Trevo do azar escrita por lfx


Capítulo 4
Midas inverso




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Dias se passaram e Sabrina continuava me mostrando livros, revistas e sites sobre como ter mais sorte na vida. Não adiantava em nada, mas mesmo assim eu continuava aceitando os convites de ir pra casa pra tentar resolver o meu problema. Um dia ela me apresentou para um livro um pouco recente escrito por um autor que até então eu nunca tinha ouvido falar. Ela disse que como que os procedimentos para conseguir sorte baseados em conhecimentos antigos não estavam funcionando, nada melhor que tentar algo novo. Eu não sabia se devia confiar em algo assim, mas eu não tinha nada a perder. No quarto de Sabrina começamos a ler o primeiro capítulo, era um breve resumo do como as diferentes culturas eram influenciadas pelo conceito de sorte e azar, só pra mostrar como isso é relativo. Ficamos um bom tempo lendo os capítulos e discutindo sobre isso, até que Sabrina sugeriu que eu terminasse de lê-lo em casa, mas eu recusei, não queria que um livro que ela emprestou voltasse encharcado por conta de uma repentina chuva que me atingiu pelo caminho, de novo não. Então eu pedi que ela me mandasse scans das páginas do livro pro meu e-mail que eu ia dar um jeito de ler em casa. E assim ela fez. Peguei emprestado o computador de Helio e continuei lendo o livro. Afonso Murati – Sua sorte – Capítulo 2. Nesse capítulo dizia que não existe azar absoluto, já que o azar geralmente é a perda de algo que o indivíduo teve, ou seja, só tem azar aquele que já experimentou a sorte. Eu entendi bem essa parte, pois minha vida era parecida com isso. Eu tive sorte por um bom tempo, mas acabei ganhando azar com o tempo, o azar não me faria sofrer tanto se eu tivesse azar desde que nasci. Sabrina era a sorte que eu tinha naquele momento, era uma das únicas pessoas que realmente se importava comigo, e eu sabia que provavelmente me deixaria um dia, esse era o plano do azar, me oferecer algo para poder pegar de volta. Depois que o computador de Helio pegou 84 vírus, eu imprimi as folhas e comecei a ler o capítulo 3. Esse era um pouco mais complexo que os outros, nele dizia que todos nascemos com um trevo da sorte, quanto mais esse trevo fica próximo de nós mais sorte temos, e dependendo de nossas ações o trevo se afasta e traz azar. Não preciso explicar tanto, já que você mesmo escreveu. Eu me perguntava como o meu trevo foi se afastar tanto assim de mim e o que eu poderia fazer para trazê-lo de volta. Será o Otávio e eu dividimos o mesmo trevo? Por isso eu sou cercado de valentões me dando socos e ele é cercado de garotas suspirando enquanto ele toca no violão as músicas não tão criativas que ele compõe? Se sim, seria muita egoísmo da minha parte pedir o trevo de volta? Eu não quero que outras pessoas tenham o azar infernal que eu tenho, mas também não quero ter o azar que eu tenho. Tive que ler os capítulos seguintes no computador da biblioteca da escola. O que aconteceu com as folhas que eu imprimi? Bom... “filho, eu emprestei aquelas suas folhas para sua priminha Melissa fazer recortes, essa pirralha não ficava quieta. Elas não eram tão importantes assim, eram?” Li os outros capítulos nos computadores da biblioteca sem prestar muita atenção no que estava escrito, eu só queria achar resposta para o meu azar. Nem me pergunte o que eu li. E não pergunte como os computadores da escola pararam de funcionar. Procurei mais livros. LievTolstói, Oscar Wilde, Elias de Barros... Grandes autores, e nenhum deles tinha as respostas que eu tanto procurava. Bom, parece que eu deveria encontra-las sozinho!

Mais um dia de aula. Ando pelos corredores e alguém esbarra em mim, quando olho, percebo que não foi um acidente, ele fez de proposito tentando me cumprimentar.
– Hey, Norton, tudo tranquilo?!
– Ah Marcos. E aí, cara?! Como é que você ta?
– Eu to sussa, e você continua trapaceando em jogos?
– Olha, eu diria que nem trapaceando eu consigo vencer alguma coisa hoje em dia. Não faz ideia de como é o meu azar.
– Ah, para com esse drama, já basta a minha namorada que vive falando dessas superstições. Depois eu te apresento, o nome dela é...
– Sabrina?
– Ah, você conhece ela? Bom, então acho que não preciso apresentar. Até mais, vou pra minha aula, falou!
– Falou.
É, então ele é o dono da camiseta com o número oito nas costas, e é pra ele que eu vou devolver, não vou mais depender de objetos pra conseguir sorte, eu vou consegui-la eu mesmo! Na sala de aula me deparo com o "trevo da sorte" me dando azar de novo. Prova surpresa, e como eu precisava de nota. Enfim, vou fazer o meu melhor. Peguei a prova, sentei na minha carteira (com chiclete colado, óbvio), peguei a caneta e comecei a ler as questões. Fui assinar meu nome, mas a caneta já não tinha mais tinta. Tudo bem, ainda tenho o lápis. Assinei e parti pra questão número um. Li o enunciado da questão e exibi um sorriso largo, eu sabia a resposta. Ao ver as outras questões fiquei ainda impressionado, eu sabia praticamente tudo. O trevo não pode me fazer tirar zero se eu estudei a matéria da prova. Fiquei empolgado e pressionei com ansiedade o lápis na folha na opção que eu achava certa, mas o lápis escorregou e caiu do outro lado da sala. Olhei para o lado que o lápis caiu tentando pensar em um jeito de pega-lo de volta.
– Norton, olhe apenas para sua prova!
– Professor Noli, é que o meu lápis...
– Já disse Norton, colas anulam a prova.
Droga, como eu ia terminar a prova desse jeito? Valeu mesmo trevo. O que eu ia fazer? Poderia esperar o prazo da prova acabar pra explicar ao Noli o que aconteceu e pedir mais tempo, mas ele poderia não acreditar, ele já estava achando que eu colava na prova. De repente escuto o som de algo no chão. Olho e vejo um lápis diferente do meu batendo na perna da minha mesa. Aquilo não era coincidência, muito menos sorte, alguém viu que eu não poderia terminar a prova e tentou me ajudar. Me abaixei pra pegar o lápis. Um lápis rosa com um adesivo de panda, eu nem tinha o direito de reclamar naquele momento. Mas quem estava me ajudando? Naquela sala só conheço duas pessoas que teriam um lápis assim, Sabrina e Michel. Bom, o Michel não vai muito com a minha cara, então só podia ser ela. Eu ia virar pra trás e agradecer com um sinal, mas o Noli ia acabar tirando minha prova e dando zero. Me abaixei pra pegar o lápis rosa e voltei minha atenção para a prova novamente. Segurei dessa vez o lápis com mais firmeza pra não ter perigo de ele dar um salto mortal como o último. Pois é, usei firmeza demais e a ponta quebrou no papel. Imaginei nesse momento o trevo apontando pra mim e rindo como o Nelson dos Simpsons. Acho que tudo que eu toco se destrói, sou uma versão piorada daquele rei da mitologia grega que transforma tudo em oro. Pensei em desistir e entregar a prova em branco, mas eu não podia deixar o trevo me vencer mais uma vez. Peguei a ponta de grafite quebrada e escrevi com ela segurando na ponta dos dedos. As marcações ficaram horríveis, mas dava pra ver as opções que eu marquei. Terminei com 5 minutos para o fim do prazo e segurei firmemente a folha do teste, afinal um vento poderia levar minha prova embora e reafirmar meu azar.
– Já é 12:00, acabou o tempo. Entreguem suas provas. - disse o professor.
Corri feito um louco pra me livrar logo da avaliação, o professor ficou até meio assuntado. Sai pela porta da sala de aula com um alívio imenso. Nada mais podia dar errado com minha prova, se algo acontecesse com ela seria culpa do professor e ele teria que me dar pontuação máxima. Eu havia vencido o trevo, e claro que ele se vingou no caminho pra casa. Cães me perseguindo, carros quase me atropelando e chuvas repentinas me acompanharam no caminho, mas tudo bem, eu estava feliz por saber que deixei o trevo nervoso. Chegando em casa vi Otavio com um curativo no joelho e com três meninas em volta dele.
– O que aconteceu?
– Nada, só ralei o joelho jogando futebol hoje e elas vieram cuidar de mim.
– O que? Mas nada assim aconteceu com você antes.
– É, eu sei. Foi algo sem explicação. Mas tudo bem, depois do meu décimo nono gol no jogo alguma coisa devia me parar.
Nesse momento uma das garotas gritou comigo.
– Deixe ele em paz, ele precisa descansar depois dessa terrível contusão.
Mesmo assim eu continuei.
– Espera Otavio, quando você se machucou?
– Um pouco depois que o horário da Educação Física acabou.
– Meio dia?
– É, mais ou menos isso.
Meio dia, a mesma hora em que eu tive sorte no dia por entregar uma prova que com certeza eu fui bem. Não era coincidência, realmente tínhamos o mesmo trevo. Nós dois estávamos dividindo a mesma sorte, e só aconteceriam coisas boas comigo se acontecem coisas ruins com Otavio e vice-versa.


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