O Misterioso Mundo de Julia escrita por Perugia


Capítulo 1
Um Aniversário Cinzento


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capítulo, na minha opinião o mais importante de todos, pois é ele que irá formar ou será a base para grande parte de sua história, infelizmente negligenciado por muitos escritores, boa leitura.



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Era uma manhã cinzenta e chuvosa de 19 de julho de 2005, o dia amanhecera especialmente triste naquele dia, fazia um frio imenso que piorava constantemente com a chuva fina e o vento sinuoso. Definitivamente não era um dos dias que Julia gostava, justo ela que adorava os dias quentes de verão, cheios de vida e energia, agora se deparava em pleno aniversário em um dia cinzento e sem graça. Por um momento sentiu-se triste e relutou em abrir os olhos encolhendo-se cada vez mais em baixo dos cobertores, mas seu silêncio reconfortante foi quebrado por sonoras batidas na porta alertando que já era hora de se levantar.

– Julia querida, está na hora de se levantar ou por acaso já esqueceu que dia é hoje?

– Já estou indo mãe, vê se não estressa! – Gritou carrancuda e emburrada se enrolando ainda mais nos cobertores.

Julia se levantou da cama sem ânimo algum, normalmente era assim que acordava. Se espreguiçou toda, e arriscou alguns passos ainda sonolenta, mas não teve muita sorte, pois apenas dois passos dados e lá se ia o dedinho esquerdo esfolado no pé da cama.

– Droga! Droga! Droga! Que bela maneira de começar o dia! – resmungou Julia gemendo de dor e amaldiçoando a cama por estar ali, como se o simples fato de praguejar a fizesse desaparecer ou pudesse amenizar sua dor.

Engolindo o choro saiu para o corredor e entrou logo em seguida no banheiro, onde trocou o pijama e tratou de fazer seus afazeres cotidianos. Em seguida desceu rapidamente para a cozinha sem fazer muito barulho, sentou na mesa onde o café já estava servido, pensou que passaria despercebida, triste engano. Sua mãe estava lavando a louça, e logo que percebeu a presença da filha lhe deu atenção:

– Bom dia querida! parabéns pelo seu dia, 13 anos em, quem diria já está virando uma mulher – Disse a mãe tentando forçar um sorriso gentil.

– Ah deixa de ser cafona mãe, odeio fazer aniversário, não sei o por que das pessoas comorarem isso – resmungou Julia fechando o tempo.

De fato Julia estava se tornando uma bela mulher, seus belos olhos verdes contrastavam com seus cabelos negros de um modo incrível e harmonioso de forma que ela ficava mais bela a cada ano que se passava, mas, apesar de toda a beleza, Julia era uma menina triste. Desde o incidente há 5 anos atrás sua vida nunca mais fora a mesma. Apesar de todo o esforço de sua mãe e de seus parentes para anima-la, Julia raramente sorria, aquela menina alegre e de sorriso fácil havia ficado no passado a milhões de quilômetros de distância, inacessível a todos, perdida em seu mar de memórias. Apesar de toda ajuda do mundo, de todo o apoio disponível, parecia que nada fazia efeito ou parecia lhe agradar, mas, lá no fundo sua mãe entendia e não a podia culpa-la de nada, afinal o trauma pelo qual a filha passara foi demais para uma criança naquela idade, e tudo o que as duas podiam fazer era tocar a vida em frente, e nesses dias tudo estava tão difícil. Desde a morte do marido a vida das duas ia de mal a pior, o aluguel estava atrasado, tiveram de vender o carro da família para pagar as dívidas, e o salário que Ana ganhava como escritora mal dava pra se sustentar já que sua carreira ia de ladeira abaixo, eram tempos de vacas magras, mas ela tinha de ser forte, pois caso fraqueja-se a filha não teria em quem se apoiar e provavelmente poderia sucumbir ao mesmo destino do marido.

Julia estava cabisbaixa como sempre naquela manhã, com o olhar longe como se estivesse em outro mundo, longe dali, longe dos seus problemas diários, Ana então resolveu traze-la de volta a realidade:

– Julia querida tome o seu café, hoje a noite vamos a casa de seus avós, temos uma surpresa pra você lá – disse sorrindo com ternura.

– Mas mãe eu não gosto de ir lá – Disse Julia como se estivesse despertando de um sonho – Não tem nada pra fazer lá, e eu tenho quase certeza que eles não gostam da gente, eu preciso mesmo ir?

– Olha Julia não vamos começar com isso de novo, por que eles não gostariam de você? Você é a neta querida deles, quer dizer, você é a única neta deles já que seu tio Jorge não tem filhos, agora tome o seu café e depois venha me ajudar.

– Que saco – revidou fazendo birra.

Julia olhou para a mesa com um certo desapontamento, não sentia fome, mas comeu um pouco de pão francês com leite para satisfazer a mãe, era tudo o que havia, desde que seu pai morreu tinham cada vez menos mordomia. Ana a cada dia que passava aparentava estar mais triste e abatida, chorava constantemente, Julia mesmo já havia pego a mãe chorando inúmeras vezes, e isso tornava a vida das duas ainda mais triste e pesada, se pelo menos seu pai ainda estivesse vivo tudo estaria melhor. Mas Julia não gostava de pensar muito na figura do pai, e de certa forma ele até havia desaparecido de sua mente, tudo que lhe vinha a memória quando pensava nele era a figura de um pai ausente e sem tempo pra ela. Um homem desconhecido que ficava trancado no porão de casa boa parte do dia pintando seus quadros esquisitos enquanto resmungava coisas sem sentido, e quando ela tentava se aproximar era logo repelida com alguma frase do tipo, “Julia papai está trabalhando, eu não tenho tempo para brincar com você”, isso de certa forma passava uma impressão de que ele não gostasse dela ou talvez não ligasse pra ela, quem sabe. Outra coisa que também lhe chamava a atenção eram os grandes olhos de seu pai verdes como esmeraldas, mas estavam cada vez mais fundos e abatidos perto de sua morte, sua barba sempre por fazer contrastava com seu cabelo ruivo despenteado lhe dando um aspecto ainda maior de cansaço e desleixo. Todos esses anos de convívio com o pai sem receber muita atenção e carinho lhe geraram um certo ódio ou uma mágoa a respeito de sua figura paterna, e tudo que ela sentia agora era repúdio por ele, por ter partido tão cedo de uma forma tão horrível, Julia nem gostava de pensar, pra falar a verdade Julia não conseguia se lembrar de como o pai morreu, era como se uma amnésia lacunar estivesse apagado isso de sua mente, e por mais que tivesse perguntado a mãe, esta se negava a responder, o que a deixava emburrada e de cara feia, mas depois de um tempo ela desistiu de perguntar, viu que isso só causava dores na mãe, e não compensava cutucar essa velha ferida, a solução que encontrou foi deixar o tempo curar essa dor enquanto sua vida passava...

...Romeu Fernandez foi um célebre pintor da cidade de Boa Ventura, uma pequena cidade do sul do Brasil, rodeada de montanhas e vales, e cheia de belas paisagens naturais. Suas obras eram muito aclamadas na região e estavam começando a ganhar reconhecimento nacional percorrendo o Brasil em várias exposições. Seu traço único e distorcido davam as suas obras um charme todo especial e ao mesmo tempo um pouco sombrio e instigador, alguns afirmavam que ele era louco e que todas as figuras enigmáticas que apareciam em suas pinturas eram geradas pela sua loucura, pouco se sabia dele até começar a ficar famoso, mas o que ficou mais conhecido do que suas obras ou sua fama foi a forma como este morreu. Segundo a polícia na noite de 19 de julho de 2000, Romeu ingeriu altas doses de álcool e passou a boa parte da noite pintando o que seria seu último quadro, no inicio da madrugada por volta das duas e meia caminhou até sua escrivaninha abriu a gaveta e puxou uma pistola modelo Glock 17, sentou-se em sua cadeira, terminou de tomar sua garrafa de bebida e tirou a própria vida com um tiro na cabeça, segundo a polícia a filha do casal presenciou tudo, mas a mesma devido ao trauma apresentou posteriormente uma amnésia da cena, ainda segundo a polícia Romeu tinha problemas mentais, só não se sabe o que, já que a família e o médico que cuidavam dele se negaram a fornecer informações mais precisas. Tudo o que o celebre pintor deixou para trás foi uma viúva, uma filha, algum dinheiro e uma última e intrigante obra pintada na noite da tragédia no auge de sua loucura...

E essa foi a trágica história de Romeu Fernandez, tudo o que Julia sabia sobre a morte do pai veio de uma velha reportagem de um jornal publicado há cinco anos atrás, o qual ela guardava em seu diário como um pequeno tesouro, um último reduto da lembrança de seu pai, o qual por mais que ela tenta-se lembrar de bons momentos passados juntos, tudo que lhe vinha a mente eram sombras e tristeza, por mais que ela tenta-se acreditar que o pai a amava de uma certa forma, tudo que lhe vinha a mente era o semblante sempre sombrio de seu pai e o repúdio que ela sentia por ele agora, era triste, era doloroso de acreditar, mas este era o pai de Julia, um homem sombrio com uma mente destruída e incapaz de manter laços afetivos com as pessoas que se importavam com ele, e essas lembranças machucavam Julia de uma tal forma que ela optou por tentar esquece-las, mas, esquecer alguém precioso não é tarefa fácil, por mais que ela tenta-se, volta e meia se via assombrada pela lembrança do pai, então depois de muito tentar achou que só o tempo poderia apagar essas tristes lembranças, então resolveu deixar o tempo fazer o seu trabalho.

Julia terminou seu café amargamente, queria voltar pro seu quarto, ver TV, talvez ligar pra uma de suas raras amigas ou simplesmente ler um livro de ficção científica que ela adorava, mas Ana foi mais rápida, percebeu logo as intenções da filha e tratou de intervir rapidamente:

– Nada disso Júlia, você esqueceu qual o nosso trabalho hoje?

Júlia por um breve momento abriu um sorriso e disse calmamente:

– Vamos fazer um bolo.

– Nada disso – retorquiu a mãe.

– Não é um bolo? Eu errei?

– Não você acertou, mas... Esse vai ser o melhor bolo de todos os tempos! – Disse a mãe abrindo um enorme sorriso e cutucando a filha por todos os lados.

Julia retribui a mãe com um sorriso gentil, ela sabia que hoje ela iria ter uma pequena surpresa na casa de seus avós, afinal era o seu aniversário, e apesar de estar ficando crescidinha toda garota sonha com uma festa de aniversário digna de uma princesa, mas Júlia sabia que não ia ter todo esse glamour, iriam pra casa dos avós, onde teriam um bolo com velas e algumas crianças da redondeza com seus pais, e iriam cantar parabéns, beber refrigerante e comer brigadeiros e os adultos iriam bater papo até tarde enquanto as crianças se divertiam. Por um momento Julia torceu para ser divertido, queria no fundo do coração ter um momento de felicidade depois de todos esses anos sombrios que estavam vivendo, então com um sorriso de canto a canto que não se via há anos em seu rosto, mergulhou de cabeça na cozinha com sua mãe, em busca do melhor bolo de todos os tempos, e torceu com todas as forças para que a felicidade lhe fizesse uma visita nesse dia e quem sabe pudesse trazer de volta a alegria que lhe foi roubada desde a morte de seu pai, quem sabe.


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