Pure Imagination escrita por Sweet Death, SaltedCaramel


Capítulo 2
Heroes don't exist and my friends don't either II


Notas iniciais do capítulo

Yey!! E aí pessoas? Tudo bem? Primeiramente agradecendo as pessoas que comentaram e que estão acompanhando :3 Amo vocês >3< demais!!Ia postar de domingo em domingo, mas decidi postar esse mais cedo porque os prazos vão apertar a partir da semana que vem...¬¬'... provavelmente domingo em domingo sai um capítulo, porque eu escrevo ainda a fic Bad Boy e tudo fica mais difícil hahaha.
Hm...não sei o que falar... então boa leitura! o/



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O ônibus balançava quando as rodas batiam nos buracos de várias profundidades da rua. É, ela era bem esburacada. Não importava a direção, tinha sempre um desnível desgraçado para aturar.

Com meu fone a postos no meu ouvido, coloquei uma música agressiva e aumentei o volume o quanto podia sem que meus tímpanos derretessem. Andar de ônibus me deixava muito enjoado, mas ainda era permitido (com certa relutância) pelos médicos.

Eles sabem que não vou durar muito, então... pra que ficar me proibindo coisas desse tipo, certo?

Meu pai trabalha bastante. Não tem tempo para me buscar nesse horário, afinal, consultas, exames, cirurgias... não éramos uma família muito rica e isso estava nos deixando no vermelho o tempo todo. Olha, não o entenda mal, meu pai conversou várias vezes com o chefe dele, mas o Sr. Baleia (eu não sei o nome dele, na verdade, porque o tamanho da barriga dele me chamou muito mais a atenção do que o que ele falava quando nos apresentamos) é muito rígido e não liga para ninguém que não esteja oferecendo dinheiro.

Então, cá estava eu. Havia corrido de Paul Anderson e seus amigos na saída da escola e agora estava a caminho de casa. O ônibus lotado chacoalhando e fazendo meu estômago dar cambalhotas.

Eu não costumava pegar essa rota justamente por causa dessa rua esburacada. Seria capaz de me deixar em tal estado que eu vomitaria sangue. Eu não duvidava disso. Já havia acontecido algumas vezes. Quer dizer, não de enjoar em ônibus, mas quando minha doença e suas dores estavam em seu auge.

O problema foi que Paul estava insistente demais, eu tive que correr e me esconder várias vezes e acabei tendo que desviar de meu caminho normal porque os garotos gigantes e feios que eram seus capangas me esperavam no ponto de ônibus em que eu sempre esperava, prontos para fazer suas maldades.

Eu quase tive um ataque de tanto correr. Meu peito apertou e minha visão embaçou quando não conseguia inspirar ou expirar o ar. E minhas pernas ossudas não aguentavam correr muito, então... aqui estou eu. Tendo que observar as axilas escuras e fétidas de um homem que se debruçava acima de mim para segurar uma barra do ônibus.

O veículo parou em um ponto para deixar mais passageiros entrarem. Eu agradeci sinceramente por ter parado. Meus órgãos internos remexidos estavam acalmando e o meu almoço estava voltando para o estômago, devagarzinho.

Uma idosa passou tropeçando e tremendo por entre as pessoas. No amontoado de gente, ela mal conseguia andar direito. Observei-a trombar e ser jogada de um lado para outro pelo mar de passageiros que atravessava.

Tirei meu fone e me levantei, agarrando-me como pude na barra acima de minha cabeça. Acenei afirmativamente para ela enquanto lhe cedia o lugar confortável em que estava.

Era mais importante para mim que ela estivesse bem no ônibus do que eu mesmo.

Ela sorriu. Os olhos pequenos e estreitos, cobertos de rugas nas bordas e a boca tão enrugada quanto. Só pude sorrir de volta.

Antes que ela conseguisse chegar ao banco, um homem o ocupou. Observei-o incrédulo e sem reação, enquanto minha boa ação ruía diante dos meus olhos.

O folgado, tinha certeza, devia ter notado para quem eu havia cedido. Mesmo assim, com sua barba mal feita, olhos horrivelmente enrugados e pança sobressalente, me olhou tedioso enquanto ajeitava-se no banco.

A mulher enrugou a testa.

Eu tinha que fazer alguma coisa.

–Com licença- disse no jeito mais educado que consegui- você poderia deixar a senhora sentar? Ela realmente precisa porque...

–Não. O lugar é meu se ela queria devia ter pego primeiro- me cortou, a voz era tão áspera e feia quanto imaginei.

–Hmm... Na verdade é meu, eu o cedi para ela. Ela realmente...

–Quem mandou sair?- me cortou novamente. Olhe,eu realmente não suporto esse tipo de pessoa- sobrevivência dos mais fortes, moleque. Esse banco não tem seu nome escrito nele. Você que saiu e eu que sentei nele.

O tom dele era extremamente irritante. A voz um pouco fanha e grossa. Dava para sentir o desprezo e ignorância que ele transbordava pelos poros abertos que ele tinha no rosto (e, pelo tamanho que aquelas coisas no rosto dele tinham, ele poderia inundar o ônibus com essas coisas ruins). Era um vagabundo nato. De carteirinha, aposto.

Apertei o punho.

Ia rebater, mas a idosa apertou meu ombro com suas mãos pequenas e fracas. Eu me virei e ela acenou negativamente com a cabeça.

“Não vale a pena”, era o que ela queria me dizer.

Realmente, havia coisas nesse mundo que estavam totalmente perdidas. Observei o homem com valores perdidos à minha frente, cutucando o fundo do nariz com seus dedos enormes.

Minhas pernas ainda tremiam e falhavam. Meu corpo parecia estar prestes a ter mais um ataque por causa do esforço que fiz momentos antes quando fugia dos colegas de escola.

Não havia nada que podia fazer. Me senti idiota...

Eu me senti extremamente tentado a usar minha técnica secreta. Algo que apenas pessoas como eu, extremamente irônicas e perdidas na vida, podem usar. Não me leve a mal. Minha personalidade é meio distorcida. Quando as coisas apertam desse jeito, posso fingir ter um ataque (o que não é muito difícil, na verdade). Talvez o homem não ligue para o garoto que tem uma sentença de morte nas costas, mas o ônibus inteiro o olharia mal, obrigando-o a ceder o lugar para a pobre idosa e o necessitado garoto doente.

Mas eu tinha um problema. Eu estava mal demais para fingir estar mal.

Eu era fraco e desabaria no segundo em que investisse contra ele. Mal conseguia encontrar palavras. Meu peito doía demais.

Coloquei a mão do lado esquerdo. Meu coração batia freneticamente e todo o meu corpo falhava em suas funções.

Mais um pouco de esforço em qualquer parte de meu corpo e eu não conseguiria mais ficar de pé.

Apertei meus punhos em desagrado, observando o homem comer algo que ele tirou do próprio nariz. Nojento.

Nunca. Nunca mais vou pegar o ônibus dessa rota. Nunca. Lembre-me disso, por favor. Mais chacoalhadas dessas e eu vomito os meus órgãos fora.

E, se for para vomitar, que seja em cima dele.

A visão do homem mastigando o que quer que tenha saído de suas narinas peludas também não ajudava a controlar o enjoo...

Por isso, me concentrei nas coisas que sempre penso quando estou por aí. Principalmente em público. Fico imaginando que tipos de coisas diferentes poderiam acontecer se eu fosse tão importante quanto sou na minha imaginação. Eu imagino o tipo de situação eu me meteria caso eu fosse, por exemplo, um exorcista importante.

Quem sabe de repente recebesse uma chamada importante? O meu golem (instrumento de comunicação da Ordem Negra) daria um sinal e (por que não?) uma tela holográfica poderia aparecer, colorida e cheia de letras flutuantes e futurísticas, chamando-me para algo importante. Eu pediria para parar o ônibus com urgência mostrando meu emblema de exorcista e o motorista frearia o mais rápido que pudesse para atender-me. Todos os passageiros ficariam impressionados e confusos enquanto eu saía para mais uma rotina esquentada de salvar o mundo.

Seria tão legal.

Ou então, eu pudesse aplicar um golpe ágil e forte no homem quando ele se recusasse a ceder o lugar. Apenas para assustá-lo. O emblema de exorcista brilhando no meu peito enquanto seus olhos tremeriam de medo da minha pessoa.

Eu seria tão descolado. Frio, calculista e forte.

Ou então o ônibus poderia parar no próximo ponto, e um de meus amigos e companheiros de luta poderia aparecer machucado e desesperado pedindo por ajuda. Eu sairia imediatamente do ônibus para acabar com algumas criaturas que perturbavam as pessoas e salvaria meu companheiro da morte certa.

Ou um akuma poderia descer dos céus e pousar no teto do ônibus, fazendo barulho no metal. Com o teto amassado, as pessoas se abaixariam em pânico e confusão, mas eu saberia o que fazer. Falaria para manterem a calma e permanecerem abaixadas. Eu acabaria com a criatura. Usaria minha arma na frente de todos para cortá-lo daqui de baixo, enfiando meu braço poderoso pelo metal e o atingindo em cheio. Ele explodiria e acabaria com a ameaça.

Salvaria o dia e as pessoas estariam perplexas diante das minhas habilidades. Era o que eu mais queria. Ser diferente, de um modo legal.

Mas, como não posso fazer nada disso, coloquei meus fones de volta e encostei-me a uma barra de ferro, fazendo de tudo para que não caísse com minhas pernas falhas e fosse pisoteado pelos outros passageiros.

OoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOo

–Cheguei!- cantarolei alto quando abri a porta de casa.

Não recebi nenhuma resposta. Deduzi que ou ele não deveria ter me ouvido ou fui eu que não o ouvi respondendo.

Fechei a porta fazendo o mínimo de barulho, temendo que ele estivesse dormindo e eu acabasse por acordá-lo.

–Hm... desculpe pelo atraso..hm... eu... tive que pegar outro ônibus porque...hm... eu perdi o outro, cheguei atrasado...

Coloquei as chaves na bancada e tirei meu casaco, tomando cuidado para não derrubar o Ipod nos bolsos (o meu item precioso).

–Era bem esburacada a rua. Eu passei muito mal. Ainda tô mal. Será que você pode me dar o medicamento. Eu acho que vou vomitar...

Larguei a mochila e o casaco no sofá negro. Já estava irritando a sensação de falar com o nada. Talvez ele realmente estivesse dormindo.

–Hm... então eu acho melhor eu subir e dormir... pra ver se passa...

Virei de costas indo em direção a escada. Mas foi só dar meus primeiros dois passos que...

–Allen? Filho, você chegou?

–É, eu acabei...de chegar...

Tinha algo cheirando estranho. Tipo, literalmente, não figuradamente. Mana surgiu de cima das escadas com um livro nas mãos.

–Espero que não se importe, eu peguei esse livro daquela sua prateleira enorme. É muito interessante.

Foi aí que me toquei.

–Pai?

–Hm?- ele respondeu com os olhos ainda no livro, estava usando seus óculos.

–Você tava cozinhando alguma coisa?

–Ah- ele bateu a mão na testa e riu despreocupadamente- é verdade. Tentando fazer um bolo que eu vi na TV hoje. Tem os ingredientes perfeitos! Só tive que tirar alguns para não te prejudicar, mas estou certo de que ficaria bom. Eu tinha me esquecido, obrigado por lembrar filho.

Ele passou por mim e esfregou os dedos no meu cabelo, como se não tivesse nada para se preocupar. Fiquei parado observando-o se mexer, pensei que fosse para a cozinha consertar o estrago, mas apenas sentou-se no sofá e continuou a ler.

–Pai!! Tá queimando!

–Oh!- ele fungou para sentir o cheiro, demorou um pouco para tirar e encaixar os óculos na gola da camisa social- tem razão. Tá mesmo, né? Me diga, Allen, esse personagem do livro vai descobrir o segredo no final ou ele vai ter que fugir para sempre?

Olhei repreensivo para a calma dele e ignorei a pergunta. Corri direto para a cozinha (que não ficava muito longe, afinal, era um apartamento bem pequeno), apertei e girei todos os botões do fogão até achar o certo. Peguei um pano e abri, relutante, o forno. Saiu muita fumaça e o cheiro de queimado incomodou meu nariz e pulmão malfeito, tentei espantar tudo com o pano e com ele tirei a fôrma com um carvão retangular que eu acho que meu pai esperava ser um bolo.

–Você acha que dá pra comer?- ele perguntou, assim que chegou na cozinha. Piscava os olhos várias vezes como se não pudesse raciocinar uma teoria do porquê de ter uma cortina de fumaça tampando sua visão.

Lancei meu pior olhar para ele, que entendeu apenas quando viu o resultado da receita em cima da mesa.

–Acho que não, né?

Olhei novamente bravo para ele, tossindo bastante. Mas logo caí na risada.

Meu pai era demais.

Ele espantou um pouco da fumaça com o livro e me deu um abraço apertado. Era algo que ele sempre fazia. Os braços e o corpo dele eram quentinhos e sempre conseguiam me fazer relaxar em qualquer momento.

–Bem vindo de volta, filho- disse no meu ouvido, ele se afastou e cutucou meu ombro com a palma da mão- como foi a escola?

–É...er...

Procurei palavras que não envolvessem “bullying”, “três porquinhos”, “dor”e “horrível”.

–Hm...normal.

E eu não menti. Vejam só isso!

–Mas eu tive que pegar um ônibus fora da rota- disse, sentindo o embrulho no estômago de novo- rua esburacada. Balançou muito.

–Ah- ele entendeu, tirou da pequena bolsa que sempre tinha pendurada um frasquinho com pílulas- tome. Deve melhorar, tá? Suba pro seu quarto e descanse um pouco.

–Hm... você não quer ajuda pra...?

–Não, suba e descanse. Eu dou um jeito na bagunça. Depois vou definitivamente fazer um ótimo bolo, okay?

Esfregou os dedos no meu cabelo e sorriu. Colocou os óculos de volta e eu me vi pensando se isso realmente daria certo. Quer dizer, ele poderia começar a ler o livro durante a faxina e ,sei lá, deixar escorrer água demais da torneira e causar uma inundação no apartamento, ele gritaria algo como “Filho, estou sentindo algo estranho subindo pelos meus pés, será que tem algum problema nos meus ossos?”. Só por precaução, tirei as coisas importantes que estavam no chão para que não se molhassem com o possível acidente.

De qualquer jeito, peguei a mala que estava jogada e subi as escadas.

Meu pai vivia falando para dormir em um quarto no andar de baixo, para que não me esforce. Mas acontece que o apartamento tem dois andares. Um com cozinha e sala e o outro com os quartos.

Quando a doença piora, eu geralmente durmo no sofá ou trazem a cama para baixo. Minha força, que nunca foi muita, diminui consideravelmente. Se eu em um ônibus mal consigo ficar de pé por muito tempo, você acha que em uma crise eu consigo subir escadas?

A resposta é não, para os lerdos que não entenderam.

Subi as escadas devagar para não piorar o estado do meu estômago. Cheguei arfando (apesar de terem sido só alguns poucos degraus, todo a combinação Paul Anderson+ônibus+buracos+Mana idiota deixou queimar bagulho e eu fui correndo apagar+escada+mente em frangalhos, resultou no meu cansaço físico e mental) em frente da porta branca com um sinal de “Keep Out” amarelo pendurado. Meu quarto. Meu paraíso.

A porta abriu rangendo com o meu peso caindo sobre ela. Só para garantir que eu não acabasse caindo e beijando o chão, segurei na maçaneta redonda e deixei que arrastasse meu corpo até ela bater na parede. Larguei a porta e me joguei na cama.

–Cheguei- disse mais para a cama do que para qualquer outra pessoa/coisa- finalmente estou de volta.

A cama estava arrumada (Mana havia ajeitado tudo), mas o quarto inteiro...bem... parecia que um furacão tinha passado por ali. Tá, não foi é assim... parecia que um furacão e dois tsunamis tinham acontecido ao mesmo tempo.

Se deixasse mais uma semana passar, poderíamos adicionar um terremoto à essa lista...

Espatifado entre os cobertores, engoli o remédio fazendo a típica careta.

Com o gosto amargo na boca, tirei o livro do Stephen King da mala. As páginas que haviam sido molhadas (babadas) tinham ondulações e as letras que antes contavam uma história de tirar o fôlego se misturavam como uma sopa de letras deformadas. Estava manchado.

Suspirei enquanto jogava a ruína de papel em minha mão de um lado e me deitava de outro.

–Eles não entendem, não é? Aqueles idiotas não entendem nada. Aposto que nunca leram um livro até o final. Quer dizer, que não fosse aqueles que ensinam a contar ou o alfabeto inteiro... Eles nem devem ter terminado esses, na verdade... Aposto que nem tocam em um livro que não tenha figuras coloridas.

Tá, você deve estar achando que eu sou maluco por ficar falando sozinho, mas esse não é o caso (acredite, eu já consultei psicólogos, terapeutas...). Quando você fica sozinho por muito tempo, você se acostuma (por dever) com a solidão. Por isso eu falava com ela. A solidão, quero dizer.

Pelo menos ela sempre estava do meu lado...

Okay, eu sou maluco. Admito. Mas isso não vai melhorar em nada.

Ajeitei meu corpo e o travesseiro, para que conseguisse respirar melhor.

O meu tesouro estava bem à minha frente.

Não me refiro ao X-Box, nem ao PS3 que estão perto da TV. Quer dizer, eles também.

Mas a minha estante de livros e mangás era muito mais importante. Estavam em um patamar muito mais elevado do que as imagens dos jogos violentos proporcionavam.

Cada um daqueles conjuntos de páginas a minha frente me apresentava um mundo diferente. Eu queria mergulhar em cada um deles e deixar a minha existência desaparecer dessa vida.

Eu queria viver nos meus sonhos.

Porque heróis não existem nesse mundo.

Por isso, peguei um mangá nas mãos e comecei a ler.

Agora eu era o mais poderoso guerreiro que o mundo poderia ter.

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Não vou mentir, eu realmente passei uma noite em claro lendo e jogando vídeo game sem parar. Era de se pensar que alguém antisocial como eu não passasse muito tempo acordado por não ter muito o que fazer. Mas livros e fases de jogos diversos ocupam bastante de seu tempo.

Até que Mana brigou comigo e me obrigou a deitar (isso ás 4 da manhã). O ruim de ir dormir, é que tem que passar por um ritual todas as noites. Fica cansativo. Colocou os tubos no meu nariz que me ajudavam a respirar de noite e manter tudo normal na medida do possível, aquele aparelho fazia um barulho estranho parecido com sucção e costumava atrapalhar meu sono, mas depois de tempos usando isso, a gente aprende a se acostumar. Conferiu o kit de primeiros socorros ao lado da cama, com todo tipo de coisa necessária para uma emergência. Encheu e deixou ao meu lado uma garrafa de água. Me deu o coquetel horrível de remédios amontoados em um copinho (eram coloridos, mas isso não melhorava em nada no gosto amargo e desagradável), me deu o beijo de boa noite melado que ele sempre dava e saiu de fininho para fora do quarto. Deixando-me sozinho em cima da cama. Eu e o aparelho cortando o silêncio da noite com o barulho de sucção, parecia que havia um asmático dormindo embaixo da minha cama. Mas quem se importa? Tinha um albino doente com insônia em cima dela, mesmo.

Eu caí no sono. Em um momento eu estava pensando nas cenas de livros e mangás que havia lido e no outro estava vivenciando-as nos meus sonhos. Essa era a melhor sensação.

Estava tudo muito bem.

Por isso eu fiquei um pouco chateado quando me acordaram de manhã e interromperam meus momentos de imaginação sem limites. Eram malditas 8hrs!! Eu entraria em pânico por ter acordado atrasado para a escola, mas quando abri os olhos (meio relutante) vislumbrei a imagem de Mana embaçada e, ao lado dele, uma forma que eu reconhecia muito bem.

Eu queria cumprimentá-lo, mas do jeito que eu estava (molenga por ter acabado de acordar, o braço dormente batendo no meu rosto quando eu virava, o lado de meu rosto coberto de saliva seca, os cabelos emaranhados para o alto e o aparelho passando ar pelos tubos no meu corpo) eu acho que resmunguei um “Hãhm..dihã...”. Ou outra fala tão inteligente quanto.

Mana tirou os tubos (já que meu braço estava imóvel e formigando) e eu finalmente consegui pegar meus óculos no criado-mudo.

–Hm...- disse em meio a um bocejo- bom dia.

Com as lentes dos óculos corrigindo minha vista, agora eu conseguia ver as formas mais definidas. Mana sorrindo e o Dr. Lee ao seu lado.

Não usava o avental branco que eu costumava ver quando ia para consultas na clínica, usava jeans e uma camisa social, completando o visual com pantufas xadrez e uma boina estranha (que destonavam toda a combinação, aparentemente, séria). Os óculos bem ajeitados no rosto e os cabelos que iam até os ombros tinham pequenos cachinhos que faziam suas pontas ficarem viradas para fora.

Ele costumava fazer minhas consultas em casa, para não me obrigar a sair dela. Em parte porque ele se preocupava com a minha saúde, em parte porque ele sabia que eu não gostava de sair muito. E em parte porque ele gostava de ver que alguém tinha um quarto mais bagunçado que seu escritório.

Ele podia aparentar ser sério às vezes (mesmo com essas pantufas). Mas eu sabia que ele era idiota.

Hm...no bom sentido, acho...

Ele era meio maluco, mas inteligente.

Ele é a prova de que a genialidade caminha lado a lado com a...babaquice.

Espera, essa não era a frase certa...

Mas não tinha tempo para lembrar a frase. Lee veio em minha direção em passos lentos que não faziam barulho por causa das pantufas e do tapete no meu quarto.

Antes que eu pudesse acordar para a vida, ele saltou no meu corpo ainda deitado e abraçou o meu pescoço.

–Alleeeeeen!- disse, como sempre fazia quando me via- soube que teve um quase ataque ontem. Está se sentindo bem? Consegue respirar? O coração não bateu demais? As pernas estão doloridas? Sentiu muito enjoo?

–Hã...hm...- nem me deu tempo para raciocinar as palavras na minha mente lerda e muito menos para responder.

Em um piscar de olhos (ou talvez eu estivesse com tanto sono que isso estaria refletindo no passar do tempo em minha visão) ele estava com vários instrumentos médicos diferentes examinando meu corpo. Levantou meu braço, abaixou, mexeu na minha perna, tocou meu peito e depois se afastou. Eu confesso que desde que ele me abraçou o meu corpo estava dolorido, ele não é de aguentar muitas coisas.

–Bem...hm... parece tudo bem.

Ele nunca me parecia convincente quando falava isso. Devia ser porque ele sabia que NÃO PODIA estar tudo bem, mas podia não estar na pior.

Apesar de que eu senti uma hesitação e tremor a mais naquela frase dessa vez.

–Vou continuar examinando- disse- Mana, faça o possível para que ele não se esforce demais. E Allen- seus olhos se estreitaram- não se esforce demais.

Como se eu não soubesse disso...

–Tudo bem, tudo bem. Eu prometo que...

–Allen?

Eu não consegui responder ou terminar. Uma sensação ruim estremeceu meu corpo. Eu senti frio, apesar do sol estar forte lá fora. Meus olhos estremeceram um pouco. Quando eu havia finalmente falado uma frase com palavras que faziam sentido, minha garganta estava estranha e o ar que eu tinha expirado com as palavras...ele não estava voltando.

Coloquei a mão no meu peito. E tentei me concentrar em respirar, apenas.

Senti a mão do Dr. Lee no meu ombro e vozes distantes, mas eu tinha que puxar o ar de volta. Não tinha tempo para decifrar os barulhos.

Depois de segundos (que mais pareceram horas) arfando como um peixe fora d’água, eu estava conseguindo respirar mais normalmente.

O doutor bufou em alívio como se estivesse segurando o ar desde que eu parara de respirar e Mana agarrou meu pescoço.

–Ai, tá doendo- disse para meu pai com a voz ainda falhada.

–Desculpa, desculpa- ele disse, dando um tapa nas minhas costas, fazendo meu tronco doer.

Dr. Lee usou mais alguns instrumentos e aplicou vários exames.

Eu apenas tive que ficar parado e deixá-lo entender cada parte do meu corpo. Já estava acostumado com esse tipo de visita, só queria que ele terminasse logo para que eu pudesse voltar a dormir e recompor minhas energias.

Ele levantou e guardou o estetoscópio que usava, tirou os óculos retangulares e guardou no bolso da camisa branca.

–Bem, é isso, Allen- ele disse, tentando um sorriso, mas parecia cansado.

Eu estranhei bastante, porque ele costumava dizer “tudo bem” ou “nos trinques” todo fim de exame matinal que ele fazia de tempos em tempos.

Hm...deve ser porque ele já havia falado antes, mesmo.

Ele me abraçou, mais forte do que o normal e me aconselhou novamente a não fazer muito esforço. Seus olhos estavam sérios, mesmo sem usar os óculos.

Entregou à Mana uma lista nutricional feita pela profissional sua amiga. E só consegui bufar por saber que lá viriam mais proibições de alimentos e recomendações saudáveis.

Eu não queria fingir ser saudável. Eu não era. Ponto final. Será que agora posso comer quilos de chocolate e batata frita em paz sem que armem um barraco?

Na verdade, a preocupação deles é de que algumas gorduras possam entupir minhas artérias, ou que algumas enzimas não funcionem. Isso aconteceu várias vezes e é um saco.

Eu estiquei meu braço, fino e dolorido, até a cômoda e tirei outro volume do mangá D.Gray-Man que estava jogado em cima dos meus fones. O que será que Austin e os exorcistas fariam contra os inimigos dessa vez?

Mal podia esperar para descobrir.

Dr. Lee sussurrou algo para Mana. E, aproveitando o fato de eu não poder sair da cama ainda, foram lá para fora. Eu poderia pensar que ele tinha ido embora e Mana tinha voltado aos afazeres domésticos de sempre. Mas eu sabia que eles tinham ido conversar escondido.

Isso deixava a minha ignorância um pouco perturbada.

Eu não me sentia nada bem com aquilo.

Conversas secretas que, tinha certeza, seriam sobre mim.

Por isso resolvi me preocupar com o volume de mangá que tinha em mãos, novinho em folha e pronto para ter sua história absorvida.

E deixei minha maior preocupação para a escola, onde eu teria que estar nesse horário amanhã.

OoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOo

–Pegou o sanduíche que deixei em cima da mesa?

–Peguei, pai.

–Celular? Com bateria cheia?

–Certinho.

–Remédio para dor? Indigestão? Xarope? A bomba?

–Sim, tudinho- levantei o cilindro que ele chamava de bomba. Era como uma bombinha de asmáticos, mas diferente. Eu não tinha asma. Apenas pulmões preguiçosos.

–Livros?

Sorri para ele e levantei uma sacola especial dentro da mochila de escola.

–Reabastecido-respondi, a sacola repleta dos mais diversos objetos de leitura que encontrei.

–Tudo bem, tudo bem- ele riu, dando uma mordida em uma torrada enquanto eu colocava a mochila nas costas, a alça pendurada apenas em um dos ombros- se divirta na escola, tá?

Eu podia resmungar um “Até parece, não me peça o impossível”, mas ele me abraçou como sempre fazia quando ia sair e me deu um beijo na testa, demorado e estalado.

Eu tinha a leve impressão de que ele fazia isso todas as vezes porque sabia que eu podia nunca mais voltar. Podia ser a última vez que ele tocava minha testa com os lábios. A testa de seu único filho.

Pensar nisso sempre me deixava um pouco desolado. Mais do que eu sempre estava.

Eu queria estar perto dele por mais tempo. Eu queria ser sua companhia. Quer dizer, eu já aceitei o fato de que vou morr...hm...não vou estar aqui por muito tempo. Mas deve ser difícil conviver com alguém que você sabe que dali dois anos ou menos pode não estar mais ali para conviver com você.

Quando ele se afastou, acariciou minha cabeça. Eu diria o “como ele sempre fazia”, mas aquilo...estava diferente. Estava mais demorado. Como se ele soubesse que...

Não. Não. Não. E não. N-ã-o. Se tem algo que eu aprendi deitado em um quarto de hospital com vários tubos passando pelo meu corpo, se tem algo que aprendi vendo cenas na TV de épocas futuras pelas quais eu nunca iria passar, se tem algo que aprendi vendo os olhos marejados do meu pai toda vez que eu falava algo como “quando eu morrer...”, era que não devia tocar ou pensar no assunto “minha morte”. Eu me sentia tentado a morrer quando pensava nisso. Não devia, nunca, pensar que algo iria acontecer. Fazia-me querer jogar tudo para cima e passar horas apenas chorando até as lágrimas secarem.

Meu espírito orgulhoso não permitiria isso.

Meu orgulho se mataria antes disso. O que não seria bom, a propósito.

Mesmo assim, quando ele me abraçou e me beijou (de novo, ele fez isso três vezes),eu tive a sensação ruim que eu menos queria ter. Eu havia visto olhos lacrimosos. E, mesmo assim, saí para ir à escola em mais um dia normal.

E por um momento eu realmente desejei, apesar das complicações e da rotina que inclui Paul Anderson, que aquele fosse um dia normal


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Notas finais do capítulo

Então, gostaram? Ideia do que vai acontecer?? Mereço reviews?? :3 Por favor...
Hm...vou colocar uma preview aqui hahaha
"Eu levantei o rosto e vi pingos avermelhados no chão. Meu nariz estava sangrando. E ninguém ligava. Na verdade, acharam muito engraçado. Como sempre me acharam."
"Eu nunca aceitei o fato de ter que morrer mais cedo. Nunca aceitei a morte, mas a vadia me aceitou. "
"Eu soltei uma ou duas lágrimas que molharam minha bochecha e meu pescoço. Mais de raiva do que de tristeza ou saudade."
Frases aleatórias que tirei do próximo capítulo.
Até o próximo!! o/