As cinzas de um julgamento escrita por Rebeca Paixão


Capítulo 4
N.o.m.


Notas iniciais do capítulo

Oi, moços. Aqui está outro capítulo. Meio sangrento, admito, mas bem esclarecedor, para os curiosos que queriam saber o que aconteceu. Enjoy!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/468929/chapter/4

Jerusalém – Israel

O garoto chamado Bani e seu irmão gêmeo Harim haviam terminado suas preces no Muro das Lamentações. Esse não é um dia comum. O gêmeo Bani, 33 segundos mais velho, havia despertado com essa sensação, e o irmão também não estava se comportando da maneira descontraída que o fazia ser, geralmente, o favorito. Bani tinha certeza que não estava ali simplesmente adorando. Ergueu seus grandes olhos pretos para o céu e percebeu que os horrores que viveu durante os bombardeios palestinos não o haviam preparado para o que via. Eram pouco depois das 14:00, mas o céu escureceu. E depois, como num grande e bizarro show de mágica, as pessoas começaram a desaparecer, deixando para trás suas peças de roupas, e talvez, alguns familiares desesperados. Bani estremeceu, e sentiu o olhar aterrorizado do irmão em sim mesmo. Ele podia traduzir o que ele queria dizer. Nós... Ficamos?

Bani, seu irmão Harim e sua irmã Sarene haviam sido preparados a vida toda para serem os escolhidos de Deus. Os fiéis. Por que estamos aqui?Perguntava Bani à sua consciência.

Inesperadamente, um grande relâmpago cortou o céu, seguido de assustadores trovões. Não estamos em época de chuva. O ruído quase perturbador de seu coração acelerado quase silenciou quando um tremor abalou a terra. Bani caiu por cima do irmão e só teve tempo de arrastá-lo para longe do Muro das Lamentações antes que ele desabasse com um ruído horripilante. O garoto só conseguia correr, e não parou até Harim cair de joelhos, o rosto característico parcialmente coberto pela poeira. Os gêmeos se puseram lado a lado, observando a destruição. A terra tremeu de novo. Os dois se abaixaram e protegeram a cabeça com as mãos.

Bani só acordou algum tempo depois, enxergando um rosto idêntico ao seu através dos olhos embaçados. Aos poucos, conforme seus sentidos voltavam, Bani percebeu o rosto do irmão apavorado, sacudindo seus ombros, mexendo os lábios freneticamente. Samos gir..? Bani identificou uma dor lancetante no ombro, pouco antes de recuperar completamente as noções de tempo e espaço. Ele estava deitado no asfalto, e seu irmão pairava bem acima dele.

–Precisamos fugir! Precisamos nos abrigar agora mesmo... Acorde Bani...!

O garoto deu um salto olhando à esquerda, constatou com espanto que o osso de seu ombro havia sido estilhaçado. Sua carne estava queimada, exibindo uma horrenda fratura exposta.

–Não temos tempo... – O irmão agarrou seu braço bom e arrastou Bani pela multidão desesperadas. A densa camada de pó havia se dissipado, mas isso estava longe de ser um alívio. A tragédia seguinte extinguiu qualquer dúvida que Bani tivesse sobre o que estava acontecendo. Estava caindo granizo. E fogo. Bani olhou em volta. Bolas de fogo de aproximadamente 30 centímetros de circunferência caíam sobre os carros, as pessoas, incendiando imediatamente seres humanos, árvores e o que quer que estivesse pela frente. Suas pernas estavam protestando. Ele queria parar de correr. Sua sanidade estava ameaçada. Bani crescera em meio à violência. Seus pais foram mortos em um bombardeio. Ele ainda se lembrava de identificar o pedaço de carne pútrida, da cintura para cima, que fora sua mãe, e que seus membros inferiores nunca haviam sido localizados. E também se lembrava de ver o corpo do pai crivado de balas, enquanto fechava a porta do porão onde ele e os dois irmãos estavam abrigados. Mas aquilo o fazia perder a cabeça. Porque eu sempre soube que isso ia acontecer. Mas ele não estava preparado.

Harim continuou correndo desabalado pela rua Barque, esbarrando em turistas e religiosos, crianças, velhos e mulheres. Bani não conseguia imaginar aonde o irmão estava querendo chegar. Apocalipse. De acordo com a Bíblia, aquilo era apenas o incenso. O anjo com o incenso. Ainda restam Sete Trombetas.

–Para onde está indo, Harim? – Gritou Bani, ainda correndo.

–Hospital Saint Louis. – Gritou Harim de volta. – Ouvi boatos de que lá pode haver uma espécie de forte subterrâneo.

Bani soltou seu braço.

–Dá mais de um quilômetro!

–Vinte minutos. – Ele se voltou para o irmão. – Vai querer ficar por aí com esse osso exposto?

–Não tem osso. – Ele olhou para o ombro.

Harim agarrou o braço de Bani outra vez e se pôs a correr novamente.

Alguns minutos depois, os gêmeos chegaram à porta do hospital lotado. O ar tinha cheiro de pânico.

Ao olhar para a multidão de mutilados e desesperados amontoados, Bani decidiu que seu braço já não tinha tanta importância. Suas lágrimas se misturaram com a terra e a poeira em seu rosto prostrado, porque ele sabia que aqueles eram apenas o princípio das dores, porque ele sabia que aquilo ali duraria para sempre, que aquele era o último caos do mundo. Ajoelhou-se ao lado de uma garota mais velha, com cara de americana, que exibia sua arcária dentária inferior, pois a carne de seus lábios havia sido arrancada de algum modo. Ela tremia muito, e a umidade na sua calça indicava que ela havia se urinado inteira.

–אני יכול לעזור לך? מה קורה? את השם שלך?

A garota o encarou com visível confusão.

–Desculpe. – Disse ele, desta vez em inglês. – Eu perguntei se posso te ajudar? Qual é o seu nome?

–Ag... Agnes. Agnes de La Faure. – O movimento doentio de suas articulações, expostas, era algo mais do que repulsivo. Era estonteante. Horrendo.

Ele desviou o olhar para seus olhos. Castanho-escuro. Estreitos.

–O que posso fazer pra te ajudar, Agnes? – Os olhos. Olhe apenas para os olhos.

–Meu noivo morreu... Ele... Ele se matou.

–Agnes... Eu sinto muito mesmo... Você... Está machucada em algum outro lugar? Quebrou alguma coisa?

Bum. Outra explosão do lado externo. Desta vez, uma densa camada de poeira e destroços choveu sobre a cabeça das aproximadamente 500 pessoas ali abrigadas.

Quando o pó abaixou e Bani olhou para a moça de volta, ela estava desacordada. Morta. Com um profundo corte na testa, provocado possivelmente por um dos destroços.

Levantando-se, Bani encarou pelo imenso rombo da parede os estragos na rua. Dentro de si, uma voz, parecida com sua consciência, disse que o Segundo Selo havia sido aberto. Logo depois, veio a aceitação. Seriam longos e dolorosos três anos e meio de escuridão, e ele e Harim estariam lá para ver, porque naquele momento, lhe foi revelado o motivo que fizera com que ele e seu gêmeo ficassem para trás. Eles eram as Testemunhas.

***

Longe dali, em seu magnífico palácio em Tianjin, na China, o embaixador Jae-Jin Zhou encarava com um sorriso pilantra o teto acima de sua cabeça, enquanto fumava seu charuto Partagas Salomones Espanola. A fumaça subia preguiçosamente, em espirais. O caos o deixava feliz. Há exatos seis dias, o mundo havia chegado ao seu ponto final. Primeiro, o colapso. A humanidade vendo sua estranha colcha de retalhos chamada Terra se fragmentar, após milhares de pessoas ao redor do mundo simplesmente desaparecerem simultaneamente. Depois, o efeito dominó, caracterizado pela abertura dos Sete Selos do Apocalipse, contribuíra para piorar o que já estava ruim demais. Vieram tremores. Vieram bolas de fogo, granizo, e fogo do céu, o que provocara a extinção de milhares de árvores ao redor do mundo. Em seguida, chamas (sim, chamas), caíram exatamente no mar, matando toda a espécie aquática existente. No outro dia, uma estrela, chamada originalmente de Absinto, caiu novamente no mar, conseguindo por fim transformar toda a água do planeta em fel. Ficou tudo amargo demais para se beber. Finalmente, e talvez a maior de toda a tragédias. O Sol, a Lua e as Estrelas simplesmente se apagaram, e os dias, desde então, tornaram-se negros e malditos. O mundo agora jazia ás escuras. Não havia mais água. Em vários lugares, haviam indícios de alianças políticas e milícias se formando. O embaixador havia recebido seu Nobel da Paz não por acaso. Em apenas cinco anos de negociações, ele havia conseguido acabar com o conflito armado entre palestinos e árabes, entre o Oriente Médio e os Estados Unidos, e o planeta, pouco antes de cair em trevas, o havia aclamado como um Deus. Como um herói. Ele sabia que era a hora de retomar o controle e voltar a ser o Deus deles. Todos precisam de um líder. Ele apagou seu charuto no cinzeiro de prata que descansava à sua esquerda, e encarou o espaço claustrofóbico em que ele se encontrava agora. Um abrigo subterrâneo, há alguns bons metros abaixo da superfície de sua casa, talvez a única parte intacta. Com outro sorriso doentio, o embaixador Zhou ergueu a manga de sua rica camisa branca. Admirou sua tatuagem por alguns instantes. Dajjal. Na língua pura de sua mãe, ioruba, a palavra queria dizer Anticristo.




Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

A história tomou um rumo que eu não esperava, portanto, não tenham pena dos meus sentimentos e sim, critiquem da maneira que acharem viável.
Estou insegura. Até o próximo. :P



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As cinzas de um julgamento" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.