Nico di Angelo nunca tinha se amaldiçoado tanto como naquele dia. Tinha vários e bons motivos para se atirar de uma ponte e morrer. No momento essa ideia parecia muito atrativa. Ele havia se separado de Valentinna. Fora apenas um selinho, mas ele ainda estava com a sensação de formigamento dos lábios.

Seu primeiro beijo.

Não que ele não tivesse gostado da experiência. Apenas ele não havia imaginado que seria com Valentinna, no meio de um bando de pessoas forçando-o a beijá-la e muito menos... na frente de Percy. Oh, seu coração apertou no momento em que o viu, estático, observando a cena. Será que isso fazia parte de armação? Será Valentinna tinha planejado tudo de um forma tão bem calculada?

Pela primeira vez depois do beijo, Nico ergueu os olhos para a amiga. Ela estava congelada e completamente corada, o filho de Hades também estava mais ou menos nesse estado. Não. Isso não fazia parte do plano.

As pessoas ainda gritavam e diziam coisas com "own" ou "que casal diferente"; o moreno desejou com todas as forças que alguém acabasse com a algazarra e ele pudesse ficar sozinho. Ou se enfiar no Mundo Inferior. E como se "seu desejo fosse uma ordem", alguém começou a acalmar o grupo:

— Certo, pessoal, certo! Acho que já deu, - falou Percy - vocês provavelmente tem muitas atividades para fazer no acampamento, então...

— Tá com ciuminho, Jackson? - gritou alguém da multidão.

O de olhos verdes se virou na direção de onde vinha a voz, e com a voz mais sarcástica do mundo exclamou:

— Oh, não! - ergueu os braços em fingido rendimento - Me descobriram! Eu tenho um secreta queda por Nico di Angelo! Oh! - sua expressão tornou-se entediada - Por que não arruma algo útil para fazer e para de dizer coisas sem pé nem cabeça, falou?

Com essa frase, ouviram-se murmúrios de descontentamento e o grupo se dispersou, deixando Nico, Percy e Valentinna a sós. O filho de Poseidon acabou por conseguir fugir do silêncio incômodo que tomou conta do lugar. Então. Nico se viu livre para afirmar:

— Ele não sente nada por mim.

— Sente sim.

Nico suspirou, triste.

— Você não notou o sarcasmo na fala dele?

A garota o encarou, com a mesma expressão, só que agora seus olhos brilhavam, divertidos.

— Claro que notei! - ela deu uma risadinha - Mas quem é que foi que falou em Nico di Angelo?

* - * - *

Seu estômago revirou. Estivera a quase 10 minutos tentando se arrumar para a fogueira. Desde o que Valentinna lhe dissera que havia uma probabilidade de Percy sentir algo por Nico, o garoto não parou quieto. No começo não queria acreditar, tentou de vários modos convencer a amiga que estava equivocada. Porém, depois de um certo tempo (vários gritos e ofensas por parte da filha de Macária) acabou por aceitar a bela realidade.

Tentou ouvir a amiga e não fantasiar nada sobre isso, afinal, não havia cem por cento de certeza. Mas uma pessoa como Nico, acostumada a imaginar um mundinho perfeito, esqueceu-se da recomendação. Por fim se encontrou afundando em sonhos, nos quais Percy estava muito presente.

Após aceitar o fato de que não havia mais forma de melhorar seu cabelo, avaliou sua aparência: jeans pretos rasgados na altura do joelho, blusa do My Chemical Romance, tênis (meio surrados, mas o melhor par que tinha) e o anel de caveira no indicador da mão esquerda*. Os fios negros ainda estavam desarrumados e caiam sobre os olhos de mesma cor. Não era bonito, mas não chegava a ser feio.

Será que Percy repararia nele?

Afastou os devaneios de "idiota apaixonado" e saiu. Ele só não contava com um Jackson caminhando próximo a porta do chalé de Hades.

— P-percy? - chamou.

O mais velho balançou levemente a cabeça, como se quisesse espantar algum pensamento e se voltou para Nico:

— Oi? Ah! E aí, Nico?

— E aí?

Ficaram parados se encarando. Oh, grande erro. Só Nico sabia o quão grande era o labirinto dos olhos de Percy. Duas bonitas e cintilantes esmeraldas. Um belo mar verde o tragando lentamente, fazendo-o perder-se nas profundezas de seu sentimentos. Engoliu em seco, ignorando a fragilidade de sua pernas.

— Estava indo aonde? - perguntou o amigo.

— Para a fogueira. - respondeu em um tom que firmava o quão obvio era.

— Ah, pode crer... - disse coçando a nuca - Eu também estava indo pra lá...

Mais silêncio.

— Então... - começou Nico, tentando arrancar algo de Percy.

— Eu estou te atrapalhando, ou alguma coisa assim? - perguntou o mais velho - Se estiver, me desculpe... Acho que você vai se encontrar com Valentinna, certo?

O filho de Hades franziu o cenho: aquilo era ciúmes? Um pequeno sorriso brotou nos seus lábios.

— Na verdade, não. Por que a pergunta?

O de olhos verdes parecia incomodado com a pergunta do mais novo, embora não fosse essa a intenção. Mas precisava ter certeza...

— Vocês não estão... namorando?

"A palavra 'namorando' veio um pouco fria demais" pensou Nico. Seu sorriso discreto foi forçado a desaparecer, para que o moreno começasse o "teatrinho" que Valentinna passara horas fazendo-o treinar.

— Não. - assumiu uma expressão confusa - Como assim?

— Bem... - começou o maior - Vocês se beijaram, eu acabei achando que...

Nico fingiu uma risada. Se continuasse assim, o garoto acabaria ganhando um prêmio por atuar tão bem.

— Não, você não entendeu. - torceu para que a atuação desse certo - Eu e Valentinna já ficamos uma vez, acho que descobriram e quiseram nos juntar como uma espécie de casal. Mas somos só amigos mesmo.

— Sério?

Ao contrário de Nico, era óbvio que Percy não tinha tanto talento para mentir descaradamente. A alegria não tão bem contida chamou atenção na palavra.

— Quero dizer... - corrigiu seu tom, tornando-o sério - Verdade?

— Sim.

O toque para o jantar foi ouvido por Nico. Que acabou por caminhar junto a Percy, em direção ao refeitório.

Torcia para que felicidade em seu coração não fosse aparente.