O destino tem dessas coisas estranhas. Em um dia, tudo é alegria, pessoas dançando e uma fonte de chocolate quente. No outro dia, pode ter desaparecido como num passe de mágica.

Acontece que, quando dois corações congelados ocupam o mesmo lugar, mesmo que uma cidade tão grande, algumas coisas podem acontecer. Coisas catastróficas. Como o congelamento do mar, o congelamento das montanhas, animais migrando para um lugar mais quente. Arendelle estava debaixo de neve, de novo. E a culpa não era só de Elsa, como também de Jack Frost. Era como se os poderes dos dois tivessem saído de seu controle.

Mas é claro que tudo aconteceu na calada da noite, enquanto ambos dormiam. Elsa, em seu aconchego real, e Jack em uma pequena hotelaria nas portas da cidade.

Dois corações congelados não podem ficar no mesmo lugar.

Elsa ficara o resto da festa pensando naquele garoto misterioso e o motivo de tantas perguntas. Ninguém nunca a tinha questionado daquele jeito. Depois que descongelou Arendelle, ela tivera lidado com algumas perguntas, sim, mas... Jack Frost as fazia de um jeito diferente, com uma malícia no olhar, como se escondesse algum tipo de segredo. E quando se é julgado a sua vida inteira, você tende a ser bem desconfiado. E ela era assim.

E poxa, ele voava. Ou aquilo era um truque de seus olhos curiosos e cansados?

Em altas horas da madrugada, quando Elsa finalmente foi se deitar, ela acabou dormindo imediatamente. Agarrou os lençóis como se eles fossem um ursinho de pelúcia e tentou sonhar. Seus sonhos foram vazios, apesar da alegria do dia inteiro. Anna e Kristoff iam passar a lua de mel em algum lugar ao sul, onde tinha praias e um calor escaldante. Sven ia junto, é claro. Mas Elsa pediu que o casal deixasse Olaf com ela, para não se sentir tão sozinha naquele castelo enorme, mesmo que as pessoas entrassem a saíssem dali o tempo todo.

Um sono vazio, sem sonhos. Era como entrar em um abismo escuro e sombrio. Elsa nunca tinha sonhado aquilo antes. Mas, para o seu próprio bem, durou a noite inteira.

Nos sonhos de Jack Frost, ele visitava o Homem da Lua. Falava com ele, e pela primeira vez, o homem respondia. O sonho parecia tão real, que Jack podia sentir o homem, mesmo de longe. Ele questionava o fato de existir mais alguém como ele. Mais alguém que pode controlar a neve, os cristais de gelo e o inverno. E o Homem da Lua respondia pacientemente, tentando explicar os motivos. Elsa não era como ele. Ela já nascera assim, ao passo que Jack fora total e completamente criado. Mas tinham algumas semelhanças notáveis, como os cabelos excessivamente loiros e a habilidade de ambos, é claro. Jack ainda não conseguia entender, mas deixou que o Homem da Lua embalasse seus sonhos.

Até acordar.

Acontece que, quando dois corações congelados ocupam o mesmo lugar, mesmo que uma cidade tão grande, algumas coisas podem acontecer. Inclusive o desaparecimento de todas as pessoas.

Quando o garoto dos cabelos perolados acordou, ele sentiu falta das conversas que podiam ser ouvidas pelo saguão da hotelaria. Estava tudo estranhamente quieto. Abriu os olhos devagar e coçou-os, despertando de uma preguiça infinita. Levantou, olhou para os lados à procura do cajado. Espreguiçou-se e então vestiu o moletom, indo verificar o motivo de tanto silêncio. Jack abriu a porta, desceu as escadas e... Nada. Nem o dono da hotelaria, nem os hóspedes bagunceiros. Ninguém. O único som que ouvia era o seu próprio: o som dos pés ao bater na madeira do soelho e podia jurar que ouvia o som de seu próprio coração.

– Olá? - falou, procurando resposta de qualquer um. Nem um som. Jack engoliu seco e resolveu falar um pouco mais alto: - Olá?

Nada.

O coração do garoto começou a acelerar de forma descompassada. Continuou andando, atravessando o pequeno saguão e olhando pelas janelas. Não podia ver muita coisa porque algo bloqueava... Arregalou os olhos e mordeu o lábio inferior, tentando entender o que era aquilo. Parecia... neve. Jack respirou fundo, contando até dez devagar. Ele abriu a porta da hotelaria e acabou se deparando com o inesperado: neve. Neve e mais neve, a cidade inteira cheia dela, como se tudo estivesse soterrado. A neve de fora chegava quase em sua cintura. E não havia se lembrado de ter feito isso, não de propósito. Já havia feito surgir neve enquanto dormia, mas não em tamanha quantidade. Só podia ser trabalho de Elsa, mas... Por que a garota soterraria a própria cidade?

Ele respirou fundo e começou a subir a pequena montanha que havia se acumulado na porta, olhando ao redor. A cidade inteira estava assim, e tudo jazia em um frio intenso, congelante e assustador. As portas das casas estavam bloqueadas, mas não havia nenhuma luz. Como se todo mundo tivesse sumido. Como se as pessoas tivessem se transformado em neve. E, como esperava, não havia ninguém nas ruas.

Nenhuma pessoa. Exceto uma.

– Quem diabos você é, Jack Frost?! - ele ouviu um grito furioso, se virando para se deparar com a rainha, os cabelos loiros esvoaçando e o rosto irado.

Ela o pegou pelos ombros com uma força fora do normal e o atirou no chão, fazendo Jack arfar. Era Elsa, e ela estava mais do que furiosa: parecia imersa em um desespero absurdo, como se tudo o que tivesse feito fora andar por aí na neve, procurando pessoas. Tinha olheiras enormes abaixo dos olhos e o rosto cansado.

E parecia pronta para lhe dar uma surra.

– Por que todo mundo sumiu?! Por que a minha cidade está congelada de novo?! E por que você é a única alma viva aqui comigo?! - berrava.