Pure Imagination escrita por Sweet Death, SaltedCaramel


Capítulo 17
I'm lifeless, that's the truth, that's the big secret


Notas iniciais do capítulo

Hey!!! Tudo bem com vocês??
Serei breve pois tenho que me trocar para sair agora hehe
—Capítulo não revisado, ok? De novo...
—Concentra na conversa Allen-Kanda-Komui.
—Nome do cap inspirado no Nico di Angelo haha (parte que ele revela ter queda por Percy)
—Muito obrigada a leitores novos e àqueles que comentaram!!
—Leiam as notas finais, por favor!
—Fic Jasico que eu postei (como eu avisei que iria postar, achei melhor avisar que postei haha) http://fanfiction.com.br/historia/520424/Self_Destruction/
—Boa leitura! o/



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Meus dedos afundaram em um tufo de fios brancos que caía pelo meu rosto toda vez que mexia a cabeça quando virava o corpo. Aquela cor, clara, esquisita, fria nunca foi meu melhor trunfo do dia a dia. Deitado no sofá da sala e encarando o teto, me senti no impulso e decência de perguntar, apenas pelo ato e mais nada.

–Pai, por que meu cabelo é branco?

Mana estava lavando as louças usadas no almoço. O barulho de água corrente parou repentinamente depois de alguns segundos e eu sabia que ele estava a caminho para me explicar algo. Dava para sentir no clima quando eu tinha falado algo que pode tê-lo feito pensar coisas ruins e era exatamente o que estava sentindo.

Meu pai surgiu da cozinha, caminhando pela sala enquanto secava as mãos com o pano de secar louça. Tinha aquele olhar molhado no rosto e me arrependi na hora por ter perguntado algo ou mesmo existido. Lágrimas tem esse poder mesmo quando ainda não foram derramadas.

Algumas coisas devem ser evitadas em fala, porque desencadeiam infelizes reações nas pessoas ao redor quando você tem dias contados, poucos e ruins.

Larguei a mecha branca quando ele ocupou, naquela mesma calmaria que sempre tinha nesses momentos, o sofá à frente do meu. Estampava aquele olhar preocupado no rosto e seus olhos ficavam brilhantes como se os tivesse lustrado. Ou talvez trocado por um olho de personagem de anime. Sentei no sofá, porque sabia que era isso que ele estava esperando que eu fizesse para começar A conversa.

Só queria que nem todo comentário meu sobre eu mesmo desencadeasse esse tipo de acontecimento. Mas o psicólogo tinha avisado Mana de que às vezes conversas são as melhores soluções.

Ótimo. Os médicos dizem que são os remédios. O professor disse que são as companhias. Eu digo que música e leituras são temporárias, mas que a solução é mesmo o milagre, porque nessa situação a cura ainda está difícil. E a solução permanecesse desconhecida como se nem existisse.

Aos meus quatorze anos, já era o moleque mais melancólico e sem solução do mundo. Já tinha aprimorado minha ironia e jeito calculado de me manter longe de tudo, mas Mana continuava o mesmo chorão, principalmente depois que eu tinha contado que tinha passado dias matando aula em um cemitério falando com um túmulo (meu amigo) anos atrás. Tinha dias em casa que pareciam sessões de terapia.

–Desculpa, pai- decidi falar, depois de um silêncio e observação incômodos-foi uma pergunta retórica. Pode deixar, você tem que lavar as louças para ir trabalhar depois, melhor terminar logo ou vai acabar se atrasando.

O olhar que ele deu foi ainda pior. Nesses momentos, não havia nada que eu pudesse dizer para terminar aquela cena, por isso eu desejava que pudesse voltar ao passado e deixar de perguntar algumas coisas.

Molhei os lábios enquanto esperava a ideia chegar: o que eu deveria fazer nessas situações? Era complicado analisá-las e ainda pior ultrapassá-las.

–Eu vou subir para o quarto-disse, por fim, enquanto levantava do sofá- vou terminar a lição de casa de ler um pouco, ok? Se precisar de ajuda para lavar a louça...hã...deixe que depois eu dou um jeito.

Como sempre, sua voz estava mansa ao me impedir. Vozes mansas geralmente me deixavam nervoso, mas quando era Mana que as usava me deixavam triste.

–Ah, não, Allen- Mana advertiu- sente-se aí, sim? Vamos conversar, só isso. Só um pouquinho, por favor.

“Esse é exatamente o problema...”, pensei, escondendo um suspiro enquanto me sentava de volta em uma má vontade que para ele não existia além da melancolia disfarçada que os psicólogos indicaram.

Ok. Eu posso ser triste e esconder isso, mas eu escondo justamente porque não quero que transpareça. Não para Mana nem para mim, porque senão quebraremos juntos e não teremos como reparar.

Meu pai me encarava com aqueles olhos pensativos e eu continuava sentado, esperando qualquer coisa que pudesse acontecer. Foi depois de um longo tempo que ele decidiu se levantar e sentar ao lado de mim no sofá, deixou que uma mecha qualquer de meu cabelo escorregasse por entre os dedos e encarava os fios como se fossem um problema matemático. Um problema matemático muito difícil e infeliz.

–É sério, Mana- repeti, torcendo para que funcionasse- foi uma pergunta idiota que saiu sem querer. Não tem nenhum significado. De verdade. Pode voltar a fazer suas coisas, eu tenho que terminar as lições.

–Não-ele pareceu indignado- não, Allen, meu filho. Você precisa falar o que quer e se precisa saber algo eu vou te dizer. Por favor, não fique assim. Você é mais importante que o trabalho, filho.

“Não é que eu não saiba disso...”, pensei, “mas não quero falar nada. Esse é o problema. Eu não posso falar”.

–Então- ele acariciava as minhas costas com a mão-quer saber sobre seu cabelo? É isso?

Suspirei.

–Não, sério. Eu já sei. Gregor Mendel. Genes dominantes, genes recessivos. Acabei pegando os genes recessivos e agora tenho albinismo, que tem como característica falta de melanina e como consequência minha falta de cor. Por isso cabelo branco. Pai, biologia. Aprendemos na escola. Eu já sei de onde vem e por que tenho. Pronto. Sério. Pergunta respondida.

Ele olhava atentamente para mim, o que deixava difícil encontrar palavras ou me manter normal nos movimentos. Continuava a acariciar minhas costas com aquelas mãos ainda um pouco molhadas. Mas, apesar disso, parecia que nem tinha prestado atenção no que eu falava.

–Você sabe que não é disso que estou falando...- sussurrou.

Subitamente, me vi encurralado pelas palavras e ações. Mana estava certíssimo. E sempre quando viam por mim, eu me sentia assustado. Com certeza ele percebeu que havia fechado minha saída quando eu abaixei a cabeça.

–Allen, você quer falar algo?- disse- Pode falar. Você não ficaria assim se não fosse alguma coisa.

E esse é exatamente o problema. É alguma coisa. Na verdade é tudo e ao mesmo tempo nada. Às vezes, de repente, a angústia me bate e eu não consigo recordar o porquê. Às vezes, de repente, a situação total me bate e a angústia entra perfurando tudo que encontra na minha mente.

É tudo e nada.

É quando me olho no espelho e vejo aquela figura me encarando, que se camufla na claridade do sol e que se perde na multidão de pessoas. É quando eu acordo de manhã, logo depois de sonhar uma vida nova, caindo na realidade que dói nos pulmões, que dói nos braços...dói em tudo. Mas não dói mais que o sentimento de não pertencer a nada. De não ser nada.

E de odiar a mim mesmo mais que a todos os outros.

E o que é pior do que estar preso a uma pessoa que você não pode escapar? Eu sou minha própria prisão e meu próprio castigo. Toda vez que me vejo forçado a encarar a sociedade de frente e vejo que, apesar dos conselhos, apesar do apoio, eu continuo sendo o mesmo albino fracote, dotado de nada mais nada menos que ironia barata, livros numerosos, imaginação iludida e branquice brilhosa. Fraquezas que às vezes disfarço de armar.

É tudo, Mana. Tudo. Porque eu não tenho nada.

–Não sei, pai- sussurrei, contendo a umidade nos olhos- acho que é só angústia. Só ela.

–Então, vou te abraçar até que deixe de ser angustiado- ele me envolveu em seus braços quentes. Meu corpo era frio e fraco, mas rodeado por Mana ele parecia tão forte e vivo quando eu o sentia. Ficamos assim por muitos minutos, sentindo o calor expulsar a angústia momentânea pouco a pouco, até que a umidade saiu e o horário se revelou apertado.

É tudo, Mana. Tudo. Porque eu não lhe conto nada que enche minha cabeça limitada. Eu não posso contar, porque como se conta a um pai que o problema é o filho?

Porque nesse mar de pessoas, eu não me sinto mais que um número curto.

–X-

A sala de Komui continuava tão bem organizada quanto da última vez que estive lá. O que simplesmente queria dizer que não estava nem um pouco organizada. Na verdade, parecia que ele havia conseguido arranjar lugar naquele espaço para mais bagunça, o que eu achava impossível já que até o teto estava ocupado de folhas desde a última vez que entrei.

–Sente-se, Allen-ele disse, como se fosse fácil encontrar o sofá em meio a tanto papel.

–Hm....-resmunguei, empurrando alguns papéis com o braço em uma saliência da sala para ver se era o lugar que procurava- claro...

Alguns papéis caíram para me revelar o sofá (ou pelo menos uma parte dele), tirei mais uma parte para conseguir sentar em um lugar que não fosse de arquivos. Vai que alguma coisa importante fica grudada em minha bunda... Seria um pouco vergonhoso e eu já tive minha cota de vergonha para duas vidas.

Tentei me aconchegar, levando em consideração que meu corpo ainda doía em todos seus mínimos ângulos. Agora só precisava esperar...alguma coisa. E tentar não cair na inconsciência no meio da conversa.

–Mandei Reever chamar Kanda- Komui avisou, tirando alguns papéis de sua cadeira confortável para se sentar- ele já deve estar a caminho.

Ele se inclinou em cima de sua mesa, colocando os olhos concentrados para cima de mim e cruzando os dedos como apoio para seu queixo. Ele estava mais que preocupado, ele parecia um pouco aflito.

–Vai me contar o que aconteceu?-perguntou- Kanda fez alguma coisa?

–Hã...Não é bem assim...mas é isso. Eu acho. Na verdade, não. Está mais para...é que...

Ouvi a porta atrás ser aberta, mas nem me virei por falta de força e vontade. Era Reever com aquela voz monótona e exausta típica da Divisão de Ciências.

–Kanda está aqui...- praticamente derramou as palavras no chão.

–Pode mandá-lo entrar- Komui avisou e depois tornou a virar para mim.

–...Já era, Komui-completei, ouvindo a porta se abrir-ele já sabe e acho que seria bom contar.

–Qu-

Komui desviou o olhar para a porta. Eu não precisava virar meu corpo, mas apenas analisar sua expressão para entender que Kanda estava entrando na sala, quieto como sempre . Os passos eram calmos, mas eram fortes em seu próprio jeito. O supervisor se ajeitou de volta a encostar-se à cadeira, mas eu continuei uma estátua, encarando meu próprio pé como se tivesse levado uma grande bronca.

Percebi que o japonês se sentou ao meu lado quando o sofá balançou e suas botas apareceram no meu campo de visão baixo. Eu estaria suando frio se não estivesse cansado até para isso.

–E aí, Kanda?- Komui perguntou, assim que eu levantei a cabeça- foi descansar no seu quarto?

–Eu teria ido, se você não tivesse feito o Reever me chamar.

Ele tinha seus olhos em mim e por isso eu não me atrevia a olhar para outro ponto que não fosse qualquer um atrás de Komui. Tentando manter meu olhar indiferente, coçava meus braços para aliviar o nervosismo, mas os olhos negros pesavam em cima de mim de um modo impossível de ignorar.

–E para que você me chamou, Komui? Anda logo, não tenho todo o tempo do mundo.

“Jogando verde”, pensei, “bem sutil, mas eu já sei e você também sabe”.

Komui deu de ombros.

–Não sei- respondeu- por que não pergunta para o garoto ao seu lado, hein? Ele que pediu isso aqui.

“Maldito”, xinguei em minha mente, “não jogue para mim se você sabe o que eu vou acabar fazendo! Kanda não vai deixar barato...”.

–Ah- o japonês conseguiu tirar um tom irônico e assim eu soube que meu pensamento estava correto- não vou perguntar nada...Komui.

“Ele percebeu”, quis avisar, “ele sabe que você está nessa, Lee”.

–Mas você fala desse garoto aqui?- apontou para mim- Por que se for assim, eu deveria pelo menos saber quem ele é.

Cerrei os olhos com força. “E...pronto”, pensei assim que ele falava. Komui sorriu, mas se fosse observador o bastante perceberia uma forma estranha nos lábios curvados. Era nervosismo.

–O que está falando, Kanda?-ele perguntou, com suas risadas desprocupadas-A innocence ilusionista te afetou também, é? Esse é Allen Walker, exorcista parasítico da Crown Clown, seu companheiro de missões há muito tempo.

Ele socou com força o banco, tanta que papéis voaram pela sala, mas isso não pareceu abalar Komui e muito menos eu mesmo.

–É porra nenhuma!- rosnou-Quer dizer...é, mas não é quem deveria ser!

–Ah- Komui inclinou a cabeça, tinha um mau olhar no rosto, como se estivesse prestes a vencer algo- e quem ele deveria ser, então?

Kanda arregalou os olhos, parecendo engasgar as palavras na garganta enquanto tentava dizê-las. Ou talvez não as encontrasse. Estava nervoso consigo mesmo por não conseguir dizer nada e por isso sentou e coçou o rosto com força, sua expressão sumiu entre as mãos. Foi quando eu entendi o ponto de Komui.

“Eles não podem se lembrar, certo?”, lembrei, “a partir do momento em que eu invado esse lugar, não posso ser um invasor de primeira ou tudo se bagunça. Se eles se lembrarem do...espera, qual era o nome dele, mesmo?”. Eu não conseguia me lembrar, o nome da pessoa que eu substituía, era como pensar no fim do Universo: embaralhava meus pensamentos e não chegava a lugar algum.

Eu também estava sendo bagunçado. Se eu me lembrasse dele, seria como negar que eu sou o “eu” verdadeiro. Seria me fazer um invasor completo.

Olhei para Komui. Ele tinha o olhar mais simples no rosto e era assim que eu entendia que ele sabia quem era antes. Ele tinha o controle da situação.

“Boa jogada”, pensei, como se falasse com ele. E como se eu tivesse pensado alto, ele olhou para mim e acenou com a cabeça levemente. Esse movimento me deixou mais confortável, apesar de não ser o bastante.

Suspirei de alívio, me arrependendo assim que meu corpo devolveu uma pontada forte em um lugar qualquer. Bem, agora que Kanda devia ter desistido, eu podia voltar para o meu quarto e dormir bastante, certo?

Errado.

Senti o moreno se livrar da dor de forçar as lembranças, porque tirou as mãos do rosto e determinou seu olhar feroz para nós dois. Levantou-se devagar, sem tirar a expressão do rosto, o que me deixou apreensivo e sem movimentos.

–Kanda...?- Komui parecia preocupado. Com certeza não mais que eu.

O japonês estreitou os olhos para mim, como se procurasse algo no meu corpo. E não parecia encontrar nada que satisfizesse sua procura. Aquele jeito estava me assustando, era como se com o olhar me cortasse em pedaços para verificar.

“Ele tinha dito uma vez, não?”, pensei, tentando me afastar no sofá, “que me abriria para verificar caso eu não dissesse quem eu era. Só não achei que podia fazer isso sem usar a espada...”. Tudo bem, olhar não vai ajudar se ele não lembrar.

Como se pudesse ler meus pensamentos pelo modo como meus olhos se amedrontavam em frentes aos dele, estreitou-os ainda mais. Deu alguns passos até estar quase colado às minhas pernas, eu sentado, ele em pé, e a distância da altura agora deixava ainda pior.

–K-Kanda?- murmurei, quando seu rosto se aproximou do meu.

Ele ergueu uma sobrancelha, talvez pela minha expressão medrosa, ou pela cor dos meus olhos (como todos sempre ficavam indiscretos diante dela), mas o que ele fez depois nunca passaria pela minha cabeça estrategicamente preparada. Quando eu pensei que ele fosse admitir que eu era apenas “eu” e se afastar, sua mão desceu velozmente até mim. E quando achei que fosse levar um soco sem grandes motivos aparentes, senti uma coisa esquisita nas partes baixas de meu corpo. Repreendi-me, dois segundos depois de sentir, por ter achado uma sensação boa (mínima, ok? MÍNIMA!) naquilo.

Ele havia agarrado minha virilha. Com força.

–Uaah!- disse, assim que percebi a direção do toque- o que está fazendo, Kanda?!

“Virgem”, me repreendi assim que o calor subiu pelas minhas bochechas, “sou um virjão por me sentir bem até nessas horas”.

Ele tirou os dedos como se não tivesse acabado de pegar na parte íntima de um garoto que ele supostamente odeia. Komui estava surpreso demais para comentar alguma coisa.

–É um garoto- afirmou.

Eu usei minha melhor expressão indignada, mas não ficou das melhores tendo um rosto em chamas.

–Óbvio que sou um garoto!

–Allen!-Komui gritou. Estava me avisando de algo, mas ler olhos não é fácil quando um homem agarrou sua virilha.

Droga. Kanda tocou minhas partes íntimas! Isso é assédio, sabia??

–Isso é assédio, sabia??- devolvi, assim que surgiu na minha mente, acabando por ignorar Komui.

–Não- ele respondeu, apertando os punhos-é confirmação.

Minha respiração estava apressada de tanta confusão, esmaguei-me contra as costas do sofá, mas não que isso fosse melhorar a situação ou impedi-lo de “verificar meu sexo” de novo.

Ele virou para Komui. Tinha olhos determinados, mas totalmente confusos como se ainda tentasse confirmar a verdade dentro de suas lembranças.

–Era uma garota-rosnou- antes era uma garota não era? Austin Brooke, uma garota exorcista.

A realização veio como um flash. Eu lembrei do nome e do que lia, mas...antes era um garoto? Não, Austin sempre fora uma garota. Isso é mal, minhas lembranças estavam confusas desde muito tempo, camuflando as informações para me “tornar o mesmo que Austin Brooke”. E mais do apenas diferentes mundos e poderes nos separavam. O sexo era diferente. E se camufla nas memórias.

Minha cabeça latejava e eu tentava não pensar em nada complicado como a minha vida, ou iria explodir naquele momento.

Komui suspirou, afundando o rosto nas mãos. Ele tinha que pensar em algo, ele tinha que falar algo, porque eu não estou em condições de pensar mais do que em descansar.

–Kanda- a voz de Komui estava dura- do que está falando?

O japonês apertou o rosto para o supervisor, mas em nada foi capaz de abalá-lo. Os óculos escondiam aquele olhar pontiagudo e,no entanto, também eram capazes de torná-lo pior.

–Não se finja de desentendido, Komui- Kanda podia ser afiado e esperto quando se esforçava, mas não queria que ele desse seu lado aquela hora- havia uma exorcista discípula de Cross Marian, de innocence parasítica, que eu empurrei do telhado na última missão- ele parecia contrariado, mas firme enquanto tentava lembrar- e no hospital ele estava lá... não estava?

“Ele” sou eu.

Novamente, não sou mais que uma palavra de tom malévolo e rejeitado.

–E não parecia muito familiarizado com atividade em campo. Ele não age como um exorcista treinado, ele tem modos diferentes de pensar.

–Talvez isso queira dizer que apenas tenha adquirido outro modo complementar de resolver uma missão, Kanda. Não fique achando q-

–E de repente vira um garoto?- rosnou, seu punho amassou papéis na mesa do supervisor-Ele não é o mesmo.

–Não acha que está equivocado?- Komui ainda tentava- Que garantia tem de que ele era uma garota? Ninguém mais pensa assim, e ele é um garoto, Kanda. Acho que você precisa de descanso.

Ele olhou de relance para mim, com aqueles olhos agressivos que tentavam ler por mim algum resquício de verdade. Kanda era um garoto forte. Eu tinha essa certeza, mas não sabia por que era tanta. Então lembrei que eu lia sobre ele. Eu sabia de seus momentos e suas falas, do jeito que ele agia e como ele terminou suas missões anteriores. Eu o tinha aqui dentro e talvez fosse por isso que resolvi finalmente me intrometer na conversa, de voz ainda difícil.

–Komui- chamei- não há jeito. Ele sabe. Ele ficou nisso a missão inteira, falando sobre como eu era traidor. Acabou, é isso. Desista. Muito obrigado por tentar me cobrir.

Precisava de descanso demais e esforço inválido de menos. Se era isso, então o seria.

Komui coçou a nuca. No fundo ele sabia que eu estava certo e nada mais tínhamos a fazer senão desistir e contar.

–Vai- eu pedi- conte-lhe e depois eu vou embora...da Ordem.

Lançou-me o olhar de pena, mas eu recusei. Não fazia sentido. Se Kanda soubesse, outros iam saber e enquanto vissem o intruso, não teria motivo e jeito para que eu pudesse ficar na Ordem. Eu havia invadido mais que um mundo: eu havia invadido suas vidas pessoas e memórias. Veriam-me como traidor e seria enxotado de qualquer jeito.

–Kanda, sente-se- Komui pediu, com a voz calma disfarçada- sente-se. Logo.

O japonês retornou ao assento.

Komui respirou fundo, uma, duas, três vezes. No entanto, eu simplesmente me inclinei mais para o sofá e fechei os olhos, entregando minha visão ao escuro e os sentidos à audição. Não queria saber mais do que precisava daquela conversa e já estava dolorido demais para acabar em comprometer o meu emocional também.

–Peço que ouça com atenção e espere para falar se quiser, tá?- Komui começou, estava cautelosamente deixando as palavras fluírem- Allen não é exatamente daqui.

–Eu sei, é alguém de outra Organização ou coisa do tipo.

–Eu disse para esperar- suspirou- e quando disse “aqui”, não estou dizendo “Ordem Negra”, é...espere eu falar!- Kanda devia ter aberto a boca, era incrível como ele nunca falava nada, mas agora estava interrompendo-o para falar- eu estou falando desse mundo.

Seguiu-se um silêncio que me deixou nervoso.

–Eu o chamei de alienígena, mas não achei que fosse verdade...- sussurrou.

–Também não é isso. Quero dizer Universo. Kanda, serei breve e sem grandes explicações, mas você já deve ter ouvido falar de que vivemos entre vários Universos, não?- Kanda deve ter concordado no intervalo silencioso-Allen não é desse. Ele...ele é um garoto simples que vivia em outro lugar, apenas isso. Eu o busquei e o trouxe para cá, mas ele entrou no lugar de Austin. Convenhamos que ela nunca foi das melhores pessoas, não? Fria, como se não fosse real.

Kanda engoliu em seco, parecia concordar quando fez isso.

–Só acredite, ok? Pense nas memórias distorcidas, tudo isso comprova. Ele tem outras...experiências que podem ser úteis nas missões. Afinal, vocês conseguiram, não conseguiram? Pode pensar com calma sobre isso. Tente, pelo menos. O que você precisa saber é o seguinte: Allen veio de outro lugar, por isso não é a mesma pessoa.

Seguiu-se outro grande silêncio.

–Então...- Kanda começou- o ataque que ele teve enquanto buscava arquivos na prefeitura...tem alguma coisa a ver?

E finalmente o assunto foi tocado. Abri os olhos calmamente enquanto me sentava de volta no sofá. Komui franziu o cenho para a pergunta.

–O...quê?- ele perguntou, aflito.

–É isso- eu disse- eu tive aquelas dores. Meus olhos lacrimejaram, as imagens embaçaram, as vozes se afastaram, meu corpo doía em todos os lugares...–respirei fundo- O mesmo ataque, Komui. Meu corpo não deveria estar bom?

–Mas... eu não sei. Ele parecia ótimo antes... Será que não se completou?

Ri amargamente.

–Talvez seja isso mesmo. Aqui ou lá, eu morro de qualquer jeito porque é o meu destino.

Tentei não transparecer a mágoa na voz e no rosto enquanto levantava.

–Por quê?- Kanda perguntou, tinha a voz curiosa- O que tem o seu corpo? Como você veio para cá?

–Allen tinha uma doença fatal no outro lugar- Komui respondeu- ia morrer dali um ano, mas morreu antes e assim eu o trouxe. Achava que tinha curado totalmente, mas parece que não. Pelo menos creio que esteja mais fraca que antes, depois irei analisar com cuidado. Temos que ver esses ferimentos recentes também.

Acenei com a cabeça.

–Bem, é isso, Kanda. Eu não passo de um garoto perdido e morto em um mundo esquisito, sem nenhuma esperança- disse, vendo o brilho estranho nos olhos dele ao mesmo tempo em que umedecia os meus- tente esquecer isso, ok? Vou demorar um pouco, mas logo estarei pronto.

–Pronto para quê?- ele perguntou.

–Ir embora- respondi, apontando com o polegar para a porta- da Ordem. Eu disse isso, lembra? Não tem como permanecer aqui sendo visto como aquele que bagunça suas vidas. Eu não quero piorar tudo. Daqui a pouco eu provavelmente estarei morto de um jeito ou outro. Aqui ou mais para lá não tem diferença.

Dei dois passos lentos e doloridos antes de sentir meu pulso ser puxado de volta.

–Espera. Você não vai dar nenhum passo para fora daqui. - Kanda disse e depois se voltou para Komui- Tsc.E eu acho que o que eu tenho é importante.

Tinha algo nele que me fazia confiar. Só não sei o que era, mas era familiar. Como se eu...já tivesse visto algo sobre ele antes. Ou lido. Tinha compreensão e (espanque-me se for presunção demais) compaixão estampadas nas íris profundas.

“Talvez ele também esteja perdido nesse mundo”, pensei, “Talvez não se encaixe. Talvez ele também se sinta morto. Se eu o contasse sobre quem eu era...ele aceitaria quem eu sou também?”. Mas precisei me ater a apenas pensar, porque já conhecia mais mágoa e arrependimento do que o necessário.

Mas eu estava muito mais interessado no que ele tinha para falar. O jeito como ele apertou minha pele dava-me uma péssima sensação futura. Kanda demorou a falar, provavelmente decidindo se era uma boa ideia confiar na “dupla-complô-ficção-científica”. Enfim, tomou iniciativa.

–Tsc. O akuma me deixou mais uma coisa- seus olhos perfuravam o chão entre ele e Komui- um recado que acho que é para ele.

E mesmo assim não me olhava, por mais que estivesse ao meu lado. O moreno franziu as sobrancelhas com concentração.

–Disse que tinham algo importante com eles. Algo que precisava.

Como se uma flecha perfurasse meu corpo, a realização veio tão forte que me livrei do contato. De repente, nada no meu corpo doía mais que o interior e eu desejava que tudo permanecesse em segredo. Desejava que meus pensamentos fossem mais lerdos do que realmente eram e que tivesse saído por aquela porta antes que Kanda aceitasse que eu ficasse.

Meus olhos arderam quando senti vontade de chorar por qualquer coisa.

Não. Não podia ser, certo?

Apertei com força o tecido de seu uniforme e foi quando ele finalmente olhou para mim, surpreendendo-se pela lágrima que descia pelo meu rosto. Solitariamente.

–Mana?


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Notas finais do capítulo

Gostaram?? Odiaram?? Por favor, falem comigo T^T prometo ser boazinha...
Para aqueles que querem, eu comecei a postar a fic Jasico (MASOQ? Você tem duas fics para cuidar e agora tem uma terceira?? Pois é...foi irresistível... mas é bem curtinha :)), está aqui: http://fanfiction.com.br/historia/520424/Self_Destruction/

Pelo menos deem uma olhada, por favor haha
—X-
E agora, hein?Mana está aí? Não está? O que está acontecendo? As coisas começam a se complicar hahaha
Muito obrigada!
Até! o/