Falando de Flores escrita por Arabella


Capítulo 13
Capítulo 12


Notas iniciais do capítulo

Pra variar escrevi uma super mega ultra gigate nota inicial e a internet foi embora e perdi tudo.
Então, antes de qualquer coisa quero pedir desculpas pelo sumiço. Meu computador estragou, voltou essa semana e passei o maior aperto tentando achar meus textos porque o querido do tio lá formatou essa benção e não me avisou que salvou em um lugar diferente e eu chorei um dia todo achando que tinha perdido tudo.
Também quero dizer que uns dias atrás ecebi uma mp que não era uma mp era A MP DAS MP. Vocês sabem o que é mais fofo que qualquer música do luan Santana e que consegue ser legal e perfeito? Quando você sabe que alguém lê o que você escreve, gosta disso e sofre quando você some. A Jujuba me mandou uma mensagem linda, maravilhosa que me fez chorar pacas, camelos e o zoológico inteiro. Ela é o principal motivo de eu ter tomado vergonha na cara e ter vindo postar aqui.
E antes de qualquer outra coisa, não, em momento NENHUM eu cogitei a ideia de abandonar fdf. EU POSSO SUMIR DECADAS MAS UM DIA EU VOLTO E POSTO O FINAL DESSA BAGAÇA PORQUE ESSA HISTÓRIA É TUDO PRA MIM E NUNCA SERIA CAPAZ DE DEIXAR ELA INCOMPLETA, ok? Podem relaxar.
Outra coisa, pra quem lê minha fic já não tão nova assim, Born to Die, essa semana tem att, seus lindos. E quem não lê, vai lá agora, querido.
É só isso, flores (VOU CHAMAR QUEM LÊ ISSO ASSIM PORQUE NÉ). Podem ler.
Ah, Jujuba, muito obrigada por tudo flor, pela mensagem, a força e a recomendação. Esse capítulo é pra você.
Ps: desculpe o tamanho dessa coisa.
Ps²: essa frase tem nada haver com o capitulo mesmo, desculpa estava sem critividade e sem vontade de viver e esse capítulo ta mais aguado que as sopas da minha escola, desculpa dois.



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“Deve apenas ter batido de leve na sua mente e alma.

Você não pode ter certeza.”

Arctic Monkeys (Arabella)

O dia estava fechado e pela cor do céu, tinha certeza que iria chover a qualquer momento. As janelas começaram a ser fechadas imediatamente, porém, consegui sentir um pouco do vento forte levantando meus cabelos. Puxei as mangas do meu suéter vinho e ajeitei a minha touca vermelha, tentando disfarçar o que o vento tinha feito com meu cabelo na volta do restaurante.

Conferi as horas no celular. 14:03, duas horas de curiosidade ainda. Essa era a primeira aula de teatro e podia sentir pares de olhos matadores em cima de mim, mas estava ocupada demais apreciando a arquitetura do teatro para ligar. Era diferente de tudo o que já tinha visto, era de longe mais sofisticado que os das minhas antigas escolas, embora fosse menor e mais simples dos que o meu pai costumava me levar para assistir Bela e a Fera ou Família Adams. Era elegante ao seu modo, parecia antigo com estruturas vitorianas. Cada canto era de madeira nobre e velha, o palco tinha a forma de meio circulo enquanto o rodeava, começando as entradas no alto e descendo a medida que se aproximava, de modo que o espectador mais no fundo ficasse em cima suficientemente para ter uma visão incrível e não ser atrapalhada caso a pessoa a sua frente seja mais alta.

Não me segurei e subi no palco. Dei dois chutes leves no chão de madeira que causaram eco. Olhei um pouco a esquerda e vi uma espécie de alçapão. Como eu imaginava, um subpalco. As cortinas eram as clássicas, vermelhas de veludo, longas e impecáveis. O teto era alto trabalhado com diversas pinturas maltratadas pelo tempo. Entretanto, o que mais me chamou atenção, foi o imenso órgão. Me senti paralisada, só tinha visto um daqueles em uma das diversas viagens históricas que fazia com meu pai, e em todas, meus dedos coçavam para encostar naquelas teclas.

– Esse costumava ser o maior teatro do estado, no século XVIII. – uma voz disse atrás de mim, me fazendo pular. – Até o país mudar de capital, então ele acabou sendo deixado de lado.

Me virei rapidamente e suspirei aliviada ao ver que era Henrique que me pegara de surpresa. Como essa era o tipo de aula onde as 3 turmas do primeiro ano faziam juntas, tinha pessoas espalhadas para todo o canto e conversando alto. Henrique estava do meu lado e apontava para o teto.

– É o teatro mais antigo do continente e aquelas pinturas foram feitas antes de existir escada. Essa parte mais colonial do colégio foi programada por pintores prestigiados no século XIX, como uma boa e velha escola católica. O teatro sempre esteve aqui, a escola veio algumas décadas depois. Com a modernização de tudo, a lei protege esse estabelecimento e proíbe qualquer alteração na obra. Por isso aqui sempre lota durante as apresentações. – ele explicou com se tivesse nascido pra falar sobre aquilo.

– Eu não sabia disso... – sussurrei ainda encantada com tudo. – São lindas...

Ele sorriu e pediu para que eu o seguisse. Fomos em direção a parede esquerda, no caminho deixei minha mochila perto da Olívia, no chão, e avisei que já voltada. Não entendi para onde estávamos indo, Henrique olhou para os lados e conferiu se ninguém nos olhava, passou a mão em uma parte da parede onde se encontrava um pintura incrível de um homem com trajes simples e empurrou algo que se revelou uma porta, dando para um escadaria estreita e com pouca iluminação. Meu colega indicou para que subisse e o fiz com ele logo atrás. Assim que os degraus acabaram compreendi onde estava. O lugar era pequeno, já com grande parte ocupada pelo órgão e pelo violoncelo. Era o espaço onde os músicos ficavam. Era possível enxergar completamente tudo lá de cima. Passei as pontas dos dedos levemente pela madeira macia e as teclas geladas do grande piano e apreciei os tubos. Minha vontade era de abraçar e beijar o Henrique, em vez disse, o olhei com os olhos brilhando e com um sorriso de orelha a orelha.

– Poucos sabem sobre essa passagem, a professora Greta só mostra, a cada ano, para quem ela seleciona para cuidar da parte musical durante as apresentações. No caso eu, o Dan e... – ele olhou para baixo tímido – e a Isabella.

Sorri involuntariamente achando graça de como ele corava sempre a menina era mencionada.

– Ela toca? Não sabia disso.

– Ah, sim, ela toca. E muito bem. – ele acrescentou. – Dedilha o violoncelo e o violino como um anjo.

– Acredito em você.

Ele pigarreou e ajeitou os ombros antes de começar:

– Bem, não te trouxe aqui só pra te mostrar isso. – admitiu. – Eu queria te pedir um favor. O Daniel é meu melhor amigo e mesmo que ele não fale sobre essas coisas com ninguém, sei que você vai acabar...

Nunca soube o que ele iria dizer sobre o Daniel, bem naquela hora escutamos nossos nomes sendo chamados e, sem lembrar de que eu não deveria estar ali, me inclinei no parapeito para ver o que era.

A professora havia chegado e fizera todos se sentaram em um circulo no palco. Ela tinha altura mediana e cabelos castanhos que formavam uma áurea de cachos. Usava uma saia azul escura e vários colares. Ela sorriu ao me ver, piscou e gesticulou para que nós descêssemos discretamente. Fomos rapidamente e em segundos estávamos nos juntando ao restante da turma. Todas as cabeças se viraram para nós e alguns soltaram risinhos ou cochicharam sobre por que nos atrasamos. Revirei os olhos e me sentei ao lado da Fernanda, que havia guardado lugar pra mim, enquanto Henrique ia para perto de Daniel. Meu olhar cruzou rapidamente com os dele e meu coração palpitou, ele me olhava com curiosidade e cautela, como fizera o dia inteiro, com o olhar de quem está incerto sobre algo. Não dirigira uma única palavra á mim e eu não fizera o mesmo, só podia esperar até a aula acabar e saber o que ele queria falar comigo.

– Bom, agora que estamos todos aqui – Greta começou –, podemos começar. Primeiro de tudo, quero que deitem e respirem uniformemente. Repassem cada momento feliz das suas férias na cabeça e tentem se lembrar de cada detalhe, assim teremos um maior acesso para a criatividade de vocês hoje.

A princípio achei aquilo muito estranho, ela deixava os alunos dormirem durante suas aulas? Todas as pessoas se deitaram no chão como se fosse costume e eu estava prestes a fazer o mesmo quando a professora fez um gesto pedindo para que eu me levantasse.

– Senhorita Meireles? Poderia falar com você uns instantes?

Concordei e me levantei rapidamente, segui a mulher até atrás das cortinas, um canto onde havia uma mesa com pilhas de papeis organizados, livros antigos. Hamlet, Jane Eyre, Razão e sensibilidade. Ela se sentou em uma das cadeiras vermelhas e indicou para eu me sentar na outra.

– O professor de literatura disse que você seria ótima para me ajudar esse semestre. Ficaria muito feliz se você aceitasse, mas quero, antes de tudo que entenda que não será nada fácil. – ela começou a explicar, eu a ouvia atentamente enquanto batucava os dedos na mesa de madeira. – Muitas pessoas querem isso, mas não fazem idéia de como é. Você terá botar ordem, assistirá os testes comigo e escalaremos os personagens juntas. Você terá que ter muita paciência e tempo disponível para ensaiar. Não costumo dar o cargo fácil assim, Ana Valentina, algo em você é radiante demais para eu deixar passar. Estou confiando em você, aceitará dirigir a peça? – ela terminou com uma cara séria e ansiosa.

Aquilo não era só uma peça de teatro escolar? Então para quê tudo isso? Era só passar um Romeu e Julieta, fazer os pais felizes e pronto. Me lembrei do que Henrique dissera sobre a reputação do teatro e entendi. Não era só isso, era tudo.

– Bem, eu gosto muito de artes – comecei. – Vou em teatros desde pequena e sinto grande feitio por tudo isso, porém não sei se sou a melhor op...

– Eu já lhe falei que com isso você é dispensada de diversas aulas para elaborar a peça e já que demonstra apreciar tanto artes, deve conhecer a Jordana Trevisan.

Meus olhos arregalaram subitamente e deviam estar brilhando pra caramba, Jordana Trevisan não era nada mais que uma das melhores ex dançarinas do planeta, que, depois da aposentadoria, começara a carreira no teatro. Meu pai me levava pra todas as peças que ela dirigia ou escrevia, ela tinha classe estampada na testa e tudo o que eu queria era ter um décimo do talento dela.

– Ta tirando uma com a minha cara? – quase gritei, então me lembrei que falava com uma professora e me recompus. – Era é a melhor diretora de todos os tempos, sou apaixonada por tudo que ela põe a mão. – Admiti como uma metralhadora.

– Ótimo – a professora disse sorrindo –, então acho que vai querer se esforçar bastante para a peça ficar perfeita e impressionar a Jordana quando ela vier assistir.

– O QUÊ? – Gritei. – A Jordana vem... ela, El-ela vem aqui? – perguntei pensando que iria desmaiar.

– Vem sim, querida. – Greta afirmou. – Ela sempre vem na ultima apresentação do ano, foi aqui que ela fez sua primeira atuação, imagino que seja a forma dela de agradecer. Este ano ela vai estar com uma peça pelo país na época, por isso virá na próxima. Posso contar com você?

O chão começou a girar e me segurei no braço da cadeira para não cair. Eu estaria feita se fizesse algo bom e a Jordana Trevisan reconhecesse. Meus pais teriam que entender minha vontade de cursar artes cênica1s e talvez até me apóiem. Esse fora o único motivo por eu ter aceitado ajudar o Will, eu sabia o que ele estava passando.

– E se eu estragar tudo? E se ela disser que ficou horrível?

– Ai eu vou ser obrigada a acabar com suas notas. – ela disse com uma expressão sinistra. – Porém, acredito que você conseguirá surpreender todos. – voltou sorrindo. – Já deve estar sabendo que estamos trabalhando com romances clássicos, porém, Jordana odeia isso, gosta de coisas novas. Estou querendo transformar uma estória do século XV em algo atual, sem perder a essência, acha isso possível, querida?

Me engasguei e comecei a gagueja ainda assustada com a repentina mudança de humor da professora.

– Claro, a senhora fará isso ficar perfeito! – Concordei sorrindo.

– Eu? – A expressão no rosto dela se quebrou novamente, como se tivesse provado algo e não gostado. – Florzinha, você não está entendendo direito, quem fará isso é você. Obviamente vou lhe ajudar a escrever o roteiro e a criar a estória, mas o Grande Trama tem que vir daqui – achei que ela encostaria no meu coração, entretanto, levou a mão para minha cabeça. – Seja criativa, nada de triângulos amorosos, mortes cheias de drama, mimimi, use a criatividade e o coração.

Eu não tive tempo de formular uma frase, de dizer que não conseguiria e que era algo que precisaria de dedicação e tempo que eu não tinha. Greta colocou os óculos e analisou a mesa, pegou um livro de capa verde com o título em letras grandes e douradas que me deixou com vontade de rir.

– Você quer que eu seja original me inspirando em Contos de Verão? – debochei e logo me arrependi, recebendo um olhar de desgosto.

– É assim que você vai provar seu talento. E nada é mais bonito que um amor proibido.

– Provar meu talento? Mas pra que eu ia querer isso?

– Não se esqueça que sou professora e que conheço sua mãe e ela me pediu para não te dar nada importante para fazer, pois isso só a deixaria mais disposta a seguir a carreira que quer. – ela revirou os olhos como eu sempre faço. – Mães nunca entendem a gente, Valentina. É por isso que quero que você faça isso; prove pra sua mãe e pra quem precisa que você seria uma roteirista incrível, pude ver isso em seus olhos enquanto você estava olhando o teatro. Acima de tudo, quero dar uma chance pra você saber se gostará mesmo de fazer algo assim, sabe, já estive em seu lugar.

– Minha mãe pediu para você não me encarregar de algo importante? – perguntei nem tão surpresa com aquilo, era algo normal dela resolver o que era bom ou não para mim.

– Bem, ela disse...

– Não me importa, vou te apresentar o melhor trama da história. – falei decidida.

– É disso que eu estava falando, garota! – Greta bateu palmas sorrindo animada.

– Mas não prometo nada, nem sei por onde começar.

– Você já começou. Já leu Romeu e Julieta? – Fiz que sim com a cabeça. – Certo, leia de novo e tente encontrar o que mais marca a leitura, os sentimentos que mais te atingiram, veja a estória como se você a tivesse escrito e pense o que mudaria se ela fosse sua.

– Farei isso, mas...

– Mas nada, quero que me apresente a ideia na próxima quarta, me diga qual tarde está mais fácil para você, qual aula extra você não gosta?

– Ahn... Computação e Educação Física. – respondi indecisa.

– Combinado, pedirei para seu professor te liberar e começaremos a trabalhar com o roteiro. – Disse a professora se levantando e arrumando o xale sobre os ombros. – Se me permite, tenho uma aula pra dar.

Greta atravessou as cortinas vermelhas e pesadas, me deixando sozinha segurando o romance como se ele pesasse toneladas. Essas toneladas eram o meu medo em forma física. Cocei a cabeça, olhei em volta meio confusa quanto o que eu deveria fazer. Resolvi que seria melhor voltar logo para o palco e conversar com minha prima mais tarde. Ela com certeza teria alguma ideia.

O resto da tarde passou se arrastando. A aula de teatro foi resumida em conversas, trocas de ideias, reflexões e de olhares com o Daniel. Minha sorte foi ele ter escolhido alemão como língua extra, enquanto eu praticava francês. O que também não fora de tudo bom, já que eu acabara fazendo dupla nessa matéria com o Felipe, que, apesar de não estar frio comigo, estava inegavelmente distante.

Achei que a tortura acabaria quando o ultimo sinal tocasse, mas quando deu quatro horas da tarde achei que iria explodir. Tentei acelerar a conversa com o professor que queria as informações de sempre de alunos novos, atravessei o corredor com o Felipe e a Isabella e concordei com qualquer coisa que eles programavam para o final de semana. Assim que vi o Henrique saindo da sala de espanhol perguntei se ele vira meu vizinho. O menino ruivo se assustou com meu tom de voz, eu não o culpava, eu estava á beira da loucura, e disse que ele fora o primeiro a sair da sala.

Me despedi rapidamente dos meus novos amigos e de pessoas que eu ainda nem guardara o nome e pedi para minha prima avisar ao Guilherme que eu passaria no Zip e que chegaria em casa um pouquinho atrasada. Fazia um bom tempo que eu não mentia para os meus pais, mesmo assim não sentia um pingo de culpa. Eu havia feito muito isso no passado. Era quase como falar que eu iria na padaria.

Atravessei algumas ruas e virei outras esquinas. O caminho de volta nunca fora tão comprido. Sempre fui muito curiosa e não suportava esperar para saber de algo, entretanto, aquele caso era maior. Havia algo muito errado, soube disso antes de ser tomada pelo cheiro de Carolina Herreira for Man quando me sentei entre os dois garotos de manhã. Senti isso antes de virar uma rua desviando do caminho para casa e encontrando uma construção grande com a tinta verde descascando.

Na primeira vez que parei na frente daquele lugar estava tão avoada que não dei a atenção que a casa merecia. O único andar era simples, a frente era praticamente toda ocupada pelo grande portão de madeira rústica. O espaço na calçada indicava que a entrada devia ter cadeiras e flores alguns anos atrás. Por um breve momento consegui imaginar a floricultura antes: o portão aberto de modo convidativo, bancos de madeira na entrada, samambaias penduradas, camélias em vasos decorativos no chão, uma placa com o nome do comercio no alto. O escritório limpo e alegre, fileiras e fileiras de variedades de flores, o balanço bem cuidado. Devia ter sido um lugar incrível.

Abri os olhos e me puxei de volta para o presente. A antiga floricultura ficava em uma esquina e a rua que cortava na esquerda não era movimentada, havia uma pequena porta para funcionários. Me lembrava que fora por ali que eu entrara no domingo. Me aproximei dela e a empurrei lentamente. Como eu desconfiada: destrancada.

Entrei no local que cheirava a poeira e flores. Tinha algo diferente da outra vez que eu estava ali, a mesa do escritório estava cheia e tampada de papeis que não estavam ali antes, portas e gavetas dos armários abertas. Um pontada de curiosidade quase me fez ir até uma delas e ver o que tinha nos papeis, então me lembrei da razão de eu estar ali era essa mesma curiosidade. Afastei a cortina que separava o escritório das flores e encontrei um garoto sentado na mesa do canto. Ele tinha uma expressão pensativa e acabada ao mesmo tempo. Estava concentrado em algo que parecia um caderno, ou um diário. O garoto não tinha me notado, o que me dava a chance de analisá-lo mais uma vez, como se não tivesse feito isso sempre. Seus cabelos negros, que naquela luz pareciam mais azuis, estavam jogados para trás, dando lhe um ar mais velho. Sua pele era muito clara, porém, não tanto quanto a minha. A bochecha era angular e tinha um certo rubor natural. Seus lábios eram uma fina linha poucos tons mais vermelha do que a pele. O queixo quadrado e perfeito e eu já não me aventurava mais em descrever o par de globos oculares. Ele usava um casaco pesado vermelho, totalmente fechado, deixando a mostra apenas as mãos com dedos finos para tocar todos os acordes na guitarra e feitas sob medida para segurarem meu rosto. Balancei a cabeça para expulsar o pensamento daquelas mãos em lugares errados e coloquei as minhas em seu rosto, por trás, tampando seus olhos. Aquela ridícula brincadeirinha de criança. Eu sabia que era bizarro fazer aquilo, até porque ele estava me esperado e somente eu entraria ali. Mas mesmo assim o fiz e fiquei surpresa com a resposta que veio logo a seguir.

– Já gravei seu perfume, Meireles.

Aquelas cinco palavras me fizeram corar sem razão. Comprimi meus lábios para evitar um sorriso pretensioso e me assustei quando senti aquelas mãos que apreciei segundos antes envolverem as minhas, removendo as dos olhos dele e largando elas ao longo do meu corpo, não sem antes apertá-las de forma terna.

– Acho que vou ter que mudar de fragrância, então. – Disse me sentando na mesa, ficando de frente para o Daniel.

– Não faça isso, seu perfume cheira a... – ele parou uns segundos para pensar – camélias. Gosto de camélias.

Achei graça comigo mesma e soltei um riso fraco, eu não usava perfume. Muito menos um perfume de camélias. Nem ao mesmo sabia que isso existia. Esperei ele começar a falar, mas ele não o fazia. Um silêncio constrangedor tomou conta da atmosfera rapidamente. Cruzei e descruzei minhas pernas desconfortável.

Mexi nos meus cabelos e algo me chamou atenção na mesa. Entre todos os papeis, cadernos e pastas havia um álbum de foto. Ele estava aberto e tive certeza de que Daniel as olhara, o álbum não estaria em cima da mesa se não fosse importante. Notando minha atenção direcionada ao objeto, o garoto se apressou a fechá-lo, sem me deixar ver o que tinha escrito na capa, e botou uma pilha de coisas em cima.

– Eu te chamei porque queria fazer uma coisa, mas preciso da sua ajuda. – Ele revelou.

– É só dizer.

– Lembra quando você perguntou sobre o proprietário desse lugar e eu disse que a mulher tinha falecido e a família nunca se manifestara? – Ele perguntou. Concordei com a cabeça, aquilo realmente tinha me deixado embasbacada no dia. – Bem, passei a maior parte da noite de domingo pensando nisso e me perguntando como nunca me importei em saber mais sobre, como exatamente a moça morreu, quem era ela, por que a família abandonara isso... Segunda-feira eu comecei a pesquisar, perguntar para os moradores mais antigos vasculhar os armários.

Isso explicava a quantidade de documentos sobre a mesa e seu olhar cansado, mas não explicada aquele ar de quem temia algo. O grande problema de um músico é esse, quando canta, tem que cantar com sentimento, logo, não consegue escondê-los na voz ao dizer uma simples frase. Conseguia notar que ele escondia algo e estava em uma luta interna se me contaria ou não. Eu não queria partir para cima, queria que ele me contasse, por mais que eu estivesse curiosa, queria que ele confiasse em mim o suficiente para contar o do segredo mais bobo ao mais profundo que seus olhos escondiam. Acima de tudo, queria mostrar a ele que poderia confiar em mim.

– Descobriu alguma coisa importante. – Deduzi.

Daniel apenas afirmou com a cabeça, ainda olhando para baixo, ponderando sobre suas próximas palavras. Segurei seus ombros, fazendo o me olhar.

– Ei. O que foi? Vai me dizer que a mulher foi sequestrada? Assassinada no meu balanço? – Tentei melhorar o clima, mas algo pareceu estranho quando eu disse meu. Não era o que eu pretendia, não mesmo, me assustei. Ao menos arranquei um sorriso de canto dele.

– Ela se matou. – Daniel anunciou como se disse que minha mãe havia morrido. – Overdose. Ela sofria depressão. Dizem que era por causa de um homem, ele era bem mais velho e casado. A largou quando soube que ela estava grávida. – Agora ele tinha uma expressão de nojo. – Entende isso, Tina? Ele simplesmente a deixou e voltou para a esposa. A garota ficou desonrada e foi terminar o ensino médio em outra cidade, no interior. Ela voltou sem barriga um tempo depois, a família disse que ela tinha perdido o bebê, começou a ficar meio estranha, isolada do mundo e se recusando a estudar. Os pais dela deram esse lugar e a garota decidiu abrir uma floricultura, voltou a ser feliz. O dono da banca de jornal da rua três fala dela com muito carinho, como se tudo que ela fez tivesse sido com amor. – Ele pausou um pouco para recuperar o fôlego. Estava exaltado e empolgado com a história, eu sabia disso. – Acontece que depois de uns dois anos ela entrou em depressão, várias tentativas fracassadas de suicido depois, a irmã mais velha a encontro aqui. – Daniel apontou para a mesa na qual eu me sentava. – Cercadas de caixas vazias de remédio e bebidas.

– Meu Deus... – saiu quase como um sussurro de meus lábios. Eu estava espantada. Assustada e triste. Como se tivesse perdido uma melhor amiga. Levei a mão automaticamente ao meu colar, que outrora fora de minha tia, em um gesto de proteção.

– A verdade é que não foi uma depressão súbita como a família dela deu a entender, isso não existe, Tina. – Daniel se levantou e começou a andar em círculos e a passar a mão pelos cabelos. – Tenho certeza de que essa mulher esteve mal o tempo todo. Imagine, ser abandonada, tratada como amante e perder o filho? Ela não se recuperaria assim de uma hora para outra. Alguma coisa deve ter acontecido nessa época, para ela foi a gota d’água e decidiu que não aguentaria mais.

Algo em minha garganta fechou. Senti meus olhos ficando molhados e me xinguei mentalmente. Chorar era infantilidade, eu nem conhecia essa mulher, durante o dia dezenas de pessoas se matam. Não tinha sentido. Talvez não fosse só a história, mas o jeito intenso que Daniel havia contado a. O modo em como sua pele branca ficara um tanto quanto avermelhada, mostrando a raiva que devia estar sentido de tudo aquilo. Podia ser só a minha imaginação criando um novo drama, mas eu ainda achava que faltava algo. Algo que ele sabia, ou estava perto de saber.

– Dan... – O chamei baixinho. – Relaxe, você não tem nada a ver com isso. Entendo a história ter te deixado um pouco alterado, mas não tem como voltar o tempo e dar uma surra nessa cara ou seja lá o que você esteja pensando. Mas, se quiser, podemos procurar mais sobre essa mulher.

Tive a impressão de que ele se perdera logo quando eu comecei a falar. Daniel estava parado, me olhando, com o cabelo tão bagunçado quanto eu vira pela minha janela noites atrás. A boca entre aberta e os olhos brilhando entre um cinza claro e tempestade.

– Você me chamou de...? – Ele perguntou.

– Dan. – Respondi sem graça, corada. – Digo, é seu apelido, certo? Mas esquece, posso não te cha... – Parei de falar ao ouvir seu riso. Abaixo, abafado, nasalado, quase imperceptível, mas o seu riso. – O que foi?

– Você fica vermelha fácil. – Ele comentou mais para se mesmo do que qualquer coisa. – É que geralmente só o Henrique me chama assim. É sempre Dani, Danny. E você raramente se refere á mim com qualquer coisa. – Daniel se sentou do meu lado e me surpreendi pela resistência da mesa e deveria ter vários anos. – Eu gostei. – Completou olhando para a minha cara de confusa ainda. – Gostei do jeito cantado que saiu da sua voz.

Eu poderia me encolher novamente, porém soltei somente um ‘humpft’ e soquei o ombro do garoto perigosamente próximo.

– Você estava falando sério... Digo, em relação á história. Você me ajudaria a procurar mais sobre ela? – Perguntou meio sem jeito. Daniel Germano, o guitarrista mais cobiçado da cidade, sem jeito? Todo mundo pagaria para vez.

– Claro. Bem, não sei onde isso vai dar, nem o por quê, mas estamos juntos nessa, entendeu? – Fui honesta e olhei diretamente para os olhos dele.

Fiquei surpresa e um pouco assustada quando Daniel levantou lentamente uma de suas mãos e a levou ao meu rosto, afastando um cacho revoltado que não aceitava ficar atrás da orelha. Ele estava cada vez mais perigosamente perto e algo dentro de mim doía por não estar perto o suficiente. Achei que a trilha sonora estava vindo da minha mente, só para me dar mais vontade de eternizar o momento. Apenas no segundo verso de Arabella me lembrei do alarme que havia programado no celular para me lembrar de chegar na hora naquele dia.

– Dan... – Senti meu lábio tremer ao falar. – Eu preciso ir. Mas prometo que, se você quiser, amanhã mesmo começamos a procurar sobre esse lugar.

Ele me soltou hesitantemente, como se também não quisesse sair dali. Eu odiava contato físico. Abraços, mãos dadas, beijos, qualquer coisa. Tinha pavor. Mas ficar ali, nos braços de Daniel, dava um sentimento tão quente e confortável que não queria sair mais.

– Obrigada, loira. – Ele sussurrou tentando quebrar todo aquele ar melancólico.

Ri e bati nele com um caderno que estava sobre a mesa. Ele resmungou alguma coisa, pulou da mesa e me ajudou a descer. Quando fui devolver o caderno á mesa, um pequeno pingente que estava preso ao arame se soltou que caiu no chão. Me abaixei para pegá-lo e fiquei encantada.

Era um camafeu de flor. O fundo era azul e a flor amarelada. Talvez um dia ela tenha sido branca. Ele era pequeno, quase uma tampa de garrafa de vidro, de um tamanho que não daria para botar nada dentro. O virei e vi quatro letras gravadas e um ano.

– A. M. & E. F. 1997 - ∞ – Li segurando o pingente delicadamente.

– De onde isso surgiu? – Daniel perguntou.

– Do caderno. – Respondi sem desviar os olhos. Tentei abrir o camafeu de diferentes formas, mas se aquilo um dia abria, agora estava preso.

– Impossível. Olhei isso tudo ontem. Não tinha nada. – Ele esticou a mão. – Posso pegar?

O entreguei com todo o cuidado, sentia como se a qualquer momento aquilo pudesse quebrar.

– Vai ver o destino queria que eu encontrasse. – Falei brincando e ele riu baixinho. – Por alto, você sabe quando a moça morreu?

– Dezembro de 2001. Por que?

– Foi o ano... – Cocei a cabeça, não importava o tempo, aquilo ainda me abalava. – Foi o mês que meus pais se separaram. Eu tinha quase três anos.

– É o destino. – Daniel disse tentando me alegrar. Não disse o típico sinto muito e eu gostava disso nele. – Será que essas são as iniciais do nosso caso?

– Quem sabe? – Falei olhando as horas. Estava atrasada. – Eu realmente preciso ir... Mas, será que eu podia olhar mais uma vez? – Algo naquele pequeno pingente me atraia muito e eu não sabia por quê.

– Claro. Na verdade, acho que ele ficaria muito legal no seu cordão. – Daniel sugeriu dando um meio sorriso.

– Sério?

– Sim, aliás, sempre quis perguntar: qual é a dessas coisas no seu colar?

Passei a mão pelo meu pescoço, tocando cada pingente nele. Eu havia ganhado o cordão de aniversário de sete anos do Guilherme, um cordão de prata sem nada. Ele disse que não iria gastar a mesada dele comigo, mas depois, quando comecei a chorar dizendo que ele não ligava para mim, ele transformou um pedaço de arame em um pingente de coração e o colocou no cordão. Não era o pingente mais bonito do mundo, mas significava muito pra mim. Depois disso, todo aniversário e natal ele me dava um novo. É como uma bandeira branca, uma trégua de algumas horas. Ele também estava cheio de pingentes que minha mãe, meu pai, Liv ou um dos meus amigos me deram. Um ou duas tampa de refrigerante, concha do mar, botão colorido ou outra bugiganga que me lembravam algo.

– São coisas que ganhei ou achei ao passar dos anos. Cada uma tem uma história. – Contei.

– Espero que um dia você me conte a história de cada uma. – Daniel pensou alto.

– Quem sabe? – Apertei os lábios tentando não dar um sorriso bobo. Mas era difícil, Daniel tinha esse efeito em mim.

O garoto deu a volta ao meu redor e parou nas minhas costas. Levantei meu longo cabelo loiro e deixei que ele abrisse o meu cordão. Torci para que ele não notasse o quanto seus dedos em minha nuca me arrepiavam. O tempo que ele levou para colocar o pingente novo e fechar o cordão pareceu se resumir em um suspiro.

– Ao começo de uma nova história. – Ouvi a voz rouca de Daniel no meu ouvido


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Notas finais do capítulo

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