Sacrifício de amor

Kaline Bogard

Parte 07

Deduções pouco aceitas

Stiles acordou cedo, apesar de ser uma manhã de sábado. Talvez fosse o costume de despertar aquela hora, vai saber. O fato é que acordou cedo e encarou a luz do sol que invadia o quarto pela janela entreaberta.

Saltou da cama e abriu o vidro por completo, sem resistir a dar uma boa espiada nos arredores tentando ver se Derek estava por ali. Como não viu nada, desistiu. Correu para o banheiro, depois foi improvisar algo para comer e forrar o estomago. Notou que seu pai deixara uma pequena lista de coisas para comprar e dinheiro, inclusive para a gasolina.

Colocou a tarefa em sua lista de prioridades. Antes foi para o quarto e recolheu as roupas do chão, levando-as para o cesto. Depois esticou a cama e concluiu que ficou bem habitável, obrigado.

Pegou a lista e o dinheiro, porém desistiu antes de chegar a porta. Não podia se fingir de cego para a pilha de vasilhas sujas na pia. Voltou os próprios passos e lavou tudo, colocando no escorredor para que o calor secasse e lhe poupasse o trabalho.

Só então foi fazer as compras. Pegou o jipe para ir mais depressa. E acabou voltando para casa com mais guloseimas do que deveria. E com menos troco do que deveria. Não que seu pai fosse se incomodar com isso. Ele conhecia bem o próprio filho, por isso deixava o dinheiro extra.

Quando chegou ao lar tratou de distribuir os mantimentos pela dispensa e geladeira, e colocar os produtos de limpeza no armário. Guardou as louças secas e surrupiou algo que pudesse comer de almoço.

Alojou-se no quarto e começou a fazer algum dos deveres de casa. Se concentrava nos exercícios quando ouviu o som de uma buzina. Era Allison.

Agarrou a mochila e foi atender a porta.

– Olá! – gritou para o casal amigo – Vou no jipe!

Scott concordou com um aceno de cabeça. Não havia problema que Stiles dirigisse seu próprio veículo, desde que todos estivessem juntos.

Feliz, Stiles ligou o som e seguiu atrás do carro da Argent. Tentava se convencer de que a alegria que sentia tinha pouco a ver com a possibilidade de estar perto de Derek. No fundo não enganava ninguém, nem aos lobisomens, nem as garotas ou a si próprio.

oOo

Ao chegar a mansão dos Hale, perceberam que Derek já tinha começado os treinamentos de seu Pack. Scott só teve tempo de descer do carro e correr em direção a mata, guiando-se pelo faro para alcançar os companheiros.

Stiles desligou o rádio e saltou do jipe, indo encontrar-se com Allison.

– Vamos atrás deles? – o garoto perguntou.

– Melhor não – ela respondeu – Não sabemos o que o Derek planejou pra hoje...

Stilinski concordou silencioso. Talvez atrapalhassem ou, pior, se colocassem em perigo. Acabaram seguindo para a varanda do que restara daquela grande casa e sentaram-se nos degraus.

– Não parece que o Derek ta pegando assim tão pesado – Stiles comentou.

– Para os padrões dele, você quer dizer! – Allison rebateu divertida. Todos sabiam que os métodos do Alpha não eram exatamente ortodoxos...

– Tem isso aí também – o menino fez uma careta.

– Mas ele está – a voz de Peter Hale fez os adolescentes se assustarem. Ambos viraram-se para trás e perceberam o homem sair da mansão e parar em pé, próximo a eles. A sensação de ter que olhar para cima, para um homem mais velho e que sabiam ser um lobisomem era terrível. Sentiam-se inferiores em todos os sentidos. A Argente em especial.

Stiles, por sua vez, moveu-se incomodado. Não conseguia relaxar na presença do tio de Derek, e o cara não ajudava em nada, mantendo o sorriso de escárnio nos lábios finos e usando o tom de voz de alguém que sempre sabe de algo que os outros não.

O adulto captou perfeitamente como os garotos se sentiram. E nem precisava ter poderes sobrenaturais para ler o aborrecimento nos rostos juvenis. Adorava causar aquelas reações, sobretudo no jovem filho do xerife, afeto evidente do outro Hale, mesmo que relutante.

– Meu querido sobrinho tem dado mais motivos para preocupação do que nunca.

– Por que diz isso? – foi o garoto que perguntou.

– Por que será, não? – cantarolou de volta.

Stiles e Allison se entreolharam, silenciosamente chegaram a conclusão de que deviam ignorar o homem e seu comportamento um tanto ofensivo. Todavia Peter não era homem de se deixar incógnito.

– Talvez seja o Pack de Alphas em seu território. Derek não gosta de dividir nada que pertença a ele. E, na verdade, quem gosta?

Alguma coisa no tom de voz dele fez com que Stiles sentisse seu rosto esquentar. Desviou os olhos de volta para a floresta de modo que o homem não pudesse ver-lhe o desconforto, fato que era inútil, já que Peter não precisava vê-lo para sentir-lhe a pulsação descontrolada ou a respiração pesada.

Conviver com lobisomens era nada fácil...

– Mas que treinamento difícil é esse, afinal de contas? – Allison tentou mudar de assunto, para salvar o amigo e recebeu um olhar cheio de gratidão.

Peter continuou secretamente se divertindo com a cena. Adolescentes: em um minuto se quer matá-los, no outro se agradece por tê-los por perto.

– Não importa – o mais velho respondeu olhando para a floresta – O lobo de Derek está consideravelmente mais calmo desde que vocês chegaram. Assim como o meu. Eu nunca deixo de me impressionar... é realmente poderoso...

– O quê? – a Argente perguntou franzindo as sobrancelhas.

– O amor, jovem amazona – respondeu fixando os olhos nas costas de Stiles – O amor...

Allison também fitou o garoto sentado ao seu lado. Toda a preocupação desapareceu da adolescente ao notar o sorriso de pura felicidade que ele tinha nos lábios. Acabara de ouvir algo importante. Peter mencionara a palavrinha que começava com “a”.

Faltava apenas que Derek Hale ou o próprio Stiles a falasse também.

oOo

Por algum motivo misterioso, mas que todos sabiam bem se tratar da presença de certo adolescente hiperativo, o treino acabou mais cedo e logo os lobisomens estavam de volta à Mansão.

Derek vinha a frente do grupo, como o Alpha que era. Mal se dignou a cumprimentar os que estavam ali e entrou na mansão, sabendo que seria seguido pelos demais.

A galera se espalhou pelo que restara da sala de estar e deu-se inicio a uma espécie de reunião.

– É fato que um Pack de Alphas está rondando o território – Derek foi falando – Encontramos o rastro deles duas vezes: próximo ao hospital e ao Cartório de Registros.

– Isso já faz alguns dias – Peter foi falando num tom de voz solene que lhe era pouco usual – E desde então mais nada.

– É óbvio que querem alguma coisa, e não tentam ser discretos. Eles sabem que o rastro não ficaria despercebido.

– Mas porque o hospital? – Scott perguntou incomodado. Sua mãe trabalhava lá. Detestava o pensamento de vê-la em perigo.

– Talvez procurem alguém ferido... – foi Isaac quem deu a sugestão.

– É uma possibilidade. Remota, mas é – Derek resmungou passando a mão pela barba rala.

– Diz isso por que lobisomens tem o fator Wolverine de cura? – Stiles se meteu, ganhando o olhar de todos na sala – Talvez eles tenham humanos com eles. Tipo que nem a gente. Humanos precisam de hospitais...

– Bom ponto – Allison concordou.

Derek pareceu ponderar. Não podia descartar nenhuma das possibilidades.

– E o Cartório? – Boyd levantou uma dúvida importante.

Todos olharam para Stiles, como se ele tivesse a resposta para aquela questão. O garoto apenas coçou a nuca, em seguida deu de ombros.

– Sei lá. Talvez eles estejam procurando alguém, o Cartório de Registros costuma ter o endereço de todas as residências da cidade. Talvez eles procurassem no hospital e como não acharam foram ao Cartório. Pode ser alguém ferido ou que achassem estar ferido. Alguém que só conhecem o nome... – acabou fazendo uma careta – Não dá pra deduzir a sério com tão pouca informação.

– Boas teorias – Peter elogiou com um sorriso torto e um tom de voz que não deixavam saber se falava a verdade ou debochava do garoto.

– Faz sentido – McCall cruzou os braços a frente do peito – Talvez eles não queiram invadir o território de Derek ainda mais, por isso não tentam encontrar pelo rastro. Que estão atrás de alguém ficou bem claro.

– Nesse caso pode não ser algum de nós – Jackson resolveu opinar também.

– Será que eles voltam ao hospital? Ou ao Cartório? Se ficasse alguém vigiando... – Erica deixou a frase no ar, insinuando uma possível armadilha.

Derek balançou a cabeça, pensativo. Não adiantava montar guarda nesses dois lugares. Havia grande chance de já terem encontrado o que buscavam. O que esperavam para dar o próximo passo?

Deixar um dos adolescentes vigiando era complicado. Até para ele seria indefensável se os Alphas resolvessem atacar ao mesmo tempo. Esse era um dos motivos pelos quais pegava pesado nos treinos. Tinha que melhorar as habilidades dos garotos o máximo que conseguisse.

– Manteremos os arranjos do jeito que estão. Não quero saber de nada precipitado – afirmou evitando olhar na direção de Peter – Ao menor sinal de perigo, avisem.

– E a presença daquele dia? Que você sentiu... – Stiles perguntou um tanto preocupado.

Derek olhou profundamente para o garoto por alguns segundos, antes de responder a questão.

– Não voltei a senti-la. Minha prioridade é o Pack de...

– Ei! – Stiles cortou a frase – Já pensou que essa “presença” pode ter a ver com esses Alphas? Talvez eles estejam atrás dessa... coisa... ou criatura... ou seja lá o que for...

– Tem razão – Scott entendeu a linha de pensamento imediatamente.

– Peter e eu coletaremos mais pistas – Derek disse firme – Vocês voltam para casa. Jackson e Scott já sabem o que fazer. Enquanto não tivermos mais informações não faremos nada.

Stiles ficou chateado. Sabia que sua hipótese era muito sensata: duas coisas inexplicáveis ocorrendo podiam ter tudo a ver. Seria coincidência demais não estarem conectadas. Por que Derek não lhe dava um crédito?

– Então isso encerra a discussão? – Erica indagou surpresa. Quando começavam a esbarrar em uma teoria mais concreta o cara punha um ponto final na reunião?! Não fazia sentido...

– Sim – Derek foi taxativo – Scott leve Allison até a casa dela. Jackson, você vai com Erica e Boyd. Eu levo você – finalizou encarando Stiles, que evitava olhar de volta, irritado pelo assunto ter sido cortado bem quando tivera uma sacada brilhante.

O garoto não podia sentir a preocupação do Alpha, por que Derek camuflava bem o que ia em seu interior, com sua expressão sempre fechada. Mas os outros lobos foram atingidos pela sensação tão profundamente que não souberam como reagir, por que não podiam ler mentes ou entender o exato motivo de o Alpha ter ficado daquele jeito.

Derek Hale também compreendeu o ponto exposto por Stilinski e isso o deixara levemente nauseado. Se a criatura desconhecida tinha coragem o suficiente para se aproximar tanto quanto naquela tarde então, mais cedo ou mais tarde, os Alphas também teriam. Isso se caçavam o que quer que fosse “aquilo”.

E para “aquilo” ter chegado tão perto, em um momento tão específico, quando ninguém mais estava por perto, o alvo só podia ser um dos dois. O próprio Derek Hale ou...

Stiles Stilinski.

Continua...