Meu corpo estremece. Fico em silencio, mas com uma vontade quase incontrolável de arranhar seu rosto novamente e gritar algumas verdades. Qual o problema dela? Quem é ela? Não importa. Logo vou ver ele. Logo estaremos em casa.

O quarto fica em completo vácuo. O beep do calculador de batimentos apita a cada segundo cronometrando minhas piscadas. A temperatura diminuiu cerca de dez graus desde que cheguei e solto fumaças brancas quando tusso. Um sorriso singelo e ao mesmo tempo aliviado ficou em meu rosto desde que o vi. Mesmo com a eminente ameaça de ficar aqui, não consigo parar de pensar que ele ainda se lembra. Conversas ainda guardadas na sua memória.

No meio da noite, acordo esbaforida. Me desconecto dos fios que antes eram agulhas e passo pelo corredor. Vazio. Nenhuma alma viva aparece andando ou então olhando como vigia. De camisola, um roupão azul claro e pantufas, abro as portas até chegar a abertura para o recinto de Peeta.

...

– Você vem, você vem para a árvore? Onde um homem gritou... – sussurro deslizando pelas paredes.

– Para que seu amor fosse livre... – encostado a porta de numero 2, ele se encontra. De pé, cabelos despenteados e uma cara de sono.

Meus pés se soltam do chão e os dele também o abraço pulando em seu colo e ele me segura. Rindo e chorando, tanto de alegria como de saudade. Apertando-o forte e jurando para eu mesma que nunca mais soltaria. Quase... Dias sem se ver?

– Que saudade... – ele fala.

– Sim... – não o solto. – Dias sem te ver...

– Katniss... Você ficou desacordada por mais de um mês.

– O que? – me afasto e sinto um solavanco. – Tudo isso? E você? O que houve? Você está bem? Eu não consegui escrever tudo no bilhete, por que...

– Tudo bem... – ele me interrompe com um sorriso debochado – Estou em fase de tratamento, mas melhorando. Eu recebi o bilhete pela Effie.

Ficamos em silêncio e volta o flash da cena. Eu pedindo para Effie entregar o bilhete para Peeta, para nos encontrarmos. “22h, no seu corredor. Não fale para ninguém.” Entreguei para ela ontem. Hoje estamos aqui.

Foram exatos 42 dias. Fiquei desacordada por 42 dias. Meu braço se contrai em uma vontade enorme de dar um soco em Haymitch por ter me feito acreditar que foi pouco tempo. Mas e se talvez, nem ele soubesse?

– Vem, vou te mostrar meu quarto novo. – Peeta pega na minha mão me levando para o seu dormitório. Parece o meu. Esterilizado, branco, limpo, cético. A essência do ar tem um gosto que me faz ter ânsia. Dou um sorriso forçado ao lembrar que o mesmo cheiro que me cercava no 13, me cerca agora. Esse é o motivo de eu detestar hospitais.

– Você está bem? – ele me fita preocupado.

– Sim. – jogo meus chinelos no canto do quarto e me deito na cama puxando-o.

– Ei, vai ficar aqui? – ele deita na cama também.

– Temos pouco tempo, prefiro ficar assim do que contar tudo o que aconteceu, o que não é muita coisa ou então perguntar o que houve com você todos esses...

– Você fala demais.

Ele me interrompe com um beijo, acaricia meus cabelos e dou um suspiro, aliviada por ter ele por perto. Enterro minha cabeça em seu peito e um sorriso se forma seus lábios.

– Que droga é essa?

– Haymitch... – Peeta diz e me viro para a porta imediatamente. – Calma.

– Katniss. – ele rosna.

– Eu estou bem. Eu... – tento explicar e me levanto logo que Peeta faz o mesmo. Haymitch está dentro do quarto e uma garrafa de vodka é colocada no móvel do lado da cama.

– Tá, Katniss! Mas e ele está bem? – sua mão aponta em direção a Peeta. – E ele?

– Sim, qual o problema? – agora é a vez de Peeta falar. – Haymitch, escuta, ta legal? Foram 42 dias! 42 dias sem ver ela. Eu não vou matá-la ou alguma coisa do tipo logo agora. Eu já estou bem. Que outra pessoa poderia falar isso além de mim? O médico? Bom... Acho que não, já que foi ele que me liberou quando eu ainda tinha o veneno. Você me liberou. – sua voz atinge a altura de um grito. – Todo mundo me liberou. Como se eu não tivesse nada! Como se eu já estivesse bem. E advinha? Eu não estava! Mas agora é diferente.

Meus olhos estão arregalados diante da confissão de Peeta. Ele me olha como se quisesse fugir comigo para nunca mais voltar. E para Haymitch, como se quisesse mais coisa do que uma simples explicação.

– Eu estou bem. Eu não preciso mais de hospital. Amanhã eu vou embora. – sua voz abaixa e ele termina sua fala.

A cama ganha de volta seu companheiro, porém agora sentado. Entre o silêncio pouco durador, imagino que Haymitch não o deixará sair amanhã. Continuo firme de pé.

– Uma semana. Para nos tirar daqui. Haymitch eu tenho ouvido os boatos dos médicos.

O que é uma mentira.

– Então sabe que já poderiam ir embora... – ele sussurra.

Erguendo o queixo e estreito os olhos. – Agora eu sei.