O Sangue do Olimpo escrita por Belona
Annabeth...
Annabeth...
Filha...
O mundo ainda estava nebuloso. Nada fazia coerência, minha mente ainda estava embaralhada. Não porque eu não tinha capacidade de botá-la pra funcionar, e sim porque eu não queria encarar os fatos.
– Annabeth. – A voz soou mais firme. E então vi minha mãe.
Estava do mesmo modo que estivera na última alucinação. Sobrancelhas arqueadas, os cabelos caindo pelos ombros.
– Annabeth, eu preciso de você.
– Annabeth, eu sinto muito.
– Annabeth, eu estou orgulhosa.
– Annabeth... A Sabedoria está em suas mãos.
– Não. – Respondi. Hum, no sonho eu tinha voz... – Você estava decepcionada.
– Annabeth, não era eu. Filha, eu precisava de você, e preciso agora.
– Encontrei Atena Parthenos.
– Eu sei. E estou satisfeita.
– Sempre. Nunca, nada do que eu faça pode abalar alguma coisa.
– Ah, não? – Uma de suas sobrancelhas se ergueu mais ainda. – A filha de Atena caiu no Tártaro, matou Aracne, lutou e voltou.
– A filha de Atena caiu no Tártaro, junto com o filho de Poseidon. O filho do deus do mar matou Aracne, lutou com a garota de Atena e graças a ele ela conseguiu voltar.
Silêncio.
– Por isso eu sinto tanto... Tanto receio de fazer o que você quer. Nada basta. Eu faço, mas o que eu quero nunca está em questão.
– O que você quer, então?
– Perseu Jackson.
Ela sorriu.
– Mas isso você já tem.
– Mas isso você não tolera.
– Tola. Duas vezes tola. Tola por não querer sabedoria, e tola por acreditar que não o quero. Se não o quisesse com você de verdade, ele já não pisaria no mesmo chão que você.
– Você quer dizer então que...
Atena olhou para mim. Ela já me encarava, porém algo em seu olhar foi como um toque. Eu me calei.
– Eu quero dizer que eu desejo sua felicidade, filha... Nunca desejei o contrário. Eu desejo sua ajuda.
– Como é que eu posso te ajudar, mãe?
Atena entreabriu os lábios, pronta para me responder. Repentinamente, seus olhos escureceram e seu cabelo encrespou.
– Você não é minha filha.
– Como é que é?
– Você prefere o amor e a felicidade acima da sabedoria e da honra.
– Mãe...
– NÃO ME CHAME DE MÃE. Eu não sou sua mãe, já disse. Eu sou Minerva.
***
Pensei que acordaria, mas apenas voltei a fitar o Oráculo.
Sabem que a morte os espera.
Então ele se dissolveu e todo o gelo e névoa começaram a se dissipar. Percy abaixou a espada, e eventualmente o meu braço também, uma vez que ambos segurávamos Contracorrente.
O crepitar da crosta que cobria o convés fazia um som caótico, e começou a derreter muito lentamente.
– Você viu a mesma coisa que eu? – Perguntei.
– Depende do que você viu.
Algo em seus olhos mostrava que não era a mesma coisa. Ele encolheu os ombros.
– Desculpe. Provavelmente, não.
– Eu sei – admiti.
Ficamos em silêncio por um tempo, observando o sol terminar de se levantar e aquecer o convés, para derreter todo aquele gelo.
– Então... – Percy falou – Somos o sangue do Olimpo?
– É o que tudo aparenta.
– Sinto muito.
Sorri.
– Não sinta. Vamos ser um só, lembra? Somos um só. E acho que você já sabia que isso ia acontecer.
Ele sorriu.
– É.
Piper subiu correndo ao convés.
Só que ela não sabia que ele estava liso.
E escorregou, porém Percy segurou-a.
– O que é que está acontecendo? – Ela perguntou, enquanto ajudávamos a colocá-la em pé. – E que frio é esse?
– Não aconteceu nada – Olhei para Percy, e ele entendeu. – Acho que choveu um pouco durante a noite.
Jason chegou nessa hora, com uma cara de quem havia caído da cama. Ele não escorregou, ao invés disso, imediatamente agarrou o braço de sua namorada.
– Dormiu bem?
– Jason? Hã, sim. Quer dizer, mais ou menos. – Ela levantou um pouco a blusa, mostrando um hematoma roxo nas costelas. – Eu só...
– Droga. – Jason disse e saiu pisando duro para dentro novamente.
– ... Caí da cama. – Piper franziu as sobrancelhas. – Só isso. O que é que deu nele?
Toquei o roxo dela com um dedo, ela estremeceu. A carne parecia estar rasgada, e a costela não estava, digamos... Inteira.
– Piper, isso aqui é mais sério. Você não caiu da cama simplesmente.
Jason voltou ao convés, com cara ainda amarrada, e ficou olhando.
– Bom... Não consegue se lembrar de nada? Um monstro, uma batida, uma batalha, um...
– Um sonho? – Jason indagou. – Um pesadelo?
– Não, eu não lembro. As noites estão sendo mais turbulentas com pesadelos, mas...
– Piper, não importa. Vamos ter que arrumar isso.
Ela assentiu.
– Vai doer. – Alertei. Lembrei-me das minhas costelas quebradas, aos treze anos, quando Polifemo praticamente as esmagou contra uma rocha. – Jason, abrace-a por trás.
O rapaz foi até ela e passou os braços por sua cintura.
– Não, segure-a pelos braços. – Jason a segurou pelas axilas, prendendo os braços sobre o peito dela. – Quando eu contar até três, puxe-a para cima. Sem dó.
Hesitou por um instante, por fim assentiu.
– Um... Dois... Três.
Ele a puxou, e um estalo ocorreu. Piper não gritou, apenas prendeu a respiração.
– Acabou?
– Não. Precisamos dar um jeito nisso. Percy, Jason, podem ficar de guarda?
– Sim, senhora. – Jason respondeu com um leve sorriso.
Fui com Piper até a enfermaria.
– Então quer dizer que você é médica? – Ela perguntou enquanto sentava-se num banco e eu fechava a porta.
– Uma filha de Atena precisa saber de tudo um pouco.
Ela fez uma expressão que eu conhecia bem.
– Piper, pare de se achar inútil, deuses! Acontece.
– Acontece sempre comigo.
– Não, nem sempre. Poxa, se você fosse inútil, não seria um dos Sete. Além disso, não se esqueça de que eu sou a única aqui que não tem nenhum poder – Eu ri.
– Porém você tem todas as respostas. – Ela me abraçou. – Senti sua falta.
– Também senti, querida. – Suspirei.
– Foi ruim?
– Onde? – Perguntei já sabendo a resposta, e misturei num pote um pouco de ambrósia com néctar e creme para dor muscular.
– Tártaro.
– Não foi muito bom. – Ela ergueu a blusa de novo, e eu abri um pequeno corte no hematoma com a ponta de uma faca.
– Para o caso de ter veneno?
– Nunca se sabe. – Respondi.
– Você estava contando...
– Ah, sim. É o inferno de qualquer crença, não tem chance de ser legal.
– Aracne estava morta?
Ri novamente, espalhando a mistura na pele dela.
– Não. Estava lá, me esperando, mas Percy a matou.
Ela sorriu.
– Seu protetor.
– É. – Sorri, também.
– Acho que você não quer falar sobre isso.
– Não, tudo bem. – Pressionei um quadrado de tecido colante por cima de tudo. – Já passou. Mais alguma pergunta?
– Sim. Você é virgem?
Quase engasguei.
– Piper!
Ela estava gargalhando.
– Ué, eu fiz uma pergunta!
Eu ri.
– Uma pergunta indecente! – Sussurrei.
– Concordo, concordo... Enfim, você é ou não é? – Ela levantou uma sobrancelha.
Pensei em falar a verdade, porém respondi com outra pergunta.
– O que você acha?
– Hã, acho que você... – Piper torceu a boca. – Não é.
– Por que acha isso? – Indaguei baixinho.
– Bom, porque você e Percy são os mais velhos da equipe e... Sei lá, os mais... Apaixonados?
Tomei impulso com as mãos e sentei ao lado dela.
– Piper...
– Ou não foi com Percy?
– Piper! – A repreendi. – Eu sou virgem, claro que sou! E se fosse... Mudar, seria com Percy.
Ela sorriu.
– Huuuum...
– Esclareci suas dúvidas?
– Sim, digamos que sim. – Ela meneou a cabeça. Piper não sacava, mas ela era muito bonita.
– Sempre que tiver qualquer dúvida... Ou quiser perguntar qualquer coisa dessas pra mim, sabe que vou responder com sinceridade. – Confessei.
– Obrigada. Sabe que eu...
Alguns barulhos estranhos ecoaram no convés. Ficamos imóveis imediatamente. Mais barulhos, algumas vozes. Levei um dedo aos lábios, e Piper concordou. Ela puxou uma espada mais comprida que um gládio, e eu abri a porta. Andei na ponta dos pés até minha cabine e peguei minha própria espada de osso de drakon, que estava encostada no batente. Piper contou até três e, juntas, subimos ao convés.
Lá, Percy e Jason estavam com as respectivas espadas sacadas, paralisados e olhando para algo na proa. Quando olhei na direção, uma mulher estava apoiada na amurada. Era esbelta, alta – porém mais baixa que eu -, e usava um vestido verde. O vestido era solto, não dava pra ver onde começava e onde terminava, o cabelo era um interminável caleidoscópio de terra. Estava descalça e segurava dois chicotes, um em cada mão.
Gaia.
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