As cinzas de um julgamento escrita por Rebeca Paixão


Capítulo 6
Eu não posso acreditar que Deus jogue dados com o Universo.


Notas iniciais do capítulo

O título do capítulo é uma frase de Albert Einstein *-*
Pra mim, tem a ver por que interpreto como o destino, que os únicos responsáveis por nossas escolhas somos nós.
Boa leitura!



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–E então, o filho da puta disse que eu não poderia comer ali, porque estava de tênis! Você acredita nisso, Michael? Eu tinha dinheiro, mas estava de tênis! Eu odeio os restaurantes da Park Avenue! – E bufou, pousando com força a garrafa de Budweiser no balcão.

Michael riu e afastou uma mecha de cabelo platinado dos olhos da moça.

–Ei, liebchen, não é pra tanto. Se quer saber, economizou uma grana.

Charlotte ergueu os olhos castanhos muito claros para o namorado, e deu um sorriso bobo, o que enfeitou seu rosto extremamente pálido com duas covinhas.

–Você tem razão. Mas é que... Era importante pra mim. Queria que papa achasse que estou indo bem sem ele. Já imaginou se me manda voltar para Alemanha? – E então Charlotte Nagel se pôs a balbuciar palavras incompreensíveis, os olhos encharcados de medo – Drogen, ich bin gefickt, er mich nie verlassen, überall zu gehen ...

–Charlie, você precisa se acalmar... Seu pai não vai te levar de volta...

–Você não o conhece, Michael... Ele nem sabe que... Que eu e você somos namorados.

Michael sorveu lentamente seu Martíni, observando distraidamente as pessoas naquele bar, as garçonetes de saia curta, os caras folgados da faculdade perturbando as patricinhas da East Upper Side, uma moça bêbada colocando uma moeda na jukebox. A música ''The Man I Love'', de Billie Holiday, começou a ser reproduzida.

–Charlie, casa comigo?

A mulher de cabelo loiro claríssimo e jeans folgados arqueou as sobrancelhas.

–O que quer dizer com isso?

–O que um cara quer dizer quando pede uma garota em casamento? Lisa? – A amiga de Charlotte, que flertava com um homem careca, se virou para encará-lo. – O que diria se um cara quisesse se casar com você?

Ela deu de ombros.

–Se ele me desse um diamante. – E voltou-se para seu homem.

Charlotte baixou a cabeça.

–Você não pode estar falando sério, Mike. Não temos dinheiro.

–Seu pai não sabe disso. Enviaríamos a ele uma foto nossa e uma cópia da certidão de casamento. Plim. – E estalou os dedos teatralmente. - Você está livre.

–Casaria comigo simplesmente para garantir que eu não vá embora?

Ele deu um delicado beijo em seu rosto.

–Gosto de você, liebchen.

Charlotte abriu um sorriso que poderia ter sido visto de costas. Em seguida, abraçou Michael e o levou para seu velho Ford Fairlane 62. Ali, Michael teve a melhor noite de sexo de toda a sua vida.

***

Michael acordou com a pele arrepiada, e constatou que aquilo não tinha relação alguma com seu sonho. Estava frio. Ele estava embolado como uma cobra, no chão, perto da sessão de pães. Ele e Jennifer haviam encontrado duas latas de sopa de legumes, meio pacote de biscoitos salgados e três latas de sardinha. Misturaram uma das latas com a água e todos comeram, pouco, mas o suficiente para não morrerem de fome. Chris havia vomitado tudo, e Reagan dera a ela alguns biscoitos. Agora, talvez três ou quatro horas depois, as luzes continuavam a piscar e ele não ouvia nada. Imaginou Reagan fosse cruel o bastante para abandoná-lo e fugir com as mulheres e a comida.

–Reagan? Jennifer? – Ele gritou, enquanto alisava os braços. Quando é que tinha esfriado tanto?

Então ele escutou um grito estridente, e sabia que era de Jennifer porque ninguém jamais conseguiria furar seus tímpanos como ela. Pegou seu bastão de basebol e seguiu o que poderia ser a origem do grito. Sala da Gerência?

–O que está havendo? – Perguntou Reagan, que havia chegado por suas costas, sacando a arma. Ela havia tido o bom senso de não gritar. Chris estava ao seu lado, nervosa.

–Eu não faço ideia. Estava dormindo e quando acordei escutei o grito da Jennifer.

–Para o bem dela eu espero que não seja uma barata ou juro que...

O que viram em seguida teria sido absurdamente cômico, se não fossem as circunstâncias. Jennifer vinha correndo pelo corredor em direção ao grupo, arrastando um grande pedaço de plástico bolha. Ela estava nua e ensaboada, o que a fazia escorregar em alguns pontos. Em sua última queda, correu de quatro, até encontrar as mãos de Michael. Não houve tempo para explicações, porque, logo depois, um grupo de aproximadamente seis homens armados com pedaços de pau e barras de ferro surgiu. Jennifer tremia muito, e, por um instante em que o grupo parou, tudo o que se fazia ouvir eram as gotas que escorriam de seu corpo e caíam no chão. Ela estava escondida atrás de Michael. Vi mais mulheres nuas em seis dias no meio do caos do que durante a minha vida toda.

–Qual é? – Perguntou Reagan, empurrando Michael para o lado e mais uma vez jogando sua masculinidade no lixo. – Querem alguma coisa?

–Que tal um pedaço de rabo, querida? – Disse o líder deles, um roqueiro da velha guarda de barriga protuberante. – Você pode escolher entre a enfermeira ali, ou a gostosa de chocolate.

Seus parceiros imundos riram.

–E você podem escolher se quer que eu arranque uma parte dos seus dentes ou seus testículos inteiros.

Soaram gargalhadas.

–Está falando sério? – O Gordo se aproximou um passo. – Sabe o que eu faço com mulheres metidas a macho como você? Eu peg...

Pá. Pá.

O primeiro tiro alojou um pedaço de chumbo entre as pernas do Gordo, o que o fez cambalear para trás e urrar de dor. O segundo destruiu sua rótula esquerda. Os gritos agonizantes do homem penetraram no silêncio do Wal-Mart.

–Porque será. – Outro tiro derrubou o homem á esquerda. – Que ninguém mais. – A outra bala atravessou o olho do garoto que ia contra-atacar. – Está rindo. – Mais dois tiros, e mais dois homens-mortos que gemiam segurando seus membros feridos. – Das suas piadas? – Reagan largou a arma no chão e tomou o bastão das mãos de Michael, chocado demais para demonstrar qualquer reação. Estourou com pancadas a cabeça do último, que tentava fugir, e, em seguida, esmagou a cabeça do Gordo até que ele parasse de pedir por ''clemência''.

Por vários segundos, ela apenas sentiu o gelado metal em suas mãos e a adrenalina fazendo seu coração disparar. Ela havia provocado uma chacina. Reagan largou o bastão ensanguentado no chão e se virou para seu grupo. Michael apenas a observava com o olhar perdido, quase invisível na imundície de seus óculos. Jennifer envolvia o corpo nu com as mãos, e tentava disseminar a fumaça de pólvora que ainda pairava por ali. Chris a encarava com uma expressão indecifrável no rosto, e suas mãos tapavam os ouvidos. Indo em direção ao garoto magrelo com o olho perfurado, procurou pela etiqueta de sua calça, e olhou para Chris.

–Você veste 38?

–O que? – Chris destapou os ouvidos.

–Se você veste 38?

Chris produziu um som que parecia uma mistura de risada e espirro.

–Talvez meus joelhos vistam. Meu traseiro está mais para um 42.

Levou mais três horas para que Reagan, com a ajuda de Michael, saqueassem os mortos e lavassem as roupas que consideravam aproveitáveis. Chris ganhou uma calça jeans escura apertadíssima e um par de botas de caubói também escuras, Reagan conseguiu uma nova camisa, do Pantera, e outra jaqueta jeans, e Michael passou a vestir uma jaqueta de couro com uma estampa dos Angels nas costas. Jennifer passou todo o tempo seguinte em silêncio, chocada demais para abrir a boca. Não protestou quando vestiram nela suas habituais roupas e um moletom manchado de sangue, com o logotipo do hotel Ritz.

–Acha que devemos ir embora? – Perguntou Reagan á Michael. Jennifer estava estática num canto, á olhar para o vazio, e Chris havia ido ao banheiro.

Michael a encarou com um sorriso irônico nos lábios.

–Uau! Você está pedindo a minha opinião? Está pedindo mesmo a minha opinião, Reagan? – Ele pôs as mãos nos bolsos da calça e inclinou a cabeça.

–O que você está querendo dizer com isso? Está insatisfeito? – Reagan devolvia o olhar enviesado á seu interlocutor.

–Quero dizer que você tem dado ordens á uma semana inteira e jamais quis saber a opinião de mais ninguém... O que me deixa intrigado é o motivo do seu interesse em minha opinião agora? Diga, Reagan, qual é o seu problema?

Reagan colocou as mãos na cintura.

–O seu show não tem sentido algum, Michael. O seu problema é só falta de sexo? – Ela bufou. – Preste atenção numa coisa, Michael, isso não é um acampamento de férias e eu não sou sua líder! Você e a Miss Stripper podem fazer o que quiserem, e, sinceramente, mil perdões por não ter a porra de uma caixinha de sugestões pra você!

–É só o que você sabe dizer! Mandar as pessoas se danarem! Não se importar se elas precisam ou não de sua ajuda! Você é uma egoísta de merda, e eu nem sei porque você ficou por tanto tempo comigo e Jennifer! – Ele deu uma gargalhada sarcástica, enquanto andava de um lado para o outro. – Obviamente, você só vai proteger a Chris porque está apaixonada por ela!

–Você sabe onde deveria enfiar esse seu machismo, Michael? – A essas alturas, Reagan já estava aos gritos. – Você é um prefeito imbecil! Eu sei exatamente do que se trata! Está ressentido porque sou mais homem que você!

–Não se atreva...

–O que você vai fazer? Arrumar-me um apelido tosco? Você é um desperdício de espaço, Michael!

–Reagan, você percebe o que está dizendo? Você só sabe dizer aos outros o que fazer!

–É mesmo Michael? – Ela riu. – Ali do outro lado tem uma porta... Você sabe o que significa? Que você e todo mundo que não estiver satisfeito pode ir embora a hora que quiser! Mas é claro que você não vai! Você não tem coragem! Você me acusa de não me importar com as pessoas, não é? Isso na verdade é a culpa, falando mais alto dentro de você! Deixa eu te contar uma novidade: A Charlotte não vai voltar, e agora é meio tarde para tentar ser como ela!

–Lave sua boca imunda para falar da Charlotte! – Michael perdeu o controle e tinhas grossas lágrimas nos olhos. – E pare de agir como se soubesse algo sobre mim! Você não me conhece!

–Eu sei o bastante! Eu sei que você era um marido bonitinho que chegava cedo em casa e que no seu mundinho perfeito não havia nada acima de você, e que a Charlotte te esperava ansiosa todos os dias, com o jantar na mesa, vestindo uma camisola transparente! Você precisa enfiar nessa maldita cabeça que ESSES DIAS ACABARAM! VOCÊ NÂO É MAIS O HOMEM DA CASA!

–CALA A BOCA REAGAN! Você não faz ideia... Você não sabe... – As palavras de Michael eram entre cortadas por seus soluços profundos. Ele acabou por encostar na prateleira mais próxima. Com a cabeça enfiada entre as mãos, Michael chorou, alto e desesperadamente, e seu corpo tremia, como se ele tivesse tendo uma convulsão, e seus soluços profundos poderiam ter partido o coração do ser humano mais frio, com exceção de Reagan, que assistia á cena com as sobrancelhas franzidas.

–O que fez com ele? – Perguntou Chris, que acabara de chegar. Ela encarava Reagan com evidente confusão, e seus cachos castanhos caíam de uma maneira rebelde sobre os ombros.

–Você não ouviu os gritos?

–Sim, eu ouvi. – Ela olhou para Michael. – Porque você é tão fria, Ra?

Reagan se virou para encará-la.

–Se você está com pena, devia ir dar um abraço nele. – Respondeu ela secamente.

–Reagan, eu não quis... – Começou Chris.

–Preste atenção. Eu vou embora daqui. Você precisa decidir se vai ficar com Michael e a Dona Aranha ou vai comigo.

Chris olhou de relance para Michael.

–Eu... Eu não vou me separar de você.

Reagan assentiu.

–Ótimo. Vamos fazer outra varredura pelo mercado e saímos em quarenta minutos.

***

Naquele momento, há aproximadamente 50 metros de um decrépito Wal-Mart marrom na Central Square, três helicópteros UH-60 Black Hawk da Força Aérea Americana pousavam no asfalto, movendo o lixo do chão e levantando poeira. Com as hélices ainda em movimento, grupos de homens vestindo macacões brancos e portando armas de aspecto futuristas desembarcaram. O Líder da operação, o mais alto da equipe, espalhou seus homens por toda a extensão da rua. Ele e os oficiais restantes marcharam em direção ao Wal-Mart.




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Notas finais do capítulo

Oi coleguinhas... Sabem que comentar é de graça? E faz um autor feliz. :)
Até a próxima!



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