Trevo do azar escrita por lfx


Capítulo 1
Retrato do azar




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Tudo o que escreverei aqui são lembranças minhas e relatos que ouvi. Infelizmente não tenho evidência nenhuma dos fatos que irei descrever, o que torna tudo uma grande historia de fantasia. Logo eu que me consagrei com livros de auto-ajuda, e fiz duras críticas às historias de fantasia atuais, estou aqui escrevendo algo que provavelmente será visto como um conto para entreter leitores. Enfim, vou contar tudo da maneira de como eu me lembro.
Certa vez estava eu em casa com minha esposa assistindo televisão, não me lembro do que era, acho que era um documentário, eu sempre achei documentários espetaculares, infelizmente Leila, minha mulher, não compartilha desse meu gosto, mas mesmo assim me acompanha. De repente o telefone toca. Sinceramente, eu não tinha vontade de atender, mas eu não tinha escolha, afinal minha mulher dormia ao meu lado, e éramos os únicos na casa. É, realmente ela não é fã de documentários. Enquanto ia buscar o telefone que mesmo sem parar de tocar não conseguia acordar o sono pesado de minha esposa, me perguntava quem estaria ligando a essa hora. Atendo o telefone com medo do que possa ser:
– Alô. Residência dos Murati. Posso ajudar?
– Afonso é você? Estamos tendo um problema aqui na editora. Um homem de barba, mal vestido veio dizendo que precisa falar com você.
– E qual é o problema nisso? Que eu saiba fãs aparecem todos os dias.
– Bom, não acho que ele seja um fã. Ele chegou com muita agressividade, gritando e chegou a agredir dois funcionários. Ele disse algo sobre maldição e azar.
Por que eu deveria cuidar de um louco? Não era responsabilidade minha. Nem ao menos sou psiquiatra. Pensei seriamente em desligar o telefone sem dar explicações e deixar que eles o expulsem, chamem um sanatório, o Batman ou qualquer coisa que não perturbe meu sossego. Mas por alguma razão que até agora eu desconheço, me senti tentado a falar com o tal mendigo.
– Peçam para ele se acalmar que estarei aí em alguns minutos – Respondi ao telefone.
Peguei o meu casaco, meus óculos, a chave do carro e saí sem precisar avisar á alguém. Eu avisaria se “alguém” não estivesse babando no sofá. Eu estava cheio de dúvidas, mas procurei não encher minha cabeça de preocupações, estando eu no volante. “Você é louco, Afonso”, eu repetia isso pra mim mesmo, já que Leila não estava comigo eu tinha que exercer essa função. Eis o prédio da editora. Bom, ainda dava tempo de dar meia volta, mas “eu não vim até aqui pra desistir agora”, como dizia a música que eu estava escutando no rádio do carro.
– Ele se acalmou? – Perguntei para o porteiro do prédio.
– Um pouco, desde que você ligou. Devia cuidar melhor dos fãs dos seus livros.
“E você deveria prestar mais atenção nas pessoas que deixa entrar no prédio!” Droga! Por que eu não pensei em dizer isso na hora?
Quando entrei escutei um grito de um homem adulto dizendo “é você!”, e me deparo com o tal barbudo mal vestido que me descreveram. Ele se aproximou de mim e começou a me dar medo. Devia ter trazido comigo uma arma, um taco de baseball, um chinelo (que é mais útil em uma situação de perigo que o porteiro desse prédio).
Ele continuava gritando “é você” apontando pra mim.
– É Você que pode tirar minha terrível maldição! – Disse ele com os olhos arregalados que me assustavam ainda mais.
– Desculpe-me, mas eu não posso tirar maldição alguma de você, senhor...?
– Meu nome é Norton Pacheco. Por favor, senhor Murati, você precisa me ajudar!!!
Engraçado, esse nome me parece familiar. Será um daqueles velhos colegas de faculdade que eu já esqueci o nome?
– Eu conheço você senhor Norton?
– Imagino que não, eu me lembraria. Me lembro até de acontecimentos de quando eu tinha 3 anos ou menos.
Eu não poderia deixar aquele homem ali, ainda mais que tenho impressão que sei quem é, mesmo ele dizendo que não me conhece.
– Você gostaria de jantar na minha casa hoje comigo e minha mulher, senhor Norton?
Acha mesmo que aquele homem magrelo sem casa ia recusar? Depois de tropeçar pelo menos umas duas vezes ele conseguiu entrar no carro. Perguntei a ele quais músicas ele gostaria de ouvir no trajeto. Ele disse que poderia ser qualquer uma, contanto que não fossem de um tal de Arthur Paiva. Demorou pra eu me conformar que havia um mendigo no meu carro fazendo exigências sobre música. Mas tudo bem, afinal fui eu quem tentou ser gentil e perguntou. Finalmente chegamos em casa, e Leila estava na porta me esperando. Eu devia ter fotografado a cara de espanto dela ao me ver levando um mendigo pra casa.
– Onde é que você foi sem me avisar? Faz idéia do quanto eu fiquei preocupada – disse Leila esbravejando – E quem é ele? – perguntou dessa vez cochichando.
– É um amigo. Eu explicarei tudo no jantar.
Eu sabia que ela ficaria furiosa por eu convidar pra jantar alguém que sujaria involuntariamente a casa toda, mas algo me dizia que eu estava fazendo a coisa certa. Norton foi correndo pra mesa quando Leila disse que a comida estava pronta, já eu me contive, estava cheio de dúvidas. Enquanto ele maltratava o pobre prato eu fui para a sala e liguei o computador. Leila gritava para eu ir pra mesa antes que a comida esfriasse, (na verdade ela queria dizer para eu ir antes que o Norton esvazie o nosso estoque de alimentos), mas antes de comer eu precisava fazer algo. Pesquisei por Norton Pacheco no site de busca. Eu sabia que já tinha escutado esse nome em algum lugar. O primeiro resultado da busca foi um website oficial de um estúdio fotográfico que tinha o nome do mendigo. Estúdio Norton Pacheco foi o mesmo que tirou as fotos pra festa de 15 anos da minha sobrinha. Por alguma razão a ultima atualização do site foi há 2 anos. Tentei ligar para o número de contato mas ninguém atendeu. Algo muito estranho estava acontecendo. De repente escuto minha mulher gritando:
– Afonso, ajuda! Ele vai morrer engasgado!
Corri para cozinha e vi Norton se engasgando. Cheguei correndo por traz dele e comprimi a barriga algumas vezes para fazê-lo cuspir. E vejo cair sobre a mesa um garfo. Norton faz cara de alívio e começa a me agradecer. Um garfo? Sério, quem diabos se engasga com um garfo?
– Muito obrigado Afonso, não tenho tido sorte ultimamente – Disse o mendigo olhando pra mim.
– Leila, pode nos deixar a sós um minuto?
– Claro amor – Disse ela com cara de “vamos ter uma conversa séria mais tarde”.
Depois que ela saiu eu pude ser claro com o mendigo que estava na minha casa:
– Fale seu nome, mas agora o seu verdadeiro nome. Quando for criar nome falso tente não copiar nomes famosos.
– Não é mentira, meu nome é Norton Pacheco. Eu estou nessa situação por causa de uma maldição que eu ganhei quando criança que achei que você poderia reverter. Perdi tudo que tinha há 2 anos.
Ganhou a maldição quando criança, mas os efeitos só apareceram de dois anos pra cá? Não fazia muito sentido, mesmo assim eu queria ouvir o que ele tinha a dizer. Pedi que ele esperasse, busquei meu note book, voltei e pedi que ele contasse tudo de importante sobre a tal maldição. Enquanto ele falava, eu digitava cada palavra. Verdade ou não, aquelas historias deveriam ser analisadas calmamente. Fiquei impressionado com o que ele disse, mas não convencido. Talvez eu estivesse diante de um grande mentiroso, mas um grande mentiroso que escreve historias melhor que eu.


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