Doce Inverno de Eternas Lembranças escrita por ju_mysczak


Capítulo 4
É uma ordem.


Notas iniciais do capítulo

Novamente, capítulo não betado. Prometo procurar um beta novo essa semana.
Demorei no último capítulo pela falta de comentários. É muito importante para mim saber o que estão pensando da história. :(
Se não houver mais comentários, pararei de postar. Não é birra, é que a falta de resposta desanima completamente qualquer um. :(



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– Jovem mestre?

Silêncio.

– Jovem mestre?

Ciel geme enquanto percebe estar acordando de um sono profundo e extremamente gostoso. Quem ousaria despertá-lo com voz tão macia e doce a ponto de querer apenas virar e continuar a sonhar? Ah, apenas entre em meu sonho e descanse comigo!

– Jovem mestre, me perdoe, mas temos um horário e já estamos atrasados!

– Sebastian! – O garoto rapidamente levanta com os olhos bem abertos. – Por que demorou tanto para vir me chamar?

– Eu vim mais cedo, porém não consegui acordá-lo. O mestre estava cansado demais do baile de ontem, precisava descansar. Hoje temos aula de violino e prática de francês e italiano.

– Estou pensando em parar o italiano, não é necessário aprender uma língua tão rude e sem graça quanto essa! – Lamenta o conde, coçando as visíveis olheiras.

– Não se esqueça de que possui filiais muito importantes da companhia em províncias romanas. – O mordomo lembra, obrigando o garoto dar um olhar nada feliz ao próprio pé. – Pelo menos hoje tem a tarde livre, o que quer fazer?

– Pensarei durante o dia.

...

– Não é assim, mestre. Permita-me mostrar-lhe as notas corretas. O nervosismo em nada o está ajudando, precisa relaxar. – Sebastian levanta do banco e posiciona-se atrás de Ciel, levando uma mão a segurar com firmeza os pequenos dedos ao redor do violino enquanto a outra tocava suavemente a mão d conde. Aos poucos o menor conseguiu tocar quase sem esforço algum e por conta própria. – Viu, assim está bem melhor!

Ambos viram o rosto ao mesmo tempo, encontrando seus olhares. Miraram-se fixamente por segundos, cada um com seu misto de sentimentos, entre afeição, necessidade, raiva e admiração, principalmente admiração. Em segundos, esqueceram-se da imensa sala clara e silenciosa, cheia de instrumentos variados, esqueceram-se do dia vazio, da noite agitada que tiveram. Esqueceram-se de respirar. Ao perceber que o tempo decorrera, Ciel cora atingindo um claro tom rosado, que contrastava claramente o pálido de sua pele imaculada.

– Sebastian, não estou me sentindo muito bem. Ficarei em meu quarto esta tarde e não quero ser incomodado. – Rapidamente fala, se afastando.

– Sim, meu Lorde. – Pega o menor no colo com cuidado e leva-o à cama. Deposita-o e passa a remover suas roupas, peça por peça. – Trarei um chá para ajuda-lo. Chamarei o doutor na cidade, se precisar.

– Não será necessário. Quero apenas descansar. Preciso refletir no que fazer em relação ao Bellmont.

– Não se deixe aborrecer por isso hoje, melhore primeiro então resolveremos alguma coisa.

Algo ali aconteceu que assustou o conde. Alguma coisa que passou despercebido no mordomo o fez arquear as sobrancelhas. Um toque, uma ligeira mudança no timbre em sua voz, um brilho a mais no olhar. Algo de diferente. Seria preocupação? Por que se preocuparia com um pequeno mal estar quando tudo o que o preocupa é minha alma? Há muito tempo alguém não se preocupava verdadeiramente com Ciel. A última vez fora quando voltara para retomar seu lugar como conde, o último da família Phantomhive vivo.

...

Os lençóis estavam espalhados em um caos na cama suada. O quarto em desordem e o dono do mesmo em mais perfeito desalinho. Sua mente era o caos em si, com lembranças estranhas e um misto de sentimentos que se esforçava em suprimir. Gotas da fina camada de água que o recobria caíam em seus lábios, salgando a delicada boca. Odiava sonhos, mas jamais poderia viver sem eles.

Quando se rompe o fio da vida, os vivos caem ao chão como marionetes, levando consigo toda a alegria e dignidade que se há em ser. Cada dia passa a ser um horror aos que permanecem e, infelizmente, sobrevivem. Passam a olhar um ao outro como estorvos e a odiar tudo oque lhes resta. O conde odiava a tudo, pois não poderia jamais amar.

Odeio minha alma, pois dela vem todo o meu poder. Odeio aos homens, pois são estúpidos e egocêntricos. Odeio meu orgulho, pois é dele que me faço e me sustento e, mais que tudo, me odeio. A fonte de toda a raiva era o passado e suas marcas, por isso destruíra naquela tarde tudo o que podia no cômodo em que repousara seus ancestrais, na intenção de aplacar a própria ira.

Perguntava-se por quanto mais tempo aguentaria o tormento, resistiria às torturas. Sentia um mundo de sombras invadir sua alma e banhar seu peito, comprimindo-o até quebrar seu esterno e as costelas perfurarem-lhe os pulmões. O sonho voltava cada vez mais nítido. Os gritos, o fogo, o medo, a incompreensão, tudo na cabeça de uma criança que não compreendia por que o pai não podia lhe responder. Mais uma vez: odiava sonhos. Mas eram necessários, para nunca se esquecer de seus reais motivos, as únicas coisas que o mantinham vivo.

– Jovem mestre? – Ouve a leve batida nas portas de madeira. O mordomo entra após um tempo de silêncio. Fecha a maçaneta atrás de si e encara o menor. – Já teve seu tempo, mestre?

Nenhuma resposta é obtida. Ciel mantinha ambos os olhos desnudos encarando o balaústre do teto, os lábios partidos, o peito subindo e descendo descompassadamente. Marcas rochas e de arranhões maculavam a pele clara e frágil, seu corpo estava jogado de qualquer jeito sobre a cama coberta de penas.

– Estou morrendo, Sebastian. – Diz, em sofrimento, arrancando um sorriso complacente do mais velho. - Estou morrendo ou enlouquecendo.

Após despir o garoto de sua arrogância, raiva e orgulho, conseguia ter uma clara visão de seu tormento, porém os mistérios, mesmo após serem descobertos, sempre permaneciam incompletos. Queria entender a mente do rapaz, poder dizer exatamente o que pensava a cada segundo do dia, mas tudo o que conseguia era uma nublada visão de seus próximos movimentos, que muitas vezes ainda o surpreendia. Se oferecesse um chá que o garoto não gostasse haveria duas possibilidades: ter o chá devolvido com um olhar de desaprovação ou, em momentos de raiva, um questionamento desnecessário das habilidades do mordomo. Mesmo assim, via-se surpreso ao ter o garoto a sua frente tornando o chá à boca com olhar de tédio. Não era o chá a causa de seu espanto no momento, mas a conclusão absurda que o menor tirara de sua angustia. Para os humanos, tão pouco os fazem sofrer tanto!

Não poderia deixar de contar o fato de que o garoto iria realmente enlouquecer se continuasse em tal estado.

– Trocarei suas roupas. Dará uma volta ao jardim, pedirei que Maylene arrume o máximo que conseguir aqui, mais tarde, quando voltarmos, trocarei a mesinha quebrada.

O outro apenas assentiu, ainda com pensamentos de morte na mente. Era um dos poucos momentos, Sebastian sabia, que deveria ordenar ao invés de obedecer. Seu mestre estava fraco e precisava de alguém para lhe dizer o que fazer. Buscou a camisa de linho branca no armário, uma bermuda e um par de meias. Virou-se para a sapateira agarrando um par de sapatos.

Ao ter Ciel devidamente arrumado a sua frente, não conseguiu evitar um suspiro. Sempre o vestira dessa forma, infantil demais para um conde dono de uma das maiores companhias da Europa, e nunca ouvira reclamações. Agradava-o ver o pequeno em roupas apropriadas a um pirralho de sete anos, era uma forma de lembrar-se da criança a quem servia. Inicialmente, há três anos, era uma forma também de provoca-lo, vestindo assim um garoto que se sentia tão mais velho do que realmente era, mas não funcionou, o menor não se importava com a forma que o vestisse. Acabou gostando do resultado e o manteve assim.

– Meu olho, Sebastian? – Pergunta acidamente Ciel, deixando outro sorriso no rosto do maior. Observa atentamente ele ir até a cômoda trazendo o objeto até seu rosto e amarrando- o com um laço firme atrás, cobrindo a marca de seu contrato na íris azul do rapaz, marca que o faria usar o tapa-olho sempre enquanto vivesse. Incomodava-se com o mordomo estar mais pensativo ultimamente do que costumava.

– Pronto, mestre. Vamos?

...

Talvez eu tenha perdido toda minha sensibilidade. Eu preciso ter perdido. Ou quem sabe estou mais sensível que nunca. Ciel caminhava pelos jardins, observando a natureza e sendo acompanhado de perto pelo mordomo. Sua vida estava acabada, bastava viver um dia de cada vez. Não havia mais alegrias, não havia mais amor. Onde fora parar o Ciel Phanthomhive que ria, brincava e se divertia com a família? Ele deve ter morrido junto dela.

O céu nublara-se novamente e a umidade dizia que logo iria chover, como um dia atípico de outono. O vento castigava seu rosto, rasgando a carne de seus lábios inchados. As folhas voavam para longe, sendo carregadas por mãos invisíveis. Tirou tudo de mim. Tirou todos e deixou-me sozinho. As flores permaneciam, elas nunca iam embora, como uma constante lembrança de suas dores. Elas resistiam bravamente os piores invernos e nenhuma neve as queimava, nenhum vento as levava. Ciel queria por fogo em cada uma delas, deixar restar apenas cinzas, mas não conseguiria fazer isso com seu passado. Precisada de ambos.

As primeiras gotas caíram pesadas, cortando o céu em direção à terra escura. Logo, um bombardeio desceu, destruindo tudo que era verde em seu caminho, mas sempre deixando o amarelo. O barulho assemelhava-se ao som das pólvoras chinesas estourando, uma seguida a outra.

– Jovem mestre, é melhor entrarmos ou ira resfriar-se.

– Deixe-me, Sebastian. – O conde balbucia. – Deixe-me em paz. – Replica, fechando os olhos para sentir melhor cada gota bater em seu corpo escorrer, lavando-o. O mordomo nada mais diz, mas se aproxima com certo receio.

Aquela chuva bem poderia lavar sua alma também, ela estava tão suja. Poderia levar todos os pecados que o manchavam e que o mancomunavam com a solidão. Estava sem defesas, aos pés da mansão em que se isolou, sua muralha pairando diante de si como uma ruína. Mais uma vez naquele dia, permitiu-se chorar. Quantas vezes não fazia aquilo? Estava virando uma rotina, as lembranças vinham, o atormentavam e junto delas as lágrimas roliças, os olhos inchados e o rosto corado.

...

Sebastian o carregava de volta ao quarto. O deitou na cama e, com a mão, mediu sua temperatura. Retirou suas roupas, o deixando nu como no dia em que nasceu. O banho foi preparado mais rapidamente que qualquer ser humano conseguiria preparar. O conde permaneceu em infusão por alguns minutos, para esquentar-se, e foi logo transferido novamente para a cama, onde foi devidamente secado e vestido com uma leve camisola. Aprumou-se embaixo dos lençóis e descansou enquanto o mordomo trazia um carrinho com chá quente e biscoitos recém-assados.

– Preparar-lhe-ei uma sopa para o jantar. Está ficando gripado, mestre. – O maior o serve, dizendo com certa preocupação escondida no tom de voz.

– Que seja. – Ciel funga, sentindo a cabeça pesar e o corpo doer.

– Não posso deixar de lhe avisar que não anda se alimentando devidamente, jovem mestre. Isso contribui para que fique ainda mais fragilizado e não tenha disposição para levantar. Espero que coma toda a quantidade que esteja em seu prato hoje, mestre. Para seu próprio bem.

– Eu sei o que devo ou não devo fazer. Quem é você para me dizer o quanto devo comer? Por mais que fique fraco ainda sobreviverei e minha força física não muda minha alma. Não ouse fingir que se importa comigo agora! Não ouse! – O garoto grita a plenos pulmões, com toda a sua raiva. – Não ouse. É uma ordem, Sebastian. Não ouse fingir se importar com meu estado físico!

O mordomo endureceu, sobressaltando-se com a súbita demonstração de fúria e tristeza. A depressão o abalava há muito tempo, mas apenas então percebeu o quão profundas eram suas feridas.

– Sim, meu Lorde. – Sebastian volta rapidamente a sua pose, curvando-se em respeito. Faria o que quer que Ciel pedisse, das ordens mais pitorescas, mais sensatas, voláteis ou absurdas, às mais deliciosas, sanguinárias e prejudiciais. Era seu instrumento e, sem piedade, destruiria qualquer um que estivesse em seu caminho com uma palavra do menor.

Era uma ordem idiota, o mordomo sabia. O conde não sobreviveria por muito tempo sem quem o manter na postura correta, pois era muito infantil ainda, não sabia ainda quando deveria desistir de suas vontades (ou a falta delas), passar por cima de seu orgulho e fazer o necessário. Fazia questão que tudo estivesse de acordo com as normas, muito bem cuidado, mas quando se tratava de seu próprio corpo a preocupação era uma lástima, do ponto de vista do demônio. Seria uma longa semana, Sebastian previa.


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