho quem sabe não desabrochasse?

– Me convenceu, Jovem Lobo Jedi. Amanhã eu vou ver se o Derek tá pegando tão pesado assim ou se vocês estão de corpo mole.

Scott sorriu aliviado com o que acabara de ouvir.

– Passamos aqui pra te pegar.

– Por falar nisso o Derek sentiu aquela presença de novo?

– Ele não disse mais nada. Parece que o Peter volta hoje a noite. Acho que tem novidades a ver com o Pack de Alphas, se bem que eles não deram mais sinal de vida... sei lá. Todo cuidado é pouco.

O dono da casa balançou a cabeça. A precaução significava uma coisa: que Derek estaria por perto a noite toda, protegendo-o durante o sono. O pensamento aquecia seu coração e enchia a mente de idéias nada inocentes.

– Eca. Já vi que te animei o bastante.

– Você lê pensamentos agora? – o humano soou chocado.

– Não! Adivinhei só pela cara que você fez... se sair na rua com essa cara você vai preso por atentado ao pudor.

– Há, há, há... morri de rir, Scott, só que não.

McCall ainda riu um tempinho antes de respirar fundo. Sentiu um pouco de fome.

– Tem mais desses flocos de chocolate? – perguntou ficando em pé.

– Claro. O inverno está chegando, meu jovem, temos que estocar mantimentos em Winterfell– debochou – Vou pegar um pouco mais pra mim por que esse aqui já virou mingau.

– E aquele emulador de Nintendo? Você ainda tem ele no PC?

– Quer tomar uma surra no Mario Cart? – Stiles riu – Demorou! Eu nunca desinstalaria esse emulador. Posso te derrotar em qualquer um dos joguinhos que escolher!

Os dois garotos seguiram juntos para a cozinha, fazendo planos para que o sábado fosse um dia incrível. Um dia de paz.

Como aquele segundo estagnado, um prelúdio que anuncia a catástrofe eminente.

Continua...