Um Conto de Ônibus escrita por FreudDepre


Capítulo 11
Lágrimas e Chuva




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– Brincadeira.

– E quando não é? - Falo em tom repressivo, porém extremamente aliviado.

Claro, o que estava começando ali era o que eu mais desejava, porém eu não me sentia confortável em violar aquele lar. A mãe dele poderia voltar a qualquer momento, o pai poderia chegar... enfim, muita coisa me preocupava.

– Eu tenho que aproveitar que a chuva passou e ir embora.

– Não vai ficar para assistir? Poxa...

– Eu posso ver em casa. Me empresta os dvd's novamente?

Ele dá um sorriso de canto de boca e me passa os discos.

Lembro-me, então, que minha mãe passará os próximos dias fora. Seria uma má ideia chamá-lo para ir à minha casa?

– A gente se vê amanhã?

Aquela simples frase me encheu de alegria. Agora realmente parece que ele não quer só brincar comigo. Vejam só, já quer até saber quando nos veremos de novo!

– Claro. Se a gente não pegar o mesmo ônibus, te espero no ponto.

– Então combinado. Mas bem, de toda forma pode deixar que eu te levo até o ponto agora.

Nós descemos as escadas, Lucas abre a porta, e vejo a rua. Bem, o cenário agora é menos caótico, mas não significa que as coisas estavam melhores. Ainda ventava forte, e tinha muita lama nas ruas. Eu com certeza não poderia usar aquele tênis no dia seguinte...

Cruzamos o portão e vemos a mãe dele voltando.

– Já vai? - Pergunta ela.

– Eu disse para ele esperar mais um pouco, mas parece que ele tem algo urgente para fazer ainda hoje... - diz Lucas, antes que eu pudesse responder por mim.

– Entendo. Eu posso te levar pra casa, é só o tempo de tirar o carro da garagem.

– Não precisa se incomodar. - Digo.

– Tem certeza? Seria o tempo do Lucas tirar o carro da garagem.

– Não, de verdade, mas fico agradecido.

– Bem, tudo bem então. Foi um prazer, Vinícius.

– Foi um prazer também dona... - falo enquanto entro em desespero ao perceber que ainda não sabia o nome dela.

– Márcia.

– ... dona Márcia - completo dando uma risada sucinta ao constatar que a mãe de Lucas tem o mesmo nome que a minha.

Caminhando para o ponto, com Lucas, fico repassando tudo aquilo na minha mente... incrível como algumas horas atrás eu não poderia imaginar que estaria nessa rua com ele, nem que tudo aquilo aconteceria.

Percebo que ele me fita enquanto a gente anda, então resolvo mexer com ele.

– Então quer dizer que o senhor, além de levar estranhos para casa, já dirige mesmo sem carteira?

– Se é para ser um jovem errado, que o façamos da maneira correta. - diz ele dando um sorriso de canto de boca.

Ele então diminui a distância entre nós dois na calçada, se aproximando, e então apoia o braço esquerdo no meu ombro e diz:

– Sabe, eu fiquei imaginando isso desde o primeiro dia em que te vi naquele ônibus.

– Espera, então eu não era o único procurando um modo de abordar um estranho que havia acabado de ver dentro do ônibus?

– Eu acho que fora das atuais circunstâncias, eu não seria capaz de abordar um desconhecido do meu lado, mesmo que ele estivesse lendo um livro utilizado em alguma série que eu estava assistindo.

E tudo então pareceu fazer o maior sentido. Não era a sorte agindo a meu favor, mas sim o trabalho de ambas as partes... até aquele dia que resolvi segui-lo para emprestar o livro.

– Então, no dia do livro...

– Claro. Você acha que se eu realmente achasse que um estranho estava me seguindo, voltaria para me certificar?

– Ué, mas foi exatamente esse o caso!

– Mas você era o estranho pelo qual me interessei, então me permiti correr o risco.

Nesse momento ele me fita enquanto seu braço continua apoiado. Estamos nos aproximando no ponto, e nele tem apenas uma senhorinha. Lucas aproxima a cabeça da minha, mas parece que foi mútua a decisão de não repetir o que fizemos mais cedo, naquele mesmo ponto. Ele apenas apoia a testa na minha.

A senhora, ali no ponto, nos encara por alguns instantes, e eu percebo, afastando Lucas por um instante quase que por instinto.

Ela olha mais um pouco, e então fala:

– Meus jovens... não se incomodem com uma pobre senhorinha que só saiu de casa pra sacar sua aposentadoria.

Rimos e então Lucas me dá a mão, em um gesto tímido de carinho.

– Bem, vou voltando. Até amanhã, Vinícius.

– Até amanhã, Lucas.

– Ah, e obrigado pelo melhor dia... - diz Lucas com os olhos um pouco marejados.

Eu sorrio para ele, e então Lucas começa a voltar, enquanto me esforçava para enxergar o letreiro dos ônibus que já haviam voltado a circular.

Quando finalmente vejo o 353, dou o sinal, e ouço um barulho ensurdecedor de um carro freando repentinamente, como quem muito em cima da hora percebeu algo que deveria ter percebido muito antes.

Olho para a rua e vejo algumas pessoas se aproximando de um veículo, que não havia subido nas calçadas, estava ali mesmo na faixa dos transportes.

Olho mais atentamente e vejo o motorista sair do carro, e observo que há algo estranho na frente do carro, com uma mancha vermelha que se expandia a cada piscada dos meus olhos.

Instantaneamente procuro Lucas pela calçada, ele ainda deveria estar na visão do meu alcance, mas não o vejo.

Meu corpo gela, e saio correndo para perto do carro, e ali vejo um corpo, enquanto o motorista liga para alguém e pessoas vão se aglomerando.

Era Lucas.


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo será o último.



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