Trevo do azar escrita por lfx


Capítulo 2
Relatos sobre o trevo




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Os tragos de cigarro, a fumaça da maconha, o álcool das bebidas, nada assustava Cássia, ela consumia sem se importar com consequências. Nunca soube se ela gostava tanto da vida que queria aproveitá-la fazendo tudo o que queria, ou odiava a ponto de querer dar fim nela logo. Com o tempo, esse jeito de viver a fez perder os velhos amigos, e ganhar amigos com o mesmo estilo. Esse novo grupo de amigos já era bem conhecido na cidade. Muito se fala sobre eles, eram delinquentes, roubavam, se drogavam, e há boatos que eles praticavam ocultismo. Dias se passaram até Cássia começar a ficar mais íntima de um desses amigos, até que chegou ao ponto em que a palavra amizade já era pouco para defini-los juntos. Conheço-a, mas não sei muito sobre ele, e creio que dificilmente vou saber, já que ele simplesmente desapareceu quando Cássia cogitou a possibilidade de estar grávida. Como já pôde perceber, ela era irresponsável, mas era preciso ser ainda mais para deixá-la sozinha nessas condições e com essa imaturidade. A gravidez que deveria trazer juízo a uma mulher sem limites acabou agravando ainda mais aquela personalidade. A solidão e a tristeza só fizeram aumentar o vício. “Seja responsável”, ”largue esse vício”, “você esta carregando uma vida”, não adiantava, ela não dava a mínima e consumia mais drogas que antes. Até ela sabia que não havia muitas chances do bebê nascer, e menos ainda nascer sem nenhuma deformação ou sequela, mas ela não se importava, acho que esse era o jeito dela de fazer um aborto “barato”. E adivinha só, Afonso, o bebê que ela estava esperando era eu. Quem acha que não tenho sorte na vida, não sabe a sorte que tenho por viver. Nasci saudável, com meus 3,200 kg. Algo sem explicação? Que nada, ganhou explicações até demais. Para os religiosos fui um milagre. Para os céticos fui apenas um caso raro, algo que não era impossível. Para os piadistas minha mãe fumou um trevo de quatro folhas. A moça da casa ao lado dizia que minha mãe fez pacto com o demônio. Para minha mãe foi um sinal, e procurou um tratamento. O fato virou notícia, ainda mais por nada de extraordinário acontecer naquela cidadezinha. Sim, o mendigo que você esta olhando foi uma criança de sorte. A cidade me adorava, ganhei mais presentes no nascimento que muitas pessoas em uma vida.
Minha sorte permanecia à medida que cresci. Em jogos e brincadeiras eu sempre saia na frente, até mesmo em jogos que eu nunca havia jogado. Um amigo meu, Marcos, sempre achava que eu estava trapaceando, até eu me perguntava se eu trapaceava. Sem me machucar uma única vez, brinquei com cacos de vidro, fios desencapados, aranhas peçonhentas, eu não tinha medo. Eu não precisava ter medo. O mundo era meu.
Minha mãe sempre chegava em casa levando um cara diferente, dizendo que era meu pai. Às vezes era um skatista, às vezes era lutador de MMA, às vezes era programador de jogos, e às vezes nem era necessariamente um cara, até hoje Marília foi o pai mais legal que eu tive. O ultimo foi um fotógrafo chamado Helio, não demorou até ele se casar com minha mãe e ela ficar grávida. Ele me ensinava muito sobre fotografia, e foi aí que eu comecei a me interessar por essa arte. No meu aniversário de cinco anos eu ganhei uma câmera de Helio. Mesmo sem muita idade eu saia por aí fotografando o que eu achasse interessante. A maior parte das fotos era de insetos que eu encontrava, é claro que as fotos não eram boas, nessa época eu nem sabia o que é e como usar uma lente macro. Um certo dia, Helio teve que sair as pressas com a minha mãe no carro, e eu tive que ficar na casa de minha avó até eles voltarem. Como lá não tinha brinquedos e crianças da minha idade eu levei minha câmera pra tentar fotografar um bicho novo. No quintal da casa fotografei moscas, besouros, pássaros, mas era tudo o que eu já havia fotografado antes, até que no alto da arvore vi um inseto diferente voando, subi pra ver o que era. Era uma abelha cinza, nunca tinha visto uma assim antes. Peguei a câmera e cheguei bem perto, quando estava prestes a disparar o flash ela voou rápido e ferrou meu braço. A dor foi imensa, acabei caindo de cima da arvore, aquela foi a primeira e a segunda vez que me machuquei. Fiquei muito assustado, nada disso havia acontecido antes comigo. A câmera ficou em pedaços. Minha avó veio correndo me socorrer, ela literalmente não sabia o que fazer, mas disse pra não me preocupar, pois Helio já estava vindo me buscar. Chegando em casa conheci meu irmão, Otávio. Dormia sem se preocupar com nada, dizem que essa é a sorte dos bebês. Naquela noite eu tive um pesadelo muito estranho, acordei no meio da madrugada e não consegui voltar a dormir. Foi a coisa mais assustadora que vi até hoje, ainda mais porque eu era uma criança e foi o meu primeiro pesadelo. Acho que João Pestana também não gostava de mim. Daquele dia em diante minha sorte simplesmente desapareceu, eu era o pior nos jogos (Marcos dizia que eu parei de trapacear), Helio se zangou por eu ter quebrado a câmera na queda da árvore, toda a atenção que eu recebia foi passada para o novo bebê da família. Eu não invejava Otávio, só a sorte dele. Será que isso acontece com todo irmão mais velho?


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