Um Conto de Ônibus escrita por FreudDepre


Capítulo 10
Bolinhos de Chuva


Notas iniciais do capítulo

Vinícius resolve aceitar o convite de Lucas e acaba conhecendo sua simpática mãe, enquanto tenta controlar seu nervosismo por contar mentiras e mais mentiras para ter um abrigo até que a tempestade cesse.



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Além de me roubar um beijo, depois de tudo aquilo, ainda estava me chamando para esperar a chuva passar na casa dele?

Confesso que sair dali não seria má ideia, mas ainda estava digerindo esse Lucas sádico. Além do mais, como seria isso? Algo "Oi, mãe. Oi, pai. Estou abrigando esse estranho que coincidentemente eu acabei de beijar na rua, até que a chuva passe. Tudo bem?"?

– Enfim, acho que realmente acabei te chateando, mas a gente pode até conversar melhor se você for comigo. Isso aqui vai ficar pior.

– Mas e seus pais? Não vão estranhar você abrigar um estranho em casa? - Indago.

– A essa hora só minha mãe está em casa, e provavelmente está trancada no quarto dela lendo toneladas e toneladas de livros. Além do mais, você é só um amigo da escola, se perguntarem.

– Mas não sei se você percebeu, não estou com uniforme...

– Claro, porque você não foi para a escola hoje. Acabei esbarrando com você no meio dessa tempestade.

– Mas e onde foi parar seu medo de ser sequestrado por um estranho?

– Mas eu já até roubei um beijo desse estranho. Veja só, se alguém soa periculoso, agora, esse alguém sou eu. - Diz Lucas, sorrindo.

Sou convencido. Caminhamos compartilhando o guarda-chuva dele, enquanto o vento insiste em dificultar nossa vida, sempre nos empurrando para trás com seus possíveis 80 quilômetros por hora.

Uns dois minutos depois, chegamos na casa. Lucas mexe nos bolsos e encontra a chave, destrancando assim o portão. Na nossa frente tem uma pequena escada, que parecia bem escorregadia devido à chuva. Subimos aqueles cinco ou seis degraus e chegamos na varanda, onde tinha um pequeno banco e uma mesinha de xadrez. Curioso, pergunto:

– Você curte xadrez?

– Não, mas meu pai sim, e me obriga a jogar com ele todo santo domingo, aqui fora. - Responde ele.

Fico ali sentado enquanto o rapaz caça a próxima chave para abrir a porta de sua casa. Vejo, dali, que a situação na rua da frente só piora. Já dava para enxergar alguns objetos boiando.

– Vamos? - Diz ele, ao abrir a casa.

– Mãe! - Berra ele, tentando localizá-la pela casa.

– Já falei para me procurar ao invés de berrar. - Diz uma voz um pouco distante, que vinha acompanhada do som de algo fritando. A mãe dele provavelmente estava na cozinha.

– Encontrei com um amigo da Apollo e trouxe ele pra cá até a chuva passar. Você pode ver lá em cima se tem roupas secas pra ele?

– Mas garoto, as roupas são suas. Como eu vou saber se tem? Veja você.

Depois disso, a mãe de Lucas sai da cozinha com um pano enxugando as mãos e me observa com um sorriso de quem estava muito receptiva com o "colega" do filho.

– Oi rapazinho, qual o seu nome?

– Vinícius. - Respondo sorrindo e dando a mão para um cumprimento mais formal.

Ela, então, corresponde. Aperta minha mão e olha bem em meus olhos.

– Vinícius... bem, acho que o Lucas nunca falou de você. São da mesma turma?

– N-na verdade não. Estou um ano na frente dele.

– Ah sim. Realmente você parece mais velho. Enfim, fique à vontade, e depois que aquele rebelde ali te arranjar roupas secas, venha com ele pra cozinha que fiz alguns bolinhos.

Ufa. Me senti em um interrogatório, mas a última fala dela me deixou completamente aliviado. Passamos do estranhamento, para um convite formal de lanche. Um belo avanço.

– Sobe comigo, Vinícius. A gente procura alguma coisa lá no armário. - Me convida Lucas.

Subo a escada, com o estudante à minha frente, e chegamos num pequeno corredor de três portas. Caminhamos até o final, e abrimos o último cômodo. Ali era o quarto do rapaz.

Azul chapado nas paredes, e o pôster de algumas bandas de rock na parede. Cama de solteiro, algo que me fez pensar que se, dos outros dois cômodos um era o quarto dos pais, e o outro um banheiro, Lucas era filho único. Escrivaninha em um dos cantos, uma TV acoplada a um suporte, e um armário enorme, que por apenas alguns centímetros não alcançava o teto.

– Pode escolher. - Diz Lucas, ao abrir as portas do colossal móvel.

Pego uma blusa azul e uma bermuda floral. Coincidentemente, o número que ele vestia era o mesmo que eu.

– Bem, o banheiro é bem em frente à escada. Vai lá, se troca, e deixa suas roupas molhadas na secadora. Até a hora que essa tempestade cessar, devem estar secas novamente.

Vou, me troco, e retorno para o quarto. Lucas já havia trocado de roupa também, e estava agora sentado na ponta da cama, procurando algo para assistir na TV. Fico ali da porta observando, e na falta do que falar, uma vez que ele parecia nem me perceber mais ali, falo:

– Sua mãe está nos esperando lá embaixo, não?

– Verdade. Vamos lá.

Descemos e nos dirigimos à cozinha. Nos sentamos à mesa e então chegam os bolinhos de chuva, que estavam com um cheiro espetacular.

– Como foi seu dia? - Pergunta a mãe do rapaz.

– Bem... o de sempre. Fui lá, estudei, e voltei. - Responde Lucas sem muita empolgação.

– E você, Vinícius? - Pergunta ela.

– B-bem, eu não fui hoje, fiquei em casa ajudando meu pai com a montagem de alguns móveis novos. - Minto descaradamente.

– Sei que não perguntaram, mas eu tive um dia ótimo. Levantei cedo, e já estou quase terminando o livro que comecei a ler pela manhã.

– Quase uma rotina... - Diz o filho.

– E falando nisso, voltarei lá para cima para terminá-lo. Com sorte já começo outro.

E então ela sobe. Ficamos eu e Lucas devorando os bolinhos, sem diálogo novamente. Resolvo aproveitar o momento e pergunto:

– Você é assim com todo mundo, ou viu em mim uma pessoa frágil, e por isso um alvo-fácil pros seus joguinhos?

– Com todo mundo? Não mesmo. Vou te dizer que raramente ajo dessa forma, porém, meu lado sádico realmente despertou quando percebi suas intenções comigo. - Responde como se estivesse dizendo algo normal.

– Mas eu realmente achei que mesmo após supor que eu tinha um namorado, você seguiria em frente. Aquela sua reação, de jogar tudo pro alto, quebrou minha articulação e me deixou sem reação. Até me senti mal, porque você foi embora antes que eu pudesse esclarecer tudo.

Bem. Mesmo que ele ainda estivesse errado, acabei cedendo e... perdoando tudo aquilo. Afinal, eu estava na casa dele, e logo depois de ter um beijo roubado. Aquele na minha frente aos poucos veio voltando a ser o Lucas pelo qual me fascinei mesmo sem conhecer.

A chuva então passa, apesar do céu continuar bem neblinado. É nesse momento que, mesmo querendo continuar ali, precisava avisar que iria embora.

Não me entendam mal. Eu queria muito ficar ali com Lucas, mas acontece que eu senti que estava fazendo isso do modo errado. Eu menti para a mãe dele, e ainda por cima era apenas um estranho instalado na casa dela. Isso não me deixava confortável.

– Entendo, e te perdoo. - Digo em tom de brincadeira. - Mas preciso ir embora, aproveitar que a chuva cessou um pouco.

– Mas já?

– Não me sinto bem mentindo para a sua mãe...

– Bem, ok então. Vamos subir e pegar suas roupas.

Voltamos então para o andar de cima, e vemos a mãe dele sair do quarto. Ela nos aborda.

– Vou aproveitar que a chuva passou e dar um pulinho no banco para pagar umas contas.

– Você conhece um sistema chamado Internet Banking? - Indaga Lucas.

– Você sabe que eu não confio nesse troço de computador. Se eu tentar fazer isso, um hacker vai falir nossa família. - Responde ela.

Lucas então bufa, enquanto ela desce. Ouço o som da porta duas vezes. Provavelmente na primeira abriu, e na segunda, fechou. Agora éramos só nós dois ali, e eu realmente fiquei nervoso com o que aquilo podia me fazer tentar com ele, porque, sinceramente, a ideia de violar o lar daquela família, sendo um simples estranho, me soava como algo terrível.

Vou então para o banheiro, e visto minhas roupas, que já estavam secas. Volto para o quarto de Lucas, e ele novamente está sentado na ponta da cama com o televisor ligado.

– Botei o primeiro episódio daquela série para você ver antes de ir. - Diz ele.

– E-e-eu posso assistir em casa.

– Não faça desfeita. Agora senta aqui e assista.

Ele falou de tal modo que, nossa, não consegui recusar. Soou como uma ordem, e acabei simplesmente acatando.

Sento-me ali na cama, ao lado dele, mas a última coisa que consigo fazer é prestar atenção na série. Fico em estado de alerta para perceber qualquer movimentação vinda dele.

– Calma, eu não mordo. Não ainda. - Brinca ele.

Dou um sorriso de canto de boca, tentando não demonstrar nervosismo.

É então que percebo que um braço, até então dando apoio a ele na cama, começa a se deslocar para perto de mim. E não só isso: esse mesmo braço começa a se levantar, e a palma da mão desse braço passa por trás das minhas costas e termina apoiada em meu ombro.

– Vamos continuar o que começamos naquele ponto?

Meu. Deus.


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Notas finais do capítulo

Dessa vez gostaria apenas de comentar que escrevi esse capítulo enquanto usava um boné.

Outra coisa: só impressão ou o Vinícius não tá preocupado com a mãe dele, que também saiu hoje, no meio desse caos climático?



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