O Império dos Titãs. escrita por Martinato, Monsieur Noir


Capítulo 3
III - Prelúdio pra matança.




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Freei da maneira mais cabível e oportuna. Segurei dois com os braços, para evitar que caíssemos em desequilíbrio, por sorte eles entenderam o recado e evitaram que os demais trombassem conosco.

Bem à frente, sete velhas, com a cara repleta de riscos – pareciam ter uma bunda cheia de estria no lugar do rosto –, olhavam-nos empunhando lanças. Mas não eram lanças de Swordplay, infelizmente. Eram reais. E conforme o sol as atingiam, seus reflexos pelo brilho da prata emitiam luzes, mas por sorte elas não foram tão perspicazes a ponto de nos prejudicar com aquilo. Lutar as cegas não seria bom. Isto é... Se fossemos conseguir lutar.

O medo começou a consumir meu corpo. As pernas firmes de antes, agora estavam trêmulas, e não era o único. Atrás, derrubando bancos de pedra, e segurando um garoto com o rosto totalmente desfigurado, encontrava-se o mendigo. Estava nervoso, era notório. Mas o que mais traumatizou a mim e a todos, foi ver sua boca com restos de carne e totalmente ensanguentada. —— Cadê?! —— Urrava, vasculhando e fungando o ar, mas não esquecendo sua vítima. O estomago rapidamente dobrou-se. As náuseas estenderam-se no meu psicológico e tudo começou a ficar embaçado. Não... Eu não posso fraquejar agora... Mas... Mas... O que eu vou conseguir fazer? A cabeça era o meu refúgio, apesar de que não por muito tempo.

Sequer tinha opções, e as mulheres aos poucos faziam com que sua pele começasse a derreter, – pois caiam como uma gosma –, até revelar o verdadeiro tom. Um verde musgo. Seus olhos? Completamente vermelhos, e o pior não era aquilo, mas sim as presas que jaziam volumosamente no lugar dos possíveis caninos. Pareciam não ter mais do que dois pares, embora não mudasse muito a desvantagem.

E para complicar mais, ainda não tinha o que fazer, nada que usar, e acima de tudo, não tinha mais tempo para enrolar. Tinha de agir.

Foi então que um pequeno vislumbre percorreu os meus olhos. A sanidade invadiu meu raciocínio, e tão instintivamente como um predador ataca sua presa, peguei uma flecha e coloquei-a no arco, puxando e atirando em exatos dois segundos.

Não que aquilo fosse fazer muito efeito, afinal, a flecha era feita para não machucar, pensei que poderia atrasar algumas e abrir uma brecha para que pudéssemos correr. Independente de tudo tinha que tentar protege-los. Mesmo que lutando com as únicas forças que tinha. O legal é que lembrei naquele momento uma frase típica e encorajadora...

“A esperança é a última que morre”... E a minha não morreu.

Sempre tinha aqueles pensamentos de coisas inacreditáveis acontecerem do nada, como poder ler mentes numa prova de vestibular, ou de respirar debaixo d’água quando estava submerso no mar. E hoje, naquele exato momento, o que eu desejei, tornou-se realidade.

A flecha atingiu em cheio a cabeça da víbora, atravessando e fincando numa árvore. Surpreendido, visei a alvaja – agora feita de prata, bastante resistente –, e vinte e nove flechas pontiagudas, bastante por sinal, se encontravam. Ao meu lado, numa bainha revestida de ouro e presa na vertical, impedindo atrapalhar uma corrida, por exemplo, encontrava-se minha espada, que deixara cair outrora, antes do disparo. Mas agora ela tinha uma lâmina de ouro puro. Um ouro magnífico, que se tivesse a oportunidade, iria contemplá-lo por bastante tempo.

E o arco? Nem pude vê-lo calmamente. Só percebi de relance sua reluzente coloração dourada. Acho que quando fosse sair do parque, acabaria sendo assaltado pelos que frequentam o “rolezinho”. Torcia para que não. Já seria um feito heroico sair de lá vivo, embora que sozinho fosse quase impossível...

Eis que algo me ajudou ainda mais a manter as forças. Ao meu lado, Vinicius – sim, outro chará –, mais conhecido como cabeça de trigo, apareceu empunhando uma espada de uns oitenta centímetros de prata. Ele rebateu a lança da antagonista, fazendo-a fraquejar e abrir a guarda. Foi então que outra flecha, bem disparada, ao canto esquerdo de nós, perfurou o coração desta. Uma nota? Elas sumiam quando algo fatal lhes acontecia, como se virassem pó. Mas era mais ou menos por ai. Outra? É que o arqueiro era o Lyu.

Agora todos, com exceção de alguns, continham um armamento, o que significava desvantagem para elas. Recuei alguns passos para trás, a fim de ter um campo mais amplo de visão. O mendigo ainda saciava sua fome com aquele garoto, infelicidade a dele por ter sido pego, mas a maior infelicidade era que ele já estava terminando sua refeição, quase deixando apenas alguns ossos – falando parece engraçado, mas só de ver tripas e órgãos espalhados pelo chão, quase me fez vomitar –. Afastei-me do grupo, trocando apenas alguns olhares. Quem diria que aquelas brincadeiras de mata-mata seriam tão úteis como circunstâncias iguais aquela. Quem iria imaginar algo assim? Tá, eu imaginei várias vezes, mas nunca botei fé que fosse acontecer de fato.

Thalles com ajuda do Lucas (Kokota), empunhando outras espadas bastante reais, começaram a enfrentar com perícia duas mulheres, e quando uma das outras restantes foi tentar acertá-los por trás, Malu a surpreendeu com um corte na costela, perfurando seu corpo e fazendo-a virar pó. A adaga utilizada foi aplicada com perfeição, como se ela soubesse a distância e o momento equivalente de proferir um golpe fatal e no exato momento que fosse preciso.

Nico começou a intimidar uma batendo com sua espada na haste da lança, mas de modo bastante desajustado. Não podia intervir, estava um pouco longe, mas notei que as outras três estavam sendo contidas facilmente. Alguns arranhões e cortes/rasgos medianos aconteciam no decorrer da peleja, o que cruelmente ninguém poderia sair cem por cento inteiro, ou com pelo menos cinquenta bons por centos, caso daquele garoto que não tinha nem mais dez, ou cinco...

A multidão de adolescente correndo em pânico não era uma boa imagem, mas nada era pior do que o canibalismo que estava ocorrendo, mas seria mesmo canibalismo? —— Não posso abandoná-los... Mas vai ser difícil lutar com tudo isso... —— Acumulei o máximo de informações precisas, e finalmente formulei algo. Retirei o cinto – as calças eram justas o suficiente para ficar sem –, e o coloquei por entre o peito, deixando as pernas totalmente livres. Vi Mama sem arma alguma, apenas entre os demais. —— Mama, segure! —— Agi de imediato, e ela mais ainda. Segurou meu arco no ar perfeitamente, teria dito “Bons reflexos”, mas não tinha tempo para isso.

Desembainhei a espada, e outra coisa fora do normal aconteceu. A bainha sumira. Sem explicações. Desmaterializava-se no ar. Estupendo, mas um equívoco para me tirar o foco. Mantivera-me atento até reconhecer que mais mulheres daquelas surgiam. Precisávamos urgentemente de reforços.

Aos lados, grupos distintos se encolhiam entre as árvores, estavam sendo cercados, e nem me atrevia a dizer o que acontecia quando algumas delas estocavam as lanças. Era apenas um esguicho rubro que logo dissipava-se no ar, mas preenchendo o mato.

Autoridades locais vinham armadas, mas pareciam não entender o que acontecia, pois assim que olhavam, guardavam as armas e voltavam aos seus carros com uma expressão irritada, parecida ao ter recebido um trote. Deveria ser isso. Não queria imaginar como alguém poderia ser tão frio a ponto de ver aqueles desmembramentos, sangue escorrendo e crianças e jovens sendo devorados, e mesmo assim, simplesmente virar as costas.

Corri com a espada em punhos, e aproveitando dos meus novos reflexos, esquivei de um projétil a princípio indecifrável, que passou zunindo próximo do meu rosto jogado para trás – não contei, mas acho justo falar que quase fiz uma ponte pra desviar. Se me lembrei de Matrix? É claro que sim. –.

Recompondo-me, usufruí das mãos no momento que o equilíbrio me faltou, e flexionei os braços, trazendo um impulso significativo para me deixar de pé novamente. Não ia desistir, não mais. —— Vai precisar de mais do que isso! —— Berrei, fincando a lâmina de ouro na garganta da responsável por atirar seu único armamento. Julgara-as burras demais em algumas coisas – pelo visto, quase noventa e nove por cento de suas ações, o um por cento era sobre devorar os jovens, pois isso elas faziam com bastante facilidade –, e ela simplesmente se reduziu a pó como as outras.

Quando voltei a olhar para o centro do âmbito de vegetação, algo interrompeu a luz, e se não tivesse pensado apressadamente, poderia me julgar morto. Um bloco de pedra caiu justamente do meu lado, milímetros e um movimento desesperado me salvaram de um impacto esmagador. —— Obrigado, quem quer que esteja ai no céu. —— Agradeci risonho, mas mais parecendo um besta, vendo aquele pedaço fincado no chão. Embora agradecesse, logo depois quase mandei o responsável à merda. Por quê? Pelo simples fato do mendigo canibal ter me achado e estando me olhando com um sorriso diabólico repleto de sangue. —— Bonita a maquiagem... Mas exagerou no batom. —— Tentei me fortificar. Seria em vão? Bem provável. —— Sem mais atrasados, filho do mar! —— Tá sabia que meu pai tinha um apelido estranho e engraçado, mas “filho do mar” era novidade pra mim. Seria chamado na juventude de Oceano? Riacho? Isso me perturbava só um pouquinho mais.

Voltando ao foco primordial, o maníaco ainda estava vivo, e para piorar, correndo de quatro, isso, com as mãos e pernas, e vindo na minha direção. Agora algo que me incomodou e realmente me intimidou foi vê-lo saltar e todas suas roupas rasgarem e uma cauda se desdobrar da traseira. E a única coisa que realmente pensei foi: Eu estou muito fodido...

Sério, para um grau de importância, ver aquela fera me assustou mais do que minha mãe gritando o meu nome completo repetidamente.

Seu formato era esquisito, por sinal. Tinha um corpo de leão, pelos dourados, mas numa intensidade menor do que minhas armas. Seu rosto lembrava muito o de um homem, tirando a boca. A boca era relativa a um leão também. Porém, a cauda... Foi o mais assustador. Onde um leão tinha calda de escorpião? Só nos mitos gregos...

A palavra enevoou, contudo logo clareou a mente, trazendo palpites interessantes. Pelo menos uma vez na vida se interessar por aquelas histórias valeu a pena. —— Você é uma Manticória! —— Exclamando e ao mesmo tempo me jogando para esquerda, consegui deduzir, mesmo que a informação não diferenciasse nada, o que afinal, não diferenciaria.

Me levantei no mesmo segundo que a besta. Vis-à-vis com ela, bufando e fazendo meus cabelos subirem e voltarem exatamente pro mesmo lugar. É... Eu tinha cabelos rebeldes, mas isso não importava, sendo que estaria morto em menos de alguns segundos, pela fera descomunal. —— Eu tô ferrado... —— Engoli seco, e tudo que consegui dizer foi aquilo. —— Hehehe... Com toda certeza está, filho do mar! —— Retrucou a Manticória convicta. E a vendo falar com formato de leão não foi uma imagem nem um pouco reconfortante.

Ergui a espada no mesmo momento que ele flexionou as pernas, igual ao primeiro bote, mas desta vez, sabia que não teria a mesma sorte de desviar me jogando para o lado. Teria de lutar bravamente até o fim das minhas forças. Era uma ironia amarga. Sempre desejava isso, mas agora, queria mais do que tudo me livrar desta situação.

Por fim, corri em sua direção, até perceber que havia errado feio ao ter executado aquele ato...


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