Pure Imagination escrita por Sweet Death, SaltedCaramel


Capítulo 7
The claustrophobic wants an elevator


Notas iniciais do capítulo

Yey! Here I am!
Como estão??? o/ Eu estou bem. O carnaval chegou e com ele vem uma semana de folga :3 ebaaa haha
Tentarei escrever 3 ou 4 capítulos essa semana, senão semana que vem o próximo nem será postado :/ bora se esforçar legal aqui hehehe
Talvez um cap de Bad Boy saia essa semana :3 talvez...
Não revisado, novamente... acho que nunca reviso um cap haha
Eu não agradeci cap passado, mas vou agradecer pela recomendação de Mr Zero que me deixou suuuuuper feliz!! Muito obrigadaaa!! Mesmo com tão poucos capítulos que eu postei até agora :)
Boa leitura, pessoas o/



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Era ainda maior do que eu imaginava.

A Ordem Negra era enorme! Mesmo de lá debaixo, era enorme.

Demorou para chegar até lá, isso é uma certeza óbvia, já que saímos de táxi do meio da cidade para o isolamento entre montanhas que eu nunca havia percebido por aqui (será que surgiu por causa do mundo imaginário? Eu nunca saí muito de casa para notar esse tipo de coisa).

E, em cima de uma dessas montanhas, erguia-se um prédio assustadoramente enorme e sombrio.

Imagine o Empire State. Imaginou? Adicione mais uns vinte andares e misture-o com um coliseu mal assombrado. Dessa soma de fatores, surge a Ordem Negra.

E era para lá que estávamos indo. A. Pé.

Para aquela montanha gigante.

Porque, pelo que parece, “táxis não tem resistência, tempo ou autorização para entrar nesse espaço”. Palavras do taxista. Ele só estava com preguiça e medo, creio eu. Covarde idiota. Até esqueceu de dar o troco.

Mas tudo bem, acredito que sairia muito mais caro caso fôssemos de táxi. Era longe demais. Ou minhas pernas não aguentavam uma caminhada daquelas, porque eu me sentia terrível.

Nem Lavi pareceu aguentar tão bem (apesar de ter começado a suar e arfar muito tempo depois de eu ter quase desistido de tanto cansaço).

–Merda- ele disse, entre respirações tensas- por que aqueles idiotas tinham que quebrar o elevador?

Eu nem imaginava que a Ordem tivesse elevador...

–Não era um caminho pela água? Um túnel aquático? Que ia com barco...

Ele me olhou confuso e pude perceber que seu rosto tinha pequenos brilhos de suor. Eu tinha esquecido que eu “era da Ordem há tempos” e não uma pessoa que acabou de reviver. Ele devia achar que estou com amnésia, mas pareceu entender como “e o túnel? O que aconteceu com ele?”, porque respondeu:

–Sim, mas er...também está interditado...- ele olhou para os lados para então sussurrar- coisa da Divisão desastrada de Ciências...

Não tinha muita energia para gastar em esforço de entender ou pensar. Só concordei. Senti a nuca molhada de tanto suor. Parecia que tinha mergulhado em um rio fedorento.

Não desço essa montanha até eles consertarem o maldito elevador e o túnel!

Pareceram-me três eternidades no Campo da Punição do Mundo Inferior, mas finalmente avistei a Ordem de modo mais próximo. Estávamos chegando, a não ser que fosse uma miragem de tanto cansaço.

–Graças a deus!- falei, digo, arfei.

Alguns mais passos sofridos para conseguir ver a Ordem a alguns metros de mim.

Senti-me feliz, até perceber que os metros eram cortados por uma subida maldita. Estávamos no fundo de um penhasco e a Ordem, ainda maior vista de baixo, estava bem acima dele. No topo daquela subida íngreme. Reta. Ângulo de 90º. Perpendicular. Escolha a palavra, mas era uma parede de rochas.

Ótimo, eu devia ser muito idiota e ter uma péssima perspectiva por realmente achar que estava próximo. A maldita construção estava a uns 50 metros acima! E só tinha um jeito de subir...

Encarei Lavi com a melhor expressão de “sério?” que podia fazer, o que, nas minhas condições não foi realmente bom. Pareci um zumbi sedento, mas mesmo assim ele pareceu me entender, pois lançou um olhar de concordância sofrida.

Esperava que ele erguesse equipamentos de escalada quando enfiou as mãos no bolso da mala que carregava, mas tudo que tirou foram duas luvas de dedos abertos. Colocou-as em um piscar de olhos, chegou ao pé do penhasco e ergueu um braço.

Flexionou os joelhos fraca e rapidamente, várias vezes, para então simplesmente (SIMPLESMENTE) agarrar os dedos em uma saliência da montanha e começar a subir.

Eu confesso. Fiquei sem reação.

Enquanto ele subiu cinco metros em um estalo de dedos, apenas usando os pés, as mãos e as pedras nada confiáveis, eu fiquei pensando nas minhas pernas bambas tremendo no simples pensar de estar acima do chão.

Estava tão desesperado que me peguei cogitando armar um acampamento ali embaixo e esperar até que algo (elevador ou túnel) estivesse consertado e pronto para uso.

–Hã...-murmurei receoso enquanto Lavi alcançava os sete metros, ziguezagueando entre as pedras marrom escuras- eu...não estou me sentindo tão bem ainda..hm...

Não sei se ele ouviu ou foi apenas uma coincidência, mas ele virou a cabeça, as mãos e os pés ainda agarrados em pontas e gritou para mim.

–Hey, Allen!!! O que está esperando aí embaixo?? Venha logo, logo vai escurecer. Não se sabe que tipo de coisa aparece na floresta.

Tudo bem. Tudo bem. Vai ficar tuuuudo bem. Apesar de ainda estar tremendo e de meu coração pular corda entre os pulmões e de meus olhos lacrimejarem....vai ficar tudo bem.

Só que não.

Não vou mentir. Tenho acrofobia. Medo de altura para leigos.

Sim, sou medroso.

Minha vida inteira foi formulada para ter MEDO de tudo.

Médicos bombardeavam minha mente com terríveis acontecimentos e previsões de desastres que aconteceriam caso eu pisasse fora de casa.

“Tonturas demais. Evite ficar a alturas demais ou vai cair e seu corpo inteiro se remexerá, os ossos virarão cacos”.

“Não fique em lugares fechados! Isso é ruim! Sufocará até a morte em um elevador!”

“Não toque nisso! É sujo! Quer que bactérias te contaminem para fazer seu cérebro derreter?”

Claro que medo de altura era algo que tinha outro motivo por trás.

Longa história. Difícil de contar.

Anyway, eu tinha um grande problema pela minha frente. Eu era medroso, com medo de tudo. Mas Lavi sorriu para mim, me chamando, de um jeito tão tranquilo como se dissesse “Vamos, Allen! Vamos tomar sorvete”, mas na verdade devia ser algo como “Vamos, Allen! Vamos subir esses 50 metros de pedras que podem cair a qualquer momento em um piso em falso e quebrar nosso corpo inteiro! Vai ser divertido!Vamos virar panquecas!”.

Ele deve ter percebido minha hesitação depois de encará-lo sem falar nada por tanto tempo e pareceu não entender.

Ele ergueu o dedo indicador como se tivesse uma ideia brilhante (e eu quase tive um ataque cardíaco, porque com esse movimento uma das mãos dele largou a pedra de apoio, eu realmente achei que ele fosse cair) e tornou a virar-se para mexer na mochila.

“Seja um avião portátil, seja um avião portátil...”, torcia sem a menor noção do ridículo. Mas eu não consegui ver o que ele pegou, até ele jogar (e eu novamente quase morri do coração quando ele balançou o braço com força para jogar em mim, vendo as pedras em que ele segurava balançarem) a tal coisa na minha pessoa.

Era um surpreendente. Bonita. Poderosa. Esperada. Útil. Tranquilizadoraaaaaa....

Luva.

Igualzinha a dele. Um par de luvas pretas de dedos expostos.

Encarei o pedaço de pano com relutância.

De jeito nenhum que eu escalaria 50 metros mortais de pedras traiçoeiras com uma luva (rasgada no meio, aliás, ele me deu uma luva RASGADA).

Até balancei-a, nas minhas últimas súplicas de milagres, verificando se realmente não havia nenhum truque escondido, como ventosas ou ganchos, que realmente fossem ÚTEIS em uma escalada.

Nada. Só pano 100% poliéster.

Ótimo. Nem pensar que subiria aquele penhasco.

Ia reclamar com Lavi quando levantei a cabeça em sua direção, mas, como se realmente tivesse resolvido os problemas dando aquelas luvas para mim, já estava longe do alcance da minha voz treinada apenas para conversas a curta distância e de poucas palavras.

Uau. Ele realmente subia rápido.

Queria ser a Lenalee e simplesmente pular esse penhasco usando uma innocence. Mas, como sou Allen Walker, pensei que seria melhor ficar lá embaixo mesmo ao invés de escalar aquilo. Não estava preparado ainda para encarar minha acrofobia desse jeito.

Por outro lado, estava em um beco sem saída. O sol já se escondia atrás das montanhas ao fundo trazendo a escuridão (quanto tempo nós levamos para subir toda a montanha?!) e, com Lavi se afastando na subida, parecia que todos estavam me abandonando sozinho naquela floresta negra e que se tornava cada vez mais sombria a cada segunda a mais que eu encarava. Ouvi grilos. Mas cada vez que eu olhava, sentia que mais grilos juntavam-se à orquestra do mal e traziam as mais sinistras sensações quando outras coisas faziam barulho junto. E, talvez não por coincidência, eu tenho Escotofobia. É, tenho medo do escuro.

Sem saída, sendo observado por animais selvagens (imaginava, pelo menos, aquela floresta era sinistra e assustadora demais para se ter uma certeza) e solitário, decidi seguir o único amigo.

Com a luva de poliéster pronta, segurei uma pedra mais saliente e apoiei meu pé em outra. Respirei fundo pelo menos sete vezes, mas comecei a subir escorregando e tendo mini ataques cardíacos de segundo em segundo.

Não pensei em nada que não fosse “Não olhe para baixo, não olhe para baixo, não olhe para baixo...”.

–X-

Eu juro que, como o claustrofóbico que sou, nunca quis um elevador tanto quanto agora.

Lavi parecia um pouco entediado quando cheguei lá em cima. Encostava-se a uma pedra grande, lendo uma revista velha que (acho) tirou da mochila. Ele abaixou a capa com uma foto do Justin Timberlake.

–Demorou.

Se eu tivesse forças (físicas e mentais) eu responderia perfeitamente.

–Hm..arf...grilo...pedr...arf...

Eu estava despedaçado. Escorreguei várias vezes nos musgos de pedras. Pisei em falso. Uma hora olhei para baixo e quase desmaiei. Uma pedra apoio do meu pé direito tinha soltado e rumou para a queda.

Imaginei meu corpo espatifado no meio dos grilos.

Quem foi mesmo que disse que devemos enfrentar nossos medos para superá-los?

Vou esmagar o rosto dessa pessoa com um soco 100% poliéster para ela ver como eu superei tão bem o meu medo.

Essa foi a meia hora mais desesperadora da minha vida. E olha que eu morri uma vez.

Tentei disfarçar o fato de quase morrer de cansaço. Senti Lavi tocar o meu ombro, sorrindo, como se eu não tivesse acabado de escalar rochas à noite.

–Vamos, Allen.

Apenas acenei com a cabeça, afinal, já estava em farrapos, andar mais alguns metros até a Ordem não faria tanta diferença assim.

E lá estava ela.

Se você acha que castelos mal assombrados são assustadores, você não viu a Ordem Negra.

E, se eu achava que ela era enorme quando vi lá debaixo, aqui a frente da construção ela era GIGANTEMENTE ENORME.

Engoli em seco e segui Lavi, ainda cambaleando nas pernas fracas e tremedeiras do medo que teimava em não dissipar.

Quanto mais perto eu chegava, mais me sentia ameaçado pela altura. Sentia-me esmagado pela pressão que o simples olhar me fazia sentir com tanta intensidade.

Os muros subiam até alcançar as nuvens, rodeados de aves perdidas e curiosas cinzas, eram pedras escuras e desgastadas pelo tempo. Janelas (creio que eram) de arcos finos e alongados para o alto cobriam 5 metros de altura cada uma e poucos de largura, mas repetiam-se por vários andares. Algumas janelas brilhavam amarelas ou brancas, de luzes acesas, mas isso não deixava o modo como aquilo parecia sinistro a noite. A construção inteira parecia um cilindro repletos de arcos nos lados, erguendo-se até o céu. Não tenho certeza se o escuro me pregava peças, mas avistei lanças pontiagudas ao fim do prédio, lá no alto.

A única coisa que me fascinava era o modo como as estrelas pareciam tão mais numerosas vistas dali, longe da cidade. Passávamos por postes com focos fracos de luzes amarelas, apenas o necessário para enxergar alguns metros adiante e não pisar em um buraco. E eu me contentava em me acalmar dos nervos observando as estrelas cintilarem como se quisessem oferecer iluminação útil ao invés dos postes que nada iluminavam.

Mas os astros me confortaram por pouco tempo. Quando Lavi parou a minha frente, não pude evitar de desviar o olhar para ele. E foi quando vi o rosto gigante.

–Hyaaah!- gritei e, sem querer, o ruivo assustou-se.

–O que foi?

Ele me perguntou tão tranquilamente que tentei parecer normal.

–N-Nada, só...estava escuro e eu estava distraído, então...

Parecia uma grande máscara africana simples e gigante embutida a uma porta gigante de metal. Era enorme, pelo menos três vezes minha altura. Parecia inanimada, o rosto só me assustou pelo jeito de ser e pelas luzes de postes que iluminavam-no de baixo para cima, dando uma sinistra expressão maldosa.

–Hey, Senti- Lavi disse para alguém.

Pensei que falava comigo, mas seu olhar...se encontrava com a máscara.

Foi quando ela se mexeu. Fiz o máximo para ficar parado e não gritar, mas estava suando frio.

Os olhos abriram se revirando. Deviam ter o meu tamanho, porque aquele rosto devia ter uns 6 metros, na verdade.

Não havia nada na Ordem que fosse pequeno????

Eram mais ovais que redondos e apenas uma minúscula pupila negra estava no centro. Pareciam ser de madeira, mas eram brancos.

–Exorcista, Lavi Bookman.- disse, uma voz grossa de se tremer.

–Fala, Senti- ele respondeu.

–Não me chame de Senti.

–Ué, Senti, Sentinela, né?

–Mereço...é isso que acontece comigo quando quebram a passagem aquática normal...

Ah, ele devia ser o porteiro...

Os olhos voltaram-se para mim e o rosto inclinou-se (pensei que puxaria a porta de metal abaixo, mas a máscara se esticou, apenas). O nariz enorme e curvado quase me tocando. Estava me lendo.

–Exorcista, Allen Walker. Entrada permitida. Komui os espera. Sejam bem vindos de volta.

Lavi agradeceu e eu me aliviei quando o rosto partiu-se ao meio para que a porta enorme abrisse em rangidos. Lá dentro era bem mais confortante e luminoso.

Pessoas de uniformes corriam de um lado para outro no salão alto que estava na entrada, cheio de colunas e guardas. Diferente do lado de fora, cinza e negro, por dentro era aconchegantemente marrom, branco, amarelo... E claro. Ali, as tochas e luzes acesas eram mais fortes.

Maravilhado por ser chamado de Exorcista e pela imensidão e emoção do espaço, só notei aquele detalhe um pouco depois, quando Lavi abraçou-me o ombro de surpresa.

–Bem-vindo de volta, A-lle-n~-disse.

Ouvi um barulho de mini explosão e segui-o, encontrei o causador mais à frente. Um quatro-olhos esquisito segurando um confete.

E quase desabei em emoção quando Komui, Lenalee e mais dezenas de pessoas juntavam-se para segurar um cartaz de letras divertidas:

“Bem-vindo de volta, Allen!”

E todos sorriam tanto que nem pude segurar meus lábios de se curvarem em felicidade plena.

Komui contou devagar e alto “1...2...3”

E todos responderam em um animado: “Bem-vindo de volta!”

Fiquei tão atônito que Lavi teve que socar meu ombro para que voltasse a respirar.

Eu era bem vindo.

Uma multidão de pessoas acompanhando a minha volta.

Enfiei-me na multidão de felicidade, sorrindo ainda mais para Komui e partimos para comermos em comemoração. Arrastaram-me, ainda confuso, para o refeitório, onde mesas e mesas transbordando pratos deliciosos esperavam por nós.

Eu ri.

Esbanjei-me nos pratos infinitos criados pelo chefe de cozinha. Que merecia mais do que elogios, para deixar claro. Tudo era uma delícia.

Comi tudo que podia e sorri bastante.

Até cansar-me de comemorar.

Nunca achei que fosse cansar de algo assim.

Porque eu nunca comemorava.

Era minha volta para um “lar”.

–X-

A comemoração não demorou muito, ou melhor, para mim passou-se tão rápido que me surpreendi quando as pessoas batiam nas minhas costas, ainda me cumprimentando e depois saíam pelas portas do refeitório para subir e descansar nos quartos.

Logo, apenas Komui e eu sobrávamos e eu pendia para os lados de tanto sono. Bocejei.

–Sono?-ele perguntou, enrolando a placa- vou te mostrar o quarto daqui a pouco, só espere até que eu arrume essa placa.

–Obrigado, Komui.

Ele pareceu surpreso, voltou os olhos arregalados para mim, mas logo voltou a arrumar.

–De nada, Allen- respondeu, aveludado- Eu estou feliz por você. Você está feliz?

–Sim! Nunca estive tão bem acompanhado na minha vida inteira!

Ele sorriu.

–Espero que sim. Mas temos que nos apressar. Você deve estar cansado da subida, não é nada bom ficar sem dormir, ainda mais caso tenha uma emergência. Estamos na Ordem, afinal. Vamos, vou mostrar seu quarto.

Deixando o rolo gigante em uma mesa, ele indicou a porta ao fundo do refeitório. Apenas o segui, temia me perder em tantos andares e lugares da torre. Pendia de sono e cansaço e não conhecia nada daquele lugar.

Subimos escadas, torci para que consertassem os malditos elevadores ou minhas pernas nunca mais seriam as mesmas. Seriam gelatinas de carne. Eca.

–É um lugar grande...- disse, só para que o silêncio não consumisse a alegria.

–Com certeza. Pode parecer assustador de noite, mas de dia...você sente o clima melhor.

–Acredito que sim.

Ficamos em silêncio por um tempo, mas Komui parecia querer falar algo.

–Allen- disse, enfim- as coisas vão se esclarecendo pouco a pouco, acho- ele falou como se soubesse de minhas dúvidas amontoadas- Tem coisas que nem eu sei. Por exemplo- ele parou na minha frente e virou-se para olhar-me nos olhos, aquele gesto brusco me fez parar de andar e ficar concentrado- esse é o mundo real modificado ou outro universo diferente?

Eu nem tinha pensado naquela pergunta. Me assustei. Mais do que eu queria.

Eu odiava não ter respostas para nenhuma das milhões de perguntas que borbulhavam na minha cabeça, querendo fritá-la. Eu queria descobrir todas elas. Agora ele me pedia para esperar? Queria poder acelerar o tempo, mas, além de perder várias coisas, Komui tinha um olhar sério e confiável.

Penso que ele talvez tenha, também, ficado rebatendo teorias por noites até chegar a essa resposta tão vaga.

Mas era a única resposta.

O que eu podia fazer senão confiar? Eu não tinha melhores ideias e estava morrendo de sono.

Acenei afirmativamente e ele sorriu de volta. Não o sorriso manhoso de Komui Lee, mas o sorriso confortante/sério do Dr.Lee. Aquilo me prendia ao mundo que vivia antes, porque, por mais que odeie, é impossível sentir uma pontada nostálgica.

Ele indicou uma próxima (e pelo que disse, última) escada.

Quando ia subir o primeiro degrau, um barulho me chamou a atenção. Um grito onomatopeico demais e o choque de ferro em ferro. Nem perguntei e nem olhei para Komui.

Segui o barulho.

Foi como se uma força estivesse me puxando para aquilo, mas só estava seguindo os sons. Passei por várias portas de quartos e lugares do andar. Foi quando terminei uma curva que encontrei o que procurava.

Um amplo salão, forrado de tapetes, tatames, tecidos diferentes, bonecos surrados pendurados em pé em cabos, para alguns faltavam braços, pernas, cabeça, outros estavam apenas amassados e quebrados. Tinha instrumentos de treino que eu não conhecia, alguns cheios de braços, outros de canos... Era uma variedade tremenda que meus olhos inexperientes e sonolentos não conseguiam captar. Pilares sustentavam a maestria do lugar.

Era a sala de treinamento.

E, em um espaço cujo piso era coberto de tatames verdes, acontecia uma luta. Injusta ou muito desnivelada.

As duas figuras colidiam com instrumentos de ferro desgastado. Espadas, com certeza. Demorei certo momento para definir identidades.

Kanda e Lavi. Chocando-se em velocidade e habilidade com as espadas próprias. Suados, cansados, mas ainda investindo, gritando e agindo.

Uma luta que parecia tão longe de mim.

Mas era uma luta perdida.

Kanda era forte demais. Isso ficava evidente.

Lavi atacava por baixo, em um arco feito pela lâmina brandida no ar. Kanda desviava, raspando as espadas e simplesmente pulando o corpo.

Lavi revidava, Kanda atacava com sucesso.

Lavi defendia. Kanda desvencilhava-se da lâmina alheia e investia.

Era claro. E ficou ainda mais transparente quando Lavi caiu ofegante e com uma marca avermelhada na pele da barriga desnuda. O moreno havia acertado com força um soco no abdômen do ruivo.

–Yuu, você continua forte demais!- reclamou, entre ofegos.

–Tsc. Não me chame pelo nome quando você não consegue vencer, nem o seu arco com a espada está certo. Você segura errado e ataca na hora errada. Tsc. Idiota.

Lavi reclamou mais uma vez e parecia que o moreno estava prestes a deixar o espírito esportivo de lado para poder calá-lo para sempre.

E eu?... Eu estava maravilhado. O modo como Kanda se movia de uma leveza mortal, o profissionalismo, o conhecimento treinado, como usava o cabo e não a lâmina para treinar, a postura e o jeito como toda essa espetacularidade não parecia lhe importar, tudo isso me maravilhava de uma forma interessante.

E agora ele estava lá, afundando o pé no rosto ruivo deitado no tatame. E até isso me maravilhava.

Levou um tempo até que eu lembrasse que precisamos piscar para não estragar os olhos.

Kanda embainhava a espada katana de volta, enquanto Lavi tacava a sua em um canto cheio de outras. Foi quando ele me notou parado ao lado.

–Allen! Achei que tinha ido dormir, ou que ainda estivesse comendo.

–Eu achei que VOCÊS tinham ido dormir...

–É, as vezes o sono demorar a vir- respondeu, limpando suor da testa e ajeitando a bandana- e, como exorcistas, às vezes isso só resolve na base da porrada.

–Ah, claro- respondi, tentando parecer compreensivo- sempre.

–O que achou, Allen?- perguntou, obviamente sobre seu fracass...sua luta.

–Hm...er... boa, muito boa. K-Kanda luta muito bem...er... Kanda v-você luta...muito...bem. Er... eu não vi...muito da luta...mas...

Era nessas horas que eu amaldiçoo o meu jeito anti-social. Que tipo de coisa se fala para a pessoa que supostamente é seu rival, mas também é seu herói? “Bom trabalho”? “Dá um autógrafo?”? “Você é solteiro?”? Não, espera, quê? Esse último é para garotas... argh, tudo tão confuso sobre conversas com pessoas.

O japonês parecia no mínimo surpreso demais, porque arqueou tanto uma das sobrancelhas que até pensei em voltar no tempo só para xingá-lo ao invés de elogiar.

–Hm...valeu, moyashi- ele pareceu um pouco incerto, eu tive que engolir em seco para espantar o medo.

–S-sim!

–Aah, e eu Allen? E eu?- Lavi perguntou, escandalosamente.

Sobre a performance dele, eu mal tinha o que falar. Era só apontar o olho roxo e a espada desgastada.

–Você levou uma surra, não tem nada para ser elogiado, Baka Usagi- Kanda resmungou.

–Yuu, você é forte demais! Minha arma não é uma espada, é um martelo! Como você quer que eu lute com uma espada?

–Tsc. Desculpa de quem não sabe lutar direito. Admita que é ruim.

Lavi resmungou e percebi um muxoxo enquanto o ruivo jogava-se de volta no tatame. Mas eu? Eu não conseguia parar de encará-los.

A parte que mais me fascinava das histórias era a luta. Todas elas. São elas que com o choque das armas, movimento dos corpos, gritos incentivantes, me faziam encher de excitação. Era algo que eu queria ser capaz.

Mas, agora, vendo uma luta (por mais minúscula e simples que ela foi), eu me deixei agraciar pelo todo que ela apresentava.

Me emocionava. Eu queria experimentar a emoção de tudo aquilo.

Mesmo sabendo que não sairia do jeito como imaginava.

–Kanda, eu quero lutar.

Os dois pararam a pequena discussão. Os dois ergueram as sobrancelhas para o ser albino que de repente externava uma vontade sem sentido. É, era eu.

–Er...Allen?- Lavi disse, calmamente, enquanto levantava-se- você acabou de sair do hospital.

–Quero testar- respondi- quero ver se não hm... enferrujei.

Não pareceram tão impressionados com a minha desculpa esfarrapada. Podia ser por causa do cansaço ou pelo horário, mas mesmo assim, Kanda deu um passo para o lado, como se me desse passagem para a morte certa. Talvez estivesse dando, afinal eu tinha uma única total certeza: não poderia, nunca, ser páreo para ele.

Não do jeito que sou agora.

Mesmo assim queria tentar. Desde que o vi lutar com Lavi, eu queria sentir aqueles seus golpes ao vivo. Parece totalmente masoquista, mas eu juro que não era insano. Talvez morrendo de sono, mas não louco.

Acho, pelo menos... não posso supor nada direito nesse mundo.

Kanda não parecia tão impressionado quanto antes. Assim que virou-se para ficar frente a frente comigo, senti o peso do seu olhar fervorosamente agressivo sobre mim. Parecia que vivíamos (eu e Kanda) fazendo esse tipo de coisa, porque pude ouvir Lavi levantar suspirando e resmungando:

–E lá vamos nós de novo...

Kanda ia desembainhar a espada, mas não poderia permitir isso a não ser que quisesse morrer.

–Ah, nada disso. Usamos os cabos de madeira. Nada de armas de verdade.

Ele arqueou as sobrancelhas.

–Fresco...- disse, mas mesmo assim largou a espada, colocando-a fora do tatame e jogou-me um cabo, pegando um para si também.

No momento m que senti o cabo em mãos,o frio da madeira e a grandeza do tal, percebi que não teria chances. Eu achava que seria no mínimo fácil usar um cabo, quer dizer, eu já vi cenas de filmes, mas quando se sente nas mãos é diferente de pensar no uso daquilo.

Não tinha tempo para ter medo. Já tinha proposto. Algo me dizia que se aquilo costumava acontecer com tanta frequência e eu ainda estava aqui, vivo, significava que pelo menos uma chance de viver eu tenho.

E em que ponto de desespero chegamos para que eu fique contando chances de viver...

Iria confiar nas habilidades que o meu suposto eu deveria ter. Só isso.

...E na piedade de Kanda...

Kanda girou rapidamente o cabo em mãos. Perdi-me na facilidade que ele manuseava de mão em mão e na expressão nada amigável que ele lançava. Parecia um pouco entediado, mas bem disposto a me matar.

Por que eu fui propor isso mesmo?...

Ele não pareceu nem um pouco disposto a assumir uma posição de preparo. E eu não sabia direito o que era uma posição de preparo, então limitei-me a segurar o cabo e encará-lo com o que eu chamaria de olhar intimidador (apesar de , pela expressão dele e de Lavi, ter certeza de que mais parecia um olhar de medo).

–Vou começar, moyashi, pelo menos defenda uma vez. Não quero que Komui fique putinho de novo porque brigamos e blá-blá-blá. Usagi, você viu. Ele que pediu para levar uma surra.

Lavi confirmou rapidamente com a cabeça, mas completou:

–Pegue leve, Yuu. Ele acabou de voltar do hospital.

–Tsc- ele rodou o cabo- fique quieto.

Sem nem esperar que eu tirasse os olhos do movimento circular que ele fez com o cabo, ele atacou primeiro.

Foi quase um reflexo. Eu vi o vulto perigosamente negro movendo-se em minha direção, arquejei e desviei para o lado. Qual lado eu não sei. Só estava movendo o corpo desesperadamente. Parece algo impressionante, mas na verdade eu tropecei no meu próprio pé e escapei aos tropeços. Mas escapei. Foi um progresso.

Quando havia me recuperado, finalmente. Kanda, que havia seguido para frente quando desviei, pisou rapidamente para trás, já instigando sua arma a me bater. Levei direto nas costas e caí deitado de rosto no chão.

Rolei, ele acertou o lugar onde (um milésimo de segundo antes) estaria a minha cabeça. Levantei com dificuldade e ele já estava seguindo para cima de mim.

Ele atacava e eu desviava como um mongol.

Eu já tinha esquecido o cabo parado na minha mão (concentrando-me mais em salvar o corpo), só apertava os dedos em volta dele durante o pânico, mas por um momento lembrei-me confiantemente de sua existência e ergui-o, para desviar o objeto dele que vinha na direção de meu rosto. Tudo que consegui foi brecá-lo. O olhar que ele me lançava era, no mínimo, mortalmente sardônico.

Recuei na hora. Grande problema.

Ele tirou a brecha para empurrar-me para o chão, com a ponta do cabo batendo em meu peito. Meu corpo bateu em um baque surdo no tatame macio, mas mesmo assim doeu, tanto que gemi em desagrado. Tinha batido como uma panqueca. Não tive tempo para calcular a pequena dor, ele me imobilizou com uma velocidade tão impressionante que pensei que tinha sido capturado por uma rede. Mas eram apenas seus braços e pernas.

Cotovelo empurrando minha garganta e suas pernas entrelaçadas tão bem na minha. Dava para ver quem estava no comando naquele emaranhado de corpos, porque sentia meu rosto esquentar, vermelho pela dor, pelo susto, cansaço e pela proximidade que não costumava sentir com ninguém. Da posição em que estava (preso), conseguia sentir a respiração cansada e pausada, os respingos de suor que caíam de seu rosto e seu cabelo (poxa, um cabelão daquele deve dar um calor ruim demais) e conseguia ver, apesar de contorcer o meu rosto de vez em quando por causa do desconforto, o olhar frio dele sobre mim, querendo despedaçar-me.

Poderia me sentir extremamente indignado ou humilhado. Seria o normal.

Mas naquele momento tudo que senti foi a mais pura e intensa admiração pelo ser que agora queria me dar uma surra.

Chame-me de louco. Mas vocês não viram o senhor Kanda lutando ao vivo.

Além disso, sou louco mesmo. Admito.

–Só não te mato dessa vez- ele disse, a voz ainda ameaçadora batendo no meu rosto- porque não estou afim de ficar ouvindo lamentos idiotas do Komui e da Lenalee. Sinta-se agradecido, perdedor.

Senti um alívio imenso no corpo quando ele apressou-se em sair de cima. Não liguei para o apelido.

Guardando o cabo e saindo da sala com um Lavi reclamão, deixou-me sozinho deitado e arfando intensamente no tatame, na mesma posição espatifada que estava quando me libertou.

Fiquei no silêncio da sala de treinamento. Em qualquer outra situação, aquele lugar repleto de armas e alvos de diversas formas, me deixaria completamente medroso. Mas minha cabeça estava cheia demais para ter medo.

Antes de pensar em onde deixei Komui quando corri para longe dele, peguei-me pensando em Yuu Kanda.

Meu inimigo, rival e um herói em vida real.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Odiaram? Reviews??? :)
Para quem não percebeu, o Allen admira o Kanda porque ele é a personificação do personagem/herói das histórias que ele tanto queria ser :3 aiaiai
Como eu não terminei totalmente de escrever o próximo capítulo, o preview pode não ser tão igual ao próximo capítulo ok?:
"Supreendentemente, ele não pareceu se importar. Rudemente indicou o lugar a frente dele na mesa(fazendo uma expressão totalmente irônica e irritada) e eu me apressei para sentar.
As pessoas pararam de olhar, mas eu sabia que elas estavam prestando atenção."
É, é isso aí :) obrigada por lerem!!! >3