Miseráveis e Inconstantes escrita por Vulpvelox


Capítulo 3
Essa é apenas Lola sendo Lola!


Notas iniciais do capítulo

Heeeeeeeey galera! Eis aqui mais um capítulo. Não se preocupem, as loucuras da nossa garotinha desequilibrada estão apenas começando. Espero que gostem desse capítulo, porque particularmente eu gostei de escrever esse aqui.



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Logo após o intervalo, as coisas pareciam estar voltando ao seu antigo ritmo. Parecia como qualquer outro dia, em qualquer época normal do ano. Os professores não perdoavam. Passavam conteúdo sem nenhum tipo de desconto ou aquecimento para o início período letivo, que ainda estava nas suas primeiras horas de duração. Uns dez minutos antes de o sinal bater para o começo do horário que seria o quarto tempo da segunda-feira, nos foram disponibilizados os horários que cada aluno tinha, de acordo com as matérias essenciais e extracurriculares que escolhíamos. Todas as minhas aulas eram acompanhadas de, pelo menos, duas pessoas do meu círculo de amigos. Isso era bom.

No corredor dos armários, com a pressa, todos nós trocávamos as folhas A4 amarela para comparar os horários e ver com quem iríamos nos encontrar. Havia sempre um jeito de lotar cada aula com todos pelo menos quarenta alunos em cada sala. Ou seja, era uma massa muito grande, muito embora houvesse uma enorme variedade de componentes curriculares.

— Vamos ter filosofia juntos! — Vibrava um Alecssander entusiasmado para Hayden, que esboçava um sorriso contido.

— Quem aí vai fazer pré-cálculo no quinto tempo? — Perguntava Biah para todos nós, e eu franzi o nariz.

— Pré-cálculo eu não vou fazer. Tenho álgebra no quinto tempo. Quem mais vai ter a honra da minha presença? — Brinquei.

— Você vem comigo, baixinha! — Manifestou-se Arabella, mostrando seu horário para eu comparar com o dela.

— Acho que eu tenho os mesmos horários de pré-cálculo, Biah. — Disse Martin, pegando o papel de colocarão amarela que a morena tinha em mãos, confirmando o que deduzira. — É isso mesmo. Vamos juntos para a aula.

— Tudo certo então? Todo mundo já sabe quais aulas vão ter com quem? — Alec olhou de para cada um de nós, esperando uma confirmação de todo mundo. A maioria respondeu, num coro completamente desorganizado, que sim.

— Sim. — Ergui ligeiramente a mão, atrasada ao me manifestar. Contudo eu estava incerta, já tendo esquecido que matéria seria a do quarto tempo e quem iria junto comigo. — Quero dizer, não. — Franzi o nariz, contragosto com a minha própria lerdeza. — Espera, mais ou menos. Deixa-me ver aqui, de novo.

Colei o nariz no papel dos horários e logo me localizei de novo.

— Ah é, história. — Anunciei. — Quem tem história agora?

— Eu. — Disse Bianca. Seguidamente, Hayden acenou ligeiramente com a mão. Acho que ele quis dizer que também estava indo para a aula de história conosco. — Ok, nós três na sala da Sra. Lambertini.

— Eu sempre achei o nome dessa mulher engraçado. — Martin comentou, tentando repreender o próprio riso enquanto parecia desenterrar um pensamento possivelmente humorístico e nostálgico. — A primeira vez que eu escutei o nome dela, pensei que a pronuncia era lamber chilli.

— Ok, isso foi estranho, Martin. — Estendi a mão fronte ao garoto, tentando segurar o riso com a falta de atenção do garoto e os pensamentos aleatórios. — Vamos para a aula?

Quando nos dispersávamos na multidão, Bianca do meu lado direito e Hayden mexendo no celular, ao lado esquerdo; caminhei para a aula de história pensando numa velhota lambendo um pote de chilli enquanto faz sua costumeira face azeda.

Eu acho que a seguinte situação é um clássico, de verdade. Esse tipo de figura é tão típico num ambiente escolar como St. James. Veja bem, eu nunca havia tido aulas com a Sra. Lambertini, apesar de já ter escutado comentários muito bons sobre a sua técnica de ensino, e vendo que só pela sua sala decorada com miniaturas de fósseis de dinossauros, maquetes de vulcões, cenários do Império Romano, da Grécia Antiga e fotos da Primeira e Segunda Guerra Mundial. Eu devia estar acostumada com esses estereótipos de docentes que atuam nos colégios, mas a primeira coisa que sussurrei para Bianca foi:

— É uma professora de história ou o fóssil vivo de uma mulher?

— Pare Lola! — minha amiga me repreendeu, escondendo pequenos resquícios de riso no semblante.

— É Lola, pare com isso. — Hayden intercedeu na reprimenda de Bianca. — Não pode falar assim dela. Ela é nosso novo fóssil... — A outra olhou para ele de canto, os lábios numa linha fina num protesto silencioso. — Professora. Nossa nova professora.

Depois disso, ele voltou a mexer em seu celular, os olhos azuis voltados para os códigos que constantemente digitava no aparelho telefônico.

Os minutos se sucederam pareceram uma eternidade inteira. Enquanto Sra. Lambertini fazia o típico discurso de como estamos mais velhos e com um ano cheio de escolhas para fazer, como tínhamos responsabilidades e decisões a tomar. Esse discurso eu escutava de minha mãe todo dia. Será que quando os filhos estão na beira dos dezessete ou dezoito anos, os adultos adquirem um discurso roteirizado e padrão para recitá-lo aos jovens adultos? Pois parecia, viu?

As aulas seguintes foram basicamente à mesma coisa. Quando sentíamos que o papo chato dos docentes — nos quais apenas eles falavam — iria nos fazer definhar ou virarmos vegetais, nos queixávamos de alguma coisa como todo típico jovem adolescente americano. Acho que nunca falamos tantas frases populares de ano letivo num período tão curto de tempo.

— Tô com fome! — Depoimento de Bianca durante a aula de história.

— Tô com sono. — Reclamei, com o queixo apoiado na palma da mão, mantendo a cabeça pendida no ar para evitar um cochilo inconveniente, em álgebra.

— Isso vai cair no teste? — Perguntou Bella, durante a aula de química.

— Vai valer ponto? — Martin aproveitou o embalo da loira. — Se não valer ponto, eu não vou fazer.

Finalmente, depois de muito sofrer, o sinal bateu alto. Pela primeira vez eu me senti muito feliz ao ouvir o longo som de um alarme alto. O som do sino no horário do almoço tinha um enorme e belo significado: liberdade. Saí ladeando Martin e Bella com entusiasmo exagerado da sala do componente curricular da Sra. Colemann, professora de química. Encontramo-nos com Alec no caminho. Apoiei-me pesadamente no garoto, fingindo estar quase morta.

— Eu estou passando mal. — Murmurei teatralmente manhosa.

— Passando mal? — Perguntou Alec, olhando com cima de seu par de óculos para mim. — Qual é o problema? A síndrome da cara de pau? — Perguntou, passando o braço pelo meu ombro enquanto prosseguíamos com a caminhada para a saída da escola.

— Não. — Fingi enxugar o suor imaginário da testa com as minhas costas da mão. — É crise alérgica.

— Alergia a quê? — Hayden caiu de paraquedas na brincadeira, quando cruzou conosco na esquina do corredor dos armários, sem saber que se tratava de um teatrinho. Estava distraído, observando alguma coisa ou ainda pensando nos códigos complexos com que constantemente mexe.

— Sou alérgica a conhecimento. — Respondi, mantendo a atuação por um segundo antes de não conseguir mais o riso.

— Ah, cala a boca.

— Não mande minha amiga calar a boca. — Repreendeu-o Bianca, que praticamente brotara do chão logo em nosso encalço. — Apenas eu e a loira temos permissão para manda-la fechar o bico.

— Obrigada, Bianca! — Retruquei-a ironicamente.

Quando alcançamos aos portões de vidro que estavam abertos, nos dando acesso ao lado de fora do colégio St. James. Uma vez do lado de fora do antro, apertei o passo com os meus amigos metros atrás de mim, todos estupefatos com a minha reação seguinte. Eu me deixei cair de joelhos do gramado externo do campus, apoiando as duas mãos no chão e esfregando a grama.

— Meu Deeeeus! — Exclamei, ignorando os olhares que os demais me dirigiam, inclusive meus amigos que não entendiam o meu propósito com aquele momento espiritual esquisito. — A liberdade! A luz do sol e a brisa natural! Eu tô livre! ACABOU!

— Você é tão dramática. — Biah riu e cobriu o rosto, constrangida por mim.

— Tá bom, tá bom Lola. Sabemos que você tá feliz com o fim da aula. — Disse Bella, me fazendo levantar da grama e acabar com a palhaçada.

— É bom ver que você pensa positivo, do mesmo jeito que eu faço. Realmente inspirador, baixinha. — Martin assumiu o outro lado, afinal a loira não conseguiria lidar com todo o meu peso todo sem ajuda. — Foi um dia. Agora só faltam mais cento e noventa e nove.

Engoli em seco. Martin tinha razão. O total de dias letivos que tínhamos de cumprir era, no mínimo, duzentos dias de aula. Foi um dia. Faltam cento e noventa e nove!

***

Como não haveria ninguém em casa depois do horário de almoço — minha mãe estaria no hospital, Shane buscando sobre seu estágio da faculdade de medicina e Preston iria para a aula de artes marciais com os seus amigos baixinhos depois do colégio — eu sempre passava metade da tarde na casa de Arabella ou Bianca. Depois de uma longa manhã de reencontros agradáveis e deploráveis, nada melhor do que passar um bom tempo na casa da loira.

O quarto dela era bem arrumado demais, e o que mais você tinha em vista ali eram livros. Prateleiras cheias de livros e alguns troféus de eventos esportivos que ela tinha. A garota não tinha aquele porte atlético e bonito à toa. Ela treina de tudo, enquanto eu a Bianca optávamos pela vida de sedentárias. Bem, pelo menos eu estava tentando sair dessa vida.

Biah estava deitava de bruços na cama de Arabella, fuçando alguma coisa a qual eu não sabia o que era. Provavelmente visualizando o perfil de alguém numa rede social, ou procurando pelas suas opções de carreira na faculdade. Desde o primeiro ano ela o faz, porém ultimamente ela tem varrido informações sobre todos os ofícios profissionais possíveis de modo desesperado por estarmos no último ano, e ela ainda não fazer ideia do que quer fazer. A cada mês ela estava mudando de opinião.

Nesse meio tempo, eu e Bella nos mantínhamos deitadas de costas para o piso, entrementes não estávamos relaxando como se espera depois de um desgaste psicológico enorme depois de um dia de aula. Estávamos fazendo abdominais, para desgraçar tudo de uma vez e acabar com a minha disposição física também. Mas na verdade, quem estava fazendo abdominais ainda era a outra. Eu estava mais parecendo a uma tartaruga que não consegue virar-se novamente de borco em prol de seu casco em forma parcialmente ovalar. Depois de um longo esforço, desdobrei as minhas pernas e joguei os braços ao lado do corpo, me deixando jazer dramaticamente no piso do recinto.

Bella continuou suas abdominais até ver que eu havia cessado a atividade, parando no meio do percurso — não sei como ela conseguia aguentar-se suspendida assim no ar, e só de pensar, já me cansava.

— Que moleza é essa, Lola? — Ela perguntou, com um sorrisinho sarcástico. — Já cansou?

— Já? — Perguntei, sem fôlego e, evidentemente cansada. Estava sem forças até para ser sarcástica com ela. — Estamos aqui faz séculos.

— Séculos? — A cética dessa vez foi Biah, que desviou o olhar da tela do computador que estava virada contra nós só para me responder como se minha noção de tempo estivesse completamente errada.

— Sim. — Consegui ao menos um pouco de disposição para levar a mão ao rosto. A luz que atravessava a janela parecia forte demais para meus olhos sensíveis com o esforço físico. — Foi tanto tempo que até minhas roupas doem.

Arabella revirou os olhos, se ajeitou e levantou-se num segundo, como se o exercício que tivéssemos feito fosse pouco. Ela olhou para mim bem de cima, com as mãos na cintura e a face petrificada numa expressão severa.

— Você não fez nem vinte abdominais, preguiçosa.

Franzi o nariz, desconfortável e apoiei-me nos dois antebraços.

— Eu estou tão mal assim?

As duas meninas se olharam, compartilharam uma careta de hesitação, e quando pensei que alguma delas fosse soltar um comentário motivador, ambas deram de ombros e soltaram a seguinte resposta em uníssono:

— Está.

Retribui a simples frase delas com uma careta de descontentamento, sem conseguir desenterrar um argumento justificativo em minha cabeça. Não consegui manter a posição de mau humor por muito tempo, apenas suavizando o semblante enquanto me jogava completamente no chão gélido do quarto, suspirando pesadamente e olhando para o teto com os traços vazios.

— Vamos nos recordar de que foi você quem quis que eu lhe treinasse para que emagrecesse. Você me fez prometer, e eu vou cumprir nem que tenha que fazer você correr, lhe ameaçando com uma arma apontada na sua cabeça. — Lembrou-me a loira, que se sentava ao lado de Bianca na cama enquanto me fitava com os olhos ainda severos. Ela tinha jeitos muito convincentes de nos fazer o que ela pedia — ou no meu caso, ela praticamente exigia algumas coisas.

— Será que eu não vou conseguir manter o peso ideal só andando de skate? — Questionei.

— Do jeito que você come? — Zombou Bella, mais uma vez. — Claro que não.

Grunhi de frustração e continuei fitando o teto, enquanto minhas duas amigas continuavam a observar alguma coisa naquela tela, provavelmente fuçando a vida alheia no perfil de alguém. Não demorou cinco minutos antes de Bianca soltando um ofego alto demais, como se tivesse sido atingida de surpresa por alguma coisa.

— Achei! — Exclamou ela, como se tivesse acabado de sortear os números da loteria. Porém ela nem ao menos continuou a falar, e passou a digitar no teclado do notebook ainda mais velozmente. Bella parecia estar a par do que acontecia, porém eu era a única que estava alheia ao que a morena havia achado.

— Achou o quê, criatura? — Perguntei.

— O perfil dele. — Quem havia dito dessa vez foi Arabella, contudo não havia explicado muita coisa. Ela observava por detrás do ombro de Biah, porém não mostrava tanto interesse quanto à morena. Só consegui captar a ideia de que havia homem na parada, notando a sonoridade com que a loira havia dito a palavra dele; o que normalmente me deixaria tão interessada no perfil do dito cujo quanto minhas amigas. Desta vez, eu estava tão cansada que não iria mexer um músculo sequer para ver a foto de um garoto aleatório.

— De quem se trata? — Mantive o mínimo da curiosidade que ainda me restava.

— Garoto novo da escola. — Respondeu Bianca, sem tirar os olhos da tela enquanto clicava incessantemente no cursor. — Ele está na minha turma de pré-cálculo.

Revirei os meus olhos e soltei um suspiro. Sabia que os gostos de Bianca eram meio diferentes dos meus, porém nossas preferências ainda batiam, apesar de que para a escolha de meninos bonitos; eu ainda compartilhava da mesma linha de pensamento que Arabella.

— Ele é muito bonito, para ser sincera Lola. — A garota pareceu ler meus pensamentos. — Cabelos castanhos com um penteado legal, olhos castanhos, corpo legal... É.

Que bela descrição, pensei com um virar de olhos. Possivelmente era um boyzinho riquinho que vai se perder naquela massa ridícula em menos de cinco dias. Isso não me atrai nem um pouco.

— Ok, garotas. Vou tomar um banho. — Anunciei com um pouco de indiferença e nem um pouco de vontade de questionar o nome do garoto, reunindo o máximo da coragem que eu podia para me levantar. Na verdade eu não estava tão ruim. Como sempre, toda aquela simulação de dor no corpo foi apenas mais um dos meus dramas desnecessários. Caminhei até o armário da galeguinha e abri-o, retirando dali uma muda de roupas que me pertencia e que eu havia deixado ali, junto com um terço de meu conteúdo de roupas que havia guardado na casa de minha melhor amiga. — Já são três, e eu preciso pegar o meu irmão na aula de karatê.

— Não quer uma carona? — Perguntou Bella. — Minha mãe te leva.

— Nah, quê isso. Lógico que não. — Falei, abanando a mão fronte ao rosto enquanto caminhava até o banheiro. — Meu skate está esquecido aqui faz muito tempo. Ele precisa de um percurso longo pra voltar à rotina.

***

Despedi-me das meninas aproximadamente às quatro da tarde e saí da casa de Arabella, impulsionando o meu skate enquanto percorria pela calçada vazia até então, saindo da parte movimentada e me dirigindo sem hesitação para o asfalto liso e plano da rua. Eu não era uma manobrista excelente de skate. Apenas utilizava desse meio para me transportar de um local para o outro por gostar de tal. Permiti-me manter os cabelos soltos para secarem no vento que assoviava em meus ouvidos conforme eu mantinha uma velocidade razoável.

Arriscava desvios curtos aqui e ali, porém nada muito complexo e impressionante, afinal eu não era uma pessoa que possuía um senso de equilíbrio muito admirável. Muito pelo contrário, pois a me empolgação em demasia impede-me se ser uma pessoa que saiba manter-se estável no piso, sendo uma completa desastrada em tudo o que eu faço.

Como eu disse, a empolgação na hora de andar de skate falou mais alto.

Não faltavam muitas quadras para que eu chegasse ao prédio onde ocorriam as aulas de artes marciais de meu irmão caçula, por isso eu já havia percorrido um caminho suficientemente longo para que me entusiasmasse com o fato de estar novamente sobre meu skate. A falta de prática muito me afetara. Quando não tinha mais como percorrer a rua sem ser atropelada por um carro, pois estava próxima à um cruzamento com a avenida. Teria de ir para o calçamento de novo, porém ao invés de fazer como uma pessoa consciente e esperta, que pausaria o percurso feito pelo skate, recolheria o objeto e subiria para a calçada para depois dar prosseguimento, eu não o fiz.

Lá estava eu, com toda a minha graciosidade e destreza, pronta para dar um salto com skate e tudo para ficar sobre a calçada. Dei um enorme impulso com os pés e saltei.

— OUCH!

Lola caiu, skate caiu. E a dignidade?

Caiu também.

A cena soa como cômica para mim, vendo ela como passado. Durante o ocorrido, eu não sabia se me levantava e continuava a andar como se nada tivesse acontecido ou se me escondia até a vergonha passar. Para quem não sabe o que ocorreu eis uma ideia da merda que aconteceu. Depois do salto para a calçada, o skate colidiu-se tão bruscamente no concreto que acabou continuando a andar, porém em sentido contrário ao meu corpo, que foi pra a frente numa cambalhota que poderia ter quebrado minha coluna ou minha clavícula.

Felizmente, eu apenas caí de costas no gramado de uma casa que ficava pouco atrás do calçamento que eu queria percorrer. A boa notícia era que meus ossos estavam inteiros. A má notícia era que um morador da casa a qual pertencia o jardim que eu havia invadido com o meu triplo mortal twist carpado assistiu a minha pérola.

Eu estava caída contra um arbusto, com falta de ar pela queda surpresa que eu havia sofrido, e só depois de alguns longos segundos eu fui escutar a voz se dirigir a mim, com um tom mesclado de susto a preocupação.

— Ei, ei! Você tá legal? — Uma voz masculina se dirigia a mim, em algum perímetro perto do meu rosto. A voz pertencia a um rapaz moreno e de pele caucasiana, de traços bem diferentes.

Garoto bonito!

— Eu... — Levei a mão institivamente para a cabeça, procurando alguma contusão craniana conforme eu arqueava a coluna e me sentava na relva. — Eu tô bem. Tô legal. — Respondi depois de me verificar se nenhum ponto do meu corpo havia se danificado, estremecendo-o levemente até me certificar de que eu realmente não tinha nada.

O garoto desconhecido me ofereceu a mão para me ajudar a levantar, porém eu já havia começado a fazê-lo antes de sua iniciativa, por isso eu acabei não aceitando o gesto, apesar de estar explicitamente agradecida pela preocupação.

— Tem certeza? — Ele arqueou as sobrancelhas como quem duvida ou apenas tenta detectar a incerteza em minha sentença.

— Tenho. Tenho certeza. — Assinalei, olhando para as minhas próprias roupas enquanto espanava a grama e a terra delas. Não havia acumulado uma sujeira muito notória, porém era o suficiente para que eu quisesse tomar um novo banho. E urgentemente. Quando ergui o olhar, o rapaz parecia ainda estar incerto. Sorri-lhe e não consegui evitar um tom meio zombeteiro, falando lentamente como se estivesse me comunicando com uma criança de sete anos. — Certeza absoluta.

Seu semblante se suavizou e o mesmo tentou retribuir o meu riso, porém ele apenas conseguiu expor um sorriso amarelo. Olhou para o lado e coçou a nuca, provavelmente pensando o mesmo que todos quando me conhecem: “essa menina é uma coitada perdida.”.

— Ok, se você diz que está bem, eu acredito em você. — Respondeu o rapaz, colocando as mãos nos bolsos e dando de ombros. Franziu os lábios e seus ombros ficaram rígidos, como se estivesse detendo outro subir dos mesmos. — É porque nunca se sabe. Poderia ter sido uma queda feia se tivesse ocorrido no concreto.

Passei os dedos pelos cabelos, analisando as pontas e alisando-o novamente, retirando um resquício de grama que havia enroscado entre os fios imbramados pela queda e pelo meu salto digno de ginasta americana de elite. O garoto parece analisar as minhas mechas e algo parece incomodá-lo, o que me faz franzir o nariz enquanto ajeito as joelheiras e cotoveleiras postas por cima de minha camisa leve e de mangas longas.

— Bem, derrapar e se estatelar no chão é praticamente rotina pra quem anda de skate, sabe? — Disse para ele. — Quando você anda de skate você pode cair de muitos jeitos; de joelhos, você cai de cara, cai de bunda... E no seu orgulho! — Dei de ombros como ele, porém jogando os braços ligeiramente ao lado do corpo, exalando meu lado indiferente e despreocupado em relação ao mico que eu acabara de pagar.

O rapaz ergueu ligeiramente a mão, um pouco cauteloso como se avisasse ou pedisse a minha permissão para retirar alguma coisa que ainda estava presa em minhas mechas.

— Acho que se você está acostumada com a rotina de cair, poderia cogitar a ideia de usar um capacete. — Respondeu-me com um sorriso um pouco mais extrovertido, retirando uma florzinha amarela que estava no meio de minhas madeixas castanhas. — Ou vai acabar com mais brotinhos na cabeça, ou com um crânio rachado.

Semicerrei os olhos, questionando se o mesmo ainda se preocupara com a minha queda, ou se estava apenas questionando a minha habilidade com o skate.

Aliás...

— Escuta... — Ele começou, olhando para os lados, à procura de alguma coisa. Ele pareceu ter lido os meus pensamentos quando fez a seguinte pergunta: — Para andar de skate, você não necessita de um?

— Meu Deus! — Exclamei, arregalando os olhos enquanto fitava em volta, de modo atônito. Olhei para rua abaixo. Havia um skate desgovernado descendo a rua pela calçada. — Preciso ir!

Eu nem ao menos olhei para o garoto, talvez por conta do desespero que me foi dado ao ver o meu skate descer sozinho pelo concreto da rua meio íngreme, ameaçando acidentar alguém. De longe, eu pude ouvir o garoto gritar:

— Ei, espera! — Não parei a corrida, porém desacelerei as minhas pernas enquanto o ouvia resfolegar. Olhei por cima do ombro, com tempo de ver o mesmo, com ambas as mãos em volta dos lábios. — Te vejo por aí, Brotinho?!

Com a cabeça ainda voltada para olhar minha retaguarda, ainda em passos acelerados, berrei-o de volta, incomodando vários pedestres que passavam numa velocidade duas vezes menos que a minha:

— Talvez um dia!

Depois desse pequeno encontro com o desconhecido, eu tinha apenas em mente o fato de que eu estava correndo atrás de um skate irrefreável e que um garoto baixinho com trajes de karatê estava à minha espera, provavelmente batendo os pés e apontando para o relógio; reclamando em demasia do meu atraso e do fato de que estava com fome.


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Notas finais do capítulo

Antes de mais nada, perdão os erros de português, eu não tive tempo de revisar, porém eu juro que logo mais eu faço essa correção. Semana que vem eu venho com o capítulo 4. Porém, quando mais reviews, mais inspirada eu fico e mais rápido os capítulos irão ser postados. É só isso então, galerinha que está lendo! Beijão *-*



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