O Império dos Titãs. escrita por Martinato, Monsieur Noir


Capítulo 18
Descubro outras raízes.




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Minha visão aos poucos se reconstitiu. O foco volta e finalmente conseguia enxergar nitidamente a imensidão do céu repleto por nuvens bastante volumosas. Nuvens repletas de água, sendo mais específico, nuvens de chuva. Abaixo de mim, onde meu corpo se equilibrava desconfortavelmente, jazia Agasias, batendo suas asas freneticamente, se afastando de qualquer indícios de terra firme. —— Onde estamos? —— Indaguei, ainda meio tonto. O corcel alado manteve-se quieto, notara certa diferença no seu método de agir. Suas passadas pelo ar eram mais fortes, como se uma determinação incontrolável invadisse o seu corpo e o fizesse ser dominado pela sensação de adrenalina. —— Agasias! —— Berrei, o equino relutante, eu, me lançando para trás e relinchando. Agora só me encontrava caíndo num cenário sem fim, vez ou outra ultrapassando e desformando nuvens gigantescas, e quando as ultrapassavas, meu corpo se enchia de frio, mas o curioso era que não me molhava.

Nunca entendi muito o processos de liberação de água das nuvens, e não seria agora que começaria a raciocinar sobre tal acontecimento, visando que ainda caia velozmente de encontro ao imenso vazio. Pelo menos aos poucos aquela visão tornara-se decifrável e pude perceber uma cidade. Deveríamos estar muito acima da altitude dos aviões.

O desespero começou a invadiu meu coração, já estava gritando há mais de trinta segundos e quase convicto de que esborracharia no chão. —— Pai divino, senhor, se você tem um amor pelo seu filho esquisito, só te peço pra não me deixar morrer assim! —— E em quando mais dez segundos se passaram, um vulto passou por baixo de mim, planando a medida que meu corpo ia descendo, consegui tocar a crina no Pégaso e a segurei com firmeza, ele, descontente, chacoalhou o rosto, mas aguentou a dor.

Aos poucos, quando nossas velocidades se igualaram na queda, montei-o e finalmente ele começou a recuperar altitude. Meu corpo agora só acompanhava a velocidade do seu trajeto. Muitos se perguntariam do porque ele não ter simplesmente pousado embaixo de mim, fazendo com que caísse diretamente no seu dorso. Isso era fácil responder. Se assim o fizesse, com toda certeza eu estaria dividido em dois agora e ele com um belo rombo no meio das costas e terminariamos uma queda livre, o lado bom é que já estaria morto.

Respirando aliviado, mas aceleradamente, agradeci mentalmente a meu pai, se é que ele tinha tido algo a ver com aquilo, e depois agradeci com o elo telepático que tinha com os equinos, meu maravilhoso e destemido cavalo. "Me desculpe, senhor! Eu estava fora de mim... Minha última lembrança foi de ter salvado você daquela cortina de fogo." De repente, as coisas começaram a se encaixar. —— Então... O que foi aquilo? Onde os outros estão? O que houve com o acampamento? —— A minha curiosidade insaciável novamente se destacou, forçando arrancar informações pertinentes do meu único companheiro. Ele protestou balançando a cabeça de novo, e seus olhos gigantes e redondos se fecharam brevemente. Talvez fizesse um semblante de pena. "Senhor... Não há mais um acampamento." As palavras invadiram tão forte meus pensamentos que senti vontade de desabar. Mas algo dentro de mim impedia que minhas lágrimas caíssem.

Eu nunca fui frio, mas sempre tive dificuldade em exalar meus sentimentos em lágrimas todas às vezes. Com a morte de Joe foi uma exceção, e outras poucas também. Odiava despejar lágrimas em público. Se fosse obrigado a isso, aguentaria o dia todo, para que depois no conforto da minha cama, eu pudesse extravasar o sentimento, seja esse qual fosse.

Repousei minha cabeça no pescoço do cavalo, sentindo-o galopar. Minha boca não se movia, mas meus pensamentos continuavam rodeando meu subconsciente, várias perguntas, queria entender o que havia acontecido, quem será que eu poderia ter perdido... Eram tantas coisas que cerrei o punho ao lado da asa esquerda de Agasias. "Sabe se algum amigo meu morreu?" Estava impossibilitado demais em falar. "Infelizmente não sei, senhor." Assenti, mesmo que pela nuca do cavalo, e continuei com a cabeça repousada.

Droga, eu sempre admirei tanto os dragões...

[...]

Mesmo tendo desmaiado, adormeci sobre os flancos do Pégaso branco, quando acordei, ele já tinha pousado e se encontrava agachado com suas asas protegendo meu corpo. Ele estava atento e fitava todos os cantos da mata ao nosso redor. —— Ei, descanse. Eu cuido da segurança agora. —— Todo o cuidado era pouco, depois que você é um semideus e ainda é caçado por um titã e monstros carnívoros, fica difícil achar um ambiente seguro para se instalar.

Acariciei o rosto do cavalo e ele aos poucos foi cedendo. Enquanto dormia, decidi explorar aos arredores, por sorte ainda tinha uma espada na bainha, portanto, não hesitaria em caminhar, e o melhor de tudo, ainda estava de dia. Eram aproximadamente duas horas, sendo assim, nada me passaria despercebido.

Gostaria de saber onde estava, mas infelizmente o saber não me era um luxo no qual eu poderia disponibilizar. Saudades GPS. Por sorte, consegui achar algumas macieiras e umas videiras, não sabia se cavalos gostavam de uvas, mas com certeza sabia que adoravam maçãs. Recolhi alguns cachos e umas sete maçãs, usando a camisa como cesta e fui em direção do corcel.

O tempo que levei nessa busca não durou mais do que uma hora, e quando voltei, Agasias estava de pé e parecia um Pégaso renovado. —— Caramba, eu não aguentaria dormir só uma hora por dia. —— Cometei, deixando as maçãs numa pedra de altura suficiente para que o cavalo não tivesse que se inclinar até o chão. Feito isso, e o vendo se alimentar, comecei a devorar uva por uva e cuspir seus caroços uns mais longe do que os outros. "Não preciso mais do que isso por dia. Às vezes, quando estou com insônia, durmo só meia hora. Somos Pégasus, diferentes, sabe?" A julgar pelo modo como ele falava, pensei que estivesse se gabando, mas Agasias era nobre demais para tal feito. —— Hm. Seria legal, ter vinte e três horas disponíveis cada dia. Faria bastante coisa. —— Tal como zerar um jogo de videogame por dia, talvez ter umas oito ou nove refeições, coisas básicas, pra que se exercitar? "Dormir mais de uma hora tem suas vantagens, senhor... Em dias parados, só fico voando por ai e perdendo as horas mordiscando algumas coisas." Caraca, ele era meu irmão por algum acaso?

Assim que comemos, montei nele novamente. O mesmo dizia que não ficaríamos em paz por muito tempo naquele lugar, e quem era eu para discordar de alguém que está nesse ramo a vida inteira? E sabe-se lá quantos anos o cavalo branco tinha.

[...]

O céu se fechava a medida que o sol ia se pondo. Já deviam ser cinco da tarde e o fôlego de Agasias aos poucos me parecia questionável. Comparando em escalas humanas, bom, ele era algum tipo de super-herói, porque ele cobria distâncias enormes e sequer ofegava sua respiração. "Senhor!" um berro telepático me tirou a distração, trovões surgiam riscando o céu com seu brilho majestoso e em poucos segundos o estrondo da explosão quase me deixava surdo. Se dentro de uma casa com as janelas fechadas o barulho já era ensurdecedor, imagina há mais de mil pés acima da terra? Acho que só aguentava o frio pela presença de água no oxigênio agora, ela me fortalecia e também não o deixava rarefeito para mim, já que tinha duas fontes viáveis para respiração.

Mas isso não significava nada para o que estava por vir. Além de pensar que estava há tempo demais no território de Zeus e que a qualquer momento uma descarga elétrica poderia pulverizar eu e meu companheiro, as sombras negras atrás de nós era um fardo ainda mais preocupante no momento. —— Zeus, em honra a sua divindade, se nos permitir vagar mais tempo em seu território, vencerei essa luta em seu nome... —— Não sei porque disse tais palavras, mas o corpo do animal se acalmou e continuou o trajeto. Eu me apoiei e fiquei de joelhos, uma manobra arriscada. Os raios cederam, mas a chuva não. Muitos acham que a chuva é uma habilidade dos filhos de Zeus, mas estava ligeiramente enganados. Poseidon quem realmente dominava as tempestades, Zeus tinha seu toque nada apelativo dos raios, mas tudo bem. Cada um cada um.

A água tocava meu corpo e me deixava repleto de energia, e isso parecia contagiar o corcel, cujo ao ficar com o corpo encharcado, começou a correr nos céus mais rápido que nunca. Todavia, não foi suficiente para evitar que os inimigos negros continuassem se aproximando. Suas asas batiam rápido e percebi que tratava-se de Grifos. —— Grifos não são dourados e criaturas divinas? Leais a Apolo? —— Indaguei e Agasias respondeu que sim, mas focando-se no caminho, portanto, foi rápido demais o dialogo. —— Então por que àqueles são negros e com olhos vermelhos? —— O cavalo se virou o máximo que podia e com seu orbe redondo, avistou os inimigos vorazes. "Pelos deuses! Eles foram dominados pelo ódio de Pallas." Isso deveria explicar muita coisa.
Cara, como eu queria um arco agora.

A corrida não terminava, e cada segundo que se passava, o grupo se aproximava mais. Pareciam ser liderados pelo maior, ele tomava mais distância do que qualquer outro. Estava muito próximo de mim e Agasias, contudo, não só, ele parecia ter um suporte. Mais dois ficavam em suas diagonais. Seus grunhidos fazia uma onda sonora forte colidir com meu corpo, quase me desequilibrando. —— Caralho, eles tem poderes também? —— Me recompus de joelhos, equilibrando meu corpo, se ficasse assim, por mais difícil que fosse manter o equilíbrio, os golpes seriam mais precisos e teriam uma distância mais longa, já que eles vinham pelas costas.

O maior investiu, e se eu não tivesse descido o braço com à ajuda da lâmina de oitenta centímetros, acertando seu bico, trincando a região, a calda de Agasias possivelmente teria sido arrancada cruelmente. —— Malditos! —— Urrava em prol da dor do antagonista. "Obrigado, senhor. Eu gosto muito do meu rabo." Se essa conversa estivesse sendo com uma pessoa normal, eu certamente riria, mas como tratava-se de um cavalo, não tinha graça alguma, ainda mais naquela situação. Os lacaios do primeiro grifo vieram pelos lados, os problemas começariam agora.

O maior recuou um pouco e se aproximou da nuvem de outros grifos incontáveis. Já os dois, começaram a investir pelos lados. Agasias, num movimento rápido, ergueu seu corpo, deixando um espaço amplo para que os dois se colidissem, e assim fizeram, entretanto, não fiquei parado, e segurando a crina do meu amigo, apoiei meu corpo do lado esquerdo e golpeei a asa de um, fazendo se desestabilizar no voo e cair em direção das muitas coisas abaixo de nós. Faltava um e mais uma mar deles.

Esse eu nem precisei medir esforços, meu cavalo rapidamente foi por cima do coitado, pisoteando sua face e acertando o bico tão forte que ele se rompei e a criatura se dissolveu em pó. —— É só arrancar o bico que eles morrem? —— Fiquei intrigado. "Eles são que nem águias, depois que perdem seus bicos é melhor se restaurarem no Tártaro do que esperar que cresça de novo. O processo é mais rápido." Assenti, e fiquei irritado. —— Queria poder ter essa opção caso perdesse uma perna, um braço, sei lá. ——Ele relinchou, mas parecia estar rindo. Mesmo não sendo hora, sorri e continuamos voando.

[...]

A perseguição não parava, por sorte o possível alfa não deu as caras e os demais eram lentos o suficiente para termos uma distância de um quilômetro, aproximadamente. Tivemos que diminuir a altitude, possivelmente alguns prédios ou placas de anúncio poderiam atrapalhar a visão deles e nós conseguiríamos nos esconder, mas eu duvidava bastante, já que muitas vezes falavam que eu exalava um cheiro poderoso. Como eu queria dominar com perícia meus poderes, seria mais útil. Por sorte, podíamos contar com a chuva ainda.

No meio do campo aberto agora, sobrevoávamos uma estrada, nela não havia mais a cidade nem qualquer ajuda do cenário para nos camuflar. Agasias desacelerava o ritmo, o que era ruim, mas ainda mantinha uma distância superior aos inimigos. —— Precisamos achar abrigo ou termos ajuda. Creio que meu débito com Zeus já tenha sido pago, matar todos aqueles seria suicídio. —— Nenhum trovão cogitou, isso me aliviou. Zeus foi generoso comigo, mesmo talvez eu sendo uma mosca que atrapalhava um qualquer enquanto comia sua sopa.

A estrada foi devorada pela velocidade que Agasias ainda voava. Uma cidade nova, junto com uma corrente de frio se aproximava, mas nela, que só tratava-se de um ponto longínquo, algo a mais chamava atenção. Um prédio enorme, com muros altos e a vegetação ao seu redor completamente desmatada nos chamou atenção. Sobrevoamos eles e vimos alguns garotos acenando para que pousássemos. Sem questionar, mandei que o cavalo descesse.

No telhado, pude notar camisas de uma só coloração. Brancas e com escritas pretas bordadas no peitoral,"Resistência", era a única palavra contornada por preto e bem destacada. Desci de Agasias e este foi submetido a uma cela, ele empinou e quase aplicou um coice no garoto que tentou colocar o objeto metálico em sua boca. —— Ei, não toque no meu cavalo! —— Protestei, sacando a espada e apontando pro menino que jamais havia visto na minha vida. —— Desculpe, mas são regras. —— Arqueei a sobrancelha. —— Toque nele de novo e você vai conhecer a regra dos decapitados. —— Meu olhar o intimidou, não sabia o porque, mas ele recuou instantaneamente e segurou com firmeza a machadinha em seu cinto. —— Quinze segundos pros inimigos chegarem! —— Avisou outro, com uma voz bem semelhante, mas ele estava de costas e empunhando um arco com aljava. As pontas das flechas impediam-me de ver seu rosto.

Rapidamente, vários garotos e garotas surgiam pelas escadas de emergência, não havia notado antes, mas desde que pousei, o piso estava pintado, as paredes inteiras e janelas todas limpas. Não me recordava de tudo aquilo, acima só via algo totalmente esquecido pelos olhos humanos, nojento e que realmente assustava. —— Quem são vocês? —— Perguntei pro garoto de outrora. —— Somos a resistência, os esquecidos. Os que não tiveram sorte de serem levados para o Acampamento. —— Resmungou ele e correu para junto dos demais. —— Que sujeitinho escroto. —— Cuspi as palavras e viu até Agasias, lutaria ao lado de quem conhecia.

Flechas foram apontadas e a nuvem negra aos poucos rodeava o perímetro. —— Será que vão conseguir matar esses Grifos? —— Antes do equino responder, uma voz soou atrás de mim, e essa sem dúvida alguma eu sabia de quem era. —— Claro que vão, treinamos bastante aqui. E você, quem é? —— Percebi que meu corpo estava completamente protegido pelo do quadrúpede. —— Giu? —— Respondi dando abertura pro meu rosto. —— Marti?! —— A garota, que vestia uma regata e um jeans azul correu ao meu encontro e me abraçou. —— Caramba, achei que nunca mais veria um rosto conhecido. —— Disse entre os braços dela. —— E eu pensei que além dos que vieram pra cá, nenhum dos outros tinham sobrevivido. —— Nos separamos e ela, segurando o arco, rapidamente o armou e deu um sinal para que alguém viesse até nós. —— Sabe usar um desses, né? —— Ela me interrogou. —— Óbvio. —— O mesmo moleque esnobe de antes me entregou com uma velocidade anormal uma alvaja com mais ou menos trinta flechas e um arco bem curvado, próprio para longas distâncias. —— Cinco segundos! Tempo exato, atirem! —— O mesmo de antes, com a voz bastante similar, virou e vi seu rosto. Era Ro, um amigo que havia feito recentemente.

Corri junto da garota e com nossos arcos, atiramos sem piedade inúmeras flechas. Os grifos pousaram, alguns mortos e já se decompondo em pó quando invadiam a pista de pouso, já alguns, conseguiam com uma ou duas flechas fixadas em seus corpos, pousar e arrastar com suas garras os corpos de alguns, e dentre os infelizes, o garoto que corria bem rápido foi levado e devorado por uns três sobreviventes. —— Cacete! —— Saquei a espada, ficando nas costas de um deles, mas chamando atenção de outros dois, por sorte, Agasias apareceu e golpeou com suas patas traseiras o rosto de um inimigo, quebrando outro bico, já o terceiro, recebeu uma flechada que passou zunindo em meu ouvido esquerdo. Ela havia sido atirada pela mesma garota que me recebia. —— Belo tiro. —— Giu sorriu e voltou ao que fazia, lutar. O corpo do semideus tinha várias marcas e alguns pedaços bem significativos de carne arrancada. Sequer respirava. Morto. Vomitaria se não tivesse me acostumado com imagens assim desde o Ibirapuera. Fiz uma prece e voltei a ajudar, não tinha mais nada para ser feito por ele.

De repente, cordas começaram a ser lançadas e se abriam depois de uma breve explosão, eletrocutando todos que a tocavam, isso foi de ótima ajuda, pois levou pelo menos uns trinta daqueles grifos. —— Filhos de Hefesto? —— Indaguei. —— Com certeza. —— Respondeu a garota, dando mais um tiro certeiro na testa de um grifo. —— Você por acaso é filha de Apolo? —— Interrompi o silêncio, fora os da batalha iminente, com perguntas fora de hora. Atirei uma flecha e igual a garota, acertou a testa do grifo, fazendo virar pó. —— Não, e você? —— Sorri e fiz que não com a cabeça. Realmente treinamento era tudo, mas eu sentia que sabia usar um arco desde que ele fosse colocado em minhas mãos.

Alguns minutos, o ataque cessou, infelizmente as baixas foram grandes demais. Cerca de dez pessoas haviam sido mortas, e tudo porque aqueles malditos me perseguiam. A culpa não deixou de pesar momento algum, mas Agasias estava completamente cansado depois deste equivoco, e não me surpreenderia se ele ficasse a noite inteira sonhando com seus sonhos encantados de cavalos. —— Assim que ele descansar bem, partirei. Não quero trazer mais problemas... —— Disse, vendo o corpo do garoto ser retirado e levado junto com os outros. —— Está louco? Você será trucidado fora daqui. —— Apertei meu punho com firmeza. —— É culpa minha isso tudo. Eles me perseguiram, eu os trouxe para cá. —— Giu me encarou com rigidez. —— E você acha que esse é o primeiro ataque que recebemos? —— Ela cruzou os braços, e no antebraço esquerdo se encontrava uma cicatriz. —— Não é? —— Mesmo com o grau da situação, ela riu. —— Olha, fique o tempo que quiser, não impedimos ninguém de sair, depois que nos encontram, jamais querem ir embora. Agora venha, e por favor, não vão tratar mal o seu Pégaso. —— Algo na sua voz me aliviava, e não pude deixar de notar que ela vasculhava cada canto do meu corpo com os olhos. Ela era bastante detalhista. —— Ei, não vou matar ninguém. —— Seus olhos encontraram os meus de novo. —— Eu sei, só... Não sabia que você tinha uma tatuagem. —— Tinha me esquecido desse detalhe, olhei meu braço e o tridente com a lira atrás ainda se encontrava lá. —— Pois é. Legal, não? —— Ela riu brevemente, e logo voltou com sua expressão séria até os falecidos. —— Organizem o funeral apropriado, infelizmente não há muito o que fazer. —— Ro se ergueu e limpou o suor de sua testa. —— Caramba, você é sempre fria assim? —— Ele tinha agora um sorriso malicioso, mais do que antes, e assim que me avistou, correu com seus braços largos e me envolveu num abraço. —— Caraca, achei que você tivesse morrido! Não acredito que conseguiu derrotar aquela cobra musculosa! —— Seus gritos quase me deixaram surdos. —— Pois é. Mas acho que vou morrer surdo logo menos. —— Ele riu e me deu um leve soco no ombro. —— Bom, com sua licença, tenho que levar os falecidos pra um lugar melhor. —— Respondeu ele, mesmo aflito, não deixou o humor de lado. —— O que farão com eles? —— Me aproximei da garota e ela, recolhendo algumas flechas ainda úteis no chão, olhei para mim e em seguida aos corpos juntos. —— Queimamos. Funerais dignos de reis antigos. —— Não questionei. Ali era ordens e regras diferentes. —— Vamos, você precisa de um banho. —— Só de ouvir a ultima palavra, olhei para meu corcel e ordenei que deixasse ser levado a um local apropriado. Assim, pela escada de emergência, luzes amareladas invadiam o corredor e começamos a descer andar por andar, até chegarmos num elevador.

[...]

O prédio tinha trinta andares, por isso chamou tanta atenção enquanto voava com Agasias. Paramos no vigésimo primeiro andar, que dizia Giu, ser o andar para reuniões. O lugar não tinha paredes desde o acesso ao elevador, todas as janelas estavam protegidas com objetos metálicos transparentes, mas extremamente pontiagudos. Obra dos perdidos do deus da metalurgia, e deveria dizer que fizeram um trabalho magnífico. e algum inimigo pensasse em atacar os andares debaixo, travando uma emboscada, morreria sem saber o porquê.

A sala era bastante ampla, até porque sem paredes, ficava difícil dividir os cômodos, porém, ao centro do lugar, havia uma mesa com lugares suficiente para no mínimo cinquenta pessoas. —— Achei que fosse tomar um banho. —— Quebrei o silêncio, um tanto desapontado. —— E vai, mas primeiro, temos que avaliar sua chegada. Protocolo, sabe? —— Na verdade não sabia, mas como não estava em posição de me impor, simplesmente concordei com um balançar da cabeça.

Aguardei sentado numa cadeira de rodas, Giu tinha descido alguns andares abaixo, e como o lugar era grande bastante silencioso, fiquei rodopiando e deixando meu corpo ser levado pelas rodinhas da cadeira. Tomei cuidado para não me aproximar demais das janelas, nunca se sabe quando os metais estão virados, ainda mais camuflados.

Passaram-se vinte minutos e o elevador acendeu uma luz amarela. As luzes indicavam cada andar, e logo parou no exato em que estava. Me arrumei e voltei o mais rápido que pude para meu lugar com o acento. —— Bom, Marti... —— Giu me pegou com os braços estirados e presos na mesa, puxando meu corpo para próximo da longa extensão de madeira. —— Sério que você brinca com isso? —— Ela parecia surpresa com minha infantilidade. —— Ah, me desculpe, não sabia que tinha regras de não se divertir quando se tem tédio. —— Ela bufou e deu de ombros. Atrás delas, alguns rostos conhecidos surgiram, e todos estava armados até os dentes. Avistei Lélo, junto de Dan, ambos vestiam armaduras iguais, mas ajustáveis as suas medidas. Logo atrás, estava Jhon, mesmo com o peitoral de ferro, ele ainda usava aquelas touquinhas compridas e tinha vários piercings no rosto. Junto deles, e não menos visível, estava Léo, um amigo que tinha feito na festa de aniversário da Malu, ele tinha crescido mais, o cabelo estava mais volumoso, mas em estilo militar, e o garoto também tinha um leve cavanhaque envolta de seus lábios até o queixo.

Todos se aproximaram de mim, cumprimentei Dan, Lélo e Jhon primeiramente, pois tinha mais intimidade, contudo, o afeto não foi diferente para nenhum deles, inclusive Léo. —— E então? O que está acontecendo? —— Minha pergunta ecoou pela ampla sala e até fez um eco momentâneo. —— Bom, todos os semideuses são bem-vindos aqui, Marti. —— Iniciou Dan, ele segurava um martelo de batalha com dois metros de comprimento, na ponta, onde seria a parte metálica feita para supostamente massacrar seus inimigos com marteladas, se encontrava vários espinhos, tornando uma arma impiedosa. —— E não estamos culpando você pelo ataque dos grifos, constantemente temos recebidos visitas inesperadas. Por isso tivemos medidas extremas ao redor desse lugar, principalmente com a mágica de Yash. Creio que você não viu o prédio por fora como está vendo por dentro. —— Lélo era bastante detalhista, e com sorte consegui acompanhar suas explicações e fiquei feliz por saber que Yash estava aqui, e o que entendi, muito bem por sinal. —— Enfim, o que queremos dizer é que, para ficar aqui, você terá que montar a patrulha desta noite. Foi o acordo que tivemos quando nosso número ficou constantemente maior. Nosso cheiro pode ser detectado a quilômetros de distância. —— Comecei a pensar que, depois de ser proclamado filho de Poseidon, eu nunca mais teria sossego. Até para me esconder, eu tinha que arriscar minha vida.

Me levantei da mesa, olhei os demais, Léo não disse uma só palavra, o que me pareceu bem estranho. —— Será que eu posso pelo menos tomar um banho? —— Ri desanimado, e o moreno caminhou até mim. —— Relaxa, cara, eu vou cobrir a noite contigo. Ninguém fica sozinho de verdade. —— Suas palavras até que me acalmaram, mas o que faríamos se só nós dois estivéssemos lá e outra nuvem de inimigos viesse ao nosso encontro?

A fim de não pensar em coisas tão negativas, dei de ombros e esperei que a minha primeira pergunta fosse respondida, por sorte, Giu entendeu o meu rosto, lendo-o perfeitamente. —— Me esqueci, venha comigo, vou levá-lo ao andar dos banheiros masculino. —— Seguindo todos, estalei meus dedos num movimento comum, e encostei num dos quatro cantos do elevador, vendo as luzes piscando e descendo andar por andar.

Uma coisa eu tinha certeza, a noite seria longa.


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