Enteléquia escrita por Kouma


Capítulo 3
37 Anos




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Tudo que morre tende a—

Quando percebi, estava no meio de uma rua movimentada de Osaka. Foi o rugido de um trovão que me despertara. Era um dia chuvoso, a rua estava mais cheia que jamais vi. Trabalhadores vinham e iam passando por mim e pisando nas poças d'água demonstrando pressa em seus passos.

Eu era um estranho ali, no sentido mais primitivo da palavra. As gotas que vinham do céu caiam nos lugares que você mais duvidaria que elas alcançassem. Exceto em mim, elas não colidiam com meu ser. Neste estado, apenas dois dos sentidos foram preservados: audição e visão.

Tato, olfato e paladar, ou seja, tudo que me permitiria interagir com os vivos não funcionava. A ideia de que eu não estava ali era mais ainda reforçada, e ao mesmo tempo contraditória, como dito antes.

Não me recordo do que vim fazer aqui, entretanto, continuo buscando saber com os vivos, mesmo ciente que não poderão responder minhas perguntas mais pertinentes.

Seria impreciso dizer que andava pela rua. É uma espécie de mini-flutuação. Eu percebo que estou à altura do chão, mas não o sinto. Continuo "andando" sem saber o que fazer, e enquanto "caminho", sinto uma faísca de medo surgir em mim.

Era melhor ter ficado no espaço, esperando algum dia o fim. É como estar dentro de uma bolha de dúvidas. Mesmo que já tenha morado aqui, mesmo que já tenha vivido aqui, nada parece como antes.

— Nada parece como antes. —, eu digo pra mim mesmo, com um estranho alívio por ninguém ter me ouvido.

Quanto tempo se passou desde que morri? Em que data estamos? O tempo sequer existe na vida após a morte? Só agora paro pra pensar em tais coisas. Pra ser exato, pareço um Neandertal dentro de um filme de ficção científica.

Um viajante do passado num futuro remoto.

Lembro-me claramente que os nazistas perderam a guerra, e que bombas foram jogadas em Nagasaki e Hiroshima. É uma memória que lateja até agora, mesmo depois de morto. Depois disso, a última vez que olhei a data enquanto ainda vivo, estava em 1965. Em que anos estamos?

Olhei para uma placa com letras luminosas em vermelho, passando uniformemente escrito,

"Filho de Kasuga Sagai fali com a empresa do pai e desonra a família...".

Um trovão ribomba.

— Não pode ser...

O tempo parou, ao menos é o que aparenta. É uma sensação indescritível, mesmo que meu corpo não exista, mesmo que eu não tenha tato, parece que um raio caiu sobre mim.

"2002"

Agosto de 2002, dia 18, quinta-feira... Eu não posso abraçar a loucura aqui... Talvez já esteja louco. É, é isso.

Tentei dar uma risada forçada para aliviar o horror interno que o espanto me causou.

Porém, tudo que podia fazer era aceitar, assim como a vinda da morte.

— Quanto tempo faz que estou morto? —, pergunto em voz alta.


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