Álcool, Shirley e rock n' roll escrita por AnaMM


Capítulo 7
Fraqueza


Notas iniciais do capítulo

E chegou mais um! Algo importante está se encaminhando...

Trilha indicada:
https://www.youtube.com/watch?v=yU7sUENatUU
http://letras.mus.br/radiohead/81228/traducao.html



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–Helena! – Felipe correu até a irmã, que levou a mão ao rosto.

Virgílio e Laerte pararam de brigar no mesmo instante, em choque.

– Seu merda! Olha o que você fez! – O nerd gritou contra Laerte.

– Tá tudo bem, Felipe, eu sei me virar sozinha. – Helena assegurou.

Ignorando os apelos da irmã, Felipe avançou em direção ao moreno de olhos azuis. De longe, Shirley observava a confusão, atraída pelos gritos. Viu Helena puxar o irmão para longe de Laerte, e Felipe se afastando contra a vontade, agitado, o soco não desferido preso em sua garganta. Poderia correr atrás de Laerte, tentar consolá-lo, tentar conquistá-lo novamente, mas estava cansada. Não apenas cansada, como também a imagem de Felipe defendendo a irmã e gritando com Laerte tomava conta de sua mente, não restando foco ou energia para ir atrás de Laerte. Talvez Felipe não fosse apenas um nerd alcoólatra patético, talvez não fosse apenas o irmão de sua rival que por acaso beijava muito bem, talvez... E o pensamento foi expulso de sua mente tão rápido quanto chegara. Felipe era um objeto, uma peça em seu jogo de xadrez, e não se deixaria levar por uma figura como aquela.

–$-

– Leninha! O que aconteceu com o seu rosto? – Chica perguntou assustada ao ver o hematoma próximo ao olho da filha.

– Tá tudo bem, mãe, eu bati na cabeceira da cama.

Felipe a observou irritado. Não deixaria Laerte impune. Como Helena conseguia ficar calada? Estava realmente enfeitiçada. Passara a noite lembrando de outros momentos em que Laerte havia sido violento, ao longo de todos os anos em que namorou sua irmã, e o comportamento não era novidade, apenas não havia percebido antes. Como um cara violento como aquele podia encantar as mulheres daquele jeito? Helena, Shirley... Não que se importasse com Shirley, não se importava, estava apenas curioso. A loira era maluca, tinha certeza, era a única explicação. Sua irmã, no entanto, era perfeitamente racional, inteligente, perceptiva e não podia se deixar abusar por um monstro que tinha a coragem de bater na namorada daquela forma, mesmo sendo um acidente.

– Você está calado, Felipe. O que foi?

Irritado, ignorou a falsa preocupação de sua mãe e se dirigiu ao quarto. Não devia ter acordado, não fazia falta para ninguém, nem precisava ver Helena defender o namorado. Clara o seguiu, como sempre. Era seu ponto de apoio, sua única confidente em uma casa onde Helena era a única que parecia importar aos pais. Ninguém notara seus cabelos desgrenhados, a aparência destruída e a ressaca estampada em seu rosto, ao contrário do hematoma parcialmente escondido por maquiagem de Helena. Tampouco estava em casa quando os pais enfim dormiram, mas apenas o paradeiro de sua irmã lhes importava. A família o notava quando Helena ficava muito tempo calada, ou quando muito desconversava. Notava-o, apenas. Suas perguntas eram vazias, meras formalidades. Viviam em um mundo fechado onde existiam suas brigas entre casal e Helena.

Alguns dias se passaram, sem que muita coisa mudasse. Laerte e Helena brigavam sem parar, seus pais também, aos berros, e Shirley parecia em dúvida entre evitá-lo e tentar se aproximar. Vagava com sua irmã caçula como fantasmas na própria casa, esquecidos pela própria família. Clarinha ainda tinha o fator caçula: xodó da casa, orgulho da mãe, da irmã... Felipe, por sua vez, sentia que envergonhava os pais cada vez mais. Suas notas haviam decaído, seu alcoolismo se fazia notar, sequer conseguia manter a fachada de nerd atrapalhado e divertido por muito tempo. Não ria como antes, não fingia mais a ingenuidade boba que mascarava seu sofrimento em ser deixado de lado. Era uma sombra de si, um desconhecido em sua própria casa. Suas fugas noturnas se tornaram regulares. Ninguém se importava.

– Ei, Rob Smith! – Uma Shirley claramente alterada o chamou.

– The Cure? Definitivamente a última banda que eu esperava que você escutasse. – Felipe respondeu a encontrando no meio da rua.

– Revistas de moda. Esse seu cabelo tá igual. – A loira respondeu, mexendo nos cachos desgrenhados do nerd. – Só falta deixar liso.

Cambaleante, Felipe afastou as mãos da miss, tentando beijá-la.

– Ainda não! Eu sou uma moça de família. – Shirley riu.

– Conta outra, vai. – O nerd balbuciou, capturando os lábios da loira nos seus em seguida.

– Hm. – Shirley se afastou. – Para, eu não sou fácil assim.

– Então você admite.

– Hein?

– Você admite que quer me beijar, mas não quer parecer fácil.

– Você tá bêbado, Felipe! – Shirley o cortou nervosamente.

– E você não? – O garoto lhe lançou metade de um sorriso.

– E eu estaria falando com você se não estivesse?

– Você fingiria estar mal pra se aproximar.

– Nunca!

Sem aviso prévio, Felipe voltou a beijá-la. Confusa, a loira não resistiu.

– Para, chega. Isso não tá certo. – Shirley se afastou, ainda atordoada com o efeito que o garoto lhe causava.

– Por que você resiste a essa hora da madrugada? – Felipe murmurou cansado. Outro beijo. – Só hoje, vai? A minha vida é uma merda, as noites estão ficando cada vez mais frias, e pra piorar eu te encontro na rua. Vamos pelo menos aproveitar essa peça que a cidade nos pregou?

Shirley riu, despertando a atenção do garoto.

– Só agora você percebeu que você é um merda, Felipinho?

– Também, e pelo menos eu admito. – Apontou sério.

– Você sabe com quem está falando, Felipinho? Eu sou Shirley Soares, miss desse buraco, não me inclua na sua desgraça!

– Será? Você acha que esconde esse olhar vazio, triste? Uma lágrima tá se formando nitidamente no canto do olho esquerdo. Você não me engana.

Desconsertada, Shirley tentou secar a lágrima discretamente, escondendo o rosto de Felipe. Era comum esquecer que haviam sido tão amigos, que o nerd a conhecia como ninguém. Mais difícil era perceber que ele ainda a notava, que a observava de longe, de perto, sem que a loira percebesse. Que o havia julgado pela distância e jamais percebido que ele a acompanhava tanto quanto ela o acompanhava secretamente. Recebeu o toque de Felipe em seu rosto com um arrepio. Como que hipnotizada, empurrou os dedos do garoto com a pele, tentando senti-lo mais perto, temendo que sua mão se afastasse novamente. Uma sensação de calma e carinho quase desconhecida a preencheu. Talvez pura nostalgia, talvez algo mais... Não sabia bem decifrá-la.

– Sabe o que eu acho?

– Não me interessa. – Shirley tentou ser fria.

– Você precisa de um abraço. Não de qualquer abraço, mas do mesmo que eu preciso. A gente precisa de companhia, de alguém que nos entenda.

– Eu preciso do Laerte, você precisa de um espelho. – Cortou irritada.

– O que você tanto quer com aquele merda do Laerte?! – Felipe questionou impaciente. – É você, Leninha... Vocês merecem mais, muito mais!

As palavras de Felipe a cortaram. Como assim “mais”? Laerte era o próprio “mais” da cidade, e, principalmente, era muito para Helena. Shirley era o “mais” para Laerte. Felipe não sabia de nada.

– Ele é violento, estúpido, imbecil, grosso, ciumento, fora de si! Ele é um canalha! Ele anda traindo a minha irmã que eu sei, e te trairia do mesmo jeito! Ele bate em mulher!!

– Lava essa boca imunda de álcool antes de falar do Laerte! Quem você pensa que é? Você é um perdedor, um alcoólatra, um idiota patético, um cdf insuportável!

Sem paciência, Felipe a segurou à força, dando início a outro beijo, mais agressivo que os anteriores. Afastou-se limpando a boca com o braço.

– Essa boca está imunda de tanto te beijar, isso sim. – Concluiu com nojo.

Shirley não entendeu o vazio que sentiu, muito menos a tristeza que a consumiu ao receber o olhar de desprezo do garoto, apenas juntou forças para um nome. Um nome que amava odiar e odiava amar. Amar? Gostar. Não, sentir atração. Sentia atração por Felipe, aliada a um carinho de infância. Isso podia admitir. Apenas para si, e apenas bêbada. As seis letras se juntaram antes que pudesse pensar.

– Felipe! – Chamou com a voz trêmula.

O adolescente parou onde estava. A voz o chamava como o canto de uma sereia. Maldita. A fragilidade incomum no tom de Shirley apenas piorava a situação, obrigando-o a encará-la novamente. Teria sido a saída perfeita... Atrapalhada novamente pelos sentimentos que o atormentavam há semanas. Sentia algo por Shirley, era mais forte que ele, e se odiava por senti-lo. Maldito álcool. Antes que pudesse repensar a situação, estava com a loira em seus braços, beijando-a pela quarta, quinta, talvez milésima vez. Era um vício, um hábito do qual deveria, mas não conseguia se livrar. Shirley seria sua derrocada final e podia sentir. Ainda assim, o que seria um suicídio para quem já estava morto? Deixou-se levar pela própria fraqueza. Sim, era um fraco, e era apenas o começo.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Comentários aqui /